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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.32 Lisboa dez. 2011

 

Integração europeia e partidos políticos: a lição que vem de Varsóvia

 

Marco Lisi

Investigador de pós-doutoramento no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e professor auxiliar convidado no departamento de Estudos Políticos da FCSH – UNL.

 

Madalena Meyer Resende

The Unintended Effects of Europe on Central and East European Party Systems: Poland and Beyond

Tallinna University Press, 2009, 205 páginas

 

 

A temática da integração europeia tem vindo a assumir uma crescente relevância na opinião pública, sobretudo com o aumento das atitudes negativas que se tem registado na última década. A entrada dos países da Europa Centro-Oriental na União Europeia (UE) tem acentuado as manifestações de eurocepticismo quer a nível das elites políticas quer no que diz respeito às atitudes dos cidadãos. Esta questão, portanto, tem sido uma fonte de crescente preocupação para o futuro do processo de integração europeia.

O livro de Madalena Meyer Resende é o resultado de uma investigação realizada na London School of Economics e no College of Europe. Convém desde já sublinhar que, apesar de a maior parte da análise empírica ter como objecto de estudo o caso da Polónia desde a instauração do regime democrático até à entrada na UE, os instrumentos conceptuais utilizados e os resultados alcançados têm uma abrangência bem maior. Deste ponto de vista, a profundidade da análise que caracteriza este estudo permitiu alcançar resultados positivos em duas frentes: por um lado, foi possível examinar de forma exaustiva a evolução e adaptação das posições programáticas dos partidos, considerando o seu legado histórico e as suas trajectórias de desenvolvimento; por outro, geraram-se novas hipóteses aplicáveis a outros sistemas políticos.

O livro estrutura-se em seis capítulos. Os primeiros dois introduzem o quadro teórico utilizado para analisar o posicionamento dos partidos polacos face à UE. Nos terceiro e quarto capítulos examinam-se as características ideológicas e a estratégia dos principais partidos da direita e da esquerda, respectivamente. O capítulo quinto considera a politização da questão europeia e os acordos entre as elites políticas. Finalmente, o sexto capítulo conclui a análise aplicando o quadro teórico aplicado a outros países da Europa Centro-Oriental e Ocidental. As fontes utilizadas nesta investigação baseiam-se em entrevistas em profundidade às elites partidárias, documentos dos partidos e numa extensa revisão da literatura existente.

Resumindo brevemente a estruturação do sistema de partidos polaco a partir de 1989 ocorre evidenciar três fases distintas. Até 1993 o sistema de partidos caracterizou-se pela elevada fragmentação e pela indefinição das orientações programáticas e estratégicas dos partidos. Com a revisão do sistema eleitoral adoptada em ocasião das eleições legislativas de 1993, teve início uma segunda fase em que se começou a delinear um sistema substancialmente bipolar em torno de duas coligações, com uma redução significativa do número de partidos. Esta fase prolongou-se até 2001, quando se inaugurou um novo período em que prevaleceu uma dinâmica multipolar, com um governo de centro-esquerda pouco coeso e uma direita fragmentada e altamente instável.

Até 2001 as posições antieuropeístas desempenharam um papel de segundo plano no panorama partidário polaco. A União Nacional Cristã (ZChN) emergiu como o principal opositor ao projecto europeu, mas a participação deste partido como parceiro menor na coligação de centro-direita atenuou o seu eurocepticismo. No entanto, a desintegração da coligação de governo e o aprofundamento das negociações da entrada da Polónia na UE aumentou a relevância da Europa no debate político. É nas eleições de 2001 que a questão europeia aparece pela primeira vez como tema saliente de competição durante a campanha eleitoral. Esta dimensão passou a representar uma arena de conflito entre a esquerda – tradicionalmente mais europeísta, apesar das posições críticas do Partido Agrário (PSL) – e os partidos da direita, dentro dos quais as vozes antieuropeias assumiam um peso crescente.

Sucessivamente, o caso polaco passou a estar no centro da atenção com a formação, em 2005, de um governo de centro-direita abertamente eurocéptico. Este fenómeno contribuiu para a erosão do consenso em torno do processo de integração, quer a nível das elites políticas, quer (sobretudo) a nível da opinião pública. É através deste estudo de caso que é analisada uma questão clássica para interpretar as causas do posicionamento dos partidos face ao projecto europeu: a importância da ideologia e da estratégia na definição das orientações programáticas dos partidos.

 

INTEGRAÇÃO EUROPEIA E IDEOLOGIA: QUE RELAÇÃO?

