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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.31 Lisboa set. 2011

 

Consequências estratégicas do 11 de Setembro de 2001

 

Vítor Viana

Major-general do Exército. Director do Instituto da Defesa Nacional. É mestre em Estratégia pelo ISCSP. Desempenhou funções de comando e estado-maior e leccionou no Instituto de Altos Estudos Militares, onde também chefiou a Secção de Ensino de Estratégia. Foi assessor militar do antigo Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, comandou a Escola Prática de Artilharia e exerceu as funções de chefe de gabinete do ministro da Defesa Nacional durante cerca de cinco anos.

 

RESUMO

O artigo centra-se nas consequências estratégicas derivadas dos acontecimentos terroristas de 11 de Setembro de 2001, de entre as quais se destacam a nova dimensão do terrorismo transnacional e o seu carácter de ameaça global; o fim da «santuarização» do território dos Estados Unidos; a afirmação da importância dos conflitos assimétricos; a alteração do conceito de dissuasão; o advento da prioridade dada ao combate ao terrorismo global; a inversão da estratégia global norte-americana; a alteração do equilíbrio estratégico no Médio Oriente e os efeitos da guerra no Afeganistão.

Palavras-chave: 11 de Setembro, terrorismo, política externa norte-americana, Médio Oriente

 

9/11 strategic consequences

ABSTRACT

This article focuses on the strategic consequences of the terrorist events of 9/11, which include the new dimension of the transnational terrorism and its feature as a global threat; the end of US’s "saintliness"; the increasing importance of the asymmetric conflicts; the changing of the dissuasion concept; the importance of the global terrorism fight; the inversion of the north American global strategy; the changing in the Middle East balance and the consequences of the Afghanistan war.

Keywords: 9/11, terrorism, American foreign policy, Middle East

 

Após os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001, em Nova York e Washington, muitos analistas e comentadores anunciaram o nascer de uma nova era nas relações internacionais. Dez anos passados, e apesar de permanecerem visíveis os efeitos estratégicos daqueles trágicos acontecimentos, parece confirmar-se a percepção de que o seu alcance não provocou mudanças estruturantes no sistema internacional, nem na distribuição do poder mundial.

A conjuntura internacional, à época dos atentados, era dominada pelo debate em torno da unipolaridade do sistema internacional e a tendência da superpotência americana para o isolacionismo e o unilateralismo. As consequências do fim da Guerra Fria vinham já revelando a crescente vulnerabilidade dos estados a intrusões externas, como o terrorismo internacional e outras formas de criminalidade transnacional, a crescente importância dos actores não estatais, o fenómeno de desestruturação dos estados, e as tensões entre as dinâmicas de globalização e de fragmentação. Por isso, o que verdadeiramente aqueles atentados terroristas ilustraram foi a globalização das ameaças e do cenário estratégico, e a força crescente dos actores não estatais. No fundo, tornaram claramente visível o novo ambiente estratégico e as mudanças profundas decorrentes do desmoronar do Muro de Berlim.

Mas se os acontecimentos de 11 de Setembro não tiveram um alcance comparável ao do final da Guerra Fria, que fez ruir a antiga ordem bipolar e alterou a estrutura de distribuição do poder entre as grandes potências, também é certo que provocaram consequências estratégicas de grande magnitude. Umas imediatas e outras que se foram manifestando. Destacaria as seguintes: a nova dimensão do terrorismo transnacional e o seu carácter de ameaça global que abriu um novo campo no problema securitário; o fim da «santuarização» do território dos Estados Unidos; a afirmação da importância dos conflitos assimétricos (não «clausewitzianos») na conflitualidade internacional; a alteração do conceito de dissuasão; o advento da prioridade dada ao combate ao terrorismo global e à protecção dos territórios e das populações; a inversão da estratégia global norte-americana, particularmente evidenciada com a invasão do Iraque, privilegiando o unilateralismo, o recurso a «coligações de vontade» e a prática da guerra preventiva (estratégia posteriormente revertida por Obama); a alteração do equilíbrio estratégico no Médio Oriente, decorrente da Guerra do Iraque; os efeitos da guerra no Afeganistão, teatro de operações onde está em jogo a credibilidade da Aliança Atlântica e o sucesso da luta contra o terrorismo transnacional.

