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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.33 Lisboa mar. 2012

 

Intervenções Internacionais

 

Sónia Rodrigues*

Investigadora do ipri – unl e assistente convidada no Departamento de Estudos Políticos da fcsh – unl. Licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais pela fcsh – unl, mestre em História das Relações Internacionais pelo iscte – iul, e doutoranda em Relações Internacionais na fcsh – unl.

 

Ramesh Thakur, The Responsibility to Protect – Norms, Laws and the Use of Force in International Politics

Londres, Routledge, 2011, 232 pp.

A responsabilidade de proteger – doutrina criada em resposta ao ímpeto de Koffi Annan sobre a necessidade de a comunidade internacional reagir face a crises humanitárias críticas – teve origem conceptual com o relatório da Comissão Internacional sobre a Intervenção e a Soberania do Estado, apresentado em 2001.

Como conciliar a urgência de algumas intervenções humanitárias com a renitência do Estado soberano? Os doze autores do relatório de 2001 concluíram que tornando a responsabilidade de proteger um dever inerente à soberania, converteriam o Estado no agente essencial à protecção das suas populações e a comunidade internacional como o agente de reserva quando o Estado é incapaz ou contrário a essa protecção.

Ramesh Thakur, professor na Universidade Nacional da Austrália e co-autor do relatório que deu origem à doutrina, reúne em The Responsibility to Protect – Norms, Laws and the Use of Force in International Politics um conjunto de ensaios sobre a evolução e o impacto da doutrina na conceptualização das normas que orientam o sistema internacional.

Thakur salienta como a reconceptualização da soberania em responsabilidade foi profícua para atrair estados africanos e asiáticos, opostos ao paradigma da intervenção internacional, às vantagens da responsabilidade de proteger. O autor dos dez ensaios destaca ainda como o debate de 2009 na Assembleia Geral das Nações Unidas foi um claro reflexo da necessidade de equilibrar a não-intervenção com a não-indiferença e de como a progressiva implementação da responsabilidade de proteger constitui uma alteração normativa face ao paradigma da não-intervenção dominante nos debates sobre o intervencionismo dos anos 1990.

O professor de Relações Internacionais demonstra como as invasões do Iraque em 2003 e da Geórgia em 2008 não são casos de responsabilidade de proteger e de como a acção da comunidade internacional, ainda que não-militar, face à violência pós-eleitoral no Quénia, em 2008, foi um caso bem-sucedido da implementação da doutrina. Oautor argumenta ainda que o facto de não se ter alargado o espectro das causas justas (genocídio, extermínio étnico, crimes de guerra e contra a humanidade) aos efeitos de catástrofes naturais, na sequência dos danos que o ciclone Nargis provocou na Birmânia, e de a doutrina não ter minado o apoio considerável às acções das autoridades do Sri Lanka na defesa da integridade das suas fronteiras em 2009, perante os actos violentos de secessão dos Tigres Tamil, foram passos determinantes para a construção do consenso que se gerou em torno da progressiva institucionalização da responsabilidade de proteger como uma das normas que rege o uso da força no sistema internacional.

 

James Pattison, Humanitarian Intervention and the Responsibility to Protect: Who Should Intervene?

Oxford, Oxford University Press, 2010, 304 pp.

«Quem deve intervir?» é a pergunta subjacente ao longo da obra de James Pattison, que oferece uma reflexão crítica sobre o enquadramento jurídico, os motivos políticos e as normas morais que estão na base da selecção de casos potenciais alvo de intervenções humanitárias.

Ultrapassada a problemática sobre se se deve intervir ou não em crises humanitárias críticas, o académico da Universidade de Manchester procura saber que agente deve conduzir a responsabilidade de «salvar estranhos»: a onu, a nato ou a União Africana, um Estado ou uma coligação?

James Pattison, partindo de uma concepção normativa de legitimidade para conduzir as intervenções humanitárias, realça o significado moral e o estatuto jurídico do agente que intervém através de uma abordagem instrumentalista moderada. Para além da legitimidade jurídica do agente da intervenção – com ou sem autorização do Conselho de Segurança – a obra foca-se na eficácia da sua concretização, que o autor considera ser o factor central na ponderação do grau de legitimidade que determinado agente poderá ter na condução de uma intervenção humanitária. Neste sentido, James Pattison argumenta que a legitimidade de um agente está condicionada pelo seu nível de eficácia e que o autor divide em três tipos: a eficácia externa local (se a acção do agente aumenta ou diminui a defesa dos direitos humanos na comunidade alvo da intervenção); a eficácia externa global (se a acção local terá impacto na (não)defesa de direitos humanos a nível mundial); e a eficácia interna (se a acção externa local terá impacto na comunidade de origem do agente).

Assim, para além da análise das qualidades morais dos agentes e da sua (des)adequação aos respectivos cenários empíricos onde têm lugar as operações humanitárias, James Pattison pondera a hipótese de potenciais reformas na acção dos agentes e dos mecanismos à disposição da comunidade internacional, para as quais considera que a doutrina da responsabilidade de proteger contempla acções muito mais abrangentes do que a mera intervenção humanitária.

