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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.29 Lisboa mar. 2011

 

Rússia

 

Maria Raquel Freire

Professora auxiliar da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e investigadora do CES. Doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Kent (2002). Autora de Conflict and Security in the Former Soviet Union: the Role of the OSCE (Ashgate, 2003) e co-autora, com Roger Kanet, de Key Players and Regional Dynamics in Eurasia: The Return of the ‘Great Game’ (Palgrave, 2010).

 

Richard Sakwa, Communism in Russia

Basingstoke, Palgrave Macmillan, 2010, 167 pp.

Richard Sakwa apresenta neste livro, que denomina de ensaio interpretativo, um estudo aprofundado da experiência comunista na Rússia entre 1917 e o final da Guerra Fria. Autor consagrado nos estudos sobre a Rússia em múltiplas vertentes, mas em particular na sua dimensão interna, este é um contributo que desmistifica leituras e abre novos horizontes de interpretação do período comunista em análise. Como o autor refere, o objectivo deste trabalho é examinar as origens da ideia comunista no pensamento e práticas políticas russas, explicitar as várias formas de socialismo revolucionário no período pré-revolucionário, e a resistência a estas ideias (p. 1). De algum modo, o comunismo na Rússia assumiu um carácter específico, não necessariamente numa lógica de fusão com as tradições existentes no sentido de criação de uma ordem social, mas antes enquanto interagindo com as realidades russas, mas mantendo uma identidade organizacional e ideológica própria (p. 3). Por isso o nacionalismo russo simbolizado por Boris Ieltsin se sobrepôs aos princípios comunistas, acabando por se tornar dominante. De sublinhar a análise das resistências à ideia do comunismo revolucionário, que atravessa um espectro alargado de pensadores e intelectuais, de Dostoievsky a Kautsky e Rosa Luxemburgo. Em registos diferenciados, as críticas tecidas revelam a acutilância de percepções que as mudanças implícitas ao processo ideológico acarretavam na sociedade russa. Ao longo dos seus anos de existência, o comunismo na Rússia assumiu-se como monopólio de poder num partido centralizado, com uma economia dirigida e um compromisso ideológico de alcance de uma ordem social não capitalista (p. 5). Ao longo do trabalho, Sakwa conduz-nos pelos meandros do processo comunista no desenrolar das décadas de existência da União Soviética, discutindo o idealismo utópico dos bolcheviques e os seus críticos à época, a interpretação estalinista do conceito e a sua tentativa limitada de reforma, e a diluição gradual do comunismo russo enquanto conceito específico para um entendimento de inconformidade e incapacidade de resposta a um conjunto de pressupostos iminentemente utópicos. O fim do comunismo russo parece demonstrar que o objectivo primeiro do mesmo foi seriamente deturpado, com pressupostos como o de libertação total da humanidade a traduzirem-se na escravatura da população (p. 133). Mas a questão é mais profunda. «Não é apenas uma questão de consequências não intencionadas, mas de conhecer as consequências (e mesmo abraçá-las) enquanto permanecendo fiel à crença no potencial emancipatório do ideal» (pp. 134-135). Um estudo recomendado para todos os que pretendem um conhecimento aprofundado das dinâmicas políticas na Rússia e de como o ideal comunista teceu uma realidade, acabando por ser tolhido por essa mesma realidade.

 

John Wood, Russia, the Asymmetric Threat to the United States: A Potent Mixture of Energy and Missiles

Oxford, Praeger Security International, 2009, 210 pp.

