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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.33 Lisboa mar. 2012

 

«E tudo isto porque o inglês não deixa» A questão colonial pós-Ultimatum nas crónicas de Fialho de Almeida (1890-1892)1

 

Ricardo Revez

Doutorado em História Cultural e das Mentalidades Contemporâneas pela fcsh – unl. Investigador do Instituto de História Contemporânea (fcsh – unl). Prepara o seu projecto de pós-doutoramento e a publicação da sua tese de dou­toramento, defendida em Setembro de 2010 na fcsh – unl e intitulada A Ideia de Decadência Nacional em Fialho de Almeida.

 

RESUMO

Neste artigo procuramos estudar a forma como o escritor e jornalista José Valentim Fialho de Almeida (1857-1911) viveu o turbulento período imediatamente após o Ultimatum inglês de janeiro de 1890. Baseámo-nos, essencialmente, nos artigos publicados em Os Gatos e em Pontos nos ii, de Rafael Bordalo Pinheiro. São apresentadas as suas perspetivas sobre o Ultimatum e sobre o tratado anglo-luso de agosto de 1890, assim como sobre os planos governamentais para a colonização africana, sobre a diplomacia portuguesa e, ainda, sobre a reação do povo português àqueles acontecimentos.

Palavras-chave: Ultimatum inglês, Fialho de Almeida, diplomacia, colonização de África

 

The Post-Ultimatum colonial question on the Fialho de Almeida columns (1890-1892)

ABSTRACT

This article aims to study how the writer and journalist José Valentim Fialho de Almeida (1857-1911) lived the tumultuous period that immediately followed the British Ultimatum of January 1890. We present his perspectives on the Ultimatum itself and on the Anglo-Portuguese Treaty of August 1890, as well as on the governmental plans for African colonization, on Portuguese diplomacy, and on the reaction of the Portuguese peoples in the face of those events. The texts published by Fialho in Os Gatos and in Rafael Bordalo Pinheiro’s Pontos nos ii were the primary sources used in the analysis.

Keywords: British Ultimatum, Fialho de Almeida, diplomacy, Africa colonization

 

No último quartel do século xix, África surge como um território cada vez mais apetecível, tanto para Portugal como para as principais potências europeias. Por detrás deste interesse encontravam-se, possivelmente, alguns motivos económicos – necessidade de matérias-primas, assim como de mercados onde colocar a sua produção – mas, acima de tudo, político-ideológicos. Com efeito, as tendências imperiais de uma Grã-Bretanha, ou de uma Alemanha, por exemplo, não estavam alheias a esta atitude, especialmente quando a possibilidade de expansão territorial na Europa pós-Guerra Franco-Prussiana parecia bloqueada. Assim, o jogo de equilíbrio de poderes estende-se à África, a partir de então espaço de confronto do orgulho e prestígio das grandes potências do Velho Continente. Ao mesmo tempo, a evolução científica e tecnológica do Ocidente oitocentista permite não só o aparecimento de um otimismo positivista que se considerava destinado a civilizar o indígena – o «fardo do homem branco» – como, igualmente, pôr em prática essa missão, graças aos avanços no campo dos transportes e comunicações, do armamento e da medicina2.

Se bem que a exploração do interior africano já viesse a ser feita em anos anteriores, é a partir de meados da década de 1870 que se intensifica, sobretudo após a Conferência de Bruxelas, em 1876. Portugal não foge à regra. Embora as possessões em África tenham sido sempre alvo de uma atenção particular por parte dos seus governantes ao longo de todo o liberalismo3, é nessa altura que Portugal, atento àquela realidade e para não se atrasar no processo, cria, em 1875, a Sociedade de Geografia de Lisboa e lança expedições científicas e militares de exploração e manutenção do território, como as de Serpa Pinto, primeiro sozinho (1877-1879), depois com Augusto Cardoso (1885-1886), de Brito Capelo e Roberto Ivens (1877-1879, 1884-1885) e de Dias de Carvalho (1884-1887)4. A Conferência de Berlim, que decorreu entre 1884 e 1885, foi outro momento impulsionador para a ação portuguesa em África. De facto, a perda de controlo sobre o Baixo Congo, a instauração da livre navegação nos rios Níger e Congo e a cada vez maior importância dada à ocupação efetiva dos territórios em detrimento do direito histórico, por exemplo, tudo resoluções tomadas na conferência5, motivam Portugal a prosseguir os seus esforços colonizadores. Surge, então, o projeto que visava ligar Angola a Moçambique, o famoso «Mapa Cor-de-Rosa». Para o realizar, Portugal joga em duas frentes: no terreno, com várias expedições entre 1888 e 1890 (Serpa Pinto, António Maria Cardoso, Vítor Córdon, Paiva de Andrade, entre outros); na diplomacia, procurando o apoio da Alemanha e da França6. No entanto, as expedições, avançando para o interior, começam a chocar com os interesses dos britânicos na zona, nomeadamente com o projeto do «corredor» que Cecil Rhodes, presidente da British South Africa Company, pretendia criar entre o Norte e o Sul do continente7. A11 de janeiro de 1890, o Governo da Grã-Bretanha envia o célebre Memorandum, transformado em Ultimatum por relevantes setores das opiniões públicas portuguesas. Neste, ameaça cortar as relações diplomáticas com Portugal, deixando mesmo entrever uma possível ação de força, caso os portugueses não se retirassem da região do Chire e das terras dos Macololos e dos Machonas8. Após reunião do Conselho de Estado, o Governo acaba por ceder. Os efeitos desta decisão são explosivos: manifestações de rua, comícios, tentativas de boicote a tudo o que era britânico, ações simbólicas de desencanto, uma subscrição nacional para a compra de um navio de guerra e uma frustrada insurreição republicana, cerca de um ano mais tarde9.

O escritor e jornalista José Valentim Fialho de Almeida (1857-1911) viveu e sentiu de perto todos esses acontecimentos. Aliás, a sua própria politização, surgida mais ou menos nessa altura, tal como aconteceu a outras individualidades da sua geração, ganhou uma formidável dimensão a partir do Ultimatum britânico e deu origem a uma constante reflexão sobre a questão colonial – e, inevitavelmente, de igual modo, sobre a questão política em geral, a qual não abordaremos aqui – nas páginas de Os Gatos e do periódico de Rafael Bordalo Pinheiro Pontos nos ii. É acerca dessa reflexão, agressiva, por vezes violenta, mas sempre pertinente e perspicaz, que procuraremos falar neste artigo.

 

NO OLHO DO FURACÃO

Os textos de Fialho sobre a questão colonial escritos entre janeiro e fevereiro de 1890, em pleno centro da tempestade pós-Ultimatum, são, inevitavelmente, contagiados pelo discurso de alguns setores republicanos, dos quais, nesse período, se encontrava muito próximo. Daí a conotação que desde logo estabelece entre monarquia (e classe dirigente que a suportava) e traição, e entre república e patriotismo: «Aqui há dois meses, ainda no país o grito de viva a pátria! era distinto do viva a república! Agora estas duas expressões são solidárias, confundem-se e podem-se substituir uma por outra.»10

Num artigo publicado no dia 23 de janeiro de 1890, em Pontos nos ii, Fialho, sob o nome de guerra de Irkan, duvida da solidariedade do rei e das classes mais altas para com a ação patriótica que o povo e os estudantes tinham vindo a levar a cabo11. Cerca de um mês mais tarde, no mesmo jornal, perante a proibição de uma manifestação cívica, já não tem escrúpulos em afirmar que Portugal estava «nas mãos duma quadrilha de espiões» e corria o risco de se tornar num protetorado britânico com a conivência do rei e dos seus ministros12.

Quanto às páginas d’Os Gatos, o ataque dirige-se, em especial, ao rei e à dinastia de Bragança. Na sua opinião, esta era tradicionalmente subserviente aos britânicos13, tendo-lhes entregue, ao longo dos séculos, os seus direitos coloniais sob as mais terríveis humilhações14. Para além das acusações habituais de Fialho à monarquia – anacronismo, parasitismo e inutilidade – esta surge, agora, também, como uma instituição traidora da Pátria, responsável pela descida de mais um degrau na escada da decadência do País, ou seja, pela perda dos nossos direitos históricos à ocupação dos territórios africanos.

No fundo, durante esta época turbulenta, que se estenderá, depois, até ao 31 de janeiro de 1891, sempre que Fialho aborda a questão colonial fá-lo como continuação da sua campanha contra a monarquia, o sistema político e a classe dirigente. O pós-Ultimatum aparece como o momento ideal para a demonstração prática e inequívoca de que os interesses do rei e dos políticos não correspondiam aos interesses da nação, ideia na qual assenta uma boa parte da crítica político-institucional fialhiana. Os seus textos publicados em Pontos nos ii e n’Os Gatos buscam criar essa fratura, sendo que o povo aparece como o defensor dos verdadeiros interesses da nação. Era uma forma de o mobilizar no sentido dos objetivos antimonárquicos e republicanos.

É importante, ainda, referir um texto ficcional de Fialho publicado na época, «O corvo», o qual, quanto a nós, constitui uma alegoria das relações político-diplomáticas anglo-lusas no pós-Ultimatum15. Relata as tentativas de um corvo-marinho em se alimentar de um cadáver que anda à deriva no mar. A nosso ver, o corvo funciona como símbolo da Grã-Bretanha, e o cadáver como símbolo de Portugal. A ave, tal como os britânicos, ataca e tortura o cadáver, que, como os portugueses, lá se vai mantendo graças a um simulacro de resistência proporcionado pelo acaso.