Quem tem a responsabilidade de intervir quando é necessário proteger estranhos que são alvo de extermínio étnico, genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade? De entre as instituições internacionais à disposição da comunidade internacional, James Pattison destaca a eficácia da nato como o agente preferencial para a condução de intervenções humanitárias.

 

Anne Orford, International Authority and the Responsibility to Protect

Cambridge, Cambridge University Press, 2011, 235 pp.

A emergência de novas formas de autoridade, como é o caso patente na execução de acções protectivas através do recurso à prevenção de conflitos, acções humanitárias, peacekeeping ou administração de territórios, levam Anne Orford a questionar criticamente a ordem internacional contemporânea e a explicar como é que o conceito de responsabilidade de proteger pode ser considerado um progresso normativo relevante.

No escrutínio do contexto histórico e jurisprudencial dos conceitos fundamentais à responsabilidade de proteger, ou seja, «protecção» e «soberania», e com recurso ao pensamento teórico de Thomas Hobbes e Carl Schmitt e a casos de estudo ilustrativos, nomeadamente o Iraque, o Kosovo ou o Darfur, a académica da Universidade de Melbourne questiona a centralidade do papel das instituições internacionais e destaca a (in)capacidade real das Nações Unidas, e de outros actores internacionais humanitários, para actuarem como um agente imparcial e independente sem se tornarem parte integrante do conflito.

Em International Authority and the Responsability to Protect, a autora argumenta que o ímpeto pela protecção como fundamento central para a autoridade de facto remonta aos tempos das revoluções protestante, burguesa, comunista e aos princípios da descolonização, associando o conceito de «autoridade» à capacidade efectiva de garantir a segurança e a protecção das populações – correlações essenciais à compreensão da doutrina da responsabilidade de proteger.

Anne Orford defende que a responsabilidade de proteger atribui ênfase à capacidade de facto de um agente e não exclusivamente à sua conformidade de jure, considerando que a doutrina constitui-se como um marco incontornável na evolução da concepção jurídico-normativa vigente desde a criação das Nações Unidas. A professora de Direito Internacional argumenta que se o conceito de «soberania» limita a jurisdição universal e a de outros estados soberanos, o conceito de responsabilidade de proteger consagra a distribuição de jurisdição/autoridade entre os estados e os actores internacionais.

 

Philip Cunliffe (ed.), Critical Perspectives on the Responsibility to Protect – Interrogating Theory and Practice

Londres, Routledge, 2011, 146 pp.

Desde Noam Chomsky a Aidan Hehir, Critical Perspectives on the Responsability to Protect – Interrogating Theory and Practice reúne o contributo de académicos dos mais diversos espectros ideológicos sobre a responsabilidade de proteger, num conjunto de ensaios que desconstrói criticamente o consenso generalizado sobre os efeitos benéficos da incorporação da doutrina na (re)construção normativa da (in)acção da comunidade internacional perante crises humanitárias críticas.

Os oito autores, distintos na abordagem disciplinar que escolhem para dissecar as fragilidades da doutrina mas unidos na necessidade de interrogar criticamente o consenso que foi construído em torno dos benefícios da responsabilidade de proteger, destacam que os princípios teóricos e as consequências políticas subjacentes à incorporação da doutrina em norma devem ser questionados.

Organizado em três partes temáticas – história e política, ordem e direito interna-cional, responsabilidade em proteger em África – o livro introduz o debate académico sobre a urgência de criticar o incriticável, isto é, como a tentativa de impedir genocídios, extermínio étnico, crimes de guerra e contra a humanidade pode não ser uma coisa boa. Na primeira parte, Noam Chomsky destaca como os mais altruístas princípios podem ser perversamente instrumenta-lizados para servir os interesses do expansionismo imperial do Ocidente, enquanto que David Chandler alerta para o facto de a doutrina poder ser um meio através do qual o Ocidente se esquiva dos custos político-económicos de respostas imediatas a crises e Tara McCormack salienta como o sucesso da aceitação da responsabilidade de proteger não é mais do que um reflexo da incapacidade do Ocidente em impor uma nova visão normativa à ordem internacional.

Na segunda parte, Philip Cunliffe mostra como a «doutrina em acção» não será mais do que uma sequência dos interesses nacionais e Mary O’Connell argumenta que a responsabilidade de proteger pode aumentar o recurso à guerra para alcançar a paz, enquanto que Aidan Hehir realça que a não-acção não deve ser considerada um fracasso moral. Por último, Adam Branch e Mahmood Mamdani questionam as razões que estão por detrás do consenso na aceitação da doutrina pelos líderes africanos e de como o recurso ao uso da força por uns é criminalizada (por exemplo, o Sudão no Darfur) e por outros é tolerada (por exemplo, o Uganda).

Adiversidade deste conjunto de ensaios compilados por Philip Cunliffe, de áreas tão distintas como a ciência política, o direito internacional, os estudos de segurança ou a teoria das relações internacionais, contribui para que a obra se torne uma referência substancial para a desconstrução do consenso que estabeleceu a responsabilidade de proteger em princípio unanimemente aceite pelos líderes presentes na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2005.

 

Notas

*A pedido da autora este texto não adopta as regras do Novo Acordo Ortográfico.