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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.33 Lisboa mar. 2012

 

A crise em 2012

 

Pedro Lains

Investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e professor convidado da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa. É licenciado e agregado em Economia pela Universidade Nova de Lisboa, e doutorado em História pelo Instituto Universitário Europeu (Florença). Publicou recentemente Agriculture and Economic Development in Europe since 1870 (com Vicente Pinilla, Routledge, 2009), Paying for the Liberal State. The Rise of Public Finances in Nineteenth Century Europe (com José Luís Cardoso, Cambridge University Press, 2010), História da Caixa Geral de Depósitos, 1876-2010 (3 vols., Imprensa de Ciências Sociais, 2002-2011), e História Económica de Portugal, 1143-2010 (com Leonor Freire Costa e Susana Munch Miranda, Esfera dos Livros, 2011).

 

RESUMO

Este artigo adota uma perspetiva histórica para compreender as causas da crise económica e financeira atual. Retomar a crise de 1929 é importante porque também ela teve início nos mercados financeiros, passando depois para o resto da economia. Compreender esse contágio é fundamental para se perceber que tipo de soluções são necessárias para ajudar a ultrapassar a atual crise. Porém, a Grande Depressão foi mais profunda mas teve um impacto geográfico, a nível mundial, mais limitado do que a atual crise, pois o mundo de então era menos globalizado.

Palavras-chave: Economia internacional, crises económicas, Estados Unidos, Portugal

 

The crisis in 2012

ABSTRACT

This article embraces a historical standpoint to grasp the causes leading to the current economic and financial crisis. Bearing in mind the crisis of 1929 is important, inasmuch as it also began with financial markets and later spread to the rest of economy. It is crucial to understand how that transmission took place, in order to discern what kind of solutions are needed to help overcome the crisis at hand. Despite running deeper, the Great Depression, however, had a more limited world-wide geographic impact than the present crisis, since the world, at the time, was a less globalized place.

Keywords: International economy, economic crisis, United States, Portugal

 

A crise que Portugal, a zona euro, a União Europeia (ue) e uma parte considerável do resto do mundo atravessam desde 2008 tem alguns paralelos históricos embora poucos. Para se perceber a sua importância recordemos a frequência com que ela é comparada com a crise financeira e económica mais espetacular – mas não necessariamente a mais importante – do século xx, a Grande Depressão, que se seguiu o crash da Bolsa de Nova York de 1929. Essa comparação pode pecar por defeito, pois a Grande Depressão foi mais profunda mas teve um impacto geográfico, a nível mundial, mais limitado do que a atual crise. Ao tempo, o mundo era menos globalizado e por isso os problemas financeiros e a contração da economia norte-americana tiveram fortes repercussões na Alemanha, na Europa Central, assim como na França, na Itália, na Bélgica e nos Países Baixos, mas efeitos menos importantes no Reino Unido, em países da periferia geográfica da Europa, como a Dinamarca, a Suécia ou Portugal; e na América Latina e no Japão a Grande Depressão também foi menos sentida1. Talvez um dia, quando tivermos avançado mais na sua compreensão, e conhecido o seu desenlace, esta crise apareça mais próxima da crise que se seguiu à escalada dos preços do petróleo, em 1973.

De facto, podemos estar perante uma depressão que não interrompe apenas uma determinada tendência da evolução da economia internacional, mas uma mudança na tendência do crescimento económico, pelo menos a Ocidente. Como nas décadas a seguir a 1973, quando a economia do mundo ocidental baixou consideravelmente a taxa de crescimento tendencial relativamente ao período da idade de ouro que então acabaria2.

À semelhança do que aconteceu há quarenta anos, agora também há novos jogadores de peso na primeira linha na economia internacional. Em 2008, no dealbar da crise, o grupo de coordenação política internacional que inclui os países mais industrializados do mundo e a Rússia, o G8, foi alargado a vinte membros, passando a incluir as grandes economias emergentes, como a China, a Índia, o Brasil, a Rússia, a África do Sul, a Indonésia ou a Argentina, e os maiores exportadores árabes de petróleo, todos eles cada vez mais integrados económica e politicamente na esfera internacional. As alterações do quadro económico internacional que aconteceram depois de 1973, e em curso nos últimos anos, são uma constante histórica e são fruto direto do dinamismo da economia internacional, facto que por vezes esquecemos por prestar demasiada importância às consequências dessas alterações nos equilíbrios de curto prazo.

