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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.31 Lisboa set. 2011

 

Médio Oriente

 

Ana Santos Pinto

Investigadora do IPRI – UNL, desde 2004, e assistente convidada no Departamento de Estudos Políticos da FCSH – UNL, onde é doutoranda em Relações Internacionais. Tem como principais áreas de investigação académica os estudos europeus, geopolítica do Médio Oriente e questões de segurança e defesa internacional.

 

Whalid Phares, The Coming Revolution – Struggle for Freedom in the Middle East

Nova York, Threshold Editons, 2010, 383 pp.

O Médio Oriente é, desde a queda do Império Otomano, palco de uma intensa luta entre duas correntes ideológicas que determina o cenário geopolítico da região: os reformadores, que pretendem a modernização e desenvolvimento dos estados através da criação e consolidação de sociedades democráticas; e os islamitas, que pretendem a instauração de um califado, a longo prazo global, bloqueando qualquer forma de governo ou identidade que contradiga este objectivo. É com base neste argumento que Whalid Phares, libanês residente nos Estados Unidos e comentador da cadeia televisiva Fox News, constrói a obra The Coming RevolutionStruggle for Freedom in the Middle East, onde analisa as dinâmicas que poderão estar na origem de um movimento revolucionário no Médio Oriente e de uma alteração estrutural na região.

A obra gira em torno de duas dinâmicas que, na opinião do autor, se encontram em permanente competição: por um lado, a promoção da democracia; e, por outro, a promoção do califado global. No que concerne à primeira, Phares considera que, no Médio Oriente, foram desperdiçadas três importantes janelas históricas para a instauração de regimes democráticos: (i) o pós-II Guerra Mundial, já que durante a segunda metade do século XX, em lugar de revoluções liberais conducentes a regimes políticos assentes na participação popular, ocorreram diversos golpes de Estado, de matriz nacionalista, que levaram ao poder regimes autoritários e repressivos; (ii) o pós-fim da Guerra Fria, porque enquanto a democracia proliferava na América Latina e na Europa Central, o Médio Oriente assistia a uma maior penetração de forças jihadistas – com a competição entre salafitas e seguidores da teocracia iraniana, a radicalização da cultura política e a alienação das minorias, mulheres e jovens; e, finalmente, (iii) o pós-11 de Setembro de 2001, quando a intervenção militar americana e aliada derrubou «dois dos regimes mais brutais» da região e provocou um «choque nas fundações do sistema regional autoritário». Ainda no que concerne ao contexto político, Phares salienta que em todo o Médio Oriente existe uma estrutura política semelhante, em que no topo da hierarquia está o líder político, seguido pelos movimentos islamitas, em constante desafio ao status quo, e tendo na base as sociedades civis, impedidas de aceder aos mais básicos instrumentos de participação política.

No que diz respeito ao conceito de califado, o autor salienta duas dimensões fundamentais: uma de natureza teológica e legal, segundo a qual o califado consiste na estrutura de apoio ao líder espiritual da comunidade dos crentes (Ummah), comparável ao papado; e uma de natureza geopolítica, que consiste no conjunto do território, e dos seus recursos, coberto pela autoridade do califa. O califado é, no quadro do argumento de Phares, entendido como uma instituição religiosa, política e militar, geradora e legitimadora da autoridade do líder, e cuja contestação implica uma verdadeira revolução no pensamento político do islão. Na obra, o autor desenvolve as raízes históricas do conceito, bem como as suas implicações numa aplicação à actualidade, designadamente de legitimação da chamada jihad. Com base nestes pressupostos, Phares considera que um dos elementos que explica a ausência de regimes democráticos no Médio Oriente assenta na inexistência, até ao século XX, de um movimento revolucionário interno que contestasse a centralidade do califado na cultura política do islão. Por outro lado, salienta que se existem semelhanças entre o poder cristão e islâmico – entre o papado e o califado – existe também uma diferença fundamental: no «império islâmico» não existiram reformas ou revoluções, ao longo da história, que transformassem um império religioso em sociedades plurais e seculares.

Sem a preocupação do registo académico, e com uma investigação assente, essencialmente, nas actividades do autor em think-tanks e fóruns de debate, em particular promovidos por muçulmanos a residir no Ocidente, Walid Phares percorre, ao longo da obra, as experiências no Afeganistão, Iraque, Líbano, Síria, Irão, Sudão e Magrebe, defendendo a existência de movimentos pró-democracia em todos estes contextos que, se apoiados pela comunidade internacional, poderão construir, com sucesso, verdadeiras sociedades democráticas no Médio Oriente.

