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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.31 Lisboa set. 2011

 

Intervenção contra a pirataria nas costas da Somália. Naval peacekeeping?

 

Gilberto Carvalho de Oliveira

Doutorando em Política Internacional e Resolução de Conflitos na Faculdade de Economia/Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra. Desenvolve uma tese intitulada Guerra Contra a Pirataria: Uma Perspectiva Crítica sobre a Intervenção das Nações Unidas Contra a Pirataria nas Costas da Somália.

 

RESUMO

Este artigo examina as implicações da intervenção internacional contra a pirataria nas costas da Somália que, desde 2008, tem sido apoiada por diversas resoluções do Conselho de Segurança. Com base num debate académico ainda embrionário, designado genericamente pelo termo naval peacekeeping, o artigo argumenta que a intervenção contra a pirataria é a realização empírica de uma concepção autónoma de peacekeeping no mar, desvinculada dos conceitos geralmente aplicados ao modelo de operações de paz, essencialmente, terrestre das Nações Unidas.

Palavras-chave: Somália, naval peacekeeping, operações de paz, pirataria

 

International intervention against piracy in Somalia’s coast: naval peacekeeping?

ABSTRACT

This article examines the implications of international intervention against piracy off the coast of Somalia backed by several Security Council resolutions since 2008. Based on a seminal academic debate generically known as naval peacekeeping, the article argues that the intervention against Somali piracy is the empirical realization of an autonomous concept of peacekeeping at sea, disconnected from the concepts usually applied to the land-based un peace operations framework.

Keywords: Somalia, naval peacekeeping, peace operations, piracy

 

Em 2008, o Conselho de Segurança das Nações Unidas emitiu um conjunto de resoluções, chamando a atenção internacional para o aumento na incidência de ataques de piratas ao largo da costa somali e autorizando o uso da força no combate à pirataria em alto mar, no mar territorial da Somália e, posteriormente, dentro do próprio território somali. Em resposta a essas resoluções, diversos estados e organizações regionais têm conduzido, desde o final de 2008, operações navais de combate à pirataria na região do Corno de África. Com este enquadramento, argumenta-se que as resoluções do Conselho de Segurança e as operações navais por elas desencadeadas estabelecem um tipo de intervenção que se aproxima, ao mesmo tempo que se afasta, do modelo de operações de paz da Organização das Nações Unidas (ONU). Com base neste argumento, duas questões importantes são levantadas: em que medida a intervenção contra a pirataria nas costas da Somália representa uma novidade no contexto tradicional de emprego de forças navais nas operações estabelecidas pelas resoluções da ONU? Até que ponto essa intervenção pode ser classificada como uma operação de paz no mar?

A busca de respostas a essas questões está organizada em três secções. Na primeira explora-se a bibliografia sobre o uso de forças navais nas operações estabelecidas pelas resoluções da ONU. Nessa bibliografia, destaca-se um debate ainda embrionário, designado genericamente por naval peacekeeping, que defende o emprego das forças das marinhas num contexto de cooperação multilateral no mar sob o guarda-chuva da ONU. Ainda que o termo naval peacekeeping seja amplamente utilizado nessa bibliografia, os autores presentes nesse debate raramente se envolvem na conceptualização do termo naval peacekeeping propriamente dito. Dada essa lacuna, surge uma questão fundamental: o mero uso de forças navais no âmbito das operações estabelecidas pelas resoluções da ONU justifica um conceito de naval peacekeeping?

Esta questão é examinada na segunda secção, com base na análise do registo histórico das operações navais realizadas em apoio às resoluções da ONU, desde 1947, quando se observa o primeiro caso de mobilização de forças das marinhas no contexto de uma missão de peacekeeping da ONU. Comparando as actividades típicas de peacekeeping com as actividades desempenhadas pelas forças navais no registo histórico analisado, o objectivo aqui é traçar uma tipologia das operações navais da ONU e, em seguida, discutir até que ponto essa tipologia justifica o uso do termo naval peacekeeping para designar um conceito distinto no âmbito do modelo de operações de paz da ONU. Constata-se, com base nessa análise, que as operações navais têm sido realizadas, na quase totalidade dos casos, como apêndices de grandes operações de peacekeeping baseadas em terra e têm desempenhado, em geral, as mesmas funções de peacekeeping executadas nas operações terrestres. Desse modo, o termo naval peacekeeping designa meramente o ambiente aquático da operação, sem acrescentar novas características que indiquem um tipo de operação particularmente diferenciado e autónomo dentro do quadro conceptual das operações de paz da ONU. Nesse contexto geral, observa-se que a intervenção contra a pirataria somali se distingue por uma especificidade marítima e uma autonomia em relação às operações em terra que não são verificadas no conjunto dos demais casos de mobilização de forças navais em apoio às resoluções da ONU. Essas características sugerem uma concepção autónoma de peacekeeping no mar, fundada em problemas e necessidades próprias do ambiente marítimo e não derivada do modelo de peacekeeping essencialmente terrestre da ONU.

As implicações teóricas dessa concepção autónoma de peacekeeping no mar são discutidas na terceira secção. Adoptando um ponto de vista crítico, destaca-se que tal concepção, ao desvincular-se dos conceitos próprios do peacekeeping em terra e reclamar uma especificidade marítima, abre caminho para um novo estágio na reflexão sobre naval peacekeeping. Nesse sentido, sugere-se um salto de uma primeira geração de debates – marcada, basicamente, pela projecção no mar do modelo de peacekeeping em terra e pela justificação de novos papéis para as forças das marinhas – para uma segunda geração comprometida com uma visão crítica sobre a paz e a segurança no mar, fundada na ideia de uso pacífico dos oceanos e orientada para a transformação das dinâmicas e factores estruturais que, em geral, estão na base dos problemas que afectam o espaço oceânico.