 

O TRATADO DE 20 DE AGOSTO

A20 de agosto de 1890 é assinado um tratado anglo-luso que pretende estabelecer a convivência colonial entre os dois países na África Austral. Desvantajoso para Portugal e, por isso mesmo, encarado como mais uma espoliação britânica do território nacional, o tratado foi desencadeador de uma nova fase de maior agitação política e social. É nesta altura que a reflexão de Fialho sobre a problemática africana se aprofunda, tendo-lhe dedicado dois longos artigos16.

Na opinião do autor de Os Gatos, o tratado, que considera uma traição, pois chama aos responsáveis pela sua assinatura os «três Miguéis de Vasconcelos»17 (devia referir-se ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Hintze Ribeiro, ao ministro plenipotenciário português em Londres, Barjona de Freitas, e ao chefe do Governo, António de Serpa Pimentel, ou então, ao próprio D. Carlos), constituía um desastre para os interesses nacionais. Por duas razões principais: primeiro, a perda de uma grande parte do território moçambicano; depois, o facto de, devido a certas cláusulas do acordo, não exercermos uma verdadeira soberania nas áreas que nos continuavam atribuídas.

Assim, segundo ele, os britânicos haviam roubado 460 mil quilómetros quadrados da província de Moçambique, escolhidos criteriosamente tendo em conta a distância e a ferocidade das tribos que os ocupavam, e onde se incluíam algumas das zonas mais desenvolvidas pela ação portuguesa, com florestas, jazigos de ouro e terras férteis, com organização civil e militar, e com atividade agrícola e comercial instalada ao longo de décadas18. Fialho sente esta perda como uma injustiça, visto aquelas terras significarem vários séculos de esforço e heroicidade e o investimento de grande quantidade de vidas e dinheiro19. Perdia-se aquilo que era historicamente português para as mãos dos britânicos, os quais pouco possuíam na África Central até então e se impunham no continente através do uso e abuso da sua força militar20.

No entanto, mais do que as perdas territoriais ou materiais, a verdadeira causa da humilhação portuguesa eram algumas das cláusulas incluídas no tratado. Estas punham em causa uma plena soberania nacional nas terras que nos haviam restado: «É ver as cláusulas que nesse horrível documento estabelecem a chamada “reciprocidade de concessões”, para se advir na conclusão de que melhor teria sido entregar tudo […] É o inglês quem goza, nós quem pagamos.»21De facto, o tratado previa que os britânicos gozariam de toda uma série de privilégios na área formalmente reservada a Portugal: navegação e comércio livre sem cobrança de taxas diferenciais, portagens ou outros impostos «além do que for conveniente e que a Inglaterra fixará, pela arbitragem – caso Portugal exorbite»; um imposto sobre a importação e exportação inglesa que não podia exceder os três por cento; comércio livre para todo o mundo; possibilidade de circulação, também livre, pelas estradas, rios e vias férreas portugueses, etc.22De acordo com Fialho, não havia dúvidas que se tratava de uma estratégia para, mesmo sem ocupar oficialmente os territórios atribuídos a Portugal, exercer uma dominação económica e financeira sobre eles, os quais acabavam, assim, por se tornar numa espécie de protetorados britânicos23. Segundo Fialho, estes ficavam com um estatuto semelhante ao do sultanato de Zanzibar24. Tal como em Zanzibar, também nos territórios africanos portugueses eram os britânicos quem decidia o valor dos impostos, quem indicava as obras públicas a serem feitas e quem impunha a liberdade de comércio, religião e ensino. Porém, para o escritor, os portugueses eram «vinte vezes mais espoliados do que esse sultanato bárbaro»25. Zanzibar, apesar de ter de respeitar o domínio da Grã-Bretanha, recebia um pagamento anual pelo «uso» do seu país e não gastava dinheiro em obras públicas, em exército ou polícia26. Já os portugueses, para além de dominados, viam-se obrigados a custear aquilo que os britânicos desejavam construir ou organizar e nada obtinham em troca27. Tudo isto, a que se juntava o recurso – consagrado na Ata Final da Conferência de Berlim de 1885 – a uma arbitragem internacional pressionada e influenciada pelo poderio da Grã-Bretanha sempre que esta não concordasse com uma medida estabelecida por Portugal, bem como a falta de capacidade comercial e de iniciativa lusa na zona, tornava o país num servo das vontades britânicas, trazendo-lhe, para além do vexame, fortes prejuízos económico-financeiros28. A seguinte passagem ilustra bem a indignação que Fialho sentia face a esta deliberação específica do tratado:

«Não poderemos beneficiar com um direito protecionista, este ou aquele distrito, este ou aquele artigo. Porque apesar de estarmos em nossa casa, o inglês não deixa! Não poderemos criar mercados nossos, vulgarizar produtos nossos, dar vazante a coisas da nossa indústria. O inglês não deixa! emos de construir a viação por aquele traçado, e não por este, porque o inglês não deixa! emos de educar a nossa mocidade fora da religião que o Estado se adota na Metrópole, sofrer que em nossa casa o protestante nos infame à vista de nossos filhos, e que o estrangeiro nos explore as necessidades, nos sobrecarregue com as despesas, nos mine a terra, nos amachuque o orgulho, e nos emporcalhe a tradição! E tudo isto porque o inglês não deixa, e sempre porque o inglês não deixa!»29

Alongo prazo, o autor d’Os Gatos previa a espoliação completa dos territórios portugueses em África por parte da Grã-Bretanha30. A razão era, no fundo, o struggle for life, que decorria não só entre os indivíduos, como, também, ao nível das nações, sobretudo, a partir do momento em que fora estipulado o direito por ocupação efetiva:

«a África tornou-se, já disse, o grande campo de feira da futura atividade colonizante da Europa, e não resta dela hoje um palmo de terra fértil, onde uma potência colonial não tenha posto a sua insígnia. Platós centrais, costas, montanhas, rios, lagoas, tudo a febricitante cobiça de três ou quatro nações repartiu entre si furiosamente, pelos recentes tratados diplomáticos, – as fortes esgatanhando as fortes, com as patas sobre o peito das mais fracas, as manhosas deixando às simples a guarda dos bocados que ora não podem abarcar, e jungindo-as a si de pés e mãos, té ao dia em que alijadas de mores encargos, livremente possam apropinquar-se então esses depósitos».31

Assim, para os britânicos, o domínio sobre aquelas parcelas de terra era «uma questão de vida ou de morte» se queriam impedir o avanço alemão no Sul do continente32. Portugal era «o selvagem da Europa», uma pedra no sapato nos seus projetos e nos das outras grandes potências33. Tinha demasiada presença em África, mas, ao mesmo tempo, era uma nação demasiado fraca para merecer respeito na corrida às fatias territoriais. Por isso, tinha que ser esmagada no processo. Fialho, tal como em relação ao funcionamento das sociedades, mostra-se contra o struggle selvagem nos processos de ocupação de territórios coloniais, struggle esse simbolizado na corrida à ocupação efetiva e ao qual contrapõe o direito histórico como uma espécie de legitimação moral das pretensões portuguesas34. No seu discurso, surge mesmo a presença de um vício moral – a inveja – como estando na base do comportamento britânico para com Portugal ao longo dos séculos35.

O tratado deu um novo impulso à contestação ao Governo e, no caso republicano, também à contestação ao próprio regime. O Governo de António de Serpa Pimentel não resistiu e caiu, seguindo-se quase um mês de vazio de poder. O que lhe sucedeu, liderado por João Crisóstomo, assina novo acordo com o Governo britânico, em novembro. Porém, as alterações trazidas por essa revisão não agradaram à British South Africa Company, que, em dezembro, em Manica, deteve uma força portuguesa onde pontificavam Paiva de Andrade, João de Resende e Manuel António de Sousa, na região, ao que parece, em missão de policiamento36. A situação acabou por ser resolvida graças à intervenção dos governos britânico e português, mas o episódio foi suficiente para motivar novo artigo exaltado de Fialho. Neste, parece acreditar na possibilidade de enfrentar militarmente os britânicos em África. Não as forças governamentais, mas as companhias comerciais, que, segundo as autoridades da Grã-Bretanha, agiam à sua revelia37. Sugere, assim, o reforço da presença militar na região, não apenas com os «batalhões patrióticos», mas com tropas do próprio exército regular da metrópole38.

Um segundo governo de Crisóstomo voltou a assinar novo e definitivo convénio a 11 de junho do ano seguinte39. A verdade é que este, apesar de ser mais penalizador para Portugal, pouca contestação terá sofrido40. Os motivos desse silêncio poderão ter sido, por exemplo, o jogo estratégico dos partidos monárquicos, a repressão pós-revolta republicana do Porto de 31 de janeiro de 1891 e as divisões no seio do Partido Republicano41, ou mesmo, nas palavras de Maria Manuela Lucas, «da consciência já então dominante nas várias correntes de opinião, da incapacidade portuguesa de travar as ambições imperiais britânicas»42.