Trata-se de uma obra muito actual e adequada à compreensão das dinâmicas políticas que se vivem no designado Grande Médio Oriente.

 

Mehran Kamrava, The Modern Middle East

2.ª edição, Berkeley, University of California Press, 2011, 520 pp.

Dizia Heródoto (484 a. C.- 425 a. C.), geógrafo e historiador grego, que é necessário «pensar o passado para compreender o presente e idealizar o futuro». É na senda deste princípio que Mehran Kamrava, académico de origem iraniana da Universidade Georgetown, estruturou a obra The Modern Middle East, publicada pela primeira vez em 2005 e reeditada, com actualizações, no início de 2011.

Kamrava organiza a obra em duas secções: história política do Médio Oriente; e principais desafios que se colocam à região no século XXI. No que concerne à história política, e referindo que se centra no período contemporâneo, o autor começa por remeter ao século VII e ao nascimento do islão para sustentar a definição de Médio Oriente, de acordo com algumas características partilhadas: língua, etnicidade, religião e herança histórica. O autor argumenta que foram divisões resultantes destes elementos que originaram importantes conflitos na região e constituem, ainda na actualidade, catalisadores de lealdades e mobilizadores de movimentos políticos de base subnacional. Seguindo uma narrativa histórica, Kamrava dá particular enfoque ao período entre as duas guerras mundiais, fundamental para a compreensão da construção dos actuais estados da região. O autor considera que após a queda do Império Otomano e o período de colonialismo europeu, o Médio Oriente não estava preparado para enfrentar o ambiente de competição internacional, ao qual tinha de responder com um rápido crescimento económico e industrial, fundamental para satisfazer as crescentes aspirações nacionalistas das populações. Assim, o autor sintetiza este capítulo considerando que a história política do Médio Oriente, clássica e moderna, tem sido caracterizada pelo aparecimento e queda de grandes poderes, por um domínio colonial, pela criação de novos estados com base em movimentos nacionalistas e por um desenvolvimento económico e político profundamente desigual.

É com base nestes princípios que Kamrava identifica os três principais desafios que se colocam ao Médio Oriente no século xxi: o conflito israelo-palestiniano; o desenvolvimento económico; e a promoção de regimes democráticos.

No que concerne ao conflito israelo-palestiniano, Mehran Kamrava considera que ocupa um papel central na promoção de instabilidade e conflitos regionais. Para o autor, trata-se de um conflito em que o conceito de identidade, de cada uma das comunidades envolvidas, está em permanente competição, sendo a ligação ao território um factor fundamental da construção dessa mesma identidade. Este factor não só dificulta a prossecução do processo de paz, como acaba por envolver outras comunidades que partilham valores identitários, à escala global.

Um segundo desafio reside no desenvolvimento económico. O autor considera que a região se depara, actualmente, com as consequências negativas de uma revolução industrial acelerada, designadamente um crescimento populacional descontrolado, a escassez de recursos hídricos e elevados índices de poluição.

Finalmente, no que diz respeito à consolidação política e promoção de regimes democráticos, Kamrava refere que, historicamente, no centro das relações entre Estado e sociedade no Médio Oriente está um constante regateio assente em três pressupostos: a garantia, pelo Estado, da segurança nacional e física dos cidadãos; o provimento estatal de bens e serviços essenciais, enquanto trade off pela ausência de responsabilização das elites; e, quando necessário, o recurso, pelo Estado, à repressão enquanto instrumento de manutenção do poder. Porém, o autor salienta que a inserção internacional da região, resultado do processo de globalização, traz importantes alterações a estas premissas e origina uma pressão no sentido da liberalização política e reforço dos movimentos populares de apoio à democracia, em detrimento dos poderes conservadores e autoritários.

Mehran Kamrava conclui referindo que são questões económicas, sociais e políticas, decorrentes de eventos históricos, que determinam, actualmente, os comportamentos dos diversos actores do Médio Oriente, designadamente o recurso à violência política. Apesar de se manterem algumas constantes regionais, os desafios de hoje são diferentes dos do passado, desde logo porque, para além da consolidação política, incluem o desenvolvimento económico, progresso científico, a competitividade global e a melhoria da qualidade de vida das populações.

 

Bryant Wright, Seeds of Turmoil – The Biblical Roots of the Inevitable Crisis in the Middle East

Nashville, Thomas Nelson, 2010, 222 pp.