Antes de iniciar o trabalho proposto, destacam-se dois aspectos relativos à terminologia. Em primeiro lugar, os termos-chave utilizados no modelo de operações de paz da ONU e na bibliografia referida neste artigo são mantidos na sua versão em inglês (por exemplo, peacekeeping, peace enforcement, naval peacekeeping). Esta opção terminológica, que evita as imprecisões e as ambiguidades próprias da tradução, tem sido já utilizada em obras sobre a ONU e as operações de paz escritas em português1. Em segundo lugar, seguindo a tendência geral observada na bibliografia de referência, o termo peacekeeping é empregado, na maior parte deste artigo, num sentido genérico, de modo intercambiável com operações de paz. Portanto, esse termo refere-se mais ao conjunto das formas de intervenção da ONU do que a uma das fases específicas do processo de resolução de conflitos definida na doutrina de operações de paz da ONU.

 

O DEBATE SOBRE NAVAL PEACEKEEPING

Embora embrionário, existe já um debate académico sobre o emprego das forças das marinhas no contexto das operações de paz. Nesse debate, alguns autores empregam o termo naval peacekeeping para designar as operações navais realizadas em apoio às resoluções do Conselho de Segurança da ONU2. Outros autores empregam esse mesmo termo para designar as operações navais que, mesmo sem estarem vinculadas à ONU, desempenham funções normalmente associadas à manutenção da paz ou à ajuda humanitária3. Ainda que se deva reconhecer a pluralidade dessas análises, dois fios condutores são destacados na base desse debate: o tradicional papel diplomático das marinhas e a habilidade que os navios de guerra têm para graduar o uso da força. Essas características – já destacadas nos anos 1970 em duas importantes referências sobre o papel das marinhas na política externa4 – levam os autores envolvidos no debate sobre naval peacekeeping a considerarem as unidades das marinhas facilmente adaptáveis aos requisitos de uma operação de paz.

Das obras referidas, a de Pugh e a de Staley são as que mais se aproximam de uma moldura conceptual para as operações navais da ONU, embora tenham focos distintos: Pugh e seus colaboradores realizam uma análise abrangente das funções típicas de peacekeeping e das habilidades dos navios para as desempenhar dentro de um contexto marítimo de cooperação multilateral; Staley, por sua vez, esforça-se por justificar as vantagens de uma agência marítima dentro da estrutura orgânica da ONU, responsável pela supervisão e controlo de uma força naval de peacekeeping a ser accionada mediante resoluções do Conselho de Segurança.

Quanto a Wirtz e Larsen, embora os esforços sejam igualmente dedicados a compatibilizar as actividades típicas de peacekeeping e as habilidades das marinhas para as desempenhar, o seu objectivo é outro: o de encontrar novos papéis que justifiquem o emprego da Marinha norte-americana na chamada «guerra contra o terrorismo». Portanto, ao contrário do multilateralismo aplicado em operações de paz no mar defendido nos trabalhos de Pugh e de Staley, o livro editado por Wirtz e Larsen reflecte o unilateralismo norte-americano e mantém o foco na segurança nacional. Desse modo, o termo naval peacekeeping é usado por esses autores sem uma relação estreita com o quadro conceptual de peacekeeping da ONU. McLaughlin, por sua vez, resgata o carácter multilateral do debate sobre naval peacekeeping proposto por Pugh e Staley nos anos 1990, mas concentra-se numa questão legal: a construção da autoridade legítima da ONU para o uso da força dentro do mar territorial de estados alvo de intervenção.

Com base nessa bibliografia, deve destacar-se que, apesar do uso frequente do termo naval peacekeeping nas suas obras, os autores raramente se envolvem na sua conceptualização propriamente dita. Assim, a questão crucial que se levanta é: em que medida a mera realização de operações no mar em apoio às resoluções da ONU justifica um conceito de naval peacekeeping? Embora os autores referidos ressaltem importantes aspectos operacionais, organizacionais e legais sobre as actividades navais no âmbito das operações de peacekeeping – e o valor dessas contribuições não deve ser negligenciado – a questão conceptual destacada acima não é enfatizada nos seus trabalhos, deixando aberta uma lacuna a ser explorada nas próximas secções deste artigo.

 

UMA TIPOLOGIA DAS OPERAÇÕES NAVAIS DA ONU

Esta secção explora a questão conceptual levantada no final do tópico anterior, partindo de uma comparação entre as actividades típicas de peacekeeping e as actividades desempenhadas pelas forças navais nos casos históricos de uso de forças das marinhas em apoio às resoluções da ONU. O objectivo dessa análise é traçar uma tipologia das operações navais da ONU e, em seguida, discutir até que ponto essa tipologia justifica o termo naval peacekeeping como um conceito distinto no âmbito do modelo de operações de paz daquela organização.

 

ACTIVIDADES TÍPICAS DE PEACEKEEPING

A Força de Emergência das Nações Unidas (Unef I), implantada na crise de Suez em 1956, serviu como um precedente para todas as missões de paz da ONU e estabeleceu os princípios que definem o peacekeeping como uma forma não violenta de intervenção5. Essa conceptualização tradicional, que corresponde ao que tem sido chamado de «primeira geração» de peacekeeping6, define-se, basicamente, por três princípios fundamentais: o consentimento das partes beligerantes; a neutralidade e imparcialidade das forças de paz; e o não uso da força, excepto em autodefesa7. Dentro desta concepção ortodoxa, as clássicas funções de peacekeeping são a «observação» (pequeno contingente desarmado, mobilizado para monitorizar um cessar-fogo ou um acordo de paz) e o «peacekeeping tradicional» (semelhante à «observação», porém com um contingente maior, dotado de armamento leve, destinado a executar uma função de interposição)8.

O fim da Guerra Fria e a onda de optimismo gerada em torno do envolvimento da ONU nos assuntos de segurança produziram, no início dos anos 1990, uma ampliação das tradicionais funções de peacekeeping para um amplo leque de novas actividades, tais como monitorização e fiscalização de eleições, ajuda humanitária, controlo de armas, desenvolvimento e uma série de outras actividades9. Essa expansão, que alguns estudiosos chamam de «segunda geração» de peacekeeping10, produziu diversas taxonomias de actividades de peacekeeping ao longo da primeira metade dos anos 199011.

