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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.32 Lisboa dez. 2011

 

A demanda da Europa Comunitária

 

Nicolau Andresen-Leitão

Doutor em História pelo Instituto Universitário Europeu, é investigador associado do Instituto de Ciências Sociais. Autor de vários artigos sobre integração europeia e do livro Estado Novo, Democracia e Europa 1947-1986 (2007); organizador do livro 20 Anos de Integração Europeia (1986-2006): O Testemunho Português, (2007).

 

Francisco Niny de Castro

O Pedido de Adesão de Portugal às Comunidades Europeias. Aspectos Político-Diplomáticos

Cascais, Principia, 2010, 174 páginas

 

 

A investigação de Francisco Niny de Castro, galardoada com o Prémio Jacques Delors em 2010, estuda o pedido de adesão de Portugal às Comunidades Europeias, e está essencialmente baseada nas fontes, entretanto desclassificadas, do Ministério dos Negócios Estrangeiros, assim como em depoimentos dos principais protagonistas envolvidos no processo. A expansão das Comunidades, e as suas dificuldades internas, têm sido uma constante das últimas décadas da política europeia. Pode parecer estranho para as gerações mais novas que Portugal não tenha sido sempre membro e que a sua adesão tenha sido posta em causa; neste aspecto, esta investigação é importante ao relembrar, e pela primeira vez divulgar, as circunstâncias e os detalhes do pedido de adesão.

Os motivos que levaram Portugal a procurar aderir às Comunidades, e que já mereceram amplo estudo, são explicitados pelo autor: «a “opção europeia” do I Governo Constitucional é indissociável do processo de transição e consolidação do regime democrático em Portugal» e está «ligada [à] necessidade de encontrar uma posição para Portugal depois da descolonização» (p. 9). As relações com as ex-colónias seriam aliás um ponto a nosso favor no contexto europeu. Mas antes, estava a consolidação da democracia no País, e talvez seja bom relembrar nesta altura de crise, que em 1976 Portugal se debatia «com um rendimento per capita de cerca de um terço da média comunitária, com 26 por cento da população activa empregue na agricultura, com uma crise séria nas contas do Estado, (e) com o regresso dos portugueses residentes nas ex-colónias» (p. 15).

Havia quem advogasse, tanto em Portugal como nas Comunidades, que a economia portuguesa não aguentaria o choque de adesão e que o País devia procurar ser um membro de associação, como antecâmara à plena adesão, seguindo os passos da Grécia. Esta seria a posição inicial, entre outros, do PSD. O embaixador Fernando Neves, citado pelo autor, considera que o pedido de adesão «deparou não só com o cepticismo bastante alargado na opinião pública portuguesa, sobretudo na mais informada, como com reticências, reservas ou mesmo oposição, quer de forças políticas internas, quer dos então nove Estados-membros» (p. 23). Decisiva foi a vontade do então primeiro-ministro, Mário Soares, e a acção do ministro dos Negócios Estrangeiros, Medeiros Ferreira. Soares declara na tomada de posse do I Governo Constitucional que o Governo «entende fazer uma opção europeia, segundo a sua apreciação do interesse nacional. Por isso pensa requerer a sua imediata admissão no Conselho da Europa e a sua adesão à CEE, com abertura de negociações a curto prazo, no Mercado Comum» (p. 24).

 

RUPTURA OU CONTINUIDADE?

Existe um debate entre estudiosos dos assuntos comunitários sobre se o pedido de adesão constituiu uma ruptura ou uma continuidade da política externa do Estado Novo. A melhor resposta é dada por Medeiros Ferreira, assinalando que o «Acordo (Comercial do Estado Novo) de 1972 e os Protocolos Adicionais de Setembro de 1976 (II República) deviam ser encarados apenas como uma forma prévia de adesão de Portugal às Comunidades» (p. 27). Niny de Castro conclui que «ficava assim explícito que o I Governo Constitucional entendia os Acordos de 1972 como politicamente equivalentes a “uma forma prévia de adesão”» (p. 28). Para o autor, esta questão era relevante pois Portugal não tinha assinado um acordo de associação como a Grécia e a Espanha. Na realidade, a Espanha não tinha assinado um acordo de associação mas sim um acordo comercial, semelhante ao que Portugal assinou em 1972. O acordo de associação da Grécia, de 1961, e o seu pedido de adesão, anterior aos pedidos de Portugal e Espanha, é que permitiu a entrada deste país antes dos países ibéricos.

Portugal atrasa o pedido de adesão para coincidir com a presidência britânica do Conselho de Ministros da Comunidade, no primeiro semestre de 1977. O ministro dos Assuntos Europeus, David Owen, informara Lisboa do «agrado com que o seu país veria a apresentação da candidatura» (p. 28). Não estava garantido que as Comunidades estivessem prontas a aceitar que o país se tornasse membro de pleno direito. A Comissão Europeia fornece uma ajuda preciosa a Portugal sugerindo que preparasse um memorando, baseado no que os gregos tinham apresentado, com as vantagens da adesão de Portugal, nomeadamente a simpatia com a qual o País era visto pela maioria dos países. Quanto ao pedido de negociações, Portugal devia explorar as ligações europeias do primeiro-ministro Mário Soares, em particular, com Paris (que receava a agricultura espanhola – um atraso na entrada de Espanha implicaria com forte probabilidade um atraso na entrada de Portugal) e com Bona (favorável à expansão da Comunidade) e procurar o estatuto de membro de pleno direito (p. 32).