 

OS PORTUGUESES PERANTE O CONFLITO ANGLO-LUSO

Assim como no seu pensamento geral, em todo o discurso fialhiano sobre o assunto colonial deparamo-nos com um duplo posicionamento perante o papel do povo. Em janeiro de 1890, Fialho parece acreditar na sua capacidade para mudar o estado de coisas, sendo que o problema está apenas na atitude das classes mais altas43. Todavia, logo no mês seguinte, as suas esperanças começam a ser rebatidas44. No artigo «Cobardes!», Fialho relata que se havia convocado uma «reunião popular» no Coliseu, com o objetivo de se decidir sobre o modo de agradecimento às imprensas espanhola e francesa pela sua solidariedade com Portugal na contenda com a Grã-Bretanha45. Apesar de haver autorização para a realização do encontro, quando chegou a hora do seu início, o governador-civil mandou fechar o Coliseu, colocando umas dezenas de guardas à sua porta, que dispersaram as pessoas fazendo uso da violência46. Fialho indigna-se com a forma cobarde como toda a gente fugiu, sem resistir, sem lutar:

«Vimos esse povo voltar, rua Nova da Palma abaixo, apático e moído, cheio de prudência e de medo, e com um amor à vida e às comodidades, que nenhuma ilusão nos deixa mais acerca do futuro de infâmia e de lodo em que o temos de ver acabar de estiolar-se. […] e viram-se correr de novo os clubes dispersados, agregar-se de roda de Manuel de Arriaga um rudilhão de decididos, dois, três mil, todos veementes, vigorosos, cheios de saúde e força física – que trinta polícias de chanfalho embaínhado, dispersaram num abrir e fechar de olhos, sem outra reação mais do que a fuga de todos esses cobardes que momentos antes bramaram contra o ministério e contra o rei!»47

O mesmo acontecera, nessa noite, aquando de uma concentração junto ao monumento a Camões, com o intuito de nela colocar uma coroa de flores, forma de assinalar a passagem de um mês sobre o Ultimatum. Alguns milhares de pessoas não foram capazes de furar um cordão de pouco mais de uma centena de guardas e polícias, e, pior, dispersaram logo aos primeiros apitos da autoridade48. Este evento, ocorrido a 11 de fevereiro, ficou, deste modo, conhecido como «campanha dos apitos»49. Em sua «homenagem», Fialho, juntamente com outros companheiros do Martinho, colocou uma coroa de alhos e palha na estátua de D. José, da qual pendiam duas fitas que diziam: «11-2-1890 – Manifestação autorizada pelo Governo. Homenagem do povo português à dinastia dum rei que numa hora de luto público lhe proibiu de ir abraçar-se à estátua do seu poeta»50.

Em jeito de conclusão, Fialho critica toda aquela gente que, nas últimas semanas, muito havia protestado e discursado, mas que, chegado o momento de agir, fugia51. Tal atitude só poderia significar uma total falta de convicções e de verdadeiro patriotismo, o que o leva a apelidar o povo de «lama plástica»52. Este juízo terá a sua continuação, por exemplo, em «À La Lanterne!», outro artigo de Pontos nos ii, datado de setembro de 1890. Aí, fala em «massa avulsa, sem direção, nem ideal, de braços cruzados, à espera que lhe digam paga! pra pagar, e à espera que lhe digam foge! pra fugir!»53. No fundo, efeitos da inexistência de uma opinião pública esclarecida, capaz de pensar por si própria e de defender os seus interesses e os da nação, bem como de uma elite intelectual que a orientasse54.

Pouco tempo antes, n’Os Gatos, Fialho ridicularizara a atitude dos portugueses a propósito de uma manifestação patriótica inserida no protesto contra o tratado de 30 de agosto. Esta incluía a cobertura da estátua de Camões com crepes, uma replicação do que acontecera a 15 de janeiro. Porém, antes de o fazerem, os organizadores foram, cordialmente pedir autorização ao Governo Civil, o qual, como é óbvio, não a deu55. Para Fialho, esta situação era o cúmulo da indolência, o símbolo de uma mentalidade caquética, no fim de contas56, da própria civilização liberal portuguesa, assente no compromisso, na paz e na ordem acima de tudo, mesmo do interesse nacional.

Ao longo do ano, as grandes iniciativas patrióticas de reação ao Ultimatum foram, gradualmente, perdendo fôlego: a Grande Subscrição Nacional, a Liga Patriótica do Norte, a Liga Liberal, etc., tudo a culminar com a última e, porventura, mais desesperada de todas elas, a insurreição republicana do Porto, já em 189157. De facto, ainda em maio, já Fialho denunciava a falência das três linhas essenciais da «guerra patriótica»: o boicote aos produtos britânicos, a subscrição nacional para aquisição de material de defesa militar, a propaganda antimonárquica58. O primeiro havia durado apenas o obrigatório período de nojo; a segunda, após a euforia dos dias iniciais, começou a ser cada vez menos concorrida; a terceira, revelara-se completamente incipiente59. Na origem do destino das duas primeiras linhas vislumbra-se a «praga moral» do egoísmo e do egocentrismo. Oque parecia ser importante para os portugueses não eram as grandes questões nacionais, mas os seus interesses pessoais. Não se lutava contra a decisão governamental de ceder à Grã-Bretanha por medo de se perder o emprego ou de se ser preso60. Nem mesmo os jornais pareciam dar a importância suficiente ao tratado, dando mostras de um certo conformismo61. O povo, afinal, acabava por seguir os exemplos da classe dirigente.

A falta de verdadeiro empenho na defesa dos interesses nacionais em África não resultava apenas do «que cinquenta anos de paz», «de governos infames e de educações deprimentes» haviam feito «dum povo forte» e «duma raça acostumada a não tolerar injúrias nem mordaças»62. Aqueles que tinham o dever de estar sensibilizados para o assunto, os políticos, os diplomatas, os cientistas, também se mostravam incompetentes e desconhecedores da sua crucialidade. De acordo com Fialho não havia qualquer plano organizado para a colonização dos territórios africanos, apenas a realização de algumas expedições, a construção ao acaso de vias férreas e outras obras públicas, concessões de terrenos a companhias corruptas e a nomeação para cargos administrativos de pessoal incapaz63. Não existia uma biblioteca colonial, o arquivo do ministério da Marinha não estava organizado e era, por isso, inconsultável, os relatórios dos governadores ultramarinos eram ignorados, e os parlamentares nem sabiam onde se situavam geograficamente os territórios de que se falava nos debates64. É possível que algumas destas afirmações até tivessem correspondência na realidade, mas também é bem sabido que existiram projetos estratégicos de colonização africana desde pelo menos o início do liberalismo e que o interesse pela problemática colonial cada vez mais se vinha a expandir entre as elites portuguesas desde meados da década de 7065 Provavelmente, Fialho, por motivos político-ideológicos inerentes a alguns dos objetivos da sua «campanha» cronística, leia-se denunciar a incompetência dos políticos portugueses, procurasse associar a cedência dos governantes na defesa dos interesses nacionais em África perante os britânicos com a falta de interesse e conhecimento do assunto, quando essa cedência, na realidade, provinha, acima de tudo, do facto de existir um enorme, e difícil de aceitar, desequilíbrio de forças – político, económico, militar, colonial, diplomático – entre Portugal e a Grã-Bretanha.

 

A ADMINISTRAÇÃO COLONIAL

Numa fase posterior, ultrapassada a tempestade de 1890-1891, a atenção de Fialho vira-se para a forma como o Governo pretendia colonizar e administrar os territórios africanos. A sua reflexão sobre a matéria surge a propósito de um relatório apresentado em finais de 1891 pelo então ministro da Marinha e Ultramar Júlio de Vilhena (embora, desde julho, fosse o conde de Valbom quem ocupava interinamente o cargo).

Fialho começa por criticar o Governo por ter ordenado o cessar da atividade de expedições portuguesas no hinterland de Angola quando sabia que os belgas se encontravam em missões de exploração exatamente na mesma zona66. Arriscava-se, assim, a vê-la anexada pelo Congo, o que significaria a perda do comércio angolano67.

Mas o seu ataque dirige-se, sobretudo, ao caso moçambicano, para o qual havia sido adotada uma política de concessões desastrosa. O Governo distribuíra de forma anárquica milhões de hectares de território por companhias e indivíduos, concedendo-lhes tais privilégios que punha em perigo a sua continuação em mãos portuguesas68. Os contratos previam privilégios que, para além das óbvias possibilidades de construir infraestruturas básicas e utilizar os rios para navegação, incluíam a autoridade para fundar bancos e emitir ações e obrigações, organizar o exército e os tribunais, lançar impostos e negociar concessões de terras e afins com os indígenas69. Ora, a quase total descentralização de poder demonstrava um desinteresse do Governo perante as colónias africanas e poderia significar a médio, ou a longo prazo, que estas, caso os concessionários as desejassem trespassar, corriam o risco de ser adquiridas por companhias ou indivíduos britânicos70. Segundo Fialho, os concessionários não eram homens de confiança e facilmente se «venderiam» aos ingleses71. Para além disso, o plano de ocupação governamental tinha afastado de África o «capitalismo sério», os banqueiros e as casas de comércio credíveis e poderosas, as quais, desse modo, haviam cessado a participação de capital nessas empresas que «a leviandade ministerial tornou suspeitas à nascença»72. Portanto, das duas, uma: ou os concessionários trespassavam os territórios aos ingleses, ou, não o fazendo, acabavam por não dar qualquer lucro ao Estado, visto serem «burgueses pobres» ou «capitalistas risíveis», que, sem o apoio do grande capital, agora desconfiado, não tinham capacidade para se aguentarem sozinhos73.