Entre meados do século xviii e meados do século xix, a Grã-Bretanha foi a primeira grande potência à escala internacional com peso suficiente para desenhar uma parte importante da economia mundial à sua imagem. A partir do último quartel do século xix, aquela que foi a primeira nação industrial, teve de fazer frente ao crescente poder económico do império alemão. De seguida, já em finais de Oitocentos, esses dois países, aos quais se juntava a França, embora de forma menos espetacular, mas importante nos mercados financeiros internacionais, tiveram de enfrentar o aumento do poderio económico, industrial e político dos Estados Unidos. O poder destes últimos foi reforçado nas décadas que se seguiram à ii Guerra Mundial, para depois assistirem ao crescente peso internacional do Japão, e dos demais «tigres asiáticos», da década de 1970 em diante.

A recordação destas bem conhecidas mudanças nos principais atores da economia internacional dá uma medida do que poderá acontecer no futuro próximo, assim que os ajustamentos internacionais em curso entrem numa fase de maior equilíbrio. Esses episódios mostram, em primeiro lugar, que as alterações no quadro económico internacional não implicaram necessariamente reduções dos níveis de bem-estar dos países instalados. Em alguns momentos, como a seguir a 1973, as mudanças levaram à diminuição das taxas de crescimento económico, mas não à regressão económica e uma vez reequilibrado o balanço dos poderes na esfera internacional, o crescimento regressou aos países mais avançados economicamente.

Em algumas ocasiões, como a seguir a 1870, com a entrada da Alemanha, a 1890, com a entrada dos Estados Unidos, ou a 1945, com a entrada do Japão, entre outros, o crescimento da economia internacional aumentou inclusivamente de ritmo, beneficiando assim todos, velhos e novos protagonistas. Por outro lado, nos anos entre as duas guerras mundiais e a seguir à crise de 1973, embora em graus diferentes, a expansão da economia internacional foi limitada quer pela criação de barreiras artificiais ao comércio internacional, quer através do aumento da intervenção direta dos estados nas economias. Esses desenvolvimentos negativos devem ser avaliados com cuidado, uma vez que resultaram de conflitos internacionais importantes cuja interpretação ultrapassa a análise meramente económica. Por outras palavras, nem sempre os benefícios da maior integração económica internacional estão ao alcance das sociedades ou das nações, quando outros interesses se levantam.

É importante notar que a atual crise ainda não deu lugar a reações protecionistas significativas e isso deve-se porventura à cada vez maior integração económica internacional, que fará com que haja uma melhor aferição das perdas de um eventual maior isolamento económico das nações. O facto de os protagonistas serem na sua maior parte democracias, com a importante exceção da China e de alguns países exportadores de petróleo, é seguramente relevante para o menor sucesso das ideias protecionistas. Todavia, é preciso ter em atenção que o nacionalismo e o protecionismo não dormem, e sinais disso podem ser vistos em países como a Hungria, a Alemanha, a França, a Finlândia, ou mesmo em Portugal, embora ainda de forma débil.

Se a crise atual é mais parecida com o que aconteceu a seguir a 1973, seria benéfico para todos que a sua superação fosse também mais parecida com o que aconteceu a seguir a 1945. Na verdade, aquilo que se fez depois da II Guerra Mundial é de muitas formas exemplar, e hoje o mundo é ainda herdeiro de medidas então tomadas, como a constituição da Organização Económica de Cooperação Europeia e o Plano Marshall, em 1948, e a cee, em 1957.

Apesar de tudo o que se pode dizer sobre crises passadas, sobre os problemas que envolveram, sobre as formas como foram ultrapassadas, o melhor é não perder de vista, por enquanto, aquilo que se passou a seguir a 1929, dadas as grandes lições que trouxe. Acresce que essa crise é também importante porque ela teve início nos mercados financeiros, passando depois para o resto da economia e compreender esse contágio é fundamental para se perceber que tipo de soluções são necessárias para ajudar a ultrapassar a atual crise. É muito importante ter uma perspetiva alargada sobre o presente porque isso nos ajuda a ter melhores armas para compreender os momentos que estamos a passar. São momentos especialmente difíceis, que geram grandes dúvidas e grandes incertezas, que fazem com que as pessoas tenham perspetivas opostas, algumas vezes radicais, o que nos leva facilmente a sair da análise dos factos mais próximos e a ter debates mais políticos do que propriamente económicos. Tudo é importante e não devemos ser nós a definir o que é mais importante para os outros, se a economia, se a política, por exemplo. O tempo, a distância, o conhecimento do resultado final, inerente a qualquer visão histórica, ajuda a conclusões mais sólidas, e a consensos fundamentados.

