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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.33 Lisboa mar. 2012

 

Ásia

 

Constantino Xavier

Bolseiro Fulbright e doutorando em International Affairs na School of Advanced International Studies da Johns Hopkins University (Washington DC).

 

Brahma Chellaney, Water: Asia’s New Battleground

Washington DC, Georgetown University Press, 2011, 400 pp.

«This is the world’s most precious resource, we need to control as much of it as we can», avisa Dominic Greene, o vil magnata que enfrenta o «agente 007» algures no deserto sul-americano em Quantum of Solace (2008). O precioso recurso não é petróleo, nem ouro, é água. Brahma Chellaney, analista indiano no Center for Policy Reserch, em Nova Deli, concorda, olhando para a Ásia e apontando de forma alarmista para uma China que goza da vantagem de controlar o Tibete, o teto do mundo onde têm origem os principais rios asiáticos e dos quais dependem onze países a jusante, do Afeganistão ao Vietname.

Estes rios incluem o Brahmaputra (com nascente na China, percorrendo depois a Índia e desaguando num imenso delta no Bangladesh), o Indo (China, Índia, Paquistão) e o Mekong (China, Birmânia, Laos, Tailândia, Camboja, Vietname). No total, a Ásia conta 57 bacias hidrográficas com complexos sistemas ecológicos e socioeconómicos que ignoram fronteiras políticas.

Temos água, Ásia e um indiano sinófobo. Temos filme, portanto: se a China continuar a construir barragens a montante e a insistir numa abordagem coerciva ou estritamente bilateral nas dezenas de conflitos hidrográficos que a opõem aos seus vizinhos, o sonho de uma «nova Ásia» afundar-se-á num pântano de disputas diplomáticas e conflitos militares com imensos custos para a segurança internacional. É essa a mensagem principal que Chellaney nos dá neste livro. Gerir um recurso transnacional requer uma abordagem multilateral (ou «diplomacia preventiva») se quisermos evitar um século xxi marcado por water wars.

Estamos a assistir à lenta securitização da água na Ásia e Chellaney apresenta-nos um ótimo diagnóstico, munido de excelentes factos, tabelas e mapas. O continente concentra 70 por cento da capacidade de irrigação mundial e 80 por cento da sua quota são utilizados para fins agrícolas (contra 30 por cento na Europa). É na Ásia que se concentra a grande maioria da população mundial, com mais de um terço (37 por cento) concentrada só na China e Índia, mas as reservas de água no continente estimam-se em pouco mais de dez por cento do total mundial. Enquanto que o americano consome em média 580 litros de água por dia, o chinês fica-se (ainda) pelos 90. A água vende-se cara na Ásia porque represente segurança – económica, acima de tudo – mas também estabilidade política ao nível doméstico.

Chellaney vê neste recurso uma área «teste» para o futuro da Ásia, tal como o carvão e o aço serviram de primeira etapa ao processo de integração europeu. Sublinha a falta de mecanismos institucionais a Oriente que possibilitem cooperação multilateral, e sugere que estes se criem urgentemente, antes que os conflitos se agudizem e a «nova ordem global», centrada na Ásia se perpetue como uma nova «arena geopolítica à antiga». Para isso, é fundamental integrar a China, voluntariamente ou coercivamente, num mecanismo de resolução de conflitos regional que se paute pela cooperação multilateral. De notar que a China só foi parte de três dos 39 acordos interestatais para regular recursos hidrográficos na Ásia desde 1948 (e nenhum deles com os seus vizinhos a Sul).

 

Michael D. Swaine, America’s Challenge: Engaging a Rising China in the Twenty-First Century

Washington DC, Carnegie Endowment Press, 2011, 673 pp.

Seiscentas e setenta e três páginas para concluir que… os Estados Unidos devem continuar a abordar a China com uma estratégia mista, combinando cooperação (engagement) e contenção (containment ou offshore balancing).

A recomendação de Michael D. Swaine, do Carnegie Endowment of International Peace, em Washington, pode parecer simplista, mas é uma dose de moderação bem--vinda num momento em que a imensa batalha republicana pela nomeação a candidato presidencial se pauta por níveis inéditos de retórica anti-China.