 

OS EFEITOS ESTRATÉGICOS IMEDIATOS

Sem prejuízo de outras considerações relevantes sobre as implicações do 11 de Setembro, importa sublinhar, pelas suas consequências estratégicas, dois factos novos decorrentes daqueles acontecimentos: a alteração qualitativa da natureza da ameaça que veio exigir novas respostas e a mudança das prioridades da agenda internacional; e o fim da «santuarização» do território norte-americano que, para além do significado estratégico que encerra em si mesmo1, confirmou a vulnerabilidade dos estados e das instituições perante a dimensão emergente de redes de associações criminosas que recorrem a meios coercivos de intimidação colectiva.

Os atentados de 11 de Setembro de 2001 evidenciaram uma nova tendência do terrorismo transnacional que se expressa na violência em larga escala e na capacidade de actuação a nível global, acentuando as dificuldades na sua prevenção, dissuasão e combate. Paralelamente, revelaram uma nova faceta da assimetria. Não foi tanto a tipologia da ameaça que mudou, o que mudou foram os «meios» e os «métodos» utilizados. O «adversário» utilizou os «meios» do «país-alvo» e com «métodos» simples e escassos efectivos, directamente envolvidos, tendo provocado efeitos estratégicos inimagináveis. O que ilustra bem que o desafio do «fraco» ao «forte» pode ser feito com meios imprevisíveis e até com os meios e a tecnologia do «forte». E esta possibilidade levanta novos problemas e desafios no contexto da segurança dos estados e das suas populações.

É certo que uma análise interpretativa da conflitualidade do pós-Guerra Fria já conduzia à percepção de que a assimetria constituía um dado estratégico da maior relevância, por ser comum aos conflitos dominantes. Como disse Marwan Bishara, esta é a «era dos conflitos assimétricos»2. Mas a nova faceta que revelou, confirmou que é no terrorismo transnacional que esta lógica assimétrica se torna mais evidente e perigosa. Por isso, a tipologia dos ataques terroristas de Nova York e Washington veio introduzir, de facto, novos dados na polemologia do século XXI.

A natureza do terrorismo global é ainda potenciada pela convergência de tensões geopolíticas regionais, assimetrias de desenvolvimento, desestruturação dos estados, conexão com as redes do crime organizado e proliferação de armas de destruição maciça.

A difusão transnacional de tecnologia dual e a «proliferação não estatal» de armas de destruição maciça, especialmente biológicas, químicas e radiológicas, potenciam a possibilidade de grupos terroristas se apoderarem ou adquirirem armas daquele tipo e de acrescentar um novo patamar de violência a esta ameaça. A este quadro potencial de actuação, acresce uma outra expressão, de grande dimensão estratégica – o ciberterrorismo – que comporta o potencial para atingir os «nervos» centrais de um Estado, através de ataques informáticos.

Os acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 tiveram também impacto no próprio conceito de dissuasão. É muito difícil dissuadir um adversário «sem rosto», sem base territorial fixa, cuja vontade é destruir e martirizar populações e pôr em causa o modo de vida das sociedades democráticas, e que assenta a sua acção no fanatismo e não em motivações racionais. A dissuasão possível, neste caso, passa forçosamente pela capacidade de prever, o que dá ênfase à informação estratégica, pela capacidade de reduzir vulnerabilidades e pela demonstração da vontade em actuar sobre os potenciais agressores ou patrocinadores.

Pelas razões precedentes, pela sua desterritorialização ou «santuarização», e pelo carácter totalitário associado à sua doutrina e ideologia, o terrorismo transnacional tornou-se uma das ameaças mais prementes e perigosas para os valores da democracia, para as populações e para os territórios das sociedades democráticas e abriu um novo campo no problema securitário.