Em conclusão, este sistema de arrendamento a companhias não era o indicado para a colonização portuguesa visto ser pouco lucrativo, sujeito a abusos por parte dos concessionários e perigoso para a continuidade de Moçambique sob domínio português. O Governo procurava imitar o que os britânicos haviam feito com sucesso, por exemplo, no Sul de África, mas, em zonas onde a civilização ocidental já havia chegado há muito, como em Moçambique, tal não era viável74. A substituição do Estado pelas companhias na ação colonizadora não era algo que Fialho rejeitasse completamente. A grande questão era a completa alienação do Estado em todo o processo, circunstância explicável pelo beco sem saída a que o Governo havia chegado após o último tratado com a Grã-Bretanha. Para Fialho, o Governo, apesar de não possuir os recursos necessários para tal, vira-se obrigado pelo tratado de 11 de junho a civilizar e a desenvolver Moçambique, o que o levara a apostar naquele sistema na esperança de poder satisfazer esses compromissos e, ao mesmo tempo, fazer pouca despesa75.

Era, de facto, isso que se estava a passar. Dada a falta de fundos financeiros estatais suficientes (e provavelmente, também, de recursos humanos), o Governo, pressionado pela necessidade de pacificar, ter uma presença efetiva no terreno e construir uma linha de caminho de ferro entre o litoral de Moçambique (Beira) e as posses britânicas no interior (Rodésia) – medida prevista no convénio atrás referido – não teve outra hipótese senão promover a ocupação e desenvolvimento daquele território por meio de concessões a companhias de capital maioritariamente estrangeiro e com largos poderes de soberania76.

 

OS DIPLOMATAS

Importa ainda chamar brevemente a atenção para a visão fialhiana sobre os diplomatas portugueses em geral, e sobre os que estiveram envolvidos nas negociações com a Grã-Bretanha em particular.

Primeiro de tudo, é fundamental percebermos qual era, na sua opinião, a função de um diplomata no mundo moderno. Fialho tinha a consciência que estes já não tinham a importância e o poder de outros tempos. Antigamente, os diplomatas tinham larga autonomia e, por vezes, apenas pelo seu prestígio ou inteligência, conseguiam grandes vantagens para os seus países nas negociações que conduziam77. Naquela época, tal já não sucedia. Os governos tratavam diretamente dos assuntos mais importantes, e o poder supremo estava nas mãos da opinião pública, o que deixava para os diplomatas apenas as questões menores78. Com a perda de boa parte do conteúdo da sua função, os aspetos formais tornavam-se cada vez mais fundamentais79. Assim, o diplomata deveria ser, para além de «regulador da pressão política entre dois povos», «a imagem viva da Pátria, o espelho das virtudes e das aspirações da nação que lhe dá plenos poderes, o puro escorço moral duma família, a síntese filosófica, fumegante, flagrante, duma raça»80. Como em muitos outros tópicos da reflexão fialhiana, encontramos aqui a presença da importância da estética numa matéria que, à partida, pouco tem a ver com ela. A isso não deve ser alheia a faceta mais dandesca de Fialho, ainda para mais quando o dandismo surgia, muitas vezes, associado à posição de diplomata. Um dos seus modelos nacionais no campo do dandismo, António da Cunha Sotto-Mayor, havia sido embaixador, por exemplo.

Porém, os representantes portugueses no estrangeiro não respondiam a estas exigências. Desde logo, porque eram gente «desnacionalizada». A sua função era representar Portugal, mas tudo faziam para não parecerem portugueses, disfarçando o seu ar latino e usando «sotaques exóticos» mesmo quando de lá regressavam81. Depois, porque eram simplesmente incompetentes. Desconheciam as matérias em questão e pareciam pouco empenhados em pugnar pelos interesses do país82. Viviam na indolência, pouco ou nada fazendo a não ser gastar os dinheiros públicos, passear-se por festas e jantares e fazer figuras ridículas pelo mundo fora83. Era o preço a pagar pela forma como eram nomeados. Tal como noutros cargos políticos, a sua nomeação era feita por compadrio e não por mérito84. Encarava-se a diplomacia como mais uma forma de escoar os filhos dos homens ricos e influentes, e, desta maneira, agradar às clientelas85. Mais uma vez, surge a ideia de que os homens públicos, em vez de se baterem pelos interesses nacionais, usavam os seus cargos para defenderem os seus interesses pessoais86. De tudo isto, Fialho infere as nossas derrotas constantes quando se tratava de defender os interesses nacionais no estrangeiro87e nem sequer demonstra receio em apontar nomes de bons exemplos de diplomatas incompetentes: Henrique de Macedo, em Bruxelas, Miguel Martins Dantas, em Paris, o marquês de Penafiel, em Berlim, o conde de São Miguel, em São Petersburgo, Vicente Pindela, na Haia, Alfredo Anjos, em Berna, e o conde de Valenças, em Viena88.

Em relação ao caso específico dos negociadores do tratado de 20 de agosto de 1890, Hintze Ribeiro e Barjona de Freitas, a crítica de Fialho é ainda mais devastadora. Para ele, tratava-se de «dois imbecis»89. O primeiro é apelidado de «estúpido furriel da diplomacia indígena» e «banalíssimo e grotesco charlatão da arlequinada monárquica», num texto que o apresenta como alguém abaixo das responsabilidades exigidas pela missão e culpado da humilhação portuguesa consubstanciada naquele acordo90. No entanto, é no segundo, a quem chama o «patusco homem de pau do sr. Hintze»91, que Fialho centra o seu fogo. Começa por afirmar que Barjona havia sido escolhido para ministro plenipotenciário em Londres como forma de o afastar da Câmara dos Deputados, na qual poderia mover uma feroz oposição ao Governo92. De facto, Barjona, um dissidente do Partido Regenerador, agora no poder, havia formado a Esquerda Dinástica há cerca de dois anos e meio, e, com a nomeação diplomática, o agrupamento acabou por se dissolver, resolvendo um problema aos seus antigos correligionários.

Mas é com o enfoque no aspeto estético da diplomacia, ao qual, como já vimos, dava extraordinária importância, que Fialho se torna demolidor. Começa por descrevê-lo como

«uma bestinha mansa e pegadiça, sem entusiasmo, porque nem a idade nem a índole permitem que ele se entusiasme: sem proficiência, porque tirante escamoteações forenses, não consta que o homenzinho tomasse gosto por outras questões que não revistam a forma de charutos de seis vinténs, e de baixos ventres de sopeiras […] sem a menor familiaridade com os instrumentos que poderiam facilitar-lhe a tarefa, verbi gratia o manejo da língua falada pelo diplomata com quem havia de entender-se»93.

Depois, passa para a análise das suas origens familiares e do seu aspeto físico. Recorre a Lombroso para traçar uma figura simiesca, fruto de maus cruzamentos sanguíneos, e que denunciava «uma inferioridade atávica» semelhante à dos criminosos estudados e compilados pelo cientista italiano94. Os hábitos de socialização viciosos de Barjona, baseados no gosto pelas mulheres, pelo jogo e pela comida, confirmavam a degenerescência, assim como a sua forma de vestir, sem gosto, o fazia em relação às suas raízes plebeias95. Tudo isto para dizer que, em termos da mise-en-scène exigida pelo ofício de diplomata, Barjona era completamente inadequado. Não possuía um porte aristocrático na forma de vestir, de conversar, de estar. Bem pelo contrário: comportava-se de forma subalterna, reverente, grosseira, desleixada96.

Para além da parte formal, havia o componente técnico, e, no que lhe diz respeito, Barjona também chumbava no teste. Fialho considerava-o um indivíduo sem qualquer preparação, pouco esclarecido acerca do problema colonial e que partira para as negociações sem um plano definido97. No fundo, por mais que tentasse disfarçar e passar por um homem culto e civilizado, não conseguia escapar ao «cavador» encerrado dentro dele, tendo feito, perante o primeiro-ministro britânico Lord Salisbury, «a figura de um orangotango ao pé de Júpiter»98. Desta forma, Barjona tinha sido incapaz de, perante os políticos britânicos, impor-se como uma figura de respeito e, assim, defender verdadeiramente os interesses do seu país.

Como sabemos, e já atrás referimos, não é legítimo atribuir as culpas da cedência portuguesa nas negociações com os britânicos aos diplomatas nacionais. À época, a Grã-Bretanha era a maior potência mundial. Portugal nunca poderia sair como principal beneficiário de qualquer tratado que com ela assinasse. Este discurso de Fialho só pode ser compreendido à luz da exaltação do período pós-Ultimatum, em que todos os ressentimentos antibritânicos acumulados ao longo do século xix, e até anteriormente, explodiram99. Fialho nunca sequer viu Barjona em pessoa100e muito menos assistiu às negociações que o ex-chefe da Esquerda Dinástica desenvolveu com o primeiro-ministro britânico. Ainda assim, escreve toda uma crónica à volta do aspeto físico de Barjona, da sua personalidade, hábitos, origens familiares e conversações com Lord Salisbury sem qualquer conhecimento de facto sobre os assuntos, a não ser sobre o desfecho do esforço diplomático em causa. Mas isso não era o fundamental: o que importava era usar Barjona como bode expiatório da pequenez nacional, como objeto de descarregamento da sua raiva e como forma de melhor transmitir uma ideia, a ideia de que a classe política estava decadente e que não era capaz de defender os interesses nacionais. Para o fazer, nada melhor do que, através de um quadro marcante – pela feição grotesca, satírica, caricatural, mesmo cómica, a tempos – personificar, numa personalidade e comportamento, todos os defeitos dos dirigentes portugueses101.