O objectivo principal desta investigação é explicar o posicionamento dos partidos em relação ao processo de integração europeia. Em geral, o impacto da questão europeia tem sido analisado do ponto de vista dos cidadãos ou das atitudes e comportamentos das elites políticas. Enquanto no primeiro caso o foco da análise é a evolução da opinião pública, para os partidos a ênfase baseia-se na estrutura de competição e nas dinâmicas do sistema de partidos. É sobre este último aspecto que o estudo de Madalena Meyer Resende se debruça, combinando a análise da formação dos partidos com a evolução do processo de integração. Embora a investigação esteja centrada no posicionamento dos partidos face ao projecto europeu, o livro tem o mérito de considerar também dados relativos à evolução da opinião pública. É a partir desta interacção que emerge a controvérsia dos factores causais associados às orientações dos partidos. Enquanto alguns autores demonstram que este posicionamento depende da ideologia dos partidos, outros sublinham a importância das considerações eleitorais. É o caso do eurocepticismo «estratégico», que leva os partidos a adoptarem uma posição negativa em relação ao projecto europeu sobretudo como consequência das atitudes críticas dos eleitores, na expectativa de obter ganhos eleitorais de curto prazo.

No primeiro capítulo do livro discute-se a formação dos partidos e a estruturação dos sistemas de partidos a partir dos principais contributos teóricos existentes na literatura. Para além da clássica abordagem das clivagens elaborada por Lipset e Rokkan, considera-se também a perspectiva racional baseada no contributo de Downs. Mas o principal instrumento conceptual utilizado no livro acaba por ser o das «famílias espirituais» elaborado por Von Beyme, que diferencia os partidos de acordo com os seus traços ideológicos e o seu percurso histórico. Segundo esta perspectiva, os valores que estão na origem destes partidos projectam um legado que determina a continuidade do seu código genético. As características dos sistemas de partidos da Europa Ocidental são assim explicadas a partir da presença ou ausência dos vários grupos de partidos.

A teoria utilizada para analisar o caso polaco baseia-se no ethos dos partidos. Estes actores distinguem-se essencialmente pelo facto de enfatizarem determinados valores e ideias que caracterizam e definem os seus principais traços ideológicos (pp. 14-16). Em particular, há alguns partidos que enfatizam mais a dimensão política, enquanto outros dão uma maior atenção às questões económicas. Esta distinção serve para introduzir as principais hipóteses do estudo (p. 38). A cada «família» de partidos (democrata-cristãos, liberais, conservadores nacionalistas, conservadores económicos, nacionalistas, social-democratas e ecologistas) estão associadas determinadas preferências na arena política e económica, sendo que cada partido atribui normalmente prioridade a uma das duas áreas.

De acordo com o quadro analítico apresentado nos primeiros dois capítulos, quando as duas dimensões – política e económica – vão no mesmo sentido no que diz respeito à posição face à União Europeia temos partidos fortemente eurocépticos ou «euro-entusiastas». Por outro lado, quando as duas dimensões vão em sentidos opostos os partidos tendem a adoptar posições mais pragmáticas que podem variar segundo a conjuntura particular.

O argumento principal do livro é que o posicionamento dos partidos face ao processo de integração europeia depende fundamentalmente de dois aspectos: por um lado, os valores e as ideias normativas que orientam a acção dos partidos e, por outro, as orientações em matéria económica. Neste sentido, os partidos caracterizados por um forte nacionalismo tendem a estar associados a um eurocepticismo intransigente, enquanto os partidos mais abertos ou cosmopolitas têm uma visão mais pragmática em relação ao processo de integração europeia. Finalmente, quando a dimensão política é marginal, os partidos tenderão a adoptar uma posição – positiva ou negativa – mais moderada devido ao carácter mais negociável das orientações económicas.

Um dos contributos desta investigação é o facto de trazer de volta o papel da ideologia na definição do posicionamento programático dos partidos e das características dos sistemas de partidos. Na senda de Von Beyme, atribui-se à ideologia dos partidos um estatuto prioritário e superior em relação à estratégia e às políticas implementadas. A ideologia constitui, portanto, um constrangimento para as lideranças e determina as orientações dos partidos no longo prazo, definindo as principais orientações programáticas.

Contudo, esta escolha pode parecer problemática por várias razões. Em primeiro lugar, como sublinha Panebianco, ao estabelecer determinados fins – ou prioridades –, negligencia-se o facto de os partidos muitas vezes serem actores com uma multiplicidade de fins, podendo actuar de forma diferente em arenas distintas. Esta opção é particularmente discutível no caso da dimensão europeia: as posições dos partidos sobre esta questão podem ser ambíguas ou podem não ter nenhuma orientação, sobretudo quando para a opinião pública a relevância desta dimensão é extremamente reduzida. Em segundo lugar, para além da ênfase que cada partido atribui a determinados valores ou políticas, ocorre considerar até que ponto estas dimensões constituem de facto o eixo central da competição partidária. Por outras palavras, um partido pode basear a sua identidade sobre determinadas questões (por exemplo: pós-materialistas), mas, em última instância, estas são importantes para o funcionamento do sistema de partidos apenas quando assumem relevância para estruturar a competição partidária.

