SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número32O desafio crítico dos estudos para a pazDa guerra à paz no Sudão: as (in)visibilidades do Acordo Geral de Paz índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.32 Lisboa dez. 2011

 

A construção da paz em cenários de anarquia: uma inversão do foco de análise*

 

Fernando Cavalcante

Doutorando em Política Internacional e Resolução de Conflitos pela Universidade de Coimbra, onde desenvolve uma tese sobre o conceito e a prática da construção da paz das Nações Unidas, especialmente no âmbito da Comissão de Construção da Paz. Actualmente, é Marie Curie Fellow na Universidade de Bradford no Reino Unido. As suas publicações focam questões relacionadas com as operações de paz das Nações Unidas e a política externa do Brasil.

 

RESUMO

Neste artigo, argumenta-se que o construtivismo teria muito a oferecer às construções teóricas da paz caso conseguisse afastar-se da ontologia realista das guerras e dos conflitos, uma vez que perceber a paz como «socialmente construída» significa entender e analisar as ideias compartilhadas que informam a interacção dos agentes a nível internacional. Para defender o argumento, inverte-se aqui o foco da abordagem construtivista de Alexander Wendt e avaliam-se as possibilidades teóricas de paz – e não as de conflito – existentes em cada uma das culturas de anarquia identificadas por aquele autor: a hobbesiana, a lockeana e a kantiana.

Palavras-chave: Anarquia, construtivismo, Alexander Wendt, paz

 

Peacebuilding in anarchical scenarios: an inversion of the focus of analysis

ABSTRACT

This article argues that constructivism would have much to offer to theoretical constructions of peace in case it was able to distance itself from the realist ontology of wars and conflicts, since understanding peace as “socially constructed” means understanding and analyzing the shared ideas that inform agents’ interaction at the international level. To pursue the argument, the focus of Alexander Wendt’s approach is here inverted and the theoretical possibilities for peace are assessed – not those of conflict – regarding each of the anarchical cultures identified by the author: the Hobbesian, the Lockean and the Kantian.

Keywords: Anarchy, constructivism, Alexander Wendt, peace

 

O chamado «primeiro debate» das relações internacionais (RI), muito mais do que simplesmente fundar a disciplina, contribuiu também para estabelecer as concepções teóricas que predominariam entre os académicos daquele campo de estudos nas décadas seguintes. A partir daí, e seguindo a visão de E. H. Carr1 – para quem a política internacional era dominada por um jogo de poder entre os estados, a maior parte da produção académica das RI teria na guerra e nos conflitos as suas preocupações primárias. Contraditoriamente, tal postura minimizava a importância conferida às análises teóricas sobre a paz, fim último dos primeiros académicos que se dedicaram às RI.

Décadas mais tarde, as mudanças trazidas pelo fim da Guerra Fria despertaram de vez os académicos daquele campo de estudos para as limitações das perspectivas realistas. Assim, no contexto do chamado «terceiro debate» das RI, o construtivismo emergiu como uma «promessa» para as teorias da disciplina2. Embora não se apresentassem com um discurso único, os construtivistas partilhavam um núcleo duro comum: a abordagem interdisciplinar – principalmente a partir de outras ciências sociais, a ênfase no papel das ideias, a mútua constituição dos agentes e estruturas e a importância dessa interacção no processo de formação dos interesses dos agentes. De acordo com os proponentes deste quadro teórico, a realidade social e, consequentemente, as relações internacionais seriam «socialmente construídas».

Com o passar dos anos, contudo, percebe-se que a agenda de investigação construtivista não se distanciou da ontologia realista das guerras e dos conflitos. Alexander Wendt3, um dos maiores expoentes do construtivismo, reconhece que em relações internacionais muito foi analisado sobre as causas da guerra, mas pouco sobre as da paz. Tal constatação foi reforçada por Richmond4 ao afirmar que o tema da paz tem sido largamente negligenciado pelas teorias daquele campo de estudos – inclusive pelo construtivismo. Por outro lado, parece urgente analisar as possibilidades de paz num ambiente anárquico, uma vez que a este são frequentemente associadas apenas as situações de violência entre estados – reflexo directo da leitura realista do estado de natureza hobbesiano.

Neste artigo, argumenta-se que o construtivismo teria muito a oferecer às construções teóricas da paz se conseguisse afastar-se da ontologia realista de guerras e conflitos, uma vez que perceber a paz como «socialmente construída» significa entender e analisar as ideias compartilhadas que informam a interacção dos agentes a nível internacional. A proposta teórica construtivista, dessa forma, vai mais além da realista ao proporcionar o entendimento de que a paz tem sempre um tempo e um lugar, e não é apenas a ausência de guerras e conflitos entre estados. Para defender o argumento, inverte-se aqui o foco da análise construtivista de Alexander Wendt5 e avaliam-se as possibilidades teóricas de paz – e não as de conflito – existentes em cada uma das situações de anarquia identificadas por aquele autor: a hobbesiana, a lockeana e a kantiana.