Como uma análise comparativa destas taxonomias foge ao propósito deste artigo, adopta-se aqui a classificação proposta por Ramsbotham e Woodhouse12 que, em grande medida, expressa a natureza multidimensional das operações de segunda geração e resume as principais tipologias propostas na época por académicos e doutrinas militares: i) funções militares – interposição de forças, observação, controlo de armas (desarmamento e desmobilização), verificação dos acordos de segurança, desminagem, formação e reforma das unidades militares; ii) funções políticas – manutenção da lei e da ordem, estabelecimento de um governo viável, negociação com entidades não governamentais, fiscalização das eleições, administração e provisão de autoridade temporária, restabelecimento da vida económica das populações locais, gestão de disputas locais, formação da polícia; iii) funções humanitárias – protecção de comboios de ajuda humanitária, prestação de assistência humanitária, criação e protecção de safe heavens e no fly zones, ajuda no repatriamento e no controlo do fluxo de refugiados, apoio logístico à assistência humanitária, verificação dos acordos de direitos humanos.

Na segunda metade da década de 1990, perante os problemas enfrentados durante a guerra civil na ex-Jugoslávia, na Somália e no genocídio no Ruanda – quando as forças de paz foram confrontadas com situações de «impotência para proteger os civis, os trabalhadores humanitários e a si próprios»13 – os esforços dedicados às operações de peacekeeping foram reduzidos, devido, principalmente, à decisão das grandes potências, em especial dos Estados Unidos, de não mais contribuírem com os seus contingentes nacionais nas operações de peacekeeping da ONU. Em consequência, no início dos anos 2000, a ONU acabou por reconhecer que as suas operações de paz dependiam de um ambiente seguro e que o papel neutro, imparcial e mediador consagrado no seu modelo de intervenção devia ser revisto.

O Painel sobre as Operações de Paz das Nações Unidas – instaurado por decisão do secretário-geral, em 2000, com o propósito de propor recomendações para superar as principais fragilidades identificadas nas operações de paz da ONU – reflecte, no seu relatório final (Relatório Bhraimi), a necessidade de uma postura mais robusta em tais operações: «quando as Nações Unidas enviam as suas forças para defender a paz, elas devem estar preparadas para enfrentar as forças remanescentes da guerra e da violência, com capacidade e determinação para as derrotar.»14 Em função dessa reorientação, novas alterações foram introduzidas no modelo de operações de paz da ONU, inaugurando o que tem sido chamado de «terceira geração» de peacekeeping, caracterizada por missões estabelecidas ao abrigo do capítulo VII da Carta da ONU15. Em consequência, ao incorporar o uso da força, as operações de terceira geração caracterizam-se pela utilização das capacidades militares em todo o espectro de tensão, desde o peacekeeping tradicional até às operações de combate16.

 

OPERAÇÕES NAVAIS REALIZADAS EM APOIO ÀS RESOLUÇÕES DA ONU

Tomando por referência a bibliografia referida na primeira secção17, alguns ensaios sobre naval peacekeeping produzidos no âmbito académico, militar18 e recentes relatórios e resoluções da ONU, obtém-se um amplo panorama das operações navais realizadas em apoio às resoluções da ONU, desde 1947, quando se observa, pela primeira vez, o emprego de forças navais no contexto de uma missão de paz da ONU (UN Mediation Mission in Palestine). Devido à grande extensão desse registo histórico e às limitações de espaço inerentes a este artigo, apresenta-se, na tabela 1, uma síntese dos casos observados e das principais tarefas desempenhadas pelas forças navais. A fim de facilitar uma análise comparativa, são apresentadas, na mesma tabela, as actividades típicas de peacekeeping identificadas no tópico anterior.

 

Tabela 1 > Actividades de peacekeeping e actividades desempenhadas nas operações navais da ONU, desde 1947

 

O primeiro aspecto a destacar na tabela 1 é o facto de não haver nenhum caso de operação naval da ONU enquadrado como sendo de interposição. A esse respeito, deve-se notar que a noção tradicional de peacekeeping, baseada na interposição de forças neutras entre partes beligerantes, não é facilmente aplicável ao ambiente marítimo. Ao contrário das operações em terra, onde a interposição é geralmente facilitada pelo contacto visual e verbal entre os soldados, as forças navais normalmente operam a longas distâncias, sem contacto visual e em alto grau de mobilidade, o que torna difícil o estabelecimento de posições estáticas no mar20. Além disso, navios de guerra são vistos como símbolos tradicionais do poder político nacional e a sua mera presença em determinada área envia sinais de diplomacia naval, que podem ser interpretados como uma forma de dissuasão ou prenúncio de acções coercivas21. Acrescenta-se, ainda, que os sistemas de armas navais são projectados para um amplo espectro de níveis de força e são, geralmente, rigidamente fixados à estrutura dos navios. Esses aspectos dificultam a reconfiguração dos navios de guerra de tal forma que eles deixem de emitir sinais de ameaça22. Por essas razões, a interposição de uma força naval de paz entre marinhas em combate parece problemática no contexto tradicional de peacekeeping, o que explica o facto de essa opção nunca ter sido usada pela ONU23.

Isso não significa que forças navais não tenham sido utilizadas noutras funções dentro do contexto tradicional de peacekeeping. Como se pode notar na tabela 1, as tarefas de observação foram desempenhadas em diversas operações, devendo-se destacar o caso da missão de observação no golfo de Fonseca por quatro barcos de patrulha rápidos da Armada argentina. Essa missão é particularmente notável, considerando as medidas tomadas para colocar os barcos dentro de uma configuração neutra. Este é o único caso de operação naval da ONU em que os navios foram totalmente caracterizados de acordo com o código de sinais da ONU, o que significa que os meios navais foram configurados com símbolos, cores e marcas tradicionalmente utilizados nas unidades de terra. Além disso, todas as armas foram retiradas dos barcos, a fim de eliminar qualquer sinal de ameaça24.

