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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.29 Lisboa mar. 2011

 

O que nos reservam as próximas décadas? O futuro visto de uma perspectiva brasileira*

 

Rubens Ricupero

Foi diplomata de carreira, aposentando-se após ocupar a chefia das embaixadas do Brasil em Genebra, Washington e Roma. Exerceu os cargos de ministro do Meio Ambiente e da Amazónia, bem como de ministro da Fazenda do Brasil, cabendo-lhe lançar a nova moeda brasileira, o real, em 1994. Entre 1995 e 2004, por eleição da Assembleia Geral das Nações Unidas, foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (unctad), em Genebra. Actualmente é director da Faculdade de Economia e Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (faap), em São Paulo. É autor de vários livros e ensaios sobre relações internacionais, desenvolvimento económico, comércio mundial e história internacional.

 

RESUMO

Os próximos quarenta ou cinquenta anos parecem promissores para o Brasil, tendo em conta as mudanças estruturais de longo prazo que permitem, em geral, as perspectivas de desenvolvimento, como nunca acontecera antes. Com este pressuposto, o artigo analisa a explosão demográfica, a urbanização, a questão energética e as commodities enquanto desafios que o Brasil vai enfrentar nos próximos anos.

Palavras-chave: Brasil, demografia, energia, commodities

 

What should we expect from the decades to come? The future from a Brazilian perspective

ABSTRACT

The next 40 to 50 years seem promising to Brazil, having in mind the long-term structural changes that allow, in general, development perspectives. From this assumption, this article analyses the demographic explosion, urbanization, energy issues and commodities as the challenges Brazil is facing in the coming years.

Keywords: Brazil, demography, energy, commodities

 

Os próximos quarenta ou cinqüenta anos parecem promissores para o Brasil, em razão de mudanças estruturais de longo prazo que favorecem, em geral, as perspectivas de desenvolvimento, como nunca havia acontecido antes.

Desde 1985, o Brasil efetuou com êxito a transição de um regime militar para uma democracia de massas, com alternância regular no poder de partidos de orientação centrista e moderada. Consolidou um mínimo de estabilidade de moeda e preços após trinta e cinco anos de inflação alta, com correção monetária. Alcançou grau de investimento e a economia resistiu relativamente bem à crise mundial.

A contínua expansão do gigantesco mercado de consumo interno, a redução da pobreza e da desigualdade e a retomada do crescimento econômico possibilitaram notável grau de coesão social e uma vida político-cultural não-violenta e pluralista.

Além desses fatores de ordem política e econômica, o país começa a dispor, pela primeira vez em sua história, de condições propícias em quatro áreas que até agora representavam sérias limitações ao crescimento, a saber: a demografia, a urbanização, o petróleo e energia, as commodities.

Em todos esses casos, as mudanças estruturais apenas criam as condições para um melhor desempenho, sem garantir que ele vá ocorrer automaticamente. O resultado estará sempre em função da maneira como soubermos aproveitar as oportunidades que surgirem ou reagir de modo adequado aos desafios e ameaças.

Pode-se fazer paralelo com o que Maquiavel dizia do Príncipe: que ele precisava ter virtù e fortuna, em italiano virtude (ou competência) e sorte. A geologia do pré-sal favorável ao petróleo é sorte, o uso que se vai fazer do óleo – sábio, como fez a Noruega, ou perdulário, do tipo da Venezuela – já não depende dos deuses ou do fado, mas dos homens, de nós mesmos.

Idêntico raciocínio vale para a valorização das commodities ou para o bônus demográfico. Nenhuma dessas modificações nos dispensa das gigantescas tarefas de que depende, em última análise, o Brasil dar certo ou não: completar a estabilização econômica por meio de juros baixos, reduzir a carga tributária, promover redução da pobreza e desigualdade, reformar instituições públicas disfuncionais e, acima de tudo, garantir educação de alta qualidade em todos os níveis.

Vamos passar em revista essas quatro mudanças estruturais, procurando mostrar as oportunidades e desafios que encerram.

 

BÔNUS DEMOGRÁFICO

Nos cinco primeiros séculos de nossa história, o Brasil viu boa parte de seu crescimento econômico superado, e em parte anulado, pela expansão muito mais acelerada da população. Agora, a partir mais ou menos do ano de 2003, começamos a usufruir de situação muito mais favorável, pois a desaceleração do aumento da população já principia a reduzir de forma substancial a pressão demográfica sobre escolas, hospitais, serviços públicos em geral.

Os demógrafos chamam de «ônus demográfico» essa pressão que torna impossível ou difícil gerar excedentes capazes de servir como capital de investimento, pois tudo é consumido por bocas ávidas. Aumentar ou melhorar a renda per capita torna-se façanha quase inviável, já que não cessa de crescer o número daqueles pelos quais será necessário dividir o bolo.