O texto é dividido em quatro secções. A primeira discute, em síntese, como realistas e construtivistas abordam o tema da anarquia em RI, apresentando o argumento de Wendt de que anarchy is what states make of it. Na segunda secção caracterizam-se as três culturas de anarquia discutidas na obra daquele autor para, a seguir, relacionar a cada uma dessas culturas uma concepção teórica de paz, também de acordo com a lógica de interacção predominante entre os estados. Assim, as anarquias hobbesiana, lockeana e kantiana possibilitam conceptualizações de paz ligadas, respectivamente, às ideias de paz do vencedor, de paz pelo direito e de paz internacionalista. Na última secção, conclui-se ao enquadrar este exercício numa proposta mais ampla de avaliação do construtivismo para as conceptualizações da paz.

 

DA ANARQUIA EM RI

Em relações internacionais, a anarquia internacional mais comummente adquire o sentido de ausência de um governo ou de normas que regulem a interacção entre os estados6. Esta definição teve grande importância para os teóricos realistas7, uma vez que lhes permitiu transpor o estado de natureza hobbesiano de um contexto de indivíduos sem governo – em que «a vida do homem [é] solitária, pobre, sórdida, brutal e curta»8 – para um de estados soberanos sem uma autoridade central. Assim, Waltz afirma que «entre estados, o estado de natureza é um estado de guerra»9.

Para as teorias da tradição realista, portanto, a anarquia define um sistema em que o Estado é o único responsável por si (e apenas por si), uma vez que não existe um Leviatã para lhe dar quaisquer garantias. Em tal contexto, a segurança torna-se o principal objectivo dos estados, pois «apenas se a sobrevivência for garantida podem os estados buscar, em segurança, objectivos outros como a tranquilidade, o lucro e o poder»10. Desta forma, a «auto-ajuda é necessariamente o princípio de acção numa ordem anárquica», uma situação de «guerra em um mundo de estados livres»11 (itálico do autor).

Em «Anarchy is what states make of it: the social construction of power politics», contudo, Wendt denuncia a falácia de se atribuir ao sistema da política internacional uma lógica inerente de auto-ajuda. A sua teoria construtivista12 critica a inevitabilidade defendida pelos realistas: a anarquia é uma estrutura; logo, é socialmente construída – e não exógena, como na definição materialista de Waltz. A anarquia não possui uma lógica preestabelecida e única; em realidade, não tem qualquer significado13. Como uma estrutura social, a anarquia adquire significado apenas por meio do processo de interacção entre os seus agentes e, portanto, pode ser baseada na auto-ajuda, mas também pode assumir outros significados. Assim, «se os estados se encontram num sistema de auto-ajuda, é porque as suas práticas assim o fizeram. Mudando-se as práticas, mudar-se-á o conhecimento intersubjectivo que constitui o sistema»14.

 

TRÊS CULTURAS DE ANARQUIA15

Em obra posterior, Wendt aprofundaria o seu argumento e abordaria três dessas lógicas: a hobbesiana, a lockeana e a kantiana16. A fim de caracterizar cada uma, e influenciado pela ontologia realista, o autor analisa a postura dos estados quanto ao recurso à força para a resolução das suas disputas. Assim, o autor atribui para cada uma dessas lógicas uma posição subjectiva: inimigo, rival ou amigo, respectivamente. Estas posições subjectivas são representações particulares do eu (self) e do outro (other); em última instância, são uma referência às identidades dos papéis (role identities)17 enquanto representações colectivas. São, portanto, propriedades da estrutura, e não dos agentes18. Assim, a postura do inimigo é ameaçar o outro, seu adversário, sem reconhecer limites para o uso da violência. Os rivais são competidores que se aproveitam da violência para avançar os seus interesses, mas respeitam o direito à vida – a violência, portanto, tem um limite. Já os amigos são aliados e resolvem os seus eventuais conflitos sem o recurso à violência19.