No entanto, para além desta continuidade e moderação nas relações com Pequim, Swaine alerta também para a importância de, mesmo com os olhos postos no horizonte geopolítico do Indo-Pacífico, os Estados Unidos não se esquecerem de que é no plano doméstico – na capacidade económica e tecnológica – que se joga o seu futuro na ordem mundial (ou seja: o poder relativo perante a China).

Swaine identifica três motivos de preocupação que moldam a emergência da China na ótica de Washington: é uma potência militar continental numa zona de tradicional influência americana; tem testemunhado um crescimento económico e tecnológico ímpar; e é um regime autoritário, centralizado. Perante este colosso, e um mundo crescentemente interdependente, a tradicional abordagem dos Estados Unidos à China (que caracteriza de «limited, ad hoc bilateral policy coordination») é insustentável. A palavra-chave de Swaine é «complexidade» (que repete até à exaustão): vivemos num «mundo mais complexo», e Washington e Beijing devem, por conseguinte, responder com um diálogo bilateral mais complexo, ou seja, abrangente.

Olivro identifica e detalha sete áreas que demonstram a suposta insustentabilidade de uma abordagem circunstancial a esta imensa complexidade: a emergência de novos atores geopolíticos, especialmente a Índia, sem esquecer a possibilidade de um Irão nuclear e questões «tradicionais» como a Coreia do Norte ou Taiwan; a crescente complexidade institucional, com uma proliferação de diálogos e organizações multilaterais (asean, apec, sco), bilaterais (preferidos pela China e Estados Unidos) ou, mais recentemente, «minilaterais»; a rápida militarização da Ásia, marcada pela securitização de novos espaços, incluindo no domínio marítimo (mar da China, oceano Índico), espacial (escudos balísticos e satélites) e cibernético (ciberguerra); e questões menos «tradicionais», mas com importantes implicações ao nível da segurança, incluindo a crescente interdependência chinesa com o sistema comercial e monetário global (da importação de recursos energéticos ao seu modelo de crescimento assente nas exportações e subvalorização do yen).

Bem ao estilo dos métodos racionalistas da rand Corporation, onde trabalhou durante vários anos, para Swaine tudo isto se resume a um simples jogo em que Washington precisa de criar uma estrutura de relacionamento bilateral que equilibre incentivos, ameaças e punições («cooperative engagemement balanced with hedging»). Ora – sugere o think-tanker sinólogo – assim que colocados nessa estrutura, os decisores chineses responderão de forma positiva, de acordo com os interesses americanos. É uma ampla hipótese. Simples e racional. Mas realista?

 

Anatol Lieven, Pakistan: A Hard Country

Nova York, PublicAffairs, 2011, 558 pp.

O Paquistão está na moda. Por péssimas razões, no entanto. Em Washington, o país que, há menos de dez anos, era visto como um principal aliado na «guerra ao terrorismo», é agora colocado no grupo de potenciais estados falhados e inimigos, especialmente desde que Osama bin Laden foi encontrado nos subúrbios da capital paquistanesa, possivelmente sob conhecimento, se não mesmo proteção oficial.

Há outras razões que motivam a avalancha de livros publicados nos últimos meses sobre o estado atual e o futuro do Paquistão (para além de Lieven, recomendam-se também o relativamente pessimista The Future of Pakistan editado por Stephen P. Cohen, e o hiperotimista Pakistan: Beyond the Crisis State, coordenado por Maleeha Lodhi).

O país atravessa uma onda de extremismo islamita, com vários políticos moderados assassinados, incluindo Benazir Bhutto e Salman Taseer, e uma crescente vaga de jornalistas que só no estrangeiro encontram refúgio de ameaças de morte misteriosas. As forças eleitas democraticamente, entre as quais o Presidente Zardari e o primeiro-ministro Gilani, são pouco mais do que fantoches nas mãos de um ultrapoderoso Exército e seus serviços secretos (isi) que só não avançam para um golpe porque (ainda) preferem comandar os destinos do país (e partilhar os espólios, ou seja, a assistência económica americana) indiretamente, do conforto dos quartéis. Finalmente, como se não bastasse, o país atravessa uma crise económica ímpar depois das cheias catastróficas de 2010, e receia-se também que o imenso arsenal nuclear poderá cair nas mãos de extremistas.