John Wood é investigador sénior no American Center for Democracy, e desenvolve neste trabalho uma análise crítica do que descreve como o prosseguimento de um entendimento desfasado entre aquilo que os Estados Unidos vêem na Rússia e o que a Rússia se tornou efectivamente durante a Presidência de Vladimir Putin. O autor descreve a Federação Russa como um Estado forte cujo crescimento com base nos recursos provenientes da exploração de petróleo e gás natural permitiu o desenvolvimento de outras capacidades, nomeadamente a nível militar. De acordo com o autor, a política norte-americana cometeu três erros principais na avaliação que fez da Rússia e que resultaram em entendimentos que não têm contribuído para uma tomada de posição e definição de uma estratégia coerente para as relações com a Rússia, e desse modo não reconhecendo um conjunto de ameaças muito reais que acabaram por ser escamoteadas nesta avaliação. Estes três erros são essencialmente o não reconhecimento da Federação Russa como um Estado reemergente, e portanto a contínua leitura da Rússia como um Estado fragmentado e, por isso mesmo, fragilizado internamente, o que tem repercussões a nível externo; o tratamento da Rússia como um Estado não cumpridor de princípios democráticos liberais ocidentais, assumindo que este deverá ser o modelo de desenvolvimento a pautar as políticas e práticas russas; e não relevando as questões militares na Rússia e em particular a capacidade ao nível de sistemas de mísseis, cuja importância é central no reposicionamento russo (ou seja, assumir a superioridade das capacidades militares norte-americanas sem questionar potenciais desafios às mesmas). Segundo Wood, esta postura norte-americana não tem em atenção o crescimento russo da última década, referindo-se ao período da Presidência Putin, e não reflecte o conceito de «democracia soberana», como traduzindo um modelo de desenvolvimento diferenciado do modelo ocidental, e um conjunto de assunções e percepções que turvam a combinação de força que capacidade militar e recursos energéticos podem constituir na Rússia. O autor refere mesmo que a Rússia reúne um conjunto de condições que lhe poderão permitir tornar-se uma superpotência económica e militar em 2015. O argumento que este livro desenvolve é interessante ao oferecer uma visão distinta da grande maioria dos contributos bibliográficos nesta matéria, onde apesar de alguns trabalhos assumirem a reemergência da Rússia no sistema internacional, identificam ainda um conjunto grande de limites em termos do que efectivamente esta afirmação possa de facto consubstanciar.

 

David J. Rogerson (org.), China and Russia: Competition and Partnership

Nova York, Nova Science Publishers, 2010, 163 pp.

Este livro insere-se num conjunto crescente de bibliografia que vem sendo publicada sobre o posicionamento de política externa dos Estados Unidos face às denominadas «potências ascendentes», como referido pelo General Moseley, nomeadamente em relação à Federação Russa e China. O livro está dividido em duas grandes partes, uma primeira desenvolvida por Richard Weitz e um segundo contributo de Elizabeth Wishnick, que focando aspectos diferenciados nas dinâmicas multi-nível que estão presentes nas relações bilaterais sino-russas, no quadro regional mais alargado e na triangulação destas com os Estados Unidos, concluem no mesmo sentido. Para os autores, apesar dos desafios e de uma postura de contrapeso presente nas políticas externas e nos alinhamentos destes estados, os Estados Unidos reúnem condições para se manterem activos e desenvolverem um papel influente na área, através de alguns ajustes nas suas políticas como formulado nas recomendações. Richard Weitz aborda um conjunto de temas chave nas relações China-Rússia, alargando a sua análise à grande Eurásia, embora com enfoque na Ásia Central. Partindo do que entende ser a visão dos Estados Unidos face às dinâmicas de mudança nesta região alargada, o autor entende que a nova qualidade das relações sino-russas, com base na exploração de riquezas, na necessidade de recursos e na procura de estatuto (a que ambos os estados aspiram), assume uma postura desafiante e de contrapeso ao envolvimento dos Estados Unidos. O discurso da multipolaridade que tem estado subjacente quer na Rússia quer na China a esta postura confere-lhe um quadro institucional claro. Weitz sublinha a questão do reforço da cooperação económica e de segurança sino-russa, ainda que com limites e informada por rivalidade bilateral que não permitirá, de acordo com o autor, a criação de uma aliança forte, e refere ainda as críticas que os Estados Unidos mantêm face à falta de cumprimento de princípios democráticos nestes países. Contudo, o seu contributo é mais alargado, e o autor desenvolve questões concretas, em particular no que concerne aos problemas fronteiriços, não tanto ao nível da definição de fronteiras, mas mais em termos das questões de imigração ilegal chinesa para regiões do leste russo e poluição fronteiriça; questões energéticas, venda de armamento e outro tipo de cooperação militar. A Ásia Central é apresentada como um exemplo onde interesses em competição e complementares se reflectem, não só ao nível da relação sino-russa, mas também ao nível da Organização de Cooperação de Xangai, e nas relações com actores externos como o Japão, Coreia, da Ásia do Sul, e do Médio Oriente. Elizabeth Wishnick desenvolve uma análise mais centrada na Eurásia, questionando estratégias e políticas e relacionando as dinâmicas inerentes às relações Estados Unidos-China-Rússia, um estudo que é aprofundado na referência relativa ao seu manuscrito sobre «Russia, China, and the United States in Central Asia», que se segue.