A tabela 1 mostra, também, que outras actividades, tais como desminagem e sealift25, foram desempenhadas no contexto da Guerra Fria sem colocar em causa os princípios tradicionais de peacekeeping. Especificamente no que se refere ao sealift, deve-se notar a sua ocorrência em quase todos os casos de operações navais da ONU. Não é de estranhar, portanto, que este tipo de operação constitua uma das raras referências nos documentos de alto nível da ONU sobre a importância das tarefas desempenhadas pelas forças das marinhas: no parágrafo 54 da «Agenda para a Paz», o secretário-geral Boutros Boutros-Ghali incentiva os estados a contribuírem com os meios navais para a realização de operações de sealift em apoio às missões de peacekeeping da ONU26.

É no contexto das segunda e terceira gerações de peacekeeping, no entanto, que a tabela 1 apresenta uma maior variedade de actividades navais, especialmente aquelas relacionadas com funções tipicamente militares, tais como desminagem, escolta, controlo de armas, protecção de safe heavens e no fly zones, formação e reforma de unidades navais e interdição. Em menor quantidade, observam-se, também, funções políticas e humanitárias, tais como assistência humanitária, apoio a refugiados, fornecimento de infraestrutura de comunicação e formação de guarda costeira. Embora a bibliografia sobre naval peacekeeping sugira possíveis usos das forças navais em situações de reconstrução pós-conflito, catástrofes naturais e em actividades específicas de peacebuilding (desenvolvimento, eleições, governo provisório, etc.)27, o desempenho de tais actividades não foi observado nos casos históricos considerados.

O segundo aspecto a ser examinado, com base na análise do registo histórico das operações navais da ONU, é o tipo de gestão adoptado. A tabela 2 apresenta uma síntese das operações navais, classificadas em dois tipos de gestão: «mandatado pela ONU» e «controlado pela ONU»28. Essa classificação distingue a situação em que a ONU apenas emite as resoluções, deixando o controlo das operações por conta dos estados ou organizações regionais envolvidos(as) (mandatado pela ONU) e a situação em que a ONU assume o controlo directo das operações navais (controlado pela ONU).

 

Tabela 2 > Tipos de gestão da ONU

 

Como mostra a tabela 2, a ONU tem evitado a responsabilidade directa sobre as operações navais, transferindo esta responsabilidade para os estados, organizações regionais ou coligações (operações mandatadas pela ONU). Essa constatação coloca as operações navais numa situação oposta aos casos de operações em terra, cuja tendência tem sido o envolvimento directo do secretário-geral (operações controladas pela ONU). Só recentemente, no contexto da regionalização do peacekeeping, especialmente no continente africano, onde diversas operações de peacekeeping têm sido desenvolvidas sob o controlo das organizações regionais, começam a ser observadas operações mandatadas pela ONU também nas operações terrestres29.

É importante notar, porém, que as razões que levam à adopção do tipo de gestão «mandatado pela ONU» nas operações navais não são as mesmas que levam à adopção do mesmo tipo de gestão nas operações de peacekeeping regionalizadas. No caso das operações navais, a adopção dessa forma de gestão tem sido explicada por alguns analistas com base na negligência histórica da ONU quanto às questões de segurança no mar, devido a uma série de razões. Em primeiro lugar, a maioria dos conflitos ocorre em terra, o que naturalmente desloca o foco de atenção da ONU para o ambiente terrestre30. Além disso, o elemento da contribuição naval (o navio de guerra) é mais complexo do que o elemento da contribuição de terra (o soldado), uma vez que a «necessidade de sustentabilidade e de interoperabilidade tecnológica», no caso da marinha, apresenta dificuldades muito maiores do que no caso das forças de terra31. Desse modo, «a natureza especializada das forças navais e a concentração de meios navais em um pequeno número de estados» obrigam a ONU a ter que deixar a actividade naval sob encargo de terceiros32. Deve-se destacar, ainda, que a falta de um órgão na estrutura da ONU, especialmente dedicado às operações navais, é um factor adicional que favorece o predomínio da modalidade de gestão «mandatada pela ONU» nas operações navais33.

O terceiro ponto a discutir com base no histórico das operações navais da ONU diz respeito à relação entre as operações navais e as operações de peacekeeping estabelecidas em terra. A tabela 3 classifica as operações navais da ONU em duas categorias: «autónomas» (casos em que as operações navais são independentes das operações terrestres) e «de apoio» (casos em que as operações navais são um apêndice de missões estabelecidas em terra ou apoiam os objectivos de comandos estabelecidos em terra).

 

Tabela 3 > Operações navais autónomas vs operações navais de apoio

 

Ao observar a tabela 3, o aspecto essencial a destacar é o único caso de operação naval autónoma da ONU: a interdição contra a Rodésia pela Royal Navy ao largo da costa de Moçambique (Beira Patrol), durante o período de 1965-1975. As demais accções navais foram realizadas em apoio a operações de peacekeeping estabelecidas em terra (indicadas na tabela através das siglas das missões da ONU colocadas entre parênteses). Mesmo nos casos em que se observam funções de peacekeeping tipicamente navais – presença (Egipto, golfo Pérsico, mar Adriático, Timor Leste) – as marinhas operaram como um braço de operações de peacekeeping em terra. Essa característica, já observada por alguns autores referidos na bibliografia sintetizada na primeira secção34, continua a predominar nas operações navais contemporâneas.

De acordo com as análises até aqui realizadas, pode, finalmente, formular-se uma tipologia das operações navais da ONU. Conforme a síntese apresentada no quadro 1, observa-se, primeiro, que, à excepção da diplomacia naval e da repressão à pirataria, as actividades desempenhadas nas operações navais da ONU coincidem, de forma geral, com as actividades desenvolvidas pelas forças terrestres. Em segundo lugar, a forma predominante de arranjo de gestão é do tipo «mandatado pela ONU», o que significa que a ONU tem evitado o envolvimento directo na administração das operações no mar. Em terceiro lugar, o tipo de relação predominante entre as operações navais e as operações de peacekeeping em terra é de apoio, ou seja, as operações no mar têm sido, de modo geral, um apêndice das operações estabelecidas em terra e têm actuado em suporte a essas operações principais. Constata-se, portanto, tal como Ginifer observara no início dos anos 1990, que existe uma tendência da ONU «em tratar o naval peacekeeping como uma extensão do peacekeeping terrestre»35, o que não produz insights relevantes que levem a um conceito de naval peacekeeping com características distintas e autónomas dentro do modelo de operações de paz da ONU. Nesse contexto, o termo naval peacekeeping designa meramente o ambiente aquático da operação e, ainda que essa diferença de ambiente implique, obviamente, desafios operacionais distintos para as forças envolvidas, não se pode dizer que mudanças conceptuais substantivas sejam introduzidas no modelo de operações de paz da ONU.