 

CONCLUSÃO

Até por volta de 1889, Fialho não era um homem politizado. O seu amigo Fortunato da Fonseca revela mesmo que, «de política», o grupo de boémia de Fialho apenas sabia «que existia o Fontes»102. Porém, como já dissemos, com o Ultimatum a sua escrita cronística ganha uma dinâmica verdadeiramente interventiva a nível político, por vezes, até mesmo panfletária. O ambiente de exaltação que então se vivia e a frequência de espaços de conspiração republicana – como o Café Martinho e a redação do jornal A Pátria – embora não tenham sido os únicos elementos favorecedores desse fenómeno, tiveram, com certeza, uma influência decisiva. É no contexto desse repentino despertar para o fenómeno político, marcado pelo aparecimento de uma jovem geração de republicanos de tendência revolucionária – a «geração ativa» – e pela contestação ao regime monárquico e ao sistema liberal, que o conteúdo da visão fialhiana sobre a problemática diplomático-colonial deve ser entendido. Por sua vez, é no âmbito desse ambiente emocionalmente descontrolado e de uma tentativa de transmitir aos leitores, de modo eficaz, uma ideia crítica do País, que a forma dessa mesma visão deve ser compreendida. É importante referir, ainda, embora não lhe tenhamos aludido no desenvolvimento deste artigo por não ser oportuno, que as próprias frustrações pessoais de Fialho – relacionadas com a sua situação económica e socioprofissional – também desempenharam um papel nas suas motivações enquanto crítico do status quo do País, marcando, de modo inevitável, tanto a forma, como o conteúdo do seu discurso.

Embora, por limites de espaço, não tenhamos abordado o seu envolvimento extrajornalístico na questão, é fundamental recordar que Fialho esteve sempre na linha da frente, no terreno, quando se tratou de manifestar desagrado pela situação então vivida. Logo desde o dia 12 de janeiro, participou em diversas manifestações de rua, como a de 15 desse mês, que culminou com a cobertura da estátua de Camões com crepes103. Esteve presente na famosa «assaltada ao Martinho», em setembro, e terá sido ele, inclusive, juntamente com Marcelino Mesquita, quem teve a ideia de organizar a Grande Subscrição Nacional104.

É necessário, igualmente, lembrar que Fialho de Almeida não se limitou a criticar, tendo sido alguém que também apresentou soluções para os males que diagnosticava, inclusive no que diz respeito à questão colonial. Considerando que a independência portuguesa dependeria da presença em África, defendeu uma política colonial cuidadosamente estruturada, assente numa efetiva presença no terreno de militares, colonos e companhias comerciais portuguesas, no desenvolvimento de infraestruturas e na sensibilização da sociedade metropolitana para a essencialidade de encarar as colónias como uma fonte inesgotável de riqueza e um garante de autonomia, sobretudo quando se tratava de um país pequeno e pobre como Portugal105. Mas o que estava em causa não era apenas a importância económica das colónias. Fialho acreditava que Portugal era um país destinado a civilizar o mundo através da sua ação colonizadora. O povo português tinha uma aptidão natural para essa tarefa, aptidão essa provada pela história da sua ação ultramarina ao longo dos séculos106. Há aqui, também, uma tentativa de distinguir o tipo de colonização portuguesa das outras. Impedido, pela inferioridade face às grandes potências da altura, de ter um papel semelhante ao do século xvi, o Portugal colonial de Fialho é pacífico e humanitário, de ação, sobretudo, espiritual e cultural. Em todo o caso, não deixa de ser uma conceção imperialista que busca a afirmação geopolítica de Portugal no mundo. Aquando do anúncio, em dezembro de 1890, da realização de uma expedição a Manica, em Moçambique, o escritor vila-fradense declara:

«Querem estas coisas dizer que a África principia a ser de novo o sonho colonial dum país que toda a vida foi colonizador; que a África principia a ser o campo de parada entressonhado para a desinvolução dalguma empresa grandiosa, como o foram o Brasil e o Império da Índia […] Pois que a paixão das colónias se acende entre nós, lance o Governo as bases gerais do futuro Império Português nas duas costas.»107

Os territórios africanos surgem, deste modo, também, como uma hipótese de Portugal sair da sua decadência e tornar a ser poderoso e influente no mundo, funcionando como uma substituição moderna da Índia e do Brasil.

Podemos, assim, dizer que Fialho reúne no seu pensamento as duas ideias que estão na base do projeto colonial português oitocentista e a que Valentim Alexandre chamou o «mito do Eldorado» e o «mito da herança sagrada»108. O primeiro, prendia-se com a convicção de que o continente africano seria uma nova fonte de riquezas para a metrópole, substituindo o Brasil, permitindo a resolução dos problemas económicos do País e facilitando a sua independência e afirmação como potência; o segundo, para além de intimamente ligado com a conceção das possessões ultramarinas como territórios inalienáveis da metrópole por direito histórico, relacionava-se com a ideia de que essas mesmas possessões, constituídas em império, «corporizava[m] o espírito de missão que dava à nação a sua razão de ser», missão, essa, de civilização e evangelização»109.

Ao mesmo tempo, e para finalizarmos, é importante localizar o posicionamento fialhiano perante os acontecimentos pós-11 de janeiro de 1890 entre o resto da intelligentsia portuguesa. Se é verdade que toda ela se indignou com o Ultimatum e com as consequências político-diplomáticas que se prolongaram até ao ano seguinte, também o é que não o fez toda da mesma forma. Se para republicanos como Teófilo Braga, Guerra Junqueiro e Basílio Teles, o problema estava, sobretudo, no regime monárquico, para outros como Antero de Quental, Eça de Queirós ou Oliveira Martins, tratava-se de algo de mais profundo, com causas mais remotas e essencialmente ligadas à cultura e às mentalidades do povo português, mas também ao sistema (não confundir com regime) político-económico liberal – no caso de Martins ou Antero – e que todos vinham vindo a abordar nas suas obras desde os anos 70110. Assim, a solução para a crise – sim, porque esta também era vista pelos intelectuais portugueses como uma oportunidade de mudança – passaria, no caso dos primeiros, pela substituição da monarquia por uma república, e, no dos segundos, por uma série de reformas profundas, mas que não passavam pela alteração de regime111. Eça, por exemplo, também não via com bons olhos todas aquelas manifestações e campanhas antibritânicas, as quais encarava como contraproducentes e infrutíferas112.

Quanto a Fialho, existe, no seu pensamento, desde sempre, uma preocupação omnipresente com os aspetos extrapolíticos da crise/decadência portuguesa – culturais, mentais, ético-morais, educacionais – não obstante esta ser mais visível a partir de meados da década de 90. Aqui, podemos estabelecer uma relação entre o autor de Os Gatos e figuras como Antero, Eça ou Martins. Porém, as críticas violentas e muito centradas na monarquia e no rei que desenvolve ao longo desses anos de 1890-1892, colocam-no, por sua vez, e por razões já atrás, nesta mesma conclusão, afloradas, muito mais próximo do discurso e atitude político-ideológica revolucionária dos republicanos, do que dos intelectuais mais moderados ligados à Geração de 70.

 

NOTAS

1Este artigo é constituído, na sua quase totalidade e com algumas adaptações, por um capítulo da tese de doutoramento do autor em História Cultural e das Mentalidades Contemporâneas intitulada A Ideia de Decadência Nacional em Fialho de Almeida, a qual foi defendida em setembro de 2010 na fcsh – unl. O nosso agradecimento a Pedro Aires Oliveira pela leitura da versão original do artigo e pelas suas sugestões daí advindas, as quais, estamos certos, em muito ajudaram a melhorá-lo. Todas as citações foram submetidas a uma atualização ortográfica. Sempre que colocamos várias referências de fontes ou bibliografia numa única nota de rodapé, e na seguinte surge a indicação idem, ibidem, ou apenas ibidem, estamos a reportar o leitor apenas para a última dessas referências anteriores. Sempre que colocamos várias referências de fontes ou bibliografia numa única nota de rodapé e esta começa com cf., a expressão aplica-se a todas as referências da nota. Os textos de Fialho inseridos nas obras Os Gatos e Vida Irónica não têm propriamente um título. Têm sim, no índice de cada capítulo, que, no caso d’Os Gatos, corresponde a um número da publicação original, uma série de frases que constituem uma espécie de resumo do conteúdo dos textos. Para uma melhor identificação dos textos cada vez que os citamos em nota de rodapé, optamos por lhes atribuir como título a primeira e a última dessas frases que lhes correspondem nos índices, separadas por um travessão. Por vezes, o texto é tão breve que tem apenas uma frase no índice. Nesse caso, só colocamos essa frase.

