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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.33 Lisboa mar. 2012

 

Mundo Árabe

 

Isabel Alcario

Investigadora do ipri – unl. Mestre em História das Relações Internacionais pelo iscte e doutoranda em Ciência Política no ics – ul.

 

Kenneth M. Pollack, Daniel L. Byman, et al., The Arab Awakening: America and the Transformation of the Middle East

Washington, Brookings Institution Press, 2011, 381 pp.

Escrito a dezoito mãos, este é um livro incontornável para quem desejar compreender os acontecimentos que, desde dezembro de 2010, quando Mohamed Bouazizi se autoimolou numa pequena cidade tunisina, se sucederam em cadeia afetando inevitavelmente todos os países do Médio Oriente e do Norte de África. Estes acontecimentos levaram ainda à saída do poder de líderes autoritários que governavam os seus países há várias décadas, obrigando os outros a reagir de alguma forma para conter o potencial de contestação. Por isso, os autores do livro que, como destacam, não é uma obra editada mas uma obra «colaborativa», não hesitam em afirmar que estamos perante um dos desenvolvimentos políticos mais importantes do século xxi: a «reemergência do Mundo Árabe após décadas de estagnação política».

Neste sentido, o objetivo desta obra não é contar os acontecimentos, mas explicar as suas causas e quais as dinâmicas coletivas envolvidas, isto é, as interações entre o que acontece nos diversos países da região aqui abordada, quais os padrões que podem ser observados e, como é que os Estados Unidos deverão reagir a este movimento regional a curto e a longo prazo.

Olivro The Arab Awakening integra, por isso, capítulos sobre todos os estados árabes, exceto o Líbano e o Sudão, capítulos que exploram as reações dos estados não árabes da região bem como das potências estrangeiras com interesses e presença na região; e capítulos temáticos sobre as questões identificadas como estando na origem das revoltas e que continuam no centro do debate sobre o presente e o futuro destes países.

Apesar de este movimento regional que ficou conhecido como a «primavera árabe» ter afetado todos os países da região, embora de forma desigual, e de cada estado ser um caso com as suas especificidades, os autores optaram por dividi-lo em três categorias: a) países onde o regime autocrático caiu; b) países onde o regime persiste mas que sentiu a necessidade de proceder a reformas políticas; c) países onde os protestos não levaram à mudança de regime mas a um conflito civil.

Esta obra tem, portanto, a vantagem de tratar vários temas e países de uma forma unificada mas não unificadora. Usando um enquadramento teórico comum e contando com uma linha condutora, consegue ultrapassar aquele que é por vezes o maior problema das obras coletivas: a falta de coesão entre capítulos. Ao mesmo tempo, não cai no erro de cometer as generalizações com que tantas vezes nos deparamos nos escritos sobre o mundo árabe.

 

Steven A. Cook, The Struggle for Egypt: From Nasser to Tahrir Square

Nova York, Oxford University Press, 2011, 424 pp.

Quando a 25 de janeiro de 2011 milhares de egípcios se reuniram na Praça Tahrir num movimento de revolta que acabaria por provocar a saída de Hosni Mubarak da Presidência, poucos acreditariam que o país mais populoso do mundo árabe e um dos alicerces mais importantes da estratégia norte-americana na região poderia passar por uma convulsão desta dimensão. Esta obra de Steven Cook ajuda-nos a perceber as causas e qual poderá ser o futuro do país.

Cook, investigador sénior do Council on Foreign Relations, desenha um retrato do país apresentando as razões do seu fraco desenvolvimento, autoritarismo e do seu contributo para o jihadismo internacional, marcado pelo nepotismo e corrupção, partindo da análise de diferentes momentos históricos cruciais para este entendimento. Atese central do livro é que desde 1952 os líderes do país nunca tiveram ideologia, baseando o seu poder num intrincado aparelho coercivo.

A análise de Cook resulta de um longo trabalho de campo no Egito, com pesquisa arquivística e entrevistas apresentando-nos simultaneamente uma história e uma análise política profunda do país e dos desafios que este enfrenta, explorando as tensões que persistem entre militares, islamitas e democratas, ao mesmo tempo que explora a relação do Egito com os Estados Unidos e Israel.