Por isso, o 11 de Setembro marcou também um momento de acentuada mudança na forma como os países ocidentais e as instâncias multilaterais passaram a encarar as suas estratégias de defesa. A luta antiterrorista tornou-se a primeira prioridade das agendas de segurança. Ficou claro que nenhum país está imune a esta ameaça global e que o seu combate exige cooperação internacional, serviços de informações eficazes e o emprego de estratégias de resposta integradas, quer pelos estados, quer pelas organizações internacionais. De facto, o combate ao terrorismo não se esgota no isolamento e desarticulação das redes terroristas e na destruição da sua capacidade criminosa, ou seja, apenas na saída militar. Ele requer, também, uma política de cooperação internacional multifacetada capaz de combater eficazmente o subdesenvolvimento, a ausência de Estado de direito e de boa governação que são os contextos em que germinam e se desenvolvem muitas lógicas terroristas. E isto exige estratégias integradas que combinem acções diplomáticas, económicas, sociais, de controlo financeiro, legislativas, de informação pública, policiais e militares, entre outras.

A resposta aos atentados de 11 de Setembro veio demonstrar esse apelo à cooperação multilateral. Verificou-se um apoio generalizado da comunidade internacional à reacção dos Estados Unidos, traduzido na formação de uma ampla coligação, na invocação, pela primeira vez, da cláusula de defesa mútua (artigo 5.º) do Tratado do Atlântico Norte, e na legitimação da acção militar no Afeganistão por parte das Nações Unidas. Ao nível dos estados, foi notória a nova prioridade dada à luta contra o terrorismo e à protecção dos territórios e das populações (homeland defense) e a evolução progressiva para sistemas integrados de prevenção e resposta às ameaças transnacionais, articulando os vários domínios de acção do Estado e as entidades, instituições e serviços que concorrem para a segurança estatal.

Mas o pós-11 de Setembro trouxe também um acrescido desafio para as democracias. A natureza da ameaça demonstrou que a luta antiterrorista é, inevitavelmente, uma luta prolongada. Veio exigir uma intensa concertação nos diferentes fora multilaterais e novas respostas no plano interno dos estados. Mas exige, também, que se garanta o indispensável equilíbrio entre liberdade, valor essencial das sociedades democráticas, e segurança. E, neste domínio, importa referir que a natureza de algumas medidas tomadas na designada «guerra global ao terrorismo»3 não foi isenta de derivas securitárias, criando problemas complexos no âmbito da salvaguarda dos direitos humanos.

 

AS ENCRUZILHADAS ESTRATÉGICAS – IRAQUE, MÉDIO ORIENTE E AFEGANISTÃO

Os ataques terroristas de 11 de Setembro serviram de móbil para os Estados Unidos invadirem o Iraque, empenhando-se numa guerra que provocou efeitos estratégicos de grande monta. Alguns são, ainda hoje, de difícil avaliação.

Desde logo, ela consubstanciou uma radical alteração da estratégia dos Estados Unidos que abandonaram a «tendência» multilateralista que a acção militar no Afeganistão impulsionara. A declaração da «Guerra ao Terrorismo», a proclamação do «Eixo do Mal», a publicação da nova orientação estratégica4, em 2002, e os contornos do processo de decisão que conduziu à Guerra do Iraque, anteciparam a consagração da nova estratégia americana e a sua pretensão de, através desta guerra, construir um novo ordenamento regional e internacional.

Os principais vectores dessa estratégia privilegiavam o unilateralismo, a constituição de «coligações de vontade» («a missão faz a coligação») e o recurso à guerra preventiva em substituição da doutrina de dissuasão. A utilização do aparelho de coacção militar passou a ser considerada não como uma opção de último recurso, mas antes como um instrumento para atingir objectivos estrategicamente importantes.

Com a crise do Iraque e a invasão que lhe sucedeu, os Estados Unidos abriram uma grave crise no seio do Conselho de Segurança das Nações Unidas e no relacionamento entre a Europa e os Estados Unidos, e clivagens no seio da NATO e da União Europeia, pondo em causa a coesão na relação com os seus aliados. Envolveram-se num conflito que se transformou num problema estratégico central do pós-Guerra Fria e que ainda hoje não está resolvido.