2Para a elaboração deste parágrafo baseámo-nos em Teixeira, Nuno Severiano – «Colónias e colonização portuguesa na cena internacional (1885-1930)». In História da Expansão Portuguesa, dir. de Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri. Lisboa: Círculo de Leitores, s. d. [imp. 1998], vol. iv, p. 496;         [ Links ] Proença, Maria Cândida, e Manique, António Pedro – «Da reconciliação à queda da Monarquia». In Portugal Contemporâneo, dir. de António Reis. Lisboa: Publicações Alfa/Selecções do Reader’s Digest, 1996, vol. i, p. 450;         [ Links ] Telo, António José – «Um sonho cor-de-rosa? Portugal, a Europa e a África (1879-1891)». In Medina, João (dir.) – História de Portugal. Amadora: Ediclube, s. d. [2004], vol. xi, pp. 451-455.         [ Links ]

3Cf. Alexandre, Valentim – «Portugal em África (1825-19704): uma visão geral». In Velho Brasil, Novas Áfricas. Portugal e o Império (1808-1975). Porto: Edições Afrontamento, 2000, p. 235.         [ Links ]

4Cf. Teixeira, Nuno Severiano – «Colónias e colonização portuguesa na cena internacional (1885-1930)». p. 498;         [ Links ] Alexandre, Valentim – «O Império Português (1825-1890): ideologia e economia». In Análise Social. Vol. xxxviii, N.º 169, 2004, pp. 968-969;         [ Links ] Alexandre, Valentim – «A questão colonial no Portugal oitocentista». In Serrão, Joel, e Marques, A. H. de Oliveira (dir.) – Nova História da Expansão Portuguesa, vol. x, O Império Africano (1825-1890), coord. de Valentim Alexandre e Jill Dias. Lisboa: Editorial Estampa, 1998, p. 96;         [ Links ] Medeiros, Carlos Alberto – «Os exploradores africanos do último quartel do século xix». In Medina, João (dir.) – História de Portugal. Vol. xi, pp. 435-437;         [ Links ] Telo, António José – «Um sonho cor-de-rosa? Portugal, a Europa e a África (1879-1891)», p. 469.

5Cf. Telo, António José – «Um sonho cor-de-rosa? Portugal, a Europa e a África (1879-1891)», p. 470; Alexandre, Valentim – A Questão Colonial no Parlamento, vol. i, 1821-1910. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2008, pp. 156-158;         [ Links ] Alexandre, Valentim – «A questão colonial no Portugal oitocentista», p. 113. Nesta última obra, na mesma página, o autor explica ainda que «contrariamente à lenda, a Conferência não consagrava o princípio da ocupação efetiva para o reconhecimento da soberania de qualquer potência no continente africano (exigindo-a apenas para o litoral)». Mas, mesmo assim, escreve, na penúltima obra citada, na p. 158, que «era contestável inferir daí a persistência dos direitos históricos como fundamento da soberania europeia em África».

6Cf. Alexandre, Valentim – «O Império Português (1825-1890): ideologia e economia», p. 975; Telo, António José – «Um sonho cor-de-rosa? Portugal, a Europa e a África (1879-1891) (cont.)», pp. 10-11.

7Cf. Alexandre, Valentim – «O Império Português (1825-1890): ideologia e economia», p. 976.

8Cf. Alexandre, Valentim – «O Império Português (1825-1890): ideologia e economia», p. 976; Alexandre, Valentim – «A questão colonial no Portugal oitocentista», p. 117; Proença, Maria Cândida, e Manique, António Pedro – «Da reconciliação à queda da Monarquia», pp. 455-456.         [ Links ] Sobre a ação de Cecil Rhodes em todo o processo que desemboca no Ultimatum, cf. Birmingham, David – Portugal e África. S. l.: Vega, 2003, pp. 146-158,         [ Links ] e Lucas, Maria Manuela – «A ideia colonial em Portugal (1875-1914)». In Revista de História das Ideias. Vol. 14, Coimbra, 1992, pp. 307-311.         [ Links ]

9Sobre os efeitos do Ultimatum na população e opinião pública cf. Homem, Amadeu Carvalho – «O“Ultimatum” inglês de 1890 e a opinião pública». In Revista de História das Ideias. Vol. 14, Coimbra, 1992, pp. 281-296;         [ Links ] Leal, Ernesto Castro – «Opinião pública na província em 1890. Elementos de agitação e antropologia do português durante a crise do “Ultimatum” inglês». In Clio – Revista do Centro de História da Universidade de Lisboa. Lisboa. Nova série, Vol. iii, 1998, pp. 39-57;         [ Links ] Teixeira, Nuno Severiano – O Ultimatum Inglês. Política Externa e Política Interna noPortugal de 1890. Lisboa: Publicações Alfa, 1990, pp. 105-153.         [ Links ]

10Irkan [pseudónimo de Fialho de Almeida] – «O cortejo de dois de março». In Pontos nos ii. Lisboa. Vol. vi, N.º 244, 27 de fevereiro de 1890, p. 67.         [ Links ]

11Cf. Irkan [pseudónimo de Fialho de Almeida] – «Ao Povo!». In Pontos nos ii. Vol. vi, N.º 239, 23 de janeiro de 1890, p. 26.         [ Links ]

12Cf. Irkan [pseudónimo de Fialho de Almeida] – «O cortejo de dois de março», p. 66.

13«O paço tornou-se numa dependência da legação britânica: os reis de Portugal, bonecos de palha dos plenipotenciários do país dos bêbados, das prostitutas e dos ladrões» (Almeida, Fialho de – «Carta a D. Carlos sobre as magnificências da sua aclamação – Amanhã». In Os Gatos – Publicação Mensal de Inquérito à Vida Portuguesa. Nova edição – revista, prefaciada e anotada por Álvaro J. da Costa Pimpão. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1945, vol. i, p. 254.         [ Links ]

14Ibidem, pp. 254-255.

15Publicado originalmente em Pontos nos ii. Vol. vi, N.º 278, de 23 de outubro de 1890. Foi coligido em O País das Uvas (1893).

16Este tratado e suas consequências foram também esmiuçados por Oliveira Martins em Portugal em África, publicado originalmente em 1891.

17Cf. Irkan [pseudónimo de Fialho de Almeida] – «À La Lanterne!». In Pontos nos ii. Vol. vi, N.º 273, 18 de setembro de 1890, p. 299.         [ Links ]

18Cf. Almeida, Fialho de – «O tratado anglo-luso, e delimitação do novo Moçambique – O Sr. Hintze Ribeiro, cigano e mau ladrão». In Os Gatos – Publicação Mensal de Inquérito à Vida Portuguesa, vol. iii, 1947, pp. 29-30, p. 33.         [ Links ]

19Cf. Ibidem, pp. 25-26.

20Cf. Ibidem.

21Cf. Ibidem, p. 30.

22Cf. Ibidem, pp. 30-31.

23Cf. Ibidem, p. 32.

24Cf. Almeida, Fialho de – «A espoliação portuguesa na África (Panfleto aos fracos)». In Os Gatos – Publicação Mensal de Inquérito à Vida Portuguesa. Vol. iii, p. 88. p. 90.         [ Links ] «Queiram agora pôr a par os dois convénios, o do sultão Bargash com as duas companhias coloniais [...] e o do sultão Bragança com o governo inglês: e digam-me depois se ambos eles não são concebidos no mesmo espírito absorvente, e ditados no mesmo fundo de desprezo absoluto». In Ibidem, p. 92.

25Cf. Ibidem, pp. 95-96.

26Cf. Ibidem, p. 96.

27Cf. Ibidem.

28Cf. Almeida, Fialho de – «O tratado anglo-luso, e delimitação do novo Moçambique – O Sr. Hintze Ribeiro, cigano e mau ladrão», pp. 32-33.         [ Links ]

29Ibidem, p. 37.

30Cf. Almeida, Fialho de – «A espoliação portuguesa na África (Panfleto aos fracos)», p. 93.         [ Links ]

31Ibidem, p. 87.

32Cf. Ibidem, p. 95.

33Cf. Ibidem, pp. 88, 94, 97.

34Cf. Ibidem, pp. 76-82.

35Cf. Ibidem, pp. 78-80.

36Cf. Mattoso, José (dir.) – História de Portugal, vol. vi, Ramos, Rui – A Segunda Fundação (1890-1926). 2.ª edição revista e atualizada. Lisboa: Editorial Estampa, 2001, p. 121;         [ Links ] Serrão, Joaquim Veríssimo – História de Portugal. 2.ª edição revista. S. l.: Editorial Verbo, s. d. [imp. 1990], vol. x, p. 31;         [ Links ] Neves, Olga Iglésias – «Moçambique». In Serrão, Joel, e Marques, A. H. de Oliveira (dir.), Nova História da Expansão Portuguesa, vol. x, O Império Africano (1825-1890), p. 478.         [ Links ]

37Cf. Almeida, Fialho de – «Aespoliação de África e o exército». In Vida Irónica (Jornal de um Vagabundo). S. l.: Círculo de Leitores, s. d. [imp. 1992], p. 30.         [ Links ]

38Cf. Ibidem, pp. 30-31.