 

Tabela 4 > Uma tipologia das operações navais da ONU

 

Dentro desse quadro geral, a intervenção contra a pirataria ao largo da costa somali distingue-se por algumas peculiaridades. Do ponto de vista do arranjo de gestão, observa-se que as operações contra a pirataria, embora conduzidas sob o comando de diversos estados e organizações regionais, são legitimadas pela autoridade da ONU através de um conjunto de resoluções do Conselho de Segurança36. Trata-se, portanto, de um arranjo de gestão do tipo «mandatado pela ONU», o que mantém a tendência predominante no registo histórico das operações navais realizadas em apoio às resoluções daquela organização. Porém, do ponto de vista dos dois outros critérios previstos na tipologia formulada, a intervenção contra a pirataria apresenta diferenças marcantes na direcção de uma noção distinta de naval peacekeeping.

Em primeiro lugar, essa intervenção introduz uma nova função peculiar ao ambiente marítimo – a repressão à pirataria – que não corresponde a nenhuma das actividades já desempenhadas no registo histórico de operações navais da ONU, nem se enquadra nas taxonomias de funções de peacekeeping em terra.

Em segundo lugar, a intervenção contra a pirataria tem uma racionalidade tipicamente marítima: as operações são integralmente concebidas, executadas e geridas como uma intervenção autónoma no mar, sem qualquer vínculo de subordinação ou relação de apoio com operações de peacekeeping estabelecidas em terra. Com tais características, a intervenção contra a pirataria somali representa uma inovação empírica no conjunto das operações navais realizadas em apoio às resoluções da ONU e sugere uma noção de naval peacekeeping distinta, fundada em problemas e necessidades próprias do ambiente marítimo e não derivada do modelo de peacekeeping essencialmente territorial daquela organização.

 

INTERVENÇÃO CONTRA A PIRATARIA SOMALI: IMPLICAÇÕES CONCEPTUAIS NO MODELO DE OPERAÇÕES DE PAZ DA ONU E NO DEBATE SOBRE NAVAL PEACEKEEPING

A concepção autónoma de peacekeeping no mar, desvinculada do modelo de peacekeeping em terra, foi vislumbrada nos primórdios do debate sobre naval peacekeeping mais como uma possibilidade prevista no horizonte do que como uma realidade empírica daquela época.

Conforme destacava Pugh, na primeira metade dos anos 1990, «não houve até hoje nenhum exemplo claro de peacekeeping autónomo no domínio marítimo per se». Isso não significa, continuava ele, que «forças marítimas internacionais desarmadas ou levemente armadas não possam ser requisitadas no futuro para desempenhar funções policiais (constabulary roles)», tais como «reprimir o contrabando e a pirataria, assegurar a liberdade de navegação ou combater a poluição»37.

Outros autores têm juntado as suas vozes a essa reivindicação de autonomia conceptual, argumentando que a noção de naval peacekeeping «funciona melhor em questões essencialmente marítimas»38 e que «o ressurgimento chocante da pirataria»39 é um exemplo do tipo de problema a ser tratado por forças navais operando num ambiente de baixa intensidade. Dessa perspectiva, a interferência inédita do Conselho de Segurança na gestão da violência privada no mar, através das resoluções contra a pirataria somali emitidas em 2008, e as operações internacionais de repressão à pirataria desencadeadas desde então representam a realização empírica dessa noção autónoma de peacekeeping no mar, apresentando importantes implicações conceptuais do ponto de vista do modelo de operações de paz da ONU e do debate sobre naval peacekeeping.

Ao observar a intervenção contra a pirataria somali à luz da doutrina de operações de paz da ONU (Capstone Doctrine)40, nota-se que a característica coerciva da intervenção aponta para o quadro de peace enforcement definido na doutrina:

«O peace enforcement envolve a aplicação, com a autorização do Conselho de Segurança, de uma série de medidas coercivas, incluindo o uso da força militar. Tais acções são autorizadas para o restabelecimento da paz e da segurança internacionais, em situações em que o Conselho de Segurança identifique a existência de ameaça à paz, ruptura da paz ou acto de agressão. O Conselho de Segurança poderá utilizar, quando julgar apropriado e sob sua autoridade, organizações regionais e agências para a condução das acções coercivas.»41

Comparando essa definição com as principais características da intervenção contra a pirataria na Somália, nota-se, em primeiro lugar, que o Conselho de Segurança autoriza medidas coercivas contra os piratas, incluindo o uso da força. Em segundo lugar, as medidas de coerção são autorizadas para restaurar a paz e a segurança internacionais que, segundo as resoluções, são ameaçadas pelos ataques de pirataria na região42. Em terceiro lugar, o Conselho de Segurança utiliza diversos estados e organizações regionais para a execução, sob sua autoridade, das acções coercivas autorizadas contra a pirataria. Em princípio, portanto, a intervenção contra a pirataria na Somália ajusta-se ao quadro de peace enforcement da doutrina de operações de paz da ONU. Vista como peace enforcement, a intervenção contra a pirataria deixa de exigir o consentimento dos «sabotadores da paz»43 (ou seja, os piratas), e pode envolver o uso da força, o que significa que o carácter militar das resoluções do Conselho de Segurança e das medidas coercivas adoptadas está em plena harmonia com a Capstone Doctrine44.

Não obstante essa proximidade conceptual, alguns pontos de afastamento fundamentais devem ser considerados, principalmente no que se refere ao contexto geral da doutrina de operações de paz da ONU.