A intervenção alterou o equilíbrio estratégico no Médio Oriente e os Estados Unidos utilizaram a região como palco de ensaio para um novo ordenamento internacional. Proclamando como objectivos sanear uma ditadura perigosa para a paz mundial, porque detentora de armas de destruição maciça e apoiante do terrorismo internacional, instaurar uma democracia no Iraque, inspiradora e catalisadora de reformas democráticas em outros países árabes, e resolver o crónico conflito israelo-palestiniano («o caminho para Jerusalém passa por Bagdade»5), os Estados Unidos visavam verdadeiramente: alterar o status quo no Médio Oriente, criando uma nova ordem regional, fundada em equilíbrios estratégicos mais favoráveis à salvaguarda dos seus interesses; obrigar a uma clarificação do ordenamento internacional, através da demonstração de que os Estados Unidos podiam desempenhar, de facto, o papel de única superpotência mundial, e de que não permitiriam a qualquer outra potência desafiar esse exercício.

«A intervenção estimulou o terrorismo jihadista global que pretendia derrotar no Iraque»6. Os erros da estratégia total concebida para o Iraque conduziram a uma guerra extremamente exigente e desgastante e à erosão do potencial militar americano, com destaque para as suas forças terrestres. Empenhados em duas frentes simultâneas, optaram por diminuir o esforço no Afeganistão, teatro de operações onde estava em causa, e continua a estar, o sucesso da luta contra o terrorismo transnacional. Com esse erro, abriram espaço «ao recrudescimento da insurreição afegã, à reorganização da Al-Qaida e à instabilidade no Paquistão»7.

Confrontado com a maior recessão desde a «Grande Depressão», ciente do insucesso da estratégia adoptada pela Administração Bush, da erosão do potencial económico8 e militar do país por força do empenhamento em duas frentes de guerra, e de que a solução (ou o compromisso) para este tipo de conflitos é forçosamente política, o Presidente Barack Obama decidiu reformular a estratégia anterior. Anunciou a reorientação do esforço para o Afeganistão e Paquistão («epicentro do terrorismo»9) para derrotar a Al-Qaida e seus afiliados, o fim da missão de combate no Iraque (mantendo uma força para treino das forças de segurança iraquianas e garantir uma transição segura) e o seu empenhamento na resolução pacífica do conflito israelo-árabe.

A estratégia de Obama para o Afeganistão/Paquistão mereceu o apoio de quase toda a Europa, da Rússia, da China e da Índia, por convergir para o interesse comum de combate ao núcleo central do terrorismo global. Contudo, apesar do desgaste provocado na Al-Qaida e da estratégia de negociação entabulada, designadamente com os taleban, os objectivos de estabilizar o Afeganistão e derrotar a Al-Qaida ainda estão longe de ser alcançados. Por isso, o Afeganistão persiste como uma questão crucial para a segurança internacional e o maior desafio para a Aliança Atlântica.

No Iraque a segurança continua em causa e a violência ainda persiste. Com a ruptura do equilíbrio estratégico regional que a guerra provocou, o Irão acentuou as suas ambições hegemónicas na região e manobrará para manter um poder no Iraque que lhe garanta a preservação das vantagens já conseguidas. Os Estados Unidos procurarão alcançar um equilíbrio mais favorável aos seus interesses e garantir condições para conter o Irão e apoiar os seus aliados na região. A este confronto de interesses acresce um dos mais sérios problemas estruturais da região: a questão do programa nuclear do Irão e as suas consequências para o regime de não-proliferação. Em suma, a evolução da situação de segurança no Iraque dependerá muito dos entendimentos políticos entre os vários actores iraquianos e dos interesses em presença. Mas existem grandes probabilidades de que à situação de equilíbrio estratégico existente, antes da guerra, suceda uma diferente relação de forças menos favorável aos interesses dos Estados Unidos do que a anterior.

Estas são incertezas estratégicas que perduram no ambiente de segurança pós-11 de Setembro.

 

O QUE NÃO MUDOU E O QUE VAI MUDANDO

Como antes se referiu, as consequências estratégicas dos atentados de 11 de Setembro foram de grande relevo mas não conduziram a um novo ordenamento internacional.