As negociações de adesão da Grécia, como antecedente, e da Espanha, iriam forçosamente condicionar a entrada de Portugal. A Grécia, pelo antecedente criado, a Espanha pelo peso da sua economia e, em particular, a sua agricultura. Niny de Castro sintetiza bem a posição de cada país, «Madrid tentava colar-se a Lisboa, que tentava colar-se a Atenas, que tentava descolar de Lisboa, que tentava descolar de Madrid» (p. 151). Estas realidades seriam retratadas nas posições iniciais dos membros da Comunidade. A França e o Luxemburgo favoráveis a um acordo de associação e a Bélgica algo ambígua. A Holanda e a Itália favoráveis à adesão, mas a primeira favorecendo um período de pré-adesão e a segunda receando pela sua agricultura. Os campeões da adesão portuguesa foram a Alemanha e a Grã-Bretanha. Os restantes países estavam mais preocupados em manter os seus privilégios num cenário de alargamento a Sul (pp. 45-46).

 

A ESTRATÉGIA DIPLOMÁTICA

Para promover a candidatura, o Governo português usa a artimanha diplomática de promover uma visita do primeiro-ministro aos membros da Comunidade para «apresentar o ponto de vista de Portugal sobre a integração europeia», apenas informando posteriormente à sua aceitação que Soares iria, afinal, apresentar o pedido de adesão plena (pp. 54-55). O autor não refere que Portugal já tinha usado, e beneficiado desta táctica, nas negociações para a criação da EFTA e na primeira tentativa de expandir a Comunidade de 1961-1963. Na primeira visita de Soares, o primeiro-ministro confirma o forte apoio da Grã-Bretanha e da Dinamarca, a aceitação da Itália e o adiamento da posição da Irlanda (p. 124). Por outro lado, Portugal não consegue acelerar a sua adesão para se juntar às negociações mais adiantadas da Grécia e continua com a sua candidatura ligada à da Espanha. Na segunda ronda de visita, Soares obtém o apoio da França, de onde sempre vieram os principais receios, preocupada com a competitiva agricultura espanhola.

Os países comunitários consideravam as candidaturas portuguesa e espanhola intrinsecamente ligadas. Soares resume assim a situação:

«nas conversações com o Presidente da República de França e com o primeiro-ministro, fiquei com a segurança absoluta de que a França não somente não se opõe à entrada de Portugal na CEE, como compreende o nosso pedido e, mais do que isso, o aprova. E nos meios diplomáticos franceses diz-se que nem sequer foi dado um sinal amarelo, mas luz verde ao Governo português» (p. 135).

Ultrapassado o país mais problemático, Soares segue para Bona e confirma o apoio da República Federal da Alemanha. Holanda, Luxemburgo e Bélgica confirmam serem favoráveis, embora não se queiram comprometer com uma adesão a curto prazo, e o segundo país manifesta mesmo preocupação com a emigração portuguesa. Portugal atingira o seu objectivo principal, a aceitação da adesão, conforme resume o autor, numa realidade que continua perfeitamente actual, «o resultado conjugado de Paris e Bona significavam o “sim” da Comunidade» (p. 139). Ontem como hoje!

As conclusões de Niny de Castro são que o pedido português de adesão procurava dar um destino político ao País após a descolonização e que a adesão pudesse acontecer no final da legislatura do primeiro governo socialista, o que lhe granjearia um importante trunfo eleitoral. A primeira asserção, embora debatida mais amplamente no primeiro capítulo, é algo redutora; a segunda está ainda por provar. A bibliografia citada pelo autor debate bem as questões que levaram ao pedido de adesão, embora autores fundamentais como Lucas Pires, António Barreto e José Magone, entre outros, não sejam referidos. É difícil de aceitar que o Governo de Mário Soares realmente acreditasse que poderia aderir à Comunidade Europeia em menos de quatro anos, quando as dificuldades políticas e económicas de uma adesão eram óbvias, como o processo mais adiantado da Grécia e paralelo da Espanha facilmente demonstravam. Há um erro na página 156 que refere que a terceira capital visitada por Soares na sua primeira deslocação foi Dublin, quando de facto foi Copenhaga (sendo Dublin a segunda).

A investigação de Niny de Castro está bem estruturada na apresentação das fontes embora abuse com alguma frequência de um excesso de citação e de pormenores. A estrutura dos capítulos não obedece à máxima académica segundo a qual a ordem de exposição será: introdução, desenvolvimento e conclusão. Globalmente, falta a este trabalho uma perspectiva mais analítica habitualmente exigida nos trabalhos académicos desta natureza.

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