Numa cultura hobbesiana, o outro é uma ameaça constante – ele não é, necessariamente, violento, mas é assim percebido pelo eu. Para garantir a sua sobrevivência, o Estado não limitará o uso da violência contra o outro, uma vez que este não tem o direito à existência. Neste sentido, a interacção entre os agentes nessa cultura segue a seguinte lógica: numa situação de conflito, eles responderão aos inimigos de forma a destruí-los ou a conquistá-los; as suas decisões serão orientadas pelo worst-case thinking; o poder, então, será a chave para a sobrevivência, tornando cruciais as capacidades militares (relativas); por fim, numa situação de guerra, o recurso ao uso da força será ilimitado20. Dessa forma, a lógica da anarquia hobbesiana é representada pela fórmula da «guerra de todos contra todos»21, um jogo de soma zero em que o imperativo é a sobrevivência – «matar ou morrer». Isto, contudo, não significa que os estados estão em guerra todo o tempo, mas que «enquanto os estados, colectivamente, se representarem uns aos outros em termos hobbesianos, a guerra pode literalmente “ocorrer a qualquer momento”»22.

Na abordagem construtivista de Wendt, esta lógica implica que a segurança – logo, a sobrevivência – do Estado só pode ser garantida por meio da força militar. Uma vez que esta crença é compartilhada pelos estados, quatro tendências emergem a nível sistémico: a guerra endémica e ilimitada; a eliminação dos mais fracos – o que leva à formação de like units e a uma alta taxa de «morte» (eliminação) entre os estados; balanças de poder entre os estados mais fortes – essas, contudo, serão de curta duração em virtude da inexistência de comportamentos autolimitados; e, finalmente, o não-alinhamento e a neutralidade são muito difíceis, uma vez que o sistema tende a arrastar todos os outros estados para a guerra23. Pode-se, assim, afirmar que esta cultura informava as interacções entre bárbaros e romanos da Europa medieval24.

Uma cultura lockeana, por sua vez, é pautada pela representação do outro como rival, uma representação menos ameaçadora que no caso anterior. Rivais compartilham o respeito à vida e à liberdade – no estado de natureza de Locke, embora os indivíduos sejam livres e iguais, «nenhum [deles] deve prejudicar outrem na sua vida, saúde, liberdade ou possessões», pois todos são servos do «infinitamente sábio criador»25. Assim, numa cultura lockeana, os agentes reconhecem um limite ao uso da violência. A lógica de interacção entre os agentes é a seguinte: numa situação de conflito, os estados tenderão a responder de forma a manter o status quo com o fim último de salvaguardarem a sua soberania; o seu curso de acção continuará a ser pautado por uma consideração racional e o poder militar (relativo) continuará a ser importante, mas ambos serão «relaxados», uma vez que o direito à soberania do outro é reconhecido; finalmente, na ocorrência da guerra, o uso da violência será limitado, não atingindo os extremos da conquista ou da eliminação do outro26.

A lógica desta anarquia, assim, assume a fórmula «viva e deixe viver», em que o Estado, antes de optar pelo uso (limitado) da força, considera a alternativa de uma resposta recíproca, quiçá não violenta – numa anarquia hobbesiana, o worst-case thinking compele o Estado ao uso da violência à menor das ameaças. Nesta cultura, o comportamento dos estados apresenta quatro tendências: a guerra é normal e legítima mas, ao mesmo tempo, limitada; o número de membros do sistema é relativamente estável, com uma baixa taxa de estados eliminados – assim, não apenas os mais fortes sobrevivem, como na cultura hobbesiana; as balanças de poder são mais uma base de ordem do que um requisito para a sobrevivência; e o não-alinhamento e neutralidade têm um estatuto reconhecido, pois a indiferença mútua pode apaziguar ou resolver conflitos27. Conforme o próprio Wendt, esta tem sido a lógica de interacção predominante nas relações internacionais desde 1648, embora com «regressos temporários» ao Estado hobbesiano28.

Na última das culturas de anarquia analisadas por Wendt, a kantiana, a posição subjectiva do outro é a de amigo, um ente pacífico. Nesta representação, o Estado espera que o outro respeite duas regras: a do não uso da violência contra o eu e a da ajuda mútua contra agressões externas. Nesse caso, o processo de interacção entre os agentes extrapola a simples relação e passa à identificação, de forma a que o eu começa a ver no outro uma imagem de si mesmo – as identidades, portanto, são colectivas29. Em relação a esta formulação, Wendt faz três considerações: a amizade só existe quando a não-violência e a ajuda mútua forem praticadas pelo outro – e não quando este observa apenas uma delas, num cálculo instrumental que determinaria uma representação de rivalidade; a representação da amizade é restrita à segurança, podendo haver conflitos (não violentos) em domínios como o comércio, por exemplo; e a amizade é duradoura ou tem expectativas de longo prazo, e não uma simples aliança temporária30.