39Cf. Mattoso, José (dir.) – História de Portugal, vol. vi, Ramos, Rui – A Segunda Fundação (1890-1926), p. 121.         [ Links ]

40Cf. Ibidem; Alexandre, Valentim – «O Império Português (1825-1890): ideologia e economia», p. 977; Teixeira, Nuno Severiano – O Ultimatum Inglês. Política Externa e Política Interna no Portugal de 1890, p. 70.

41Cf. Mattoso, José (dir.) – História de Portugal, vol. vi, Ramos, Rui – A Segunda Fundação (1890-1926), p. 121;         [ Links ] Homem, Amadeu Carvalho – A Propaganda Republicana (1870-1910). Coimbra: Coimbra Editora, 1990, p. 54.         [ Links ]

42Lucas, Maria Manuela – «Aideia colonial em Portugal (1875-1914)», p. 311.         [ Links ]

43Cf. Irkan [pseudónimo de Fialho de Almeida] – «Ao Povo!», p. 26.         [ Links ]

44Omesmo processo de ilusão – desilusão aconteceu com Basílio Teles, por exemplo. Cf. Leal, Ernesto Castro – «Opinião pública na província em 1890. Elementos de agitação e antropologia do português durante a crise do “Ultimatum” inglês», pp. 53-54.         [ Links ]

45Cf. Irkan [pseudónimo de Fialho de Almeida] – «Cobardes!». In Pontos nos ii. Vol. vi, N.º 242, 13 de fevereiro de 1890, p. 50.         [ Links ]

46Cf. Ibidem.

47Ibidem, p. 50. As maiúsculas são de Fialho.

48Cf. Ibidem.

49Cf. Homem, Amadeu Carvalho – «O“Ultimatum” inglês de 1890 e a opinião pública». In Revista de História das Ideias, p. 290.         [ Links ]

50Cf. Ibidem, pp. 103-104; Teixeira, Nuno Severiano – O Ultimatum Inglês. Política Externa e Política Interna no Portugal de 1890, pp. 133-134.         [ Links ]

51Cf. Irkan [pseudónimo de Fialho de Almeida] – «Cobardes!», p. 50.         [ Links ]

52Cf. Ibidem, p. 51. A Pátria responderia a este artigo com a seguinte declaração: «O número dos Pontos nos ii saído ontem, insere uma crónica brilhante, como todas do sr. Fialho de Almeida, em que o nervosismo do escritor o leva a asserções que precisam de retificação e esclarecimentos. Assim, diz o notável escritor que a mocidade académica não tem sangue nas veias para reagir contra as prepotências da autoridade, como o provou, não realizando as manifestações que estavam projetadas para o dia 11 do corrente. É preciso que se saiba que os estudantes de Lisboa apenas foram convidados para se agregarem à comissão que levava a coroa para ser deposta no monumento de Camões; ora os estudantes embalde esperaram todo o dia que essa coroa aparecesse para se incorporarem no préstito. É evidente que os estudantes não haviam de ir forçar as linhas de tropa que guarneciam o largo de Camões para ficarem de mãos a abanar defronte da estátua. Agora o ilustre escritor, que tão simpático é a toda a classe académica e que nós nos permitimos ainda considerar como um colega, fique certo que, quando os estudantes de Lisboa projetarem uma manifestação há de efetuar-se, dê por onde der, custe o que custar, haja o que houver, enquanto um estudante só que seja, tiver os braços desembaraçados» («AIrkan». In A Pátria. N.º 17, 14 de fevereiro de 1890, p. 1 [artigo não assinado]).

53Irkan [pseudónimo de Fialho de Almeida] – «À La Lanterne!», p. 298.

54Fialho fala em «classe culta dormindo ou mofando longe dos focos onde a sua voz poderia valer como conselho ou como protesto» (Ibidem, p. 298).

55Cf. Almeida, Fialho de – «Patriotas que põem e tiram crepes – Abram os guarda-chuvas, meus senhores!». In Os Gatos – Publicação Mensal de Inquérito à Vida Portuguesa. Vol. iii, pp. 40-41.         [ Links ]

56Ibidem. «O amor da pátria aguou-se de reflexão encanecida, e as comissões patrióticas quando querem arvorar nas estátuas o crepe do protesto, e esfuriar por ele a revindicta do povo, vão primeiro de chapéu na mão, pedir licença à autoridade» (Ibidem, p. 45).

57Cf. Homem, Amadeu Carvalho – «O “Ultimatum” inglês de 1890 e a opinião pública», p. 295.

58Cf. Irkan [pseudónimo de Fialho de Almeida] – «O fim do fim». In Pontos nos ii. Vol. vi, N.º 255, 16 de maio de 1890, p. 154.         [ Links ]

59Cf. Ibidem, pp. 154-155. Escreve Ernesto Castro Leal: «O jornalista bracarense Dias Freitas, professor de língua inglesa, fez publicar no bissemanário A Correspondência do Norte uma nota de recorte espalhafatoso: “Morra a Inglaterra! Morram os Piratas! Sendo, desde longa data, professor de Inglês, protesto, sob minha palavra de honra, nunca lecionar essa língua, que procurarei esquecer”. Apesar de tudo, sete meses depois, Dias Freitas, então redator do bissemanário Correio de Braga, anunciava a abertura de um externato (do qual era coproprietário) onde se lecionaria, entre outras disciplinas, o Inglês» (Leal, Ernesto Castro – «Opinião pública na província em 1890. Elementos de agitação e antropologia do português durante a crise do “Ultimatum” inglês», p. 47).

60«E como tudo lhe seja indiferente, a Inglaterra e a África, o futuro do país e o tratado, a república e o rei – quem tudo isto defenda ou quem tudo isto vergaste – e como à suadeira de fazer a revolução com um tempo destes, acresça o perigo de se perder o amo ou de se perder o lugar, toca a fazer as coisas com prudência, por modos que os jornais nos chamem patriotas sem os polícias nos levarem catrafilados». In Almeida, Fialho de – «Patriotas que põem e tiram crepes – Abram os guarda-chuvas, meus senhores!», in Os Gatos – Publicação Mensal de Inquérito à Vida Portuguesa, vol. 3, p. 45. No texto inédito «A catástrofe», em que Portugal é invadido e ocupado por um país estrangeiro, Eça de Queirós, numa primeira parte, parece recriar este ambiente de abulia nacional descrito e sentido por Fialho: «“Foi esta sonolência lúgubre, este tédio, esta falta de decisão, de energia, esta indiferença cínica, este relaxamento da vontade, creio, que nos perderam […] O ódio ao inimigo era violento, menos pela perda possível da pátria livre do que pelos desastres particulares que traria a derrota: um, tremia pelo seu emprego, outro, pelo juro das suas inscrições […] No fundo de todos eles havia a ideia da capitulação, o horror da luta, a ansiedade de ficar sem emprego, o terror de perder as inscrições!”». In Queirós, Eça de – «A catástrofe», apud Mónica, Maria Filomena – Eça de Queirós. 4.ª edição. Lisboa: Quetzal Editores, 2001, p. 284.

61Cf. Almeida, Fialho de – «Patriotas que põem e tiram crepes – Abram os guarda-chuvas, meus senhores!», p. 44.

62Cf. Irkan [pseudónimo de Fialho de Almeida] – «Cobardes!», p. 50.

63Cf. Almeida, Fialho de – «Patriotas que põem e tiram crepes – Abram os guarda-chuvas, meus senhores», p. 42.

64«Aignorância do Parlamento era pelo menos o dobro da do público, havendo deputados que punham o Chire na Índia, e antigos Pares do Reino que localizavam a Mashona, aproximadamente na península de Macau» (Ibidem, p. 41).

65Cf. Alexandre, Valentim – «O Império Português (1825-1890): ideologia e economia», pp. 959-979; Alexandre, Valentim – «Portugal em África (1825-1974): uma visão geral». In Velho Brasil, Novas Áfricas. Portugal e o Império (1808-1975), pp. 236-237.         [ Links ]

66Cf. Almeida, Fialho de – «O relatório do sr. Júlio de Vilhena sobre o “estado da África oriental” – A Cooperativa-Colonizadora-Fúnebre-Familiar, e civilização por cinco tostões ao mês». In Os Gatos – Publicação Mensal de Inquérito à Vida Portuguesa, vol. v, [imp. 1951], p. 43.         [ Links ]

67Cf. Ibidem.

68Cf. Ibidem, pp. 45-46.

69Cf. Ibidem, pp. 48-49.

70Cf. Ibidem, pp. 50-51.

71Cf. Ibidem.

72Cf. Ibidem, pp. 51-52.

73Cf. Ibidem, p. 53.

74Cf. Ibidem, p. 58.

75Cf. Ibidem, pp. 57-59.

76Cf. Alexandre, Valentim – A Questão Colonial no Parlamento, vol. i, 1821-1910, p. 183; Neves, Olga Iglésias – «Moçambique», pp. 492-493; Telo, António José – «Um sonho cor-de-rosa? Portugal, a Europa e a África (1879-1891) (cont.)», p. 19.