A Capstone Doctrine é construída, basicamente, sobre as categorias de conflito político e de facções políticas em disputa pelo poder político. Nesse modelo, as actividades de conflict prevention (implementadas antes do conflito), peacemaking (durante o conflito), peacekeeping (após o cessar-fogo) e peace building (pós-conflito) constituem as fases sequenciais de um processo linear de resolução de conflitos que, se implementadas, supostamente conseguem «manter a paz e a segurança no mundo»45. O problema dessa narrativa, conforme enfatizam Lopes e Freire, é que o quadro de acção por ela instaurado é «limitado e enraizado no conflito» e, como tal, «não responde adequadamente aos desafios colocados pela violência armada organizada»46. Por outras palavras, ao orientar-se para a resolução do conflito, o modelo de operações de paz da ONU define «a paz» por oposição ao conflito e não por oposição à violência47.

Neste sentido, actos de violência como os praticados pela pirataria, que reflectem um contexto de motivações económicas privadas profundamente enraizado em factores e dinâmicas estruturais, não se enquadram na narrativa orientada para o processo de paz/acordo de paz ou para a situação pós-conflito que constitui a base conceptual da Capstone Doctrine. Desse ponto de vista crítico, constata-se que a doutrina de operações de paz da ONU é um quadro de referência limitado para reflectir o tipo de violência armada praticada pela pirataria, pois os seus mecanismos de paz só conseguem perceber esse problema como um mero foco de desordem periférica a ser pacificado por medidas de coerção. Dentro desses limites, o peace enforcement surge como única opção oferecida pela doutrina como resposta adequada ao problema.

A Capstone Doctrine é igualmente limitada como quadro de referência para reflectir a noção autónoma de naval peacekeeping aqui destacada, a qual, obviamente, não pode ser enquadrada no modelo essencialmente territorial e orientado para «as fases do conflito» previsto na doutrina de operações de paz da ONU. É crucial que se perceba, neste ponto, que a noção autónoma de peacekeeping no mar, ao desvincular-se do modelo de peacekeeping em terra e reclamar uma especificidade marítima, abre espaço para um amplo horizonte de abordagem das formas de violência capazes de afectar a paz dentro do espaço oceânico. Para além do problema da pirataria, as disputas territoriais no mar, os focos de tensão nas comunidades costeiras, a pesca predatória, a exploração dos recursos marinhos, a poluição e o despejo de lixo tóxico no mar, o terrorismo marítimo, o movimento clandestino de pessoas e mercadorias, o congestionamento das rotas marítimas comerciais, etc., são questões que demonstram o carácter multifacetado e complexo dos problemas existentes no domínio marítimo e apontam para a necessidade de uma concepção de paz abrangente que não se restrinja à mera ausência de violência directa e às respostas do tipo peace enforcement normalmente prescritas para a imposição da ordem no mar.

De acordo com a perspectiva crítica apresentada por Lopes e Freire, o conceito de paz deve ser o alicerce sobre o qual se definem os objectivos, os instrumentos e as políticas voltadas para o tratamento de quaisquer formas de violência. Desse modo, as autoras sugerem que a paz seja conceptualizada «como um processo holístico que implica a existência de condições estruturais básicas», tais como «a ausência de violência organizada física e psicológica, a satisfação das necessidades humanas básicas e, ao nível institucional, a existência de estruturas de partilha de poder representativas e proporcionais, bem como a promoção e a protecção dos direitos humanos»48. Desse ponto de vista, a violência pode ser evitada ou superada «se as condições estruturais básicas para a paz forem satisfeitas»49.

Tomando por base essa concepção holística da paz, o próprio debate sobre naval peacekeeping torna-se alvo de crítica por manter o foco de preocupação direccionado, basicamente, para a questão da ordem no mar e para a mobilização de forças das marinhas para a manutenção dessa ordem. Em função desse condicionamento, algumas fragilidades podem ser identificadas.

O debate sobre naval peacekeeping não é reflexivo. Ele não põe em causa a ordem no mar e a forma como tal ordem organiza as relações sociais e de poder no contexto marítimo. Na verdade, o debate sobre naval peacekeeping produz um corte que reduz os problemas marítimos às suas manifestações directas, o que leva a uma preocupação central com a mobilização de capacidades materiais e estruturas institucionais para lidar com os efeitos visíveis dos problemas. Permanecendo nessa superfície, o debate sobre naval peacekeeping deixa de considerar aspectos mais profundos, localizados nas raízes dos problemas no mar, tais como as origens e ligações em terra, os factores e dinâmicas estruturais locais, regionais e globais, bem como as condições históricas subjacentes aos problemas.

A maior fragilidade dessa abordagem, do ponto de vista crítico50, é que ela funciona condicionada por um quadro fixo de acção. Dentro deste quadro, os problemas marítimos são reduzidos a uma única dimensão – a ordem no mar – e as operações de naval peacekeeping destinam-se a executar um conjunto de funções policiais destinadas a «pacificar» os focos de desordem no mar. Dentro deste limite, não há margem para a transformação, pois a «grande fotografia», que inclui as complexas dinâmicas sociais, políticas e económicas subjacentes aos problemas marítimos não são levadas em consideração51. Em função de todos esses aspectos, considera-se que a noção de naval peacekeeping daria um salto qualitativo se fosse integrada num quadro de transformação de conflitos, ao invés da abordagem de resolução de conflitos que tem condicionado o debate até ao momento52.

 

CONCLUSÕES

As análises realizadas neste artigo conduzem a duas concepções de naval peacekeeping.A primeira, sustentada empiricamente pela quase totalidade dos casos de mobilização internacional de forças navais em suporte às resoluções da ONU desde 1947, leva a uma noção de naval peacekeeping derivada do modelo de peacekeeping predominantemente terrestre da ONU. Dentro dessa concepção, o naval peacekeeping é a mera projecção no mar dos mesmos conceitos aplicados ao peacekeeping em terra. Nesse sentido, o termo naval peacekeeping é apenas um qualificativo para o ambiente aquático da operação e não traduz mudanças substantivas dentro do modelo de peacekeeping da ONU.A segunda, sustentada empiricamente pela intervenção contra a pirataria actualmente em curso nas águas do Corno de África, leva a uma noção de naval peacekeeping distinta, caracterizada pelo desempenho de uma função peculiar ao ambiente marítimo – a gestão da violência privada no mar – e por uma autonomia em relação ao modelo de peacekeeping terrestre até então não observada nos casos históricos de operações navais realizadas em apoio às resoluções da ONU.