Foi essa a situação prevalecente em nosso passado. Em 1964, no auge da explosão populacional, a taxa demográfica anual era de 3,4 por cento e a de fecundidade, isto é, o número de filhos por mulher em idade de reprodução, era de 6,2 filhos, números comparáveis aos mais elevados do mundo. Em conseqüência, havia sempre uma quantidade muito grande de dependentes, isto é, de pessoas em idade não-produtiva, em relação à população ativa, mais de 80 por cento.

Desde então, a taxa demográfica mergulhou de 3,4 por cento para pouco menos de 1 por cento, tendendo a cair ainda mais. Enquanto isso, a taxa de fertilidade sofreu redução dramática, passando, primeiramente, de 6,2 filhos para 2,1 filhos por mulher, valor meramente de reposição da população, atingido, antes das previsões, em 2003. Essa foi uma das mais drásticas reduções de fecundidade registradas sem a ajuda de qualquer programa explícito de limitação de natalidade. No último levantamento demográfico, a taxa já estava em 1,9, nível insuficiente para repor a população e semelhante ou inferior ao de alguns países europeus.

No período de crescimento mais acelerado da economia, entre 1950 e 1980, por exemplo, havia em proporção a cada grupo de 100 pessoas em idade ativa, aptos para o trabalho, nada menos do que 82 dependentes, quase todos crianças. Nos próximos trinta anos serão apenas 48 dependentes, quase metade, por 100 ativos potenciais.

Isso criará uma «janela de oportunidade», ou «bônus demográfico», que não se repetirá no futuro, posto que, a partir de certa época, o envelhecimento da população e o aumento do número de idosos compensarão a redução das crianças e voltarão a impulsionar o crescimento dos dependentes. Calcula-se, porém, que o bônus continuará positivo durante mais ou menos quarenta anos, fase durante a qual se terá: população mais urbanizada; idade mediana mais produtiva; menor analfabetismo e maiores anos de estudo; maior esperança de vida; maior proporção de mulheres no mercado de trabalho; melhores condições de saúde e maior e melhor capital humano.

Um dos efeitos do bônus é que bastará o Brasil crescer cinco por cento ao ano a fim de obter, em termos per capita, o mesmo resultado que antes exigia expansão de sete por cento ou mais. É claro que, para obter tal resultado, vai ser preciso crescer, o que não depende da demografia.

Os países que melhor souberam aproveitar a janela de oportunidade demográfica são asiáticos – o Japão, na sua fase intensa de expansão depois da II Guerra Mundial, a Coréia do Sul, mais perto de nós, e a China, no momento. O que todos eles têm em comum é que foram capazes de obter altas taxas de crescimento e de geração de empregos. Além disso, investiram pesadamente em educação, saúde e infra-estrutura.

De nossa parte, não poderá ser diferente. De fato, de que serve ter menor número de dependentes em relação a cada grupo de 100 pessoas em idade ativa se essas pessoas não conseguirem encontrar trabalho produtivo e não gozarem de saúde e educação para participarem de economia competitiva?

 

URBANIZAÇÃO

Durante o século XX, a explosão urbana representou pesado encargo sobre os escassos recursos socioeconômicos brasileiros pelas mesmas razões relacionadas ao crescimento da população. O Brasil ingressou no século XX como nação predominantemente rural de 17 milhões de habitantes e terminou o século como país altamente urbanizado de 170 milhões, hoje mais de 190 milhões de pessoas.

Ao mesmo tempo em que a população se decuplicava, milhões de antigos trabalhadores rurais abandonavam o campo para trabalharem como operários industriais ou no setor de serviços em cidades que se encontravam em rápida fase de expansão. De 1970 a 2000, o sistema urbano absorveu no Brasil a cifra impressionante de 90 milhões de pessoas, ou por nascimento ou por migração.

A pressão foi demasiada para a débil e insatisfatória infra-estrutura de velhas cidades coloniais despreparadas para acolher adequadamente essas massas de migrantes. Muitos dos piores problemas contemporâneos no Brasil – imensas periferias de favelas e vivendas precárias, falta aguda de facilidades de educação e saúde, péssimo serviço de transporte público, marginalidade e crime – derivam da incapacidade de lidar com as migrações internas de maneira planejada e ordeira.

Afortunadamente, essa era de explosão urbana praticamente chegou ao fim à medida que a desaceleração do crescimento demográfico fez secar a fonte geradora dos fluxos de migração interna. O Brasil é hoje um dos países mais urbanizados do mundo, com um índice de urbanização, isto é, a porcentagem de pessoas que moram em cidades de mais de 20 mil habitantes, de mais de 80 por cento, mais elevada até do que em alguns países da Europa Ocidental.