77Cf. Almeida, Fialho de – «Em que se pedem ilustrações ao Livro Branco, para explicação das nossas derrotas diplomáticas – Perde-se Moçambique por S. Ex.ª nunca ter tido bons casacos». In Os Gatos – Publicação Mensal de Inquérito à Vida Portuguesa, vol. iii, pp. 137-138.         [ Links ]

78Cf. Ibidem; cf., também, Almeida, Fialho de – «Um juízo do ano». In «Barbear, Pentear» (Jornal de um Vagabundo). 4.ª edição. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1923, p. 7.         [ Links ]

79Cf. Almeida, Fialho de – «Em que se pedem ilustrações ao Livro Branco, para explicação das nossas derrotas diplomáticas – Perde-se Moçambique por S. Ex.ª nunca ter tido bons casacos», p. 138.

80Almeida, Fialho de – «O novo ministro de Portugal em Paris». In Vida Irónica (Jornal de um Vagabundo), p. 172.

81Cf. Almeida, Fialho de – «A tríplice aliança no conflito anglo-luso – Razões por que o nível desce, e por que escasseia o pessoal». In Os Gatos – Publicação Mensal de Inquérito à Vida Portuguesa. Vol. iii, pp. 194-195.         [ Links ] Fialho exemplifica, depois, na p. 195: «Um chamado barão da Costa Ricci, diretor da nossa agência financial de Londres, e que enriqueceu à custa do País, gaba-se publicamente de há trinta anos não vir a Portugal, e de haver esquecido completamente o nosso idioma. Tanto a origem alfacinha lhe faz asco, que sendo trigueiro, pinta desde tempos imemoriais as suíças, de loiro, proibindo que em sua casa se fale o português. De sorte que as filhas não conhecem uma palavra só da nossa língua, e têm de Portugal a suasão de que é um sultanato onde as senhoras usam pera, e os cavalheiros roubam diligências nos pinhais».

82Cf. Ibidem, pp. 192, 194.

83Cf. Ibidem, pp. 193-194; Almeida, Fialho de – «Necessidade de rasgar o testamento – Arroio na casota do guarda-portão. Dito profético: Final». In Os Gatos – Publicação Mensal de Inquérito à Vida Portuguesa. Vol. iii, p. 180;         [ Links ] Almeida, Fialho de – «Os salvadores da salva brava: suas primeiras inércias, tibiezas e empenhocas – A conclusão terrível». In Os Gatos – Publicação Mensal de Inquérito à Vida Portuguesa. Vol. v, pp. 134-135.         [ Links ]

84Cf. Almeida, Fialho de – «Atríplice aliança no conflito anglo-luso – Razões por que o nível desce, e por que escasseia o pessoal». In Os Gatos – Publicação Mensal de Inquérito à Vida Portuguesa, vol. iii, pp. 187-189.         [ Links ]

85Cf. Ibidem.

86Cf. Ibidem, p. 194.

87Cf. Ibidem.

88Cf. Ibidem, pp. 189-191. Sobre Henrique de Macedo e o conde de Valenças, escreve, nas pp. 189-191: «Está em Bruxelas o sr. Henrique de Macedo, que é uma espécie de tatu desentusiasmado doutra posição que não seja a horizontal, e doutra lucidez que lhe não venha das quebreiras digestivas, aos roncos, nas poltronas das casas de jantar. Querem fazer deste medíocre o sucessor do Sr. Barjona, nas novas negociações com Salisbury. Vejam que lástima! O Sr. Henrique de Macedo tem quase todos os defeitos públicos do Sr. Barjona, acrescentados doutros que por bem de nós todos, devem pô-lo a cem léguas de tal cargo. […] e finalmente em Viena o nobre conde de Valenças, cujos méritos julgamos fixar, mencionando a única coisa que de positivo se sabe, acerca de S. Ex.ª – venho a dizer – que é um mamífero. Digam-me pois se com tal quadro, algum governo pode ter sequer um serviço de informações e de polícia diplomática, capaz, e se as nossas legações, com todos os seus contos de réis de custeio, servem para mais alguma coisa do que dar nicho a preguiçosos, e passar contrabando nas bagagens.»

89Cf. Almeida, Fialho de – «A espoliação portuguesa na África (Panfleto aos Fracos)». In Os Gatos – Publicação Mensal de Inquérito à Vida Portuguesa, vol. iii, p. 75.         [ Links ]

90Cf. Almeida, Fialho de – «O tratado anglo-luso, e delimitação do novo Moçambique – OSr. Hintze Ribeiro, cigano e mau ladrão», pp. 39-40.

91Cf. Almeida, Fialho de – «Em que se pedem ilustrações ao Livro Branco, para explicação das nossas derrotas diplomáticas – Perde-se Moçambique por S. Ex.ª nunca ter tido bons casacos», p. 147.

92Cf. Irkan [pseudónimo de Fialho de Almeida] – «A má língua». In Pontos nos ii. Vol. vi, N.º 256, 22 de maio de 1890, p. 167.         [ Links ]

93Almeida, Fialho de – «Em que se pedem ilustrações ao Livro Branco, para explicação das nossas derrotas diplomáticas – Perde-se Moçambique por S. Ex.ª nunca ter tido bons casacos», p. 139.

94Cf. Ibidem, pp. 140-141.

95Cf. Ibidem, pp. 141-143.

96Cf. Ibidem, pp. 146-152.

97Cf. Ibidem, p. 147.

98Cf. Ibidem, pp. 140-142, 147.

99Segundo Rui Ramos, havia uma tradição antibritânica que vinha desde, pelo menos, a perda da Índia, passando pelo Tratado de Methuen e pela execução de Gomes Freire de Andrade [cf. Mattoso, José (dir.) – História de Portugal, vol. vi, Ramos, Rui – A Segunda Fundação (1890-1926), p. 40]. Acrescentaríamos, já no século xix, e por razões, agora sim, ligadas com as colónias africanas, a Questão de Ambriz (1853), a Questão da Baía de Bolama (1870), a Questão da Baía de Lourenço Marques (1875), o Tratado de Lourenço Marques (1879) e o Tratado do Zaire (1884).

100Cf. Brandão, Raul – Memórias. Edição de José Carlos Seabra Pereira. Lisboa: Relógio d’Água, 1998, tomo i, p. 68.         [ Links ]

101Oseu amplo conhecimento das teorias dos principais autores de psicologia das massas, como Gustave Le Bon (1841-1931) e Gabriel Tarde (1843-1904), poderá ter fortalecido esta consciência do papel das palavras e das imagens marcantes na transmissão de uma ideia. Diz Le Bon: «Ao estudarmos a imaginação das multidões, vimos quanto ela é impressionada, sobretudo por imagens. Nem sempre estão à nossa disposição estas imagens, mas é possível evocá-las pelo judicioso emprego de palavras e fórmulas. Manejadas com arte possuem, na verdade, o poder misterioso que outrora lhes atribuíam os sequazes da magia; fazem rebentar na alma das multidões as mais formidáveis tempestades, mas sabem também acalmá-las […] A razão e os argumentos não podem, em certos casos, lutar contra determinadas palavras e fórmulas». In Le Bon, Gustave – A Psicologia das Multidões. 2.ª edição. Lisboa: Edição da Tipografia de Francisco Luís Gonçalves, s. d., p. 80.         [ Links ]

102Cf. Fonseca, Fortunato da – «Fialho de Almeida – I». In Novidades. Lisboa, N.º 8166, 29 de abril de 1911, p. 1.         [ Links ] Mesmo quando se refere a eventos ou personalidades políticas, Fialho fá-lo de uma forma distante e objetiva.

103Cf. «Monumento a Fialho de Almeida». In ABC: Revista Portuguesa. Lisboa. N.º 309, 17 de junho de 1926, p. 18 [artigo não assinado: provavelmente da autoria de Rocha Martins]; Teixeira, Nuno Severiano – O Ultimatum Inglês. Política Externa e Política Interna no Portugal de 1890, pp. 108-109.

104Cf. Carvalho, Cristiano de – Revelações. Barcelos: Portucalense Editora, 1932, pp. 70-79;         [ Links ] Irkan [pseudónimo de Fialho de Almeida] – «Aassaltada ao Martinho». In Pontos nos ii. Vol. vi, N.º 274, 25 de setembro de 1890, pp. 306-307.         [ Links ]

105Cf. Almeida, Fialho de – «Patriotas que põem e tiram crepes – Abram os guarda-chuvas, meus senhores!», p. 42.

106«Somos naturalmente um povo colonizador, dissemos, e quatro séculos de emigração fecunda, que deu talvez ao mundo dois décimos da sua atual população, são prova cabal da maravilhosa aptidão colonizante da raça portuguesa». In Almeida, Fialho de – «Se querem colonizar a África…». In Vida Irónica (Jornal de um Vagabundo), p. 61.

107Ibidem, p. 60.

108Cf. Alexandre, Valentim – «A África no imaginário político português (séculos xix-xx)». In Penélope. Vol. xv, Lisboa, 1995, pp. 40-41.         [ Links ]

109Cf. Ibidem, pp. 40-41, 50 (transcrição); Alexandre, Valentim – «O Império Português (1825-1890): ideologia e economia», p. 978.

110Cf. Coelho, Maria Teresa Pinto – Apocalipse e Regeneração. O Ultimatum e a Mitologia da Pátria na Literatura Finissecular. Lisboa: Edições Cosmos, 1996, pp. 88-99.         [ Links ]

111Cf. Ibidem.

112Cf. Ibidem, pp. 95-97; Mónica, Maria Filomena – Eça de Queirós, pp. 273-276.