Numa anarquia kantiana, a lógica de interacção poderia ser expressa na fórmula «um por todos e todos por um». Esta decorre das regras supracitadas, sendo associada às ideias de comunidades pluralísticas de segurança31 e de segurança colectiva. No primeiro caso, «há uma garantia real de que os membros daquela comunidade não lutarão fisicamente entre si, mas resolverão as disputas de uma outra forma»32. Em relação à segurança colectiva, os membros da comunidade prometem segurança mútua contra agressores externos, mesmo que a sua própria segurança não esteja ameaçada33. A continuidade da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) após a dissolução da União Soviética pode ser um indicativo de que a cultura kantiana prevalece entre os estados-membros – embora as análises realistas subordinem este facto ao interesse nacional34.

A apresentação dessas três culturas é fundamental para desmistificar a existência de uma única anarquia na política internacional. Contudo, cumpre ressaltar que essas culturas não se apresentam inteira e uniformemente no meio internacional. Ao contrário, são tipos ideais que, em maior ou menor grau, de uma forma ou de outra, foram instanciados ao longo da história35: os exemplos citados demonstram que na maioria das vezes tais representações restringiram-se a tempos e a lugares específicos.

 

ANARQUIA(S): CULTURAS DE GUERRA OU CULTURAS DE PAZ?

Na última secção, apresentou-se o argumento de Wendt de que anarchy is what states make of it e caracterizou-se cada uma das três possíveis configurações de anarquia discutidas por ele: a hobbesiana, a lockeana e a kantiana. Essas três configurações correspondem, respectivamente, a situações de guerras endémicas, de guerras limitadas pelo respeito à soberania, e de ausência de guerras (entre o eu e o outro). Nesta secção, inverte-se o foco de análise e pretende-se verificar as possibilidades de paz, e não de conflito, argumentando-se que aquelas culturas possibilitam conceptualizações ligadas, respectivamente, às ideias de paz do vencedor, de paz pelo direito e de paz internacionalista36.

Conforme a formulação de Wendt, uma anarquia do tipo hobbesiana é um estado de «guerra de todos contra todos», em que o outro é sempre percebido como uma ameaça. Sem um Leviatã ou comportamentos autolimitados, a guerra é endémica e ilimitada – ou, pelo menos, pode ocorrer a qualquer momento. Assim, parece possível argumentar que nesta anarquia a mais plausível possibilidade de paz é aquela imposta pelo vencedor, formulação frequentemente associada à tradição realista das RI.

Baseados nos textos clássicos de Tucídides, Maquiavel e Hobbes, realistas como Carr, Niebuhr e Morgenthau analisaram as relações internacionais fortemente influenciados pela crença de que a natureza humana seria inerentemente violenta. Para eles, esta seria a motivação última das guerras e, portanto, a paz seria apenas uma quimera. Ao transpor o Estado de natureza hobbesiano para o plano internacional, aqueles autores defendiam uma constante situação de insegurança e medo que obrigaria os estados a pautarem o seu comportamento pelo worst-case thinking – pois o outro é sempre um inimigo. Os resultados seriam políticas externas ofensivas, frequentemente amparadas pelo uso da força – embora os constrangimentos materiais impeçam tais comportamentos todo o tempo37.

De acordo com esta narrativa, são duas as situações em que a paz pode surgir numa anarquia hobbesiana: na primeira, quando emerge uma balança de poder entre os adversários; e, na segunda, quando uma das partes se torna suficientemente forte para destruir ou conquistar a outra – ou para tentar fazê-lo. No primeiro caso, a paz nada mais é do que uma trégua, a ser quebrada assim que as partes retomem as suas capacidades materiais. O período de paz existente entre a Primeira Guerra do Peloponeso (460-455 a. C.) e o retorno dos conflitos entre a Liga do Peloponeso e a Liga de Delos em 431 a. C. ilustra essa concepção38. No segundo caso, a paz é uma imposição do mais forte, que estabelece as suas condições até ser desafiado por outra potência. Exemplos são a Pax Romana e a Pax Britannica39. Em ambas as situações, a paz é entendida como a ausência de conflitos, como o intervalo entre as guerras40, reforçando a ideia de que a paz é o «constante estado de preparação doméstica para a guerra»41.

Pode-se, então, afirmar que, numa cultura hobbesiana, a guerra é um mecanismo de correcção da balança de poder entre os estados e que a paz é o intervalo entre essas correcções – ou, numa máxima, si vis pacem para bellum. Assim, a paz é entendida como a simples ausência de violência (directa) – uma paz negativa42 – e só pode ser alcançada por meio da imposição da vontade de uma potência hegemónica. Em última instância, a paz mundial só poderia ser atingida por meio de uma potência hegemónica (ou Leviatã) universal – o que, para os realistas, é uma quimera, uma vez que os estados jamais abdicariam das suas soberanias.