Atualmente, o Brasil possui 660 cidades acima de 20 mil habitantes, 115 com mais de 100 mil e 18 núcleos urbanos de população superior a um milhão de pessoas. A expansão urbana é não só incomparavelmente menos intensa do que até data recente, mas se concentra quase com exclusividade em cidades pequenas ou médias. Para o Brasil e a América Latina em geral, o crescimento vertiginoso e caótico que neste momento começa a se acelerar na Ásia e na África passou a ser coisa do passado.

 

PETRÓLEO E ENERGIA

A relativa pobreza nos dois grandes combustíveis fósseis da Revolução Industrial – o carvão e o petróleo – atuou, no passado, como sério entrave à industrialização e ao desenvolvimento do país. A dependência de óleo importado constituiu um dos elementos mais irredutíveis do chamado «estrangulamento externo» da economia, quer dizer, da incapacidade de gerar com nossas exportações as divisas indispensáveis ao pagamento das importações.

Na fase dos dois choques do petróleo dos anos 1970, a multiplicação por mais de quatro vezes da fatura brasileira de importação de petróleo esteve na origem da deterioração rápida do balanço de pagamentos, do endividamento e, mais tarde, da crise da dívida de 1982 e interrupção, por duas décadas, do crescimento da economia.

Essa dependência, já reduzida de modo expressivo pelo aumento da produção nacional, está em vias de desaparecer em definitivo caso se confirmem as perspectivas extremamente animadoras abertas pela descoberta de petróleo e gás de alta qualidade na camada pré-sal da grande bacia de Santos.

Não é este o lugar apropriado para discutir em detalhe as projeções enormes do potencial estimado para a área da costa entre o sul do Espírito Santo e o norte de Santa Catarina, embora não pareça exagerado estimar esse potencial em próximo ou maior que 70 bilhões de barris. Nem caberia falar das dificuldades tecnológicas e aumento de custo da extração acentuados pelo desastre do golfo do México. Sem querer minimizar os riscos ambientais e tecnológicos consideráveis, é preciso lembrar que a «curva de aprendizado» tem indicado que, a cada nova perfuração, se vêm reduzindo os custos e a duração do trabalho, diminuindo igualmente os desafios tecnológicos.

Existem boas possibilidades de que, em prazo de dez a doze anos, o Brasil venha a se converter em exportador líquido ao menos de médio porte. Tal nível bastaria, entre outros efeitos, para superar de vez o «estrangulamento externo» da economia, dando maior estabilidade ao balanço de pagamentos.

Outras vantagens seriam a superação definitiva da dependência em petróleo e gás em relação a vizinhos pouco confiáveis como a Bolívia, a valorização imediata da importância econômica e estratégica do país aos olhos do mundo, o aumento de sua influência e irradiação.

Contudo, uma vez mais será necessário aplicar políticas inteligentes e bem planejadas para não desperdiçar a riqueza geológica, sem que ela gere dinamismo auto-sustentável, revivendo a experiência do ouro e dos diamantes do século xviii. Teremos de definir, para o petróleo e o gás, estratégia que responda a questões fundamentais, como a maneira justa de repartir os benefícios do petróleo entre a população, em lugar de beneficiar apenas alguns poucos municípios próximos da costa das descobertas.

Essa última indagação traz à atenção que o perigo de errar na utilização da riqueza petrolífera não é meramente acadêmico. Ele está já ocorrendo na realidade, pois não soubemos desenhar um sistema mais racional quando foram feitas as descobertas da bacia de Campos. Os municípios fluminenses beneficiados pelos royalties estão entre os piores do Brasil em matéria de corrupção, desperdício e instabilidade administrativa. Quem nos garante que não vamos repetir o erro em dimensões muito maiores?

Na ocasião em que os mexicanos descobriram o campo gigante de Cantarell, no golfo do México, o segundo maior do mundo, o Presidente daquele país, ao fazer o anúncio oficial em 1976, declarou estar consciente do risco de desperdiçar os recursos da riqueza fácil, conforme haviam feito outros países. Prometeu que tal erro não seria repetido no caso mexicano, mas infelizmente o que sucedeu foi exatamente a reprodução do comportamento de imprevisão da Venezuela e de muitos outros produtores de bruto.

Do ponto de vista da fortuna, isto é, da comum origem e cultura ibérica e latino-americana, estamos mais próximos da Venezuela e do México. Teremos virtù para imitar o exemplo da Noruega e da Holanda?