Esta obra poderá ser dividida em três partes, que correspondem a cada uma das presidências. Na primeira parte, Cook explora a liderança nasserista, transparecendo alguma admiração por Nasser e pela forma como expandiu o prestígio internacional do Egito e como controlou os islamitas no país. Na segunda parte, dedicada à presidência de Sadat, o autor destaca a forma como este apoiou e promoveu a abertura económica (Infitah) do país que permitiu o crescimento da elite económica que acabaria por formar o círculo de Mubarak, a distensão face aos islamitas da Irmandade Muçulmana e as relações com Israel. Aterceira parte, centrada em Mubarak, denota um tom crítico. Cook dedica o quinto capítulo do livro («Atale of two Egypts») a uma descrição bastante detalhada das redes de corrupção e de repressão do regime, destacando episódios como as relações de Gamal Mubarak com o Bank of America e a forma como este terá beneficiado da dívida do país.

No capítulo seguinte, Cook aborda a relação com os Estados Unidos, mostrando como esta aliança, principalmente após o Acordo de Paz com Israel em 1979, teve um forte impacto negativo nas perceções dos egípcios (e do mundo árabe) face ao regime, apresentando de forma bastante pormenorizada a ineficácia dos diversos programas norte-americanos de ajuda e promoção democrática para o país. Finalmente, o último capítulo do livro dedica-se aos acontecimentos de 2011 e às grandes questões em suspenso, particularmente as tensões e as relações entre militares e partidos políticos e entre islamitas e liberais, bem como as dinâmicas da sociedade perante este momento.

O livro The Struggle for Egypt é um importante documento para académicos e curiosos que pretendam conhecer as dinâmicas que têm marcado o país nos últimos sessenta anos e que continuam a marcar os debates sobre o futuro, combinando a sua análise informada e aprofundada com uma escrita acessível e bem recheada de pequenas anedotas e pequenas histórias pessoais.

 

Marc Lynch, Susan B. Gasser e Blake Hounshell (eds.), Revolution in the Arab World: Tunisia, Egypt and the Unmaking of an Era

Kindle Edition, Foreign Policy Magazine, 2011, 181 pp.

Reunindo relatos e análises escritos ao longo dos acontecimentos, esta obra funciona como uma espécie de diário de bordo sobre os acontecimentos que marcaram o ano internacional de 2011, apresentando textos de alguns dos mais reputados especialistas norte-americanos sobre o mundo árabe como, por exemplo, Nathan J. Brown, e textos de ativistas dos direitos humanos, políticos, e blogueres como Issandr El Amrani, um dos mais influentes da região.

Sendo, no fundo, uma coletânea de textos escritos ao longo dos acontecimentos, e portanto criticável, por um lado, pelo otimismo que transparece em várias análises e, por outro, pela falta de distanciamento necessário para uma análise mais aprofundada, esta obra não deixa de ser um estudo interessante sobre os protestos.

O volume está organizado de forma cronológica e combina análises históricas, culturais e políticas com relatos de âmbito mais jornalístico, escritos a partir da rua árabe. Da mesma forma, combina a análise sobre os problemas e fragilidades dos estados da região, com a análise da política externa norte-americana no que respeita à sua relação com estes regimes assumindo que, sobretudo após o 11 de setembro, e face ao reforço das políticas de promoção democrática para o mundo árabe, estes líderes tornaram-se mais opressivos à medida que a sua relação com os Estados Unidos se fortalecia. March Lynch, editor do livro e um dos principais editores da revista Foreign Policy, defende que a instauração de regimes democráticos na região não correspondia aos interesses estratégicos de Washington que preferiam líderes que já conheciam, por muito corruptos ou repressivos que fossem, à alternativa: islamitas que não conheciam e com quem o diálogo seria mais difícil.

Outro dos temas mais debatidos sobre a chamada «primavera árabe» tem sido o papel dos novos meios de comunicação nos movimentos de revolta. Este assunto é aqui abordado por Tina Rosenberg e Tom Malinowski, que exploram, talvez de modo excessivamente entusiástico, a forma como o Wikileaks e outros média sociais como o Facebook e o Twitter permitiram o desenvolvimento de parcerias entre os «revolucionários de carreira» e os jovens revolucionários na região, dando aos segundos os meios de comunicação e de organização que lhes permitiram pressionar, e até mesmo afastar, líderes despóticos que governavam há várias décadas.

Esta obra é, porém, omissa em dois temas muito relevantes: o enquadramento histórico da região e as questões de género, dimensões que seriam incontornáveis para um relato completo dos acontecimentos e que foram excluídas deste volume, sobretudo quando a revista Foreign Policy, fonte desde livro, publicou diversos textos com eles relacionados. Os editores da obra escolheram como casos de destaque os acontecimentos na Tunísia e no Egito. Contudo, é incompreensível a exclusão da Líbia, que representa uma terceira via, em que as revoltas acabaram por se converter num conflito armado com intervenção internacional, e que foi o terceiro país cujo líder seria afastado do poder.