Contrariamente a esta visão de paz pela imposição do mais forte, associa-se a ideia da paz pelo direito como a paz possível numa anarquia lockeana. Nesta, os estados, embora rivais, compartilham o respeito pela soberania, de forma que a guerra não é a primeira opção: ela é uma opção e de facto ocorre, mas, quando ocorre, é limitada pelo direito. Conforme uma analogia de Wendt, a ameaça é o roubo ou o espancamento, mas não a morte ou a escravidão43. A ideia de paz pelo direito é exemplificada pelos diversos tratados de paz que normalmente se seguem aos períodos de guerras, como Vestefália (1648), Viena (1815) ou Versalhes (1919)44.

A conceptualização da paz pelo direito inspira-se na ideia de que se a paz doméstica é uma consequência do contrato entre os indivíduos e o Leviatã, árbitro das disputas entre os indivíduos, então a paz internacional deve ser obtida por meio de acordos entre os estados45. Aquela formulação, contudo, não clama a imposição de um Leviatã mundial, mas sim a abolição do direito que os estados soberanos têm de fazer guerra46. Assim, a paz é obtida por meio do respeito ao direito como árbitro dos conflitos e pode ser entendida como a «extensão da civilização [termo aqui relacionado à civil ou civilidade] para a arena internacional»47.

Esta conceptualização remete aos escritos de Francisco de Victoria, para quem a guerra deveria ser moralmente justificável, e de Hugo Grotius, que defendia um «direito natural» regulador da interacção entre os estados48. Dessa forma, uma vez que a guerra é um fenómeno «normal» entre os estados – pois existe desconfiança entre os rivais, ela deve estar de acordo com determinados entendimentos preestabelecidos que regulem as causas consideradas justas para uma guerra (jus ad bellum) e os padrões de comportamentos a serem seguidos durante a guerra (jus in bello).

Em suma, na conceptualização da paz pelo direito, o direito internacional assume o papel do árbitro entre os estados, prevalecendo sobre o jogo de poder na política internacional e regulando o uso da violência entre os estados. Numa anarquia cujo respeito pela soberania foi internamente aceite pelos estados, a guerra, embora uma opção possível, tem seus limites – e estes são impostos pelo direito. Poder-se-ia, então, dizer que nesta conceptualização a paz é baseada numa combinação de consensos e sanções49.

Finalmente, numa anarquia kantiana, a posição subjectiva do outro é a de amigo, ente pacífico no qual o eu vê a sua própria imagem – razão pela qual os estados se abstêm do recurso à violência para resolver as suas disputas. Nesta anarquia, a única possibilidade de ocorrência da guerra seria contra uma agressão externa, reflectindo, portanto, o princípio da segurança colectiva. Argumenta-se aqui que uma anarquia assim caracterizada possibilita uma concepção de paz associada à ideia de paz internacionalista. A melhor ilustração desta situação, contemporaneamente, é a União Europeia.

Esta conceptualização é pautada principalmente pelas propostas de paz que surgiram na Europa iluminista. Numa das mais conhecidas, Kant (1795) defende que a paz é, racionalmente, uma escolha melhor que a guerra50. Em uma situação de paz, os cidadãos não têm que sofrer com as consequências do «miserável jogo» da guerra, «tendo que lutar, tendo que pagar os custos da guerra com os seus próprios recursos, tendo dolorosamente que reparar a devastação que a guerra deixa para trás» e ainda comprometer-se com dívidas que angustiarão os tempos de paz (primeiro artigo definitivo). A proposta de paz de Kant repousa nas ideias centrais dos seus três artigos definitivos – a forma de governo republicana, a federação de estados livres e o direito cosmopolita – e na visão de que a história é um processo de crescente integração entre os estados51.

Segundo Negretto52, há uma profunda semelhança entre o pensamento de Kant e a formulação de segurança colectiva que surgiria no século XX53. Esta baseia-se em três condições: a renúncia ao uso da força sem a autorização da organização que adoptou o princípio da segurança internacional, a inexistência de pactos entre os membros dessa organização e estados terceiros e a definição do mecanismo de defesa da coligação multinacional. Contudo, há também enormes discordâncias: embora Kant advogasse a criação de uma foedum pacificum (liga da paz) sem instituições, a concretização desta viria por meio de organizações como a Liga das Nações e as Nações Unidas.

Podemos, assim, concluir que essa conceptualização de paz não significa apenas a ausência da guerra, mas envolve um conceito de paz positiva54. Mais do que o simples respeito pelas regras – o que poderia ser analisado em termos de um comportamento instrumental de rivalidade, os estados compartilham valores e querem respeitar a regra da não-violência. A paz, portanto, sustenta-se numa identidade colectiva que almeja a paz, de forma que os eventuais conflitos entre estados são sempre resolvidos por meios outros que não os violentos.