 

Elizabeth Wishnick, Russia, China, and the United States in Central Asia

Carlisle, PA, Strategic Studies Institute, US Army War College, 2009, 72 pp.

Este trabalho analisa o que é entendido como um crescendo de tendências que procuram minimizar a influência dos Estados Unidos na Ásia Central, pondo em perspectiva o papel de actores diferenciados na região, e triangulando as relações Rússia, China e Estados Unidos. O manuscrito argumenta que apesar da identificação desta tendência desfavorável à presença e interesses norte-americanos na área, as divergências intra-regionais e as dificuldades de articulação no seio da Organização de Cooperação de Xangai não constituem matéria suficientemente crítica que possa efectivamente questionar a actividade dos Estados Unidos. Elizabeth Wishnick nota de forma particular como a guerra na Geórgia no Verão de 2008 deixou claras as tensões na relação China-Rússia, visíveis na não adopção de uma posição comum sino-russa no quadro da Organização de Cooperação de Xangai, recorrendo ainda a outros exemplos, como as questões energéticas, de fornecimento e trânsito. Numa perspectiva realista de análise, a autora coloca em confronto as políticas dos estados da Ásia Central com a de actores externos na procura de influência e, se possível, uma presença alargada, em termos militares ou energéticos na área. Apesar de o enfoque estar na política externa norte-americana e nos objectivos definidos para a área – cooperação energética, segurança regional e apoio à democracia e Estado de direito (p. 4) –, bem como no modo como a gestão de relações na área afecta a capacidade de projecção das políticas e interesses de Washington, o trabalho desconstrói de forma muito interessante a complexidade de factores que subjazem ao mosaico de relações e interacções na Ásia Central. De destacar a referência que a autora faz ao paralelismo existente entre o conceito de «democracia soberana», popularizado em relação à Federação Russa, como pretendendo a adaptação de princípios democráticos aos valores russos, e o «Consenso de Pequim», que se baseia em reformas socio-económicas graduais dando prioridade a valores chineses, nomeadamente os de equidade e estabilidade social, por contraponto ao «Consenso de Washington», cujo enfoque assenta nos princípios democráticos e na privatização (p. 29). Trabalhando a alteração da postura norte-americana para a área, que evoluiu do que o antigo Conselheiro de Segurança Nacional Zbigniew Brzezinski denominara de «arco de crise», para o que a secretária de Estado Condooleza Rice veio a chamar de «arco de oportunidade» (p. 17), a autora assume uma postura optimista em relação ao envolvimento dos Estados Unidos na Ásia Central, apesar de todos os constrangimentos existentes. O livro termina com um conjunto de recomendações políticas para uma abordagem norte-americana mais consistente que deverá passar pela definição de uma estratégia mais alargada que inclua a Ásia Central e do Sul, e tendo em vista neste quadro referencial a questão da estabilização do Afeganistão; uma distribuição mais equitativa de recursos no âmbito de políticas de apoio ao desenvolvimento; maior coordenação de acções com actores como a União Europeia e o Japão para evitar duplicação de esforços; e aprofundamento do diálogo com a China e a Rússia, bem como no quadro da Organização de Cooperação de Xangai. Um livro curto, de leitura fácil, que procura descodificar as complexidades inerentes às relações internacionais na Ásia Central, numa perspectiva norte-americana.