 

OS HOMENS E A CRISE

Perguntemos agora, já com essa perspetiva alargada por trás, o que provocou a atual crise. Há várias explicações concorrentes, sendo as mais populares, porventura, aquelas que atribuem responsabilidades a más decisões de políticos ou particulares: a esquerda acha que a responsabilidade da crise deve-se à ação dos financeiros, dos tubarões da finança; a direita gosta mais de atribuir as culpas aos agentes políticos. A história económica serve para ir mais longe e encontrar causas dos problemas económicos não na política mas, em primeiro lugar, na economia. Isso não quer dizer que a ação dos agentes políticos não seja importante, mas apenas que na ordem das causas eles podem não ser os primeiros culpados.

Um dos principais visados nas críticas à atuação dos políticos, a nível internacional, é Alan Greenspan, presidente da Reserva Federal (Fed) norte-americana, entre 1987 e 2006. Nas suas memórias, Greenspan conta que, quando chegou à Fed, relegou para segundo plano os modelos econométricos com que lá se trabalhava e passou a usar sobretudo a sua intuição, que lhe ditava a manutenção de uma política de dinheiro barato, isto é, de baixas taxas de juro, o que reforçou a liquidez dos mercados e a capacidade dos bancos em alimentar o chamado crédito do subprime3. Mas, ao mesmo tempo, dizem os críticos, nada fez para melhorar a supervisão dos mercados financeiros por parte das instituições reguladoras, incluindo os bancos centrais, nos Estados Unidos e no resto do mundo. Claro que, quando se pensa um pouco no assunto, ninguém pode ficar satisfeito com a atribuição das causas da crise à ação de um homem, de uma instituição ou mesmo de um conjunto de instituições.

Acontece que o exemplo do presidente da Fed é bem elucidativo. Em 2006, Greenspan acabou o seu longo mandato, que atravessou vários presidentes dos Estados Unidos, republicanos e democratas, sendo substituído por Ben Bernanke que, entre outras coisas, estudou as causas da Grande Depressão. Não haveria porventura ninguém melhor dotado para presidir a um dos bancos centrais mais importantes do mundo.

Para percebermos a mudança, olhemos um pouco para o debate em torno das causas da Grande Depressão. Em primeiro lugar, é preciso notar que a crise da bolsa de 1929 e a Grande Depressão não são uma e a mesma coisa. Com efeito, o crash de 1929 não teria necessariamente de se traduzir na pior depressão da economia norte-americana e numa das piores depressões da economia internacional de que há registo. Bernanke procurou perceber melhor os mecanismos que levaram uma crise bolsista a uma Grande Depressão4. O seu trabalho não é sobre as causas do crash da Bolsa de Nova York de outubro de 1929, mas sim sobre as razões que levaram a que esse crash derivasse para uma enorme quebra do produto nacional bruto dos Estados Unidos, que se prolongou até 1933. A sua interpretação ajudou a moldar as soluções em curso desde 2008 nos Estados Unidos, assim como aquelas que foram levadas a cabo com enorme sucesso na Suécia, um país também de grandes economistas, no início dos anos 1990.

Até Bernanke, a ortodoxia da explicação da Grande Depressão residia na análise dos efeitos monetários do crash da Bolsa, explicação que se deve ao trabalho de Friedman e Schwartz5. Segundo estes autores, a depressão deveu-se a duas coisas: em primeiro lugar, à redução dos rendimentos dos acionistas dos bancos falidos no crash; e, em segundo lugar, à enorme contração que o crash provocou na oferta monetária. Por outras palavras, a queda do valor das ações e o fecho de bancos levou à queda da riqueza dos acionistas, reduzindo a sua capacidade de investimento e de consumo; e à queda da oferta de moeda por parte dos bancos. Todavia, os efeitos descritos por Friedman e Schwartz não estão devidamente identificados nas análises econométricas, havendo outros aspetos a considerar6. Para Bernanke, a crise de 1929 trouxe desconfiança aos mercados, levando a que os bancos tivessem cortado o crédito para reduzir riscos. Mas, com isso, cortaram o crédito não só aos credores insolventes – à data, como hoje, em grande parte relacionados com créditos hipotecários – como a credores que poderiam ter futuro. Por outras palavras, reagiram mais negativamente do que teria sido necessário, levando a uma maior contração do crédito à economia e por essa via à redução acima do necessário do produto nacional. A situação adversa do crédito e do financiamento da economia só se resolveria a partir de março de 1933, quando o recém-eleito presidente Roosevelt resolveu intervir com o peso do Estado nos mercados financeiros, ação com efeitos globalmente reconhecidos. Ao contrário, as intervenções que se seguiram, relacionadas com os pesados investimentos públicos e programas de emprego, poderão ter tido alguns efeitos nefastos.