Da mesma forma que na abordagem de Wendt, as três conceptualizações de paz aqui apresentadas são tipos ideais – construções teóricas que reflectem as possibilidades de paz internacional consoante os processos e dinâmicas de interacção em anarquias definidas em termos hobbesianos, lockeanos ou kantianos. Aquelas, contudo, não são as únicas construções possíveis55 e nem se concretizam inteira e uniformemente no sistema internacional. Por outro lado, também não são quadros estáticos e imutáveis. Seguindo Wendt56, sugere-se aqui que a possibilidade de mudança dessas conceptualizações teóricas está estreitamente associada ao grau de aceitação interna das ideias que orientam a interacção entre os estados57 – neste caso, as representações de inimigo, rival e amigo. O aprofundamento deste ponto, contudo, está além dos objectivos deste texto.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora as teorias construtivistas tenham criado grandes expectativas entre os académicos das RI quanto à sua capacidade explicativa, verifica-se que tal corrente dedicou pouca atenção ao tema da paz. Neste sentido, argumentou-se aqui que aquelas expectativas poderiam ser atingidas caso o construtivismo conseguisse abandonar a ontologia realista de guerras e de conflitos que orienta a maior parte da sua produção teórica. Tendo como ponto de partida a obra de um dos maiores expoentes do construtivismo, Alexander Wendt, o argumento foi ilustrado por meio da inversão do foco da análise daquele autor. Assim, procurámos analisar as possibilidades de paz, e não as de conflito, existentes em situações de anarquia internacional. Verificou-se, então, que as anarquias dos tipos hobbesiana, lockeana e kantiana possibilitam, respectivamente, as construções de paz do vencedor, de paz pelo direito e de paz internacionalista.

Avaliar se as teorias construtivistas fornecem de facto uma melhor compreensão da paz é lançar novas interpretações sobre importantes questões contemporâneas, como, por exemplo, a conceptualização de paz subjacente às operações de peacekeeping e peace-building ou às acções multilaterais no Iraque e no Afeganistão. É também entender as reais possibilidades de paz (e que paz?) entre povos que se representam, expressa e declaradamente, como inimigos, como fazem os mais radicais israelitas e palestinianos. Significa ainda entender quais são as ideias e valores que informam as acções de organizações internacionais como a UNESCO, que defende a promoção das «culturas de paz» em detrimento das «culturas de violência»: paz para quem? É a partir de reflexões sobre estas e outras questões mais afastadas da ontologia realista que o construtivismo pode reinventar-se, contribuindo para a sua consolidação enquanto proposta teórica alternativa às teorias mainstream das RI.

 

NOTAS

* Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada na Conferência Internacional Conjunta da International Studies Association e da Associação Brasileira de Relações Internacionais, no Rio de Janeiro, em Julho de 2009. O autor agradece os comentários e sugestões de José Manuel Pureza, Naeem Inayatullah, Xavier Guillaume e dos revisores anónimos da R:I. Erros e omissões são, contudo, da inteira responsabilidade do autor.

1 CARR, Edward H. – Vinte Anos de Crise, 1919-1939: Uma Introdução ao Estudo das Relações Internacionais. 2.ª edição. Brasília: Editora UnB, 2001 (1939).         [ Links ]

2 HOPF, Ted – «The promise of constructivism in international relations theory». In International Security. Vol. 23, N.º 1, 1998, pp. 171-200.         [ Links ]

3 WENDT, Alexander E. – Social Theory of International Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1999, p. 298.         [ Links ]

4 RICHMOND, Oliver P. – Peace in International Relations. Abingdon: Routledge, 2008.         [ Links ]

5 WENDT, Alexander E. – «Anarchy is what states make of it: the social construction of power politics». In International Organization. Vol. 46, N.º 2, 1992, pp. 391-425.         [ Links ] WENDT, Alexander E. – Social Theory of International Politics.         [ Links ]

6 BULL, Hedley – A Sociedade Anárquica: Um Estudo da Ordem Política Mundial. Brasília: Editora UnB, 2002 (1977).         [ Links ] O tema da anarquia internacional foi central no chamado «segundo debate» das RI. Alguns textos de referência encontram-se nos volumes de KEOHANE, Robert O. (ed.) – Neorealism and its Critics. Nova York: Columbia University Press, 1986;         [ Links ] BALDWIN, David A. (ed.) – Neorealism and Neoliberalism: The Contemporary Debate. Nova York: Columbia University Press, 1993;         [ Links ] e OYE, Kenneth A. (ed.) – Cooperation under Anarchy. Princeton: Princeton University Press, 1986.         [ Links ]