Para Anatol Lieven, professor no King’s College de Londres e investigador na New America Foundation, estes são desafios formidáveis, mas é um exagero falar na possibilidade de um colapso do Paquistão. Prefere, em vez disso, sublinhar uma poderosa e vibrante sociedade paquistanesa que qualifica repetidamente de resilient e capaz de moldar e negociar a sua relação com um Estado fraco, mas igualmente persistente. Para Lieven, pelo menos alguns males paquistaneses vêm por bem, e é essa a sua principal tese, bastante otimista: embora minada por estruturas feudais, tribais e dinásticas (Lieven prefere o termo kinship que, no entanto, não define) a sociedade paquistanesa não deixa de ser uma «sociedade», porque se define perante (e às vezes contra) as incipientes estruturas estatais, especialmente o Exército, que desde 1947 esteve mais tempo no comando do país do que governos democraticamente eleitos.

Perante o imenso pessimismo que começa a marcar as previsões sobre o futuro do Paquistão, o trabalho de Lieven não deixa de oferecer uma nota positiva, de esperança. Mas a esperança não é uma estratégia. O que fazer no caso de um novo golpe militar e aproximação à China, de um governo extremista pró-taleban pós-2014, ou de um ataque bombista de terroristas paquistaneses a Times Square ou em Londres? São essas as grandes questões que preocupam os governos e a opinião pública nos países ocidentais. Lieven, no entanto, prefere sublinhar «alterações climáticas» como a principal ameaça à sobrevivência e integridade do Paquistão. Seriously?

 

Thant Myint-U, Where China Meets India: Burma and the New Crossroads of Asia

Nova York, Farrar, Straus and Giroux, 2011, 361 pp.

Há três ou quatro anos a imagem internacional do Mianmar (ou «Myanmar», ou «Birmânia») não era muito diferente da da Coreia do Norte: um regime militar isolado do resto do mundo; violência contra manifestações pacíficas de monges budistas, e a líder da oposição e prémio Nobel da paz Aung San Suu Kyi em prisão domiciliária há quase duas décadas. Como se não bastasse, a junta de generais birmaneses via a formidável China como uma aliada e – suspeitava-se então – procurava também desenvolver um programa nuclear.

«Fast forward» para 2012 e o mesmo país surge agora como o epicentro de um «mundo pós-ocidental», falando-se de uma «primavera birmanesa» e de Rangum e Mandalay como a «nova fronteira de negócios» da Ásia. É este renovado país em acelerada abertura política e económica que o belo livro de Thant Myint-Unos ajuda a descobrir. Para Thant, o Mianmar é um pouco como o Afeganistão do Sudeste Asiático: uma imensa região-fronteira entre duas grandes civilizações – Índia e China – em que só raramente poderes externos conseguiram estabelecer a sua autoridade, incluindo os britânicos até 1886 (depois disso, o país foi governado a partir de Calcutá e Nova Deli até 1937).

Tudo isto mudou desde que a China passou a olhar, ainda nos anos 1990, para o Mianmar como uma peça fundamental no seu plano geopolítico que inclui os objetivos de criar uma nova rota de acesso a recursos energéticos (alternativa ao congestionado estreito de Malaca), expandir a sua presença naval no oceano Índico e conter a Índia na sua periferia. As sanções económicas ocidentais só ajudaram Pequim a consolidar a sua presença, incluindo um a dois milhões de chineses e impressionantes investimentos nas infraestruturas rodoviária, ferroviária e portuária do país – fala-se mesmo na possibilidade de, um dia, superpetroleiros chineses subirem o rio Irrawaddy para abastecer a província chinesa de Yunnan.

Thant é neto de um ex-secretário-geral das Nações Unidas e teve uma educação de elite nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha. Não é pois surpreendente que vários capítulos do seu livro, muitas vezes em soberbo estilo de literatura de viagem e com digressões pelas regiões mais isoladas do seu país, mas também pelas vizinhas China e Índia, se pautem por um tom nostálgico e fatalista, como que receando a imensa transformação que agora se anuncia (e que ele mesmo tinha previsto em 2006, no seu último livro, The River of Lost Footsteps).

Para além dos chavões geopolíticos a que Thant recorre para salientar a renovada importância do Mianmar («Silk Road», «Great Game», ou «China’s California») é óbvio que ele receia a ofensiva chinesa (e agora também americana) e considera o seu país historicamente e culturalmente mais próximo da Índia, que descreve em termos muito favoráveis, embora reconheça que, por ora, é Pequim que tem a iniciativa e vantagem.