Muitas das tendências já observáveis permanecem como linhas de continuidade no sistema internacional e não se alteraram com aqueles acontecimentos. Mantêm-se as assimetrias demográficas e de desenvolvimento, a disputa estratégica pelo domínio dos recursos escassos e não renováveis, a crescente propensão para a democratização dos regimes e a emergência de novos pólos de poder. Continua a ascensão progressiva da China ao estatuto de superpotência, a crise financeira no Japão e a incógnita quanto ao aprofundamento do processo de integração da Europa. Após um período de recuo estratégico, a Rússia reemerge como potência que afirma a sua esfera de influência, mantendo a paridade nuclear estratégica com os Estados Unidos. Persiste o impasse no Processo de Paz no Médio Oriente. Mantém-se a acrescida importância da dimensão económica do poder.

Apesar da erosão causada – pelo erro estratégico da Guerra do Iraque – no seu poder militar e económico, os Estados Unidos permanecem ainda como a maior potência mundial e a única com capacidade para projectar poder à escala global. Contudo, parecem estar a entrar – até por causa do ciclo eleitoral – num período de retracção na cena internacional e de primazia às questões económicas internas. Porém, há limites para esse retraimento, já que os seus interesses continuam a ser globais.

Mas o mundo vai caminhando gradualmente para a multipolaridade. Há mudanças em curso com impacto na relação de forças entre os estados, sendo a evolução mais notória a que se prende com a transformação nos fundamentos económicos do poder, isto é, com a importância do «factor económico» na distribuição do poder mundial.

A actual crise económica e financeira tem o seu epicentro nas economias ocidentais, não estando a atingir o forte crescimento de muitos países do Sul e do Oriente, e está a funcionar como um forte acelerador de transferência de riqueza e a acentuar a tendência para a transferência do Poder, do seu centro tradicional nos últimos séculos – o Ocidente – para o Sul e o Oriente.

A pureza do momento unipolar está a esfumar-se. E a emergência de potências de dimensão continental – como a Índia e o Brasil – e de outros poderes regionais crescentes, a par da ascensão da China e do «desgaste» do poder mundial dos Estados Unidos, sugere uma redistribuição do poder no mundo e a evolução progressiva para uma ordem internacional multipolar.

É incontornável, também, ter em conta os históricos acontecimentos em curso no mundo árabe, cujo alcance é ainda difícil divisar mas que constituem um dado novo na equação estratégica regional e internacional. O facto de os protestos das populações serem motivados por aspirações centradas nas liberdades políticas e na prosperidade económica, pode ser lido como uma oportunidade para a expansão dos valores democráticos na região. Mas não se podem ignorar as dificuldades inerentes aos processos de transição política que podem gerar instabilidade, rupturas em antigos equilíbrios estratégicos e tensões geopolíticas. É, por isso, da maior importância dar um impulso decisivo ao Processo de Paz no Médio Oriente, o que contribuirá para um enquadramento de maior estabilidade na região e para desincentivar o radicalismo.

É prematuro considerar os acontecimentos em curso no Norte de África e no Médio Oriente como um factor de mudança com implicações na estrutura do sistema internacional, porque a incerteza prevalece.

Mas esta é a característica predominante no actual contexto internacional: «A certeza da incerteza não tem precedentes.»

 

NOTAS

1 Constatou-se que os Estados Unidos não eram apenas vulneráveis aos mísseis intercontinentais (recorde-se a insistência norte-americana em prolongar a «santuarização» do seu território através do Programa de Defesa Antimíssil – National Missile Defense (NMD) – e o diferendo com a Rússia sobre o Tratado ABM) mas também não estavam preparados para fazer face à nova natureza do terrorismo internacional.

2 BISHARA, Marwan – «L’ère des conflits asymétriques». In Maniére de Voir. N.º 60. Le Monde Diplomatique: Paris, 2001.

3 GWOT (Global War on Terrorism), declarada por George W. Bush.

4 Estratégia de Segurança Nacional. Documento publicado em Setembro de 2002.

5 «The Road to Jerusalem Runs Through Baghdad». Tese defendida pelos neoconservadores da Administração de George W. Bush.

6 Cf. SANTOS, Loureiro dos – A Ameaça Global: O Império em Cheque. Publicações Europa-América, 2008, p. 8.         [ Links ]

7 Ibidem.

8 Os Estados Unidos despenderam mais de um trilião de dólares nas guerras do Iraque e do Afeganistão.

9 Cf. National Security Strategy. The White House, Washington DC, Maio de 2010, p. 20.         [ Links ]