7 Para os fins deste artigo não se distingue realistas de neo-realistas, uma vez que ambas as correntes partilham essencialmente as mesmas visões sobre a anarquia. CARR, Edward H. – Vinte Anos de Crise, 1919-1939: Uma Introdução ao Estudo das Relações Internacionais;         [ Links ] MORGENTHAU, Hans, A Política entre as Nações: A Luta pelo Poder e pela Paz. Brasília: Editora UnB, 2003 (1948);         [ Links ] NIEBUHR, Reinhold – Moral Man and Immoral Society: A Study in Ethics and Politics. Nova York: Charles Schribner’s Sons, 1960;         [ Links ] ARON, Raymond – Paz e Guerra entre as Nações. Brasília: Editora UnB, 2002 [1962];         [ Links ] WALTZ, Kenneth N. – Man, the State and War: A Theoretical Analysis. Nova York: Columbia University Press, 1969;         [ Links ] WALTZ, Kenneth N. – Theory of International Politics. Nova York: Mcgraw-Hill Book Co, 1979;         [ Links ] GILPIN, Robert – War and Change in World Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1981,         [ Links ] e MEARSHEIMER, John J. – The Tragedy of Great Power Politics. Nova York: Norton, 2001,         [ Links ] são alguns dos principais autores da tradição realista.

8 HOBBES, Thomas – Leviathan. [S. l.], 1651, cap. XIII. [Consultado em: 10 de Janeiro de 2009]. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/Hobbes_Leviathan_1909.pdf         [ Links ]

9 WALTZ, Kenneth N. – Theory of International Politics, p. 172.         [ Links ]

10 Ibidem, p. 126.

11 Ibidem, p. 111.

12 A vasta gama de abordagens construtivistas em RI, quase sempre divergentes, leva a entender essa corrente teórica em termos de construtivismos, e não de uma única teoria. A obra de Wendt retrata apenas uma destas abordagens, podendo o leitor encontrar outras nos textos de ONUF, Nicholas G. – World of Our Making: Rules and Rule in Social Theory and International Relations. Columbia: University of South Carolina Press, 1989;         [ Links ] KRATOCHWIL, Friedrich – Rules, Norms and Decisions: On the Conditions of Practical and Legal Reasoning in International Relations and Domestic Affairs. Cambridge: Cambridge University Press, 1989;         [ Links ] PRICE, Richard, REUS-SMIT, Christian – «Dangerous liaisons? Critical international theory and constructivism». In European Journal of International Relations, Vol. 4, N.º 3, 1998, pp. 259-294;         [ Links ] e GUZZINI, Stefano – «A reconstruction of constructivism in international relations». In European Journal of International Relations, Vol. 6, N.º 2, 2000, pp. 147-182.         [ Links ]

13 WENDT, Alexander E. – Social Theory of International Politics, p. 249.         [ Links ]

14 WENDT, Alexander E. – «Anarchy is what states make of it: the social construction of power politics», p. 407.         [ Links ]

15 Título do capítulo 6 do livro de Wendt, no qual o autor ilustra o seu argumento.

16 WENDT, Alexander E. – Social Theory of International Politics.         [ Links ]

17 Wendt identifica quatro tipos de identidade: pessoal ou corporativa, tipo, de papéis (role) e colectiva (WENDT, Alexander E. – Social Theory of International Politics, pp. 224-233).         [ Links ]

18 WENDT, Alexander E. – Social Theory of International Politics, p. 257.         [ Links ]

19 Ibidem, p. 258.

20 Ibidem, p. 262.

21 HOBBES, Thomas – Leviathan. [S. l.], 1651, cap. XIII. [Consultado em: 10 de Janeiro de 2009]. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/Hobbes_Leviathan_1909.pdf        [ Links ]

22 WENDT, Alexander E. – Social Theory of International Politics, p. 265.         [ Links ]

23 Ibidem, pp. 265-266.

24 Para referências, cf. WATSON, Adam – A Evolução da Sociedade Internacional: Uma Análise Histórica Comparativa. Brasília: Editora UnB, 2004 (1992),         [ Links ] e MACEDO, José Rivair – «Conquistas bárbaras». In MAGNOLI, Demétrio (ed.) – História das Guerras. São Paulo: Editora Contexto, 2006, pp. 77-98.         [ Links ]

25 LOCKE, John – Two Treatises of Government. [S. l.], 1690, cap. 2, parágrafo 6. [Consultado em: 6 de Janeiro de 2009]. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/gu007370.pdf         [ Links ]

26 WENDT, Alexander E. – Social Theory of International Politics, pp. 279-282.         [ Links ]

27 Ibidem, pp. 283-285.

28 Ibidem, p. 270.

29 Ibidem, p. 229.

30 Ibidem, pp. 298-299.

31 Segundo Karl Deutsch, as comunidades de segurança podem ser de dois tipos: amalgamadas, quando ocorre unificação formal de estados; e pluralísticas, quando os estados mantêm as suas soberanias [Deutsch citado por ADLER, Emanuel, e BARNETT, Michael (eds.) – Security Communities. Cambridge: Cambridge University Press, 1998, p. 5 )].         [ Links ]