Essa inovação empírica, fundada na interferência inédita do Conselho de Segurança na gestão da violência privada no mar, abre espaço para que a ideia de peacekeeping no mar seja repensada dentro de novas bases empíricas e conceptuais. Tal como a pirataria, uma série de outras questões (como tensões estruturais nas comunidades costeiras, poluição, pesca predatória, tráfico, etc.) podem resultar em formas de violência, demonstrando o carácter multifacetado e complexo dos problemas relacionados ao espaço oceânico e apontando para a necessidade de uma concepção de paz abrangente que não se restrinja à mera ausência de violência directa no mar.

Dentro desse contexto, a noção de peacekeeping no mar ganha um novo fôlego e abre-se para novas vias de reflexão que vão além dos actuais limites do debate sobre naval peacekeeping, marcados, basicamente, pela mera projecção no mar do modelo de peacekeeping em terra e pela justificação de novos papéis para as forças das marinhas no contexto pós-Guerra Fria. Desse modo, o desafio que se lança como perspectiva de investigação futura é o redireccionamento da reflexão sobre peacekeeping no mar para uma agenda crítica, fundada na ideia de uso pacífico dos oceanos e orientada para a transformação das dinâmicas e factores estruturais que, em geral, estão nas raízes dos problemas que afectam o espaço oceânico.

 

NOTAS

1 Ver, por exemplo, PINTO, Maria do Céu – As Nações Unidas e a Manutenção da Paz e as Actividades de Peacekeeping doutras Organizações Internacionais. Coimbra: Almedina, 2007;         [ Links ] PINTO, Maria do Céu – O Papel da ONU na Criação de Uma Nova Ordem Mundial. Lisboa: Prefácio, 2010.         [ Links ]

2 STEPHENS, Robert – The Wave of the Future: The United Nations and Naval Peacekeeping. Boulder: Lynne Rienner Publishers, 1992;         [ Links ] PUGH, Michael (ed.) – Maritime Security and Peacekeeping: A Framework for United Nations Operations. Manchester: Manchester University Press, 1994;         [ Links ] MCLAUGLIN, Rob – United Nations Naval Peace Operations in the Territorial Sea. Leida: Martinus Nijhoff Publishers, 2009.         [ Links ]

3 WIRTZ, James J., e LARSEN, Jeffrey A. (eds.) – Naval Peacekeeping and Humanitarian Operations. Londres: Routledge, 2009.         [ Links ]

4 CABLE, James – Gunboat Diplomacy. Londres: Chatto & Windus, 1971;         [ Links ] BOOTH, Ken – Navies and Foreign Policy. Londres: Croom Helm, 1977.         [ Links ]

5 RAMSBOTHAM, Oliver, WOODHOUSE, Tom, e MIALL, Hugh – Contemporary Conflict Resolution. Cambridge: Polity Press, 2008, p. 134.         [ Links ]

6 FETHERSTON, Betts – Towards a Theory of United Nations Peacekeeping. Londres: Macmillan, 1994.         [ Links ]

7 RAMSBOTHAM, Oliver, WOODHOUSE, Tom, e MIALL, Hugh – Contemporary Conflict Resolution, p. 134.         [ Links ]

8 DIEHL, Paul F., DRUCKMAN, Daniel, e WALL, James – «International peacekeeping and conflict resolution: a taxonomic analysis with implications». In Journal of Conflict Resolution. Vol. 43, N.º 1, 1998, p. 35.         [ Links ]

9 Ibidem, p. 34.

10 MACKINLAY, J., e CHOPRA, J. – «Second generation multinational operations». In Washington Quarterly. Vol. 15, N.º 3, 1992, pp. 113-131.         [ Links ]

11 Cf. DIEHL, Paul F., DRUCKMAN, Daniel, e WALL, James – «International peacekeeping and conflict resolution: a taxonomic analysis with implications»         [ Links ]; RAMSBOTHAM, Oliver, e WOODHOUSE, Tom – Humanitarian Intervention in Contemporary Conflict. Cambridge: Polity Press, 1996, p. 127.         [ Links ]

12 RAMSBOTHAM, Oliver, e WOODHOUSE, Tom – Humanitarian Intervention in Contemporary Conflict, p. 127.         [ Links ]

13 RAMSBOTHAM, Oliver, WOODHOUSE, Tom, e MIALL, Hugh – Contemporary Conflict Resolution, p. 135.         [ Links ]

14 A/55/305-S/2000/809 – Report of the Panel on United Nations Peace Operations. [Consultado em: 20 de Outubro de 2009]. Disponível em: http://www.un.org/peace/reports/peace_operations/, p. 9.

15 RAMSBOTHAM, Oliver, WOODHOUSE, Tom, e MIALL, Hugh – Contemporary Conflict Resolution, p. 138.         [ Links ]

16 Ibidem.

17 CABLE, James – Gunboat Diplomacy;         [ Links ] PUGH, Michael (ed.) – Maritime Security and Peacekeeping: A Framework for United Nations Operations;         [ Links ] WIRTZ, James J., e LARSEN, Jeffrey A. (eds.) – Naval Peacekeeping and Humanitarian Operations;         [ Links ] MCLAUGLIN, Rob – United Nations Naval Peace Operations in the Territorial Sea.         [ Links ]

18 SANDS, Jeffrey I. – «Blue hulls: multinational naval cooperation and the United Nations». In CRM 93-40. US Center for Naval Analyses, 1993;         [ Links ] NEVES, Juan Carlos – «United Nations peace-keeping operations in the Gulf of Fonseca by Argentine Naval Units». In Research Report 01-93, Strategic Research Department, US Naval War College, 1993;         [ Links ] SIM, D. L. – «Men of war for missions of peace: naval forces in support of United Nations Resolutions». In Research Report 8-94, Strategic Research Department, US Naval War College, 1994.         [ Links ]