Entre omissões e conclusões, este volume não deixa de ser bem-sucedido no relato dos acontecimentos e na introdução de pequenas análises acessíveis a qualquer leitor, captando lato sensus os acontecimentos mais importantes das últimas décadas na região – como o livro destaca, estas revoluções alteraram fundamentalmente o status quo regional quando nem as políticas ocidentais nem o terrorismo fundamentalista o conseguiram fazer.

 

Jean-Pierre Filiu, La Révolution arabe: dix leçons sur le soulèvement démocratique

Paris, Fayard, 2011, 264 pp.

Nos últimos meses as livrarias francesas foram inundadas de livros e números especiais de revistas sobre as revoltas árabes. Sobressai a obra de Jean-Pierre Filiu, um dos mais destacados politólogos franceses, especialista em política do mundo árabe, jihadismo e terrorismo, que ousa nomear dez lições que poderão ser retiradas da «revolução árabe», a partir do que conhece da realidade da região e do que observa da evolução dos acontecimentos, sobretudo na Tunísia e no Egito.

Para Filiu, estamos perante uma nova era, pelo que o autor desconstrói as narrativas mais divulgadas sobre o mundo árabe, procurando explicar porque é que, à data em que escreve, só a Tunísia e o Egito tinham sido capazes de afastar, através de revoltas de natureza pacífica, os seus líderes autocráticos, enquanto que outros países permaneceram imunes à onda de revoltas. No que respeita a Marrocos e à Jordânia, o autor considera, e a evolução dos acontecimentos confirmou-o, que as duas monarquias iriam ceder à pressão das manifestações e seguir pela via da reforma constitucional para limitar em determinado grau o poder real.

Ao longo dos dez capítulos do livro, Filiu expõe as dez lições que deverão ser retiradas das revoluções, sendo que a maioria trata de desmentir mitos e preconceitos que vários especialistas mais sérios já ignoravam nos seus estudos, mas que continuavam a estar presentes na base de várias políticas e estratégias para a região. O primeiro desses mitos é a exceção autoritária de que a região não se poderia democratizar – porém, de acordo com Filiu, o povo árabe tem «lutado pelos seus direitos há mais de uma geração, mas os preconceitos culturais e políticos têm impedido a compreensão da dimensão da sua insatisfação» e a «revolução árabe» é a prova da vontade de liberdade, democracia e boa governança que os cidadãos da região terão. Neste sentido, os muçulmanos não são apenas muçulmanos e a sua religião não pode explicar a estagnação dos regimes em que vivem.

Para Filiu, a juventude está na primeira linha e domina os protestos e, sem líderes centrais e carismáticos, conseguiu através das redes sociais levar milhões de pessoas às ruas, pressionando de forma sem precedentes os líderes autoritários, pelo que a sua raiva poderá criar um momentum revolucionário permanente que não leva necessariamente à democracia – e a alternativa à democracia, é o caos. Para evitar o caos, os islamitas, os movimentos de oposição mais organizados no mundo árabe, deverão aproveitar a oportunidade e aceitar estabelecer coligações com forças políticas liberais e seculares. Por outro lado, Filiu afirma ainda que a vitória da «revolução árabe» comprova que o jihadismo e a Al-Qaida se tornaram obsoletos, na medida em que falharam no seu objetivo de representar a única força de mudança na região e em que os movimentos de revolta representam valores e objetivos contrários aos seus.

Sendo um livro escrito num tom claramente otimista, a última lição de Filiu contraria de alguma forma este espírito ao afirmar que não haverá um efeito dominó e a «revolução árabe» será uma queda do Muro de Berlim – a região nunca mais será a mesma, embora países como as monarquias petrolíferas do Golfo não sejam grandemente afetadas, e as fronteiras existentes manter-se-ão inalteradas. Ao longo do livro, Filiu não deixa de fazer recomendações políticas. Contudo, parece-nos estranho não ter incluído nas suas lições uma avaliação profunda das políticas de promoção democráticas e das alianças ocidentais no mundo árabe, nem tão-pouco ter desenvolvido uma análise à intervenção internacional na Líbia e as consequências do seu apoio no futuro do país.