32 Deutsch citado por WENDT, Alexander E. – Social Theory of International Politics, p. 299.         [ Links ]

33 WENDT, Alexander E. – Social Theory of International Politics, pp. 299-302.         [ Links ]

34 WALTZ, Kenneth N. – «Structural realism after the Cold War». In International Security. Vol. 25, N.º 1, 2000, pp. 5-41.         [ Links ]

35 WENDT, Alexander E. – Social Theory of International Politics, p. 257.         [ Links ]

36 Optou-se pela expressão «paz internacionalista», e não «kantiana», para evitar repetição de termos e para afastar a conotação negativa adquirida pelo termo após a crítica de Carr (CARR, Edward H. – Vinte Anos de Crise, 1919-1939: Uma Introdução ao Estudo das Relações Internacionais. 2.ª edição. Brasília, São Paulo: Editora UnB, IOESP, IPRI, 2001 (1939).         [ Links ]

37 WENDT, Alexander E. – Social Theory of International Politics, pp. 273-274.         [ Links ]

38 TUCÍDIDES – História da Guerra do Peloponeso. 4.ª edição. Brasília: Editora UnB, 2001.         [ Links ]

39 RAPOPORT, Anatol – Peace: An Idea Whose Time Has Come. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1992;         [ Links ] RICHMOND, Oliver P. – The Transformation of Peace. Basingstoke, Nova York: Palgrave Macmillan, 2005;         [ Links ] RICHMOND, Oliver P. – Peace in International Relations, 2008.         [ Links ]

40 HOBBES, Thomas – Leviathan. [S. l.], 1651, cap. XIII. [Consultado em: 10 de Janeiro de 2009]. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/Hobbes_Leviathan_1909.pdf [Consultado em: 10 de Janeiro de 2009].

41 RICHMOND, Oliver P. – Peace in International Relations, p. 42.         [ Links ]

42 GALTUNG, Johan – «Violence, peace and peace research». In Journal of Peace Research. Vol. 6, N.º 3, 1969, pp. 167-191.         [ Links ]

43 WENDT, Alexander E. – Social Theory of International Politics, p. 260.         [ Links ]

44 Sobre esses tratados, cf. CERVO, Amado Luiz – «Hegemonia coletiva e equilíbrio: a construção do mundo liberal (1815-1871)». In SARAIVA, José Flávio Sombra (ed.) – Relações Internacionais – Dois Séculos de História: Entre a Preponderância Européia e a Emergência Americano-Soviética (1815-1947). Brasília: IBRI. Vol. 1, 2001, pp. 59-103,         [ Links ] e WATSON, Adam – A Evolução da Sociedade Internacional.         [ Links ]

45 RICHMOND, Oliver P. – Peace in International Relations, 2008.         [ Links ]

46 RAPOPORT, Anatol – Peace: An Idea Whose Time Has Come, p. 151.         [ Links ]

47 Ibidem, pp. 150-151.

48 BARASH, David P. – «International Law». In BARASH, David P. (ed.) – Approaches to Peace: A Reader in Peace Studies. Nova York, Oxford: Oxford University Press, 2000, pp. 106-113.         [ Links ]

49 WIBERG, Håkan – «JPR 1964-1980 – What have we learnt about peace?». In Journal of Peace Research. Vol. 18, N.º 2, 1981, p. 136.         [ Links ]

50 KANT, Immanuel – Perpetual Peace: A Philosophical Sketch. 1795. [Consultado em: 8 de Janeiro de 2009]. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ll000011.pdf         [ Links ]

51 OSIANDER, Andreas – «Rereading early twentieth-century ir theory: idealism revisited». In International Studies Quarterly. Vol. 42, N.º 3, 1998, pp. 409-432.         [ Links ]

52 NEGRETTO, Gabriel L. – «Kant and the illusion of collective security». In Journal of International Affairs. Vol. 46, N.º 2, 1993, pp. 501-523.         [ Links ]

53 NEGRETTO, Gabriel L. – «Kant and the illusion of collective security»         [ Links ].

54 GALTUNG, Johan – «Violence, peace and peace research», pp. 167-191.         [ Links ]

55 Para outras conceptualizações de paz, cf. especialmente RICHMOND, Oliver P. – Peace in International Relations,         [ Links ] e RAPOPORT, Anatol – Peace: An Idea Whose Time Has Come.         [ Links ]

56 WENDT, Alexander E. – Social Theory of International Politics, cap. 7.         [ Links ]

57 Ibidem.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons