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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.31 Lisboa set. 2011

 

Portugal, Europa e globalização.Como gerir as consequências do endividamento e construir alianças externas para o crescimento

 

José Manuel Félix Ribeiro

Economista. Licenciado em Economia pelo ISCEF em 1971. Aposentado do Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais do Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território de que foi subdirector-geral entre 1995 e 2006, e onde coordenou a área de informação internacional até 2009. Responsável, até 2011, da área de prospectiva nos Cursos de Dirigentes da Administração Pública no Instituto Nacional de Administração. Colaborador regular do Instituto de Defesa Nacional e do IPRI – UNL. Doutorando em Relações Internacionais na FSCH – UNL. Tem obra publicada sobre economia internacional, geopolítica e prospectiva.

 

RESUMO

Face à conjuntura de crise e transformação do projecto europeu, Portugal deverá definir, tal como os outros estados-membros, quais são os seus objectivos no que respeita a essa mesma transformação. O artigo apresenta um conjunto de recomendações para ajudar na definição de uma agenda de Portugal para a UE concentrando-se nas políticas comercial, de coesão, agrícola comum, de cooperação, de concorrência, assim como nas redes transeuropeias.

Palavras-chave: Portugal, União Europeia, crise, globalização

 

Portugal, Europe and Globalization. How to deal the consequences of the debt and forge external alliances to growth

ABSTRACT

Regarding the context of crisis and transformation of the European project, Portugal, as well as all the European member states, must define its goals concerning that transformation. This article presents a wide range of proposals in order to help the definition of a Portuguese Agenda to the EU focusing on the policies of trade, cohesion, agriculture, cooperation, competition and on the transEuropean networks.

Keywords: Portugal, European Union, crisis, globalization

 

DEFINIR UMA AGENDA EUROPEIA QUE LIMITE O IMPACTO DA AUSTERIDADE E FAVOREÇA ALGUNS FACTORES DE CRESCIMENTO

Portugal fez ao longo dos últimos trinta anos, e da forma mais convicta e empenhada, da integração europeia o seu principal projecto em termos de relações externas e de ponto de referência obrigatório das suas próprias transformações económicas e sociais internas.

Na actual conjuntura de crise e transformação do próprio projecto europeu Portugal deverá definir, como o fazem a generalidade dos outros estados-membros, quais são os seus objectivos no que respeita a essa mesma transformação.

As relações de Portugal com a União Europeia (UE) a propósito das suas dificuldades resultantes do endividamento não podem passar apenas pelo cumprimento do Memorando de Entendimento acordado com a Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional, em contrapartida de um financiamento e de uma concessão de garantia de financiamento de emergência.

Portugal tem de ter uma agenda para procurar intervir na transformação do modo de funcionamento da UE que torne mais favorável a gestão desta fase de austeridade inevitável, agenda que seja susceptível de ser aceite por uma maioria dos estados que garantem o actual Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (Alemanha, França, Holanda, Áustria, Finlândia e Luxemburgo).

 

Considera-se em particular necessário concentrar atenção nas seguintes políticas:

 

• A Política Comercial – que deveria dar muito maior importância ao reforço dos laços transatlânticos sob a forma de uma Zona de Livre Comércio do Atlântico Norte que é hoje fundamental quer para a Península Ibérica quer para estados como a França, a Holanda, a Suécia ou o Reino Unido ou para os novos estados-membros que privilegiam relações sólidas com os Estados Unidos.

• A Política de Coesão – num período em que os quatro países que beneficiaram das políticas de coesão implementadas desde o Acto Único Europeu – Grécia, Espanha, Portugal e Irlanda – se encontram todos a braços com crises de dívida externa que podem não só determinar a travagem do seu crescimento futuro, como ameaçam a criação de fracturas no seio da UE; e em que o alargamento da União trouxe novos estados-membros que dela vão beneficiar; esta dupla realidade aconselha a que, sem aumentar o peso do orçamento da União no PIB europeu, se aumentem substancialmente os meios colocados ao serviço da Política de Coesão, ao mesmo tempo que se muda por completo o seu enquadramento, passando a incorporar fundos públicos europeus que garantam nos mercados de capitais a nova dívida que resultar da reestruturação da dívida existente dos quatro estados ditos da coesão.

• A Política Agrícola Comum, num período de alta estrutural dos preços dos produtos agrícolas no mercado mundial, deve estar muito menos dirigida para o controlo dos excedentes de produção e a subsidiação da agricultura mercantil e por isso deve ser acompanhada de uma clara redução do seu peso no orçamento da União, assim como de uma maior liberdade de cultivo por parte dos estados-membros que mais necessitem de reduzir o peso da sua dependência alimentar na balança comercial.

• Ao mesmo tempo que a Política de Cooperação deve ser muito fortalecida em termos de fundos disponíveis e reorientada para incluir uma vertente de ajuda alimentar aos países do Norte de África envolvidos em processo de democratização e pacificação regional.

• A Política de Concorrência deveria permitir que fundos públicos no quadro da Política de Coesão possam ser maioritariamente colocados ao serviço da atracção do investimento directo estrangeiro nos estados-membros a braços com crises de endividamento externo mais graves em vez de serem mobilizados para colmatar as deficiências internas no financiamento da expansão e internacionalização das PME de que os sectores bancários desses estados têm vindo a afastar-se, em parte como consequência perversa da regulamentação bancária internacional.

• As Redes Transeuropeias deveriam passar a dispor de mais fundos que permitissem reduzir as comparticipações nacionais nos projectos nas áreas da energia e transportes que forem considerados fundamentais para o funcionamento do Mercado Único, para a segurança de abastecimento energético da Europa e para a sustentabilidade ambiental da UE.

 

REPOSICIONAR-SE NA GLOBALIZAÇÃO PARA PROSPERAR NA UNIÃO EUROPEIA E «COBRIR O RISCO» DE UMA FUTURA FRACTURA EUROPEIA

Portugal tem actualmente uma «estratégia implícita» para a globalização – assente em três pilares: presença na UE, integração ibérica e reforço prioritário de relações económicas com o Atlântico Sul.

Esta «estratégia implícita» tem cinco limitações principais quando pensamos no médio-longo prazo:

 

• Não assegura ligações a economias que estejam a crescer com base no «engenho» e no conhecimento, concentrando-se em economias – Espanha e Atlântico Sul – que crescem, ou cresceram, baseadas na «terra» – matérias-primas, energia, alimentos e agro-indústrias, construção civil e turismo; quando Portugal precisa urgentemente de relacionamentos com economias assentes no conhecimento para realizar processos de aprendizagem em actividades com crescimento potencial forte.

• Procura compensar a desproporção com Espanha atribuindo um papel-chave à América Latina, região do mundo em que a Espanha está vitalmente interessada e onde detém activos desproporcionalmente superiores aos de Portugal, colocando o País na completa dependência do Brasil para gerir esta desproporção.

• Não atribui nenhum papel relevante – na aérea geoeconómica – aos parceiros estratégicos de Portugal no Atlântico Norte, ou seja aos Estados Unidos e Canadá que são também potenciais parceiros tecnológicos.

• Despreza por completo as relações históricas com a(s) Ásia(s), que são as que mais nos diferenciam na Europa e nos permitiriam relacionar com economias em forte crescimento e em processo de mundialização das suas empresas.

• Não permite «cobrir o risco» de uma eventual fractura ou paralisia da UE no médio-longo prazo.

Gostaríamos de colocar como hipótese de princípios orientadores de uma estratégia para permanecermos na UE e nos relacionarmos em profundidade com a Espanha sem riscos de subordinação no longo prazo, princípios que partem da necessidade de alinhar inserção geoestratégica e geoeconómica por forma a tirar o maior partido da globalização para o crescimento e autonomia de decisão de Portugal.

• Portugal deveria reforçar a nível global as relações com os Estados Unidos e com estados que a nível global reconhecem as vantagens de uma relação privilegiada com os Estados Unidos, mantendo obviamente a sua autonomia de decisão regional.

• Portugal na Europa teria vantagem em manter um relacionamento económico privilegiado com a Alemanha: o Estado e a economia hoje líder na UE, oferecendo o espaço atlântico como factor de equilíbrio geoeconómico aos sectores que na Alemanha receiam uma excessiva continentalização; com Portugal explorando ao mesmo tempo as relações com a Noruega e a Holanda e dentro da UE defendendo, como se referiu atrás, a criação de uma Zona de Comércio Livre do Atlântico Norte.

• Portugal deverá apostar privilegiadamente nas relações com a Ásia e com o Índico – nomeadamente com «estados intersticiais» – Qatar e Singapura – que se situam a oeste e a leste da Índia – o novo parceiro principal que Portugal deverá procurar na Ásia, em conjunto com a reactivação das relações históricas com o Japão.

• Portugal deve aprofundar as relações com o Atlântico Sul e dinamizar a CPLP tendo como perspectiva contribuir para que o «mundo de expressão portuguesa» se aproxime do «mundo anglo-saxónico»; porque a globalização não se vai gerir a partir da organização de espaços macro-regionais assentes na proximidade geográfica, mas sim na constituição de redes mundiais transversais que permitam maximizar a autonomia regional dos países que nelas se envolvam.

• Portugal na Península Ibérica deverá sempre desejar a unidade e a grandeza da Espanha, sem ter que a nível geoeconómico colocar Madrid no centro dos seus projectos.

 

O FINANCIAMENTO FUTURO DA ECONOMIA PORTUGUESA E A ESTRUTURAÇÃO DE UMA NOVA GEOECONOMIA PARA PORTUGAL

As questões do financiamento da economia portuguesa durante a próxima década vão determinar em larga escala a reconfiguração da nossa geoeconomia. É pois aconselhável à luz do que se acabou de referir identificar parcerias privilegiadas para responder a três questões distintas que actualmente «dilaceram» Portugal:

 

• Parcerias para atracção do investimento directo estrangeiro que proporcionem forte crescimento das exportações de serviços e de produtos.

• Parcerias para o financiamento de grandes infra-estruturas (por exemplo, Novo Aeroporto de Lisboa e novos terminais de contentores) e para as empresas dos sectores infra-estruturais, impedindo que a transferência de propriedade para o exterior – que vai inevitavelmente dar-se nesses sectores (telecomunicações, electricidade, petróleo e gás, água e ambiente) – se faça sem obedecer a orientações nacionais.

• Parcerias para obter financiamentos necessários à colocação da dívida soberana, para além dos que possamos obter no seio da UE.

 

Estas parcerias, no seu conjunto, podem ser procuradas junto de:

• Regiões ou estados com um elevado potencial de inovação a nível global e dispondo de empresas envolvidas em fase de acelerada internacionalização.

• Estados com elevados excedentes correntes, incluindo os que detenham fundos soberanos de maior dimensão.

• Pólos patrimoniais europeus de base familiar, de preferência com controlo de carteiras de participações diversificadas sectorialmente (dos Walenberg na Suécia, aos Tata na Índia ou aos Qandt na Alemanha).

 

O quadro I procura sintetizar possíveis novas parcerias para cada uma das questões referidas, supondo que seria possível manter a principal parceria construída desde a adesão de Portugal à CEE – ou seja, a parceria empresarial com a Alemanha (que por isso não é referida nesse quadro).

 

Quadro I > Portugal: novas parcerias para o século XXI?