20 PUGH, Michael (ed.) – Maritime Security and Peacekeeping: A Framework for United Nations Operations, p. 33;         [ Links ] GINIFER, Jeremy – «A conceptual framework for UN naval operations». In PUGH, Michael (ed.) – Maritime Security and Peacekeeping: a Framework for United Nations Operations. Manchester: Manchester University Press, 1994, p. 60.         [ Links ]

21 GINIFER, Jeremy – «A conceptual framework for UN naval operations». In PUGH, Michael (ed.) – Maritime Security and Peacekeeping: A Framework for United Nations Operations, pp. 60-61.         [ Links ]

22 Ibidem, p. 60.

23 Ibidem, p. 61.

24 NEVES, Juan Carlos – «United Nations peace-keeping operations in the Gulf of Fonseca by Argentine naval units», pp. 19-21.         [ Links ]

25 Sealift são operações navais destinadas ao transporte de pessoal e equipamentos para prestar apoio logístico a outras forças em operação.

26 A/47/277-S/24111, An Agenda for Peace. [Consultado em 10 de Dezembro de 2009]. Disponível em: http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N92/259/61/PDF/N9225961.pdf?OpenElement, p. 16.

27 WIRTZ, James J., e LARSEN, Jeffrey A. (eds.) – Naval Peacekeeping and Humanitarian Operations, pp. 61-80;         [ Links ] GNIFER, Jeremy – «The UN at sea? The new relevance of maritime operations». In International Peacekeeping. Vol. 1, N.º 3, 1994, p. 325.         [ Links ]

28 Emprega-se, aqui, a classificação proposta por GINIFER, Jeremy, e GROVE, Eric – «UN management of naval operations». In PUGH, Michael (ed.) - Maritime Security and Peacekeeping: A Framework for United Nations Operations, p. 126.         [ Links ]

29 BELLAMY, Alex J., e WILLIAMS, Paul D. – «Who’s keeping the peace? Regionalization and contemporary peace operations». In International Security. Vol. 29, N.º 4, 2005, pp. 157-195.

30 GNIFER, Jeremy – «The UN at sea? The new relevance of maritime operations», p. 320;         [ Links ] PUGH, Michael (ed.) – Maritime Security and Peacekeeping: A Framework for United Nations Operations, p. 33.         [ Links ]

31 MCLAUGLIN, Rob – United Nations Naval Peace Operations in the Territorial Sea, p. 39.         [ Links ]

32 GINIFER, Jeremy, e GROVE, Eric – «UN management of naval operations», p. 140.         [ Links ]

33 Essa constatação pode ser observada na estrutura do seguinte departamento da ONU: Department of Peacekeeping Operations Office of Military Affairs. [Consultado em: 10 de Dezembro de 2009]. Disponível em: http://www.un.org/en/peacekeeping/sites/oma/Webpages/OMA_Overview_Page_1.html.

34 PUGH, Michael (ed.) – Maritime Security and Peacekeeping: A Framework for United Nations Operations, p. 42.         [ Links ]

35 GNIFER, Jeremy – «The UN at sea? The new relevance of maritime operations», p. 322.         [ Links ]

36 United Nations Security Council resolutions S/RES 1816, 1838, 1844, 1846 and 1851 (2008). [Consultado em: 21 de Novembro de 2009]. Disponível em: http://www.un.org/Docs/sc/unsc_resolutions08.htm.

37 PUGH, Michael (ed.) – Maritime Security and Peacekeeping: A Framework for United Nations Operations, p. 34.         [ Links ]

38 FERRIS, John, «SSTR as history: the British Royal Navy experience, 1815-1930». In WIRTZ, James J., e LARSEN, Jeffrey A. (eds.) – Naval Peacekeeping and Humanitarian Operations, p. 38.         [ Links ] Ver, também, GNIFER, Jeremy – «The UN at sea? The new relevance of maritime operations», p. 322.         [ Links ]

39 FERRIS, John, «SSTR as history: the British Royal Navy experience, 1815-1930», p. 38.         [ Links ]

40 Capstone Doctrine. [Consultado em: 21 de Novembro de 2009]. Disponível em: http://www.peacekeepingbestpractices.unlb.org/Pbps/Library/Capstone_Doctrine_ENG.pdf.

41 Ibidem, p. 18.

42 United Nations Security Council resolutions S/RES 1816, 1838, 1844, 1846 and 1851 (2008).

43 Tradução do autor para o termo spoilers.

44 Capstone Doctrine. [Consultado em: 21 de Novembro de 2009]. Disponível em: http://www.peacekeepingbestpractices.unlb.org/Pbps/Library/Capstone_Doctrine_ENG.pdf, p. 34.

45 Ibidem, pp. 17-18.

46 LOPES, Paula Duarte, e FREIRE, Maria Raquel – «Rethinking peace and violence: new dimensions and new strategies». In LOPES, Paula Duarte, e RYAN, Stephen (eds.) – Rethinking Peace and Security: New Dimensions, Strategies and Actors. Bilbau: University of Deusto, 2009.         [ Links ]

47 Ibidem.

48 Ibidem.

49 Ibidem.

50 Aqui entendido no sentido proposto por COX, Robert W. – Approaches to World Order. Cambridge: Cambridge University Press, 1996, pp. 87-88.

51 COX, Robert W. – Approaches to World Order, p. 89.

52 Uma forma simplificada de distinguir «transformação de conflitos» e «resolução de conflitos» é definir o primeiro em termos de mudanças sociais que visem transformar as raízes dos conflitos e o segundo em termos de eliminação do conflito através da supressão da violência directa. Do ponto de vista da transformação de conflitos, portanto, uma paz auto-sustentável só pode ser alcançada através de mudanças estruturais nas raízes do conflito. Cf. VÄYRYNEN, Raimo (ed.) – New Directions on Conflict Theory: Conflict Resolution and Conflict Transformation. Londres: Sage, 1991;         [ Links ] LEDERACH, John Paul – Preparing for Peace. Conflict Transformation across Cultures. Siracusa: Syracuse University Press, 1995.         [ Links ]