Esta última consideração emerge quando observarmos a evolução do posicionamento dos partidos face ao projecto europeu ao longo do processo de consolidação democrática. Como outros países da «terceira vaga», o caso polaco é representativo de um aspecto importante que subjaz ao processo de integração europeia, nomeadamente o carácter de legitimação que o europeísmo garante para os recém-formados partidos políticos. Aqui o paralelismo com o processo de adesão dos países ibéricos é evidente: ao aceitar o processo de integração europeia, os principais partidos de governo reconheciam a importância do jogo democrático, afirmando-se assim como garantes da consolidação do novo sistema político. Neste sentido, no período de formação dos principais partidos, a Europa veio constituir um «mito» não apenas para o desenvolvimento económico, mas também como âncora necessária para as novas instituições, tornando-se assim uma questão consensual. Por outras palavras, a democratização dos países da terceira vaga estava estritamente relacionada com uma visão positiva do processo de integração europeia, sem representar uma dimensão de competição relevante.

A função de legitimação do mito europeu veio perder progressivamente importância sobretudo com a consolidação das novas democracias. Quando a dimensão política da integração passa para segundo plano – e começam a emergir, por outro lado, os custos associados à integração europeia –, os partidos sentiram-se mais livres para adoptar posições mais críticas face à integração europeia. É a partir deste momento que emerge com maior frequência um eurocepticismo «estratégico» – veja-se, para o caso português, as posições defendidas pelo CDS-PP na década de 1990 –, que enfatiza as consequências negativas do processo de integração a nível do sistema político nacional.

A distinção entre a fase de formação dos partidos – e dos sistemas de partidos – e a sua evolução parece-nos essencial para analisar o efeito do processo de integração europeia. Por um lado, trata-se de examinar os factores que dão origem a determinados tipos de partidos. Dada a função de legitimação da questão europeia na fase de democratização, é altamente improvável que a Europa seja um factor de mobilização e de estruturação dos conflitos nesta primeira fase. Por outro, é importante evidenciar as dimensões que estruturam a competição e que podem afectar a mudança dos partidos. Deste ponto de vista, a questão europeia pode assumir uma maior relevância e influenciar de forma significativa o espaço de competição. Aqui a comparação entre as democracias recentes da Europa Ocidental (Portugal, Espanha e Grécia) e os países da Europa Centro-Oriental poderia ter sido útil para tentar explicar quais as razões da importância da questão europeia no segundo grupo de países, ao contrário da relativa marginalização deste debate no caso dos países da Europa do Sul. Finalmente, para analisar a consolidação do sistema partidário teria sido importante examinar mais em profundidade as dinâmicas eleitorais e as oscilações das bases de apoio dos partidos, de forma a evidenciar a importância do eurocepticismo «estratégico» na adaptação programática dos partidos.

Uma das principais conclusões do estudo é que o processo de integração europeia tem tido um impacto reduzido sobre os partidos. O ethos dos partidos condiciona a posição assumida pelos principais partidos perante o projecto europeu. Todavia, o processo de integração exerce um efeito indirecto, reforçando as clivagens já existentes ou levando a adaptações de curto prazo nas orientações programáticas. Estas conclusões estão em linha com outros estudos que apontam para o efeito limitado da integração europeia não apenas sobre as características organizativas dos partidos, mas também sobre as dinâmicas dos sistemas de partidos.

Outro contributo importante do livro é a análise comparada desenvolvida no último capítulo. O argumento do efeito da integração europeia sobre os sistemas partidários é aplicado a outros países da Europa Centro-Oriental (República Checa e Eslováquia) e da Europa ocidental (França, Grã-Bretanha, Áustria e Dinamarca). O resultado principal é que não há um efeito homogéneo da questão europeia nas dinâmicas partidárias. Enquanto na Polónia e na Eslováquia a dimensão europeia constituiu um eixo fundamental de competição, nos outros dois países da Europa Centro-Oriental o efeito é praticamente irrelevante. Este fenómeno é explicado pela importância desempenhada pelos partidos nacionalistas nos primeiros dois países. Os casos da Europa Ocidental parecem confirmar as principais conclusões do estudo. É a presença de partidos com uma forte componente nacionalista, ou onde a defesa dos traços da comunidade nacional assume particular ênfase, que determina a emergência de atitudes mais negativas em relação ao processo de integração europeia, sobretudo a partir dos anos 1990 quando se acentuam as dinâmicas de maior integração.

Para concluir, o livro de Madalena Meyer Resende é importante não apenas para todos os que se ocupam de partidos, mas também para os estudiosos do processo de integração europeia. Além disso, constitui uma obra de grande valor para perceber a formação dos sistemas de partidos na Europa de Leste e o processo de institucionalização. Finalmente, o estudo lança várias questões que merecem ser aprofundadas em investigações futuras, sobretudo no que diz respeito às democracias recentes da Europa do Sul.

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