Em 2002, Bernanke, então governador da Fed, numa homenagem a Friedman e Schwartz, com eles presentes, disse: «Vocês estavam certos, nós [a Reserva Federal] fizémo-la [a Grande Depressão]. Lamentamos muito. Mas graças a vocês, não o voltaremos a fazer.» Estes ensinamentos aplicados à Grande Depressão seguem de perto aquilo que Keynes defendeu no seu famoso livro The Economic Consequences of the Peace, publicado em 1919, o ano da Conferência de Paris, sobre os custos que as reparações de guerra alemãs trariam para a economia internacional7.

 

A ECONOMIA INTERNACIONAL E A CRISE

Mas se a responsabilidade da crise não está nos teóricos ou nos conselheiros económicos, onde estará? Olhemos para uma outra explicação, simultaneamente mais simples e mais profunda. Há pouco mais de dois anos, no cume da crise financeira nos Estados Unidos e numa altura em que ela chegava à Europa, Reinhart e Rogoff forneceram uma panorâmica das principais crises financeiras internacionais nos últimos oito séculos, baseada numa impressionante recolha de dados8. O título do livro – This Time Is Different – é muito elucidativo, referindo-se à ideia segundo a qual os principais agentes que operam nos mercados financeiros e, de certo modo, também o comum dos cidadãos, se esquecem das crises financeiras passadas, confiam no andamento dos mercados, na regulação autónoma ou em alguma supervisão institucional, e esperam que as crises financeiras não voltem a acontecer. O livro analisa vários episódios de crise, explicandoo seu surgimento e as falhas institucionais que lhes podem ser associadas. Mostra que não foram apenas os países económica, política ou financeiramente fracos que entraram em incumprimento. Ao contrário, há campeões de incumprimento também entre as grandes potências económicas. Isso não deveria surpreender, se tivermos em consideração que o incumprimento implica a imposição de uma perda aos credores, para o que é preciso alguma força militar ou política. Neste quadro, Portugal não se sai muito mal, havendo piores prevaricadores na história, como a Grécia, um país fraco mas numa posição geográfica que lhe dá alguma força, mas também a Espanha, a França e a Alemanha. Mas o mais importante nesse trabalho é a relação que estabelece entre a evolução da mobilidade de capital a nível internacional e a incidência de crises bancárias, relação que pode ser vista no gráfico 1.

 

Gráfico 1

Mobilidade de capital e incidência de crises bancárias, 1800-20079

 

Como sabemos, o início da atual crise foi também bancária, tornando-se uma crise de dívida soberana, porque os estados um pouco por todo o mundo desenvolvido incorreram em fortes défices e aumentos de dívida pública para salvar os bancos e diminuir o impacto das falências e do aumento do risco bancário no financiamento das economias. A explicação da atual crise como sendo fruto de alterações importantes na economia internacional parece ser mais sólida do que as explicações que assentam apenas na análise da ação dos agentes políticos ou financeiros. Por vezes parece que não queremos enveredar por esse tipo de conclusões que todos, no íntimo, seguramente, sen tiremos como mais fundamentadas e mais sérias, porque as explicações não políticas podem levar à desresponsabilização daqueles que têm nas mãos o destino das coisas públicas. Mas temos de ultrapassar esse medo e colocar as nossas análises no pé firme que elas merecem.