Poderá a decisão de um só homem mar- car, definitivamente, o rumo da Humanidade? Bryant Wright, pastor de uma igreja baptista em Atalanta, acredita que sim. Na obra Seeds of Turmoil – The Biblical Roots of the Inevitable Crisis in the Middle East, Wright considera que a conflitualidade no Médio Oriente tem origem não na criação do Estado de Israel, em 1948, mas nos tempos bíblicos e pode ser encontrada numa escolha de Abraão: ao contrariar, por sugestão da mulher Sarah, a vontade de Deus (de que ambos teriam um filho e este estaria na origem de uma «grande nação») e conceber o seu primeiro descendente, Ismael (que mais tarde teria como descendente Maomé), com a escrava Hagar. Para o autor, tal «pecado» determinou a História do Médio Oriente.

Conta o livro de Génesis que Deus prometeu a Abraão, em troca da sua profunda fé, uma descendência de futuro grandioso com a sua esposa Sarah. Porém, já com idade avançada, Abraão e Sarah permaneciam sem filhos, pelo que Sarah sugeriu ao marido procurar descendência com a sua escrava Hagar. Desta relação nasce Ismael e uma profunda rivalidade entre as duas mulheres. Mais tarde, contra todas as expectativas, Sarah dá à luz o filho prometido por Deus, Isaac, que seria o patriarca do povo hebraico. Com ele, nasce uma rivalidade entre os dois homens e, posteriormente, entre duas interpretações teológicas.

Neste livro, o pastor Bryant Wright procura sustentar, através da interpretação dos textos bíblicos, que a rivalidade entre Isaac e Ismael, e todos os eventos que lhe sucederam, têm consequências na actualidade, designadamente na conflitualidade existente entre o Estado de Israel e os países árabes vizinhos. No mesmo sentido, também a relação com o Irão, que o autor considera ser «a maior ameaça a Israel e à paz no Médio Oriente», pode ser justificada pelo Antigo Testamento, designadamente as relações entre o Império Persa e o povo judeu.

O argumento de Bryant Wright assenta no facto de Abraão, e dos seus descendentes, constituírem um elemento de importância fundamental para as três religiões monoteístas – judaísmo, cristianismo e islamismo, às quais dedica os três últimos capítulos da obra – e destas constituírem um elemento essencial nas sociedades que as professam.

A obra Seeds of Turmoil, narrada em tom de pregação aos fiéis, é, naturalmente, um exercício de interpretação teológica, que nos esclarece sobre os termos de argumentação de algumas correntes do conservadorismo cristão, face ao conflito no Médio Oriente.

 

Margarida Santos Lopes, Novo Dicionário do Islão – Palavras, Figuras e Histórias

2.ª edição, Lisboa, Casa das Letras, 2010

Poucas são as obras publicadas por autores portugueses sobre o islão, e menos as que têm como preocupação central esclarecer conceitos e clarificar mitos. O Novo Dicionário do Islão – Palavras, Figuras e Histórias, da autoria da jornalista Margarida Santos Lopes, é uma delas e, por isso, uma referência. Trata-se da reedição da obra publicada, pela primeira vez, em 2002, com um esforço de inclusão de um mais vasto número de conceitos, personalidades e referências históricas.

Com prefácio de Jorge Sampaio, esta é uma obra que define como objectivo fundamental «contribuir para descodificar uma religião que nasceu há 1400 anos – em 610 da era cristã –, mas ainda provoca desconfiança». Nas palavras do antigo Presidente da República e alto-representante das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações, trata-se de uma compilação que «aparece no momento oportuno, numa altura em que crescem, na Europa, sinais inquietantes de uma recrudescência de atitudes e comportamentos que se designam, recorrendo a um neologismo que alguns consideram pouco feliz, de "Islamofobia"». Porque é um dicionário – «que por isso não se lê, mas consulta-se» –, adopta um registo eminentemente pedagógico e acessível, sem cair em simplificações, tendo por isso a capacidade de chegar a um público potencialmente mais vasto.

Tendo como ponto de partida a interrogação «Porque é que o islão atrai e amedronta?», a autora lista várias centenas de conceitos, personalidades, eventos históricos e lendas, que procura esclarecer tendo como base uma extensa lista bibliográfica (útil a quem pretende aprofundar os conhecimentos) e informações obtidas em entrevistas a 30 especialistas na temática do islão.

O Novo Dicionário do Islão – Palavras, Figuras e Histórias é, por isso, uma obra a consultar, para esclarecer dúvidas e inquietações.