O funcionamento da economia internacional é muito dependente da ação dos governos nacionais e de outras instituições com intervenção nos mercados internacionais, que podem impor ou aligeirar restrições à circulação de bens, serviços, pessoas e capitais, a nível internacional. O grau de intervenção dos governos variou de forma considerável ao longo do tempo, ao sabor das flutuações na globalização, ou em consequência das alterações das conjunturas internacionais, marcadas sobretudo pelas guerras com escala internacional. Depois de mais de meio século de crescente integração económica e financeira internacional, a i Guerra Mundial e os desequilíbrios por ela provocados obrigaram à adoção generalizada de medidas de proteção económica que reduziram significativamente as trocas internacionais, durante largas décadas. O recrudescimento do protecionismo foi várias vezes atacado mas não de forma decisiva por falta de coordenação política entre governos e nações desconfiados e sem lideranças fortes. O poder dos bancos centrais e de alguns governos nacionais, como o britânico, o francês e o alemão, permitiu o funcionamento de um sistema de pagamentos que garantia a compensação dos eventuais desequilíbrios de pagamentos, à escala internacional, sob a égide da adoção generalizada de sistemas monetários baseados no padrão ouro ou prata. Esse sistema terminou em 1914, por causa da guerra, e não mais seria substituído, quer porque os governos não tinham força suficiente, quer porque não lhes interessava, numa avaliação crua de custos e benefícios nacionais.

Os problemas da reconstituição da economia internacional sentidos a seguir à paz de Versalhes de 1919 foram evitados com grande sucesso a seguir à ii Guerra Mundial, graças à intervenção e liderança dos Estados Unidos que impediram os vencedores europeus, a Ocidente, de imporem à Alemanha reparações de guerra que teriam limitado as suas capacidades de recuperação económica e, com isso, também as possibilidades de recuperação dos vencedores. O êxito da operação foi suficientemente grande para que ganhasse uma força própria que viria a traduzir os esforços da criação da oece e da implementação do Plano Marshall, na criação das instituições que levariam ulteriormente à criação das Comunidades Europeias. Esses anos registariam um rápido crescimento das economias da Europa Ocidental, assim como de outras partes do mundo, incluindo os Estados Unidos e o Japão. Esse crescimento foi interrompido pela crise de 1973 e, sensivelmente na década seguinte, a cooperação internacional, particularmente na Europa, desceu de intensidade. Todavia, a resposta à atual crise mostra, apesar de tudo, o regresso dessa cooperação, embora haja sinais contraditórios relativamente aos interesses quanto à preservação de uma economia global livre de obstáculos políticos institucionais. São mais os gestos de censura política do Governo norte-americano ao Governo chinês do que os gestos de amizade política. Na Europa, o mesmo se pode concluir com sinais de crescente concorrência entre interesses nacionais e de recriminação transfronteiriça sobre as causas desta última crise e as dificuldades na sua superação. Todavia, na verdade, a retórica política de choque entre nações, na Europa ou a nível mais alargado, não se tem traduzido, por enquanto, numa criação significativa de novas barreiras à livre circulação económica e financeira à escola internacional.

Haverá várias razões para que isso assim seja, mas as causas de natureza económica serão, de alguma forma, relevantes. A livre circulação de mercadorias, serviços, capitais, conhecimentos e, em certa medida, pessoas, isto é, o bom funcionamento da economia internacional, é uma peça fundamental para a melhoria das condições de vida à escala internacional, e tem trazido desenvolvimento económico a muitas partes do mundo, de forma sustentada, embora por vezes mais lenta ou gradual do que muitos esperariam. E esse facto é porventura largamente percebido pelos cidadãos quer dos estados já democráticos mais desenvolvidos, quer dos estados menos desenvolvidos que em crescente número se democratizam. As vantagens da globalização presumivelmente apreendidas, pelo menos por enquanto, por uma larga maioria das populações dos estados mais importantes à escala internacional, estarão na base da sobrevivência da mesma e, por conseguinte, das soluções, sempre parcelares, da crise que completará quatro anos no corrente ano de 2012.

 

PORTUGAL E A CRISE

E quanto a Portugal? O que se pode dizer sobre este pobre país da periferia europeia, embora rico país do ponto de vista da sua história e do seu enquadramento internacional? A primeira coisa em que muitos pensarão, quando se trata dos problemas económicos – e financeiros – portugueses, é em má gestão política, empresarial ou outra. Portugal tem problemas em todas as áreas, mas será que o atraso económico nacional, em comparação com o resto da Europa, vem de problemas políticos, legais, constitucionais, de comportamento, culturais, religiosos? As respostas a este tipo de perguntas nunca serão definitivas nem totalmente claras, o que até nem é mau para os historiadores económicos que, assim, têm garantia de trabalho para muito tempo. Todavia, talvez se possa avançar alguns passos em direções mais seguras e fundamentadas. Temos a obrigação de ir um pouco mais longe das explicações recorrentemente avançadas há anos que atribuem as culpas da nossa «crise» aos Descobrimentos, à Inquisição, à Monarquia, à República, ao Estado Novo, à democracia, à Constituição, ao euro, aos socialistas, aos comunistas, aos neoliberais – a quase tudo o que mexe, no fundo.

É possível encontrar uma certa racionalidade ao longo dos oitocentos anos de história económica portuguesa, racionalidade revelada por progressos que acompanharam os desenvolvimentos no resto da Europa, embora de longe, atendendo à distância geográfica; pelo aproveitamento de oportunidades, quer da ocupação do espaço geográfico nacional, do ponto de vista institucional, económico e social, quer pela exploração do espaço geográfico mundial mais próximo; pelos regulares esforços de preservação da abertura ao exterior, através de alianças e tratados comerciais; pela sucessiva adaptação na economia nacional das descobertas, muitas vezes de valor apenas marginal no curto prazo mas com amplas implicações no longo prazo, que foram sendo realizadas em outras economias, em outros espaços geográficos; pela adaptação das melhores práticas da revolução industrial europeia do século xix; e, finalmente, racionalidade revelada pela participação nas instituições internacionais do século xx10.

Pode concluir-se que Portugal foi um país que aproveitou sucessivas oportunidades que foi enfrentando. Um país, isto é, os agentes económicos que habitavam do lado de cá de fronteiras bem estabelecidas no espaço e no tempo. Claro que também encontrámos sucessivas exceções a essa racionalidade, mas foram exceções. Esta perspetiva contraria histórias mais correntes, mas como podemos saber qual a melhor forma de descrever o nosso passado económico? Não é fácil estabelecer um padrão de avaliação das diferentes interpretações do nosso passado. Todavia, é preciso ter em consideração que qualquer explicação para um caso nacional tem de poder ser utilizada em outros casos semelhantes e a verdade é que é mais difícil estabelecer um quadro de causas políticas ou culturais para o atraso económico no quadro alargado europeu ou internacional.

A ideia de que a crise que atravessamos desde 2007 ou 2008 se deve apenas, ou sobretudo, à responsabilidade política carece de uma forte revisão, no que diz respeito a Portugal ou ao resto do mundo. Essa revisão não serve para aligeirar eventuais culpas políticas, que sempre as há, mas sim para se encontrarem os verdadeiros fundamentos dos problemas para que se possam delinear soluções que evitem a sua repetição. Ou, pelo menos, que atenuem os efeitos das novas crises que, como a história nos ensina, dificilmente se deixaram de perfilar no horizonte de uma economia internacional globalizada e dinâmica.

 

NOTAS

1Cf. Feinstein, Charles H., Temin, Peter, e Toniolo, Gianni – The European Economy Between the Wars. Oxford: Oxford University Press, 1997.         [ Links ]

2Cf. Crafts, Nicholas, e Toniolo, Gianni – «Aggregate growth, 1950-2005». In Broadberry, Steve, e O’Rourke, Kevin (org.) – The Cambridge Economic History of Modern Europe. Volume 2: 1870 to the Present. Cambridge: Cambridge University Press, 2010, pp. 296-332.         [ Links ]

3Greenspan, Alan – The Age of Turbulence. Adventures in a New World. Nova York: The Penguin Press, 2007.         [ Links ]

4Bernanke, Ben – «Nonmonetary effects of the financial crisis in the propagation of the Great Depression». In American Economic Review. Vol. 73, N.º 3, 1983, pp. 257-276.         [ Links ]

5Friedman, Milton, e Schwartz, Anna J. – A Monetary History of the United States, 1867-1960. Princeton: Princeton University Press, 1963.         [ Links ]

6Ibidem.

7Keynes, John Manyar – The Economic Consequences of the Peace. Nova York: Harcourt, Brace, and Howe, 1920.         [ Links ]

8Reinhart, Carmen M., e Rogoff, Kenneth S. – This Time Is Different. Eight Centuries of Financial Folly. Princeton: Princeton University Press, 2009.         [ Links ]

9Ibidem, p. 156.

10Cf. Costa, Leonor Freire, Lains, Pedro, e Miranda, Susana Münch – História Económica de Portugal, 1143-2010. Lisboa: Esfera dos Livros, 2011.         [ Links ]