Numa outra questão vinculada à energia, a questão do aquecimento global, num momento de crescente sensibilidade para o problema, o Brasil ocupa posição singular, pois é a única das grandes economias a desfrutar de matriz energética na qual 40 por cento da energia provêm de fontes de energia limpa e renovável (hidroeletricidade e cogeração com a produção de etanol de cana-de-açúcar). É também o único país com experiência por mais de trinta anos de um programa de biocombustível, o etanol de cana-de-açúcar, não meramente em escala de laboratório, mas com milhões de veículos. Adicionalmente, existe ainda enorme potencial não-explorado para gerar eletricidade a partir do bagaço e da palha da cana-de-açúcar.

 

COMMODITIES

Um dos gargalos históricos do desenvolvimento brasileiro foi a estrutura de uma pauta de exportação concentrada em commodities agrícolas em situação de declínio secular de preços. Celso Furtado observou que o Brasil não logrou transformar-se em país moderno e desenvolvido, como sucedeu aos Estados Unidos após a independência, em boa parte devido ao baixo crescimento das exportações, incapazes de financiar as necessidades de importação, durante todo o século XIX.

Salvo raros episódios, como o do boom da borracha ou do café, as commodities exportadas pelo país – café, cacau, algodão, açúcar, couros – frequentemente gravosas, quer dizer, com preços acima do mercado mundial, se caracterizaram por escasso dinamismo tanto em volume de vendas quanto em preços. Em contraste com a Argentina, jamais tivemos um longo período de extraordinária expansão das exportações, como aconteceu com nossos vizinhos em relação ao trigo e à carne durante a fase que se estende de 1880 a 1914.

De repente, nos últimos três a quatro anos, muda por completo o panorama das commodities exportadas pelo Brasil, principalmente devido à demanda insaciável da China, com impacto favorável na valorização dos preços, em relação ao minério de ferro e à soja.

Alguns fatos objetivos sugerem uma forte possibilidade de que a demanda por commodities se mantenha em nível elevado:

• Por motivos óbvios, a ascensão da China, da Índia e de outras economias asiáticas de crescimento rápido deverá ter nos mercados de commodities um efeito estimulante pelo menos comparável e provavelmente mais intenso e durável do que o produzido pela industrialização do Japão nos anos 1950 e da Coréia do Sul nos 1970.

• Nos próximos cinqüenta anos, metade da projetada expansão da população mundial de 6,7 bilhões para cerca de nove bilhões de habitantes virá de oito países dos quais apenas os Estados Unidos não são um fator de potencial aumento na demanda de commodities, os outros sendo: Índia, Paquistão, Nigéria, China, Bangladesh, Etiópia e Congo.

• A Índia sozinha contribuirá com 21 por cento do aumento: em uma semana apenas, a população indiana cresce mais do que a da Europa Ocidental em um ano.

• O ritmo de urbanização deve se acelerar nas próximas décadas na China, Índia, Ásia e África, onde os países experimentarão o mesmo gênero de explosão que ocorreu na América Latina entre 1950 e 2000 e se encontra agora praticamente concluída.

• O padrão de urbanização com industrialização, típico da China e outros países neo-industrializados da Ásia, é altamente intensivo em commodities, em particular em termos de metais, minerais e produtos energéticos.

• A expansão da população, a urbanização com industrialização, acompanhada pela melhoria da renda per capita provoca inevitavelmente uma explosão de consumo como se observa hoje em dia no Brasil entre a população pobre que antes sofria de demanda reprimida.

• As mudanças na dieta alimentar são uma conseqüência dos fatores acima resumidos, primeiro em matéria de aumento de calorias e, em seguida, em demanda diversificada por carnes, peixes, vegetais, frutas frescas, oleaginosas. Calcula-se que nas cinco próximas décadas, a demanda por carne bovina dobrará e a por cereais crescerá em 75 por cento.

• Embora se espere que a China e a Índia permaneçam largamente auto-suficientes em muitos tipos de alimentos, esses dois países continuarão a aumentar sua demanda por comida importada.

• Entre agora e o ano 2020, estima-se que a China representará 40 por cento da demanda adicional por carnes e que os chineses se converterão nos maiores importadores de alimentos nesse último ano.

• Em alguns casos de produtos específicos em áreas como energia, minerais e mesmo em agricultura, poderá haver obstáculos insuperáveis para encontrar fontes a baixo custo de suprimento de recursos naturais esgotáveis, o que sugere forte possibilidade da permanência de condições apertadas de mercado e tendência a preços mais elevados.

Existe, assim, muita evidência concreta para apoiar uma perspectiva favorável para países como o Brasil, que não apenas é rico em minerais e energia (petróleo, gás, etanol de cana-de-açúcar, hidroeletricidade), mas que apresenta igualmente a mais avançada tecnologia de agricultura tropical do mundo.

Um estudo do Secretariado da Organização Mundial do Comércio (OMC) de setembro de 2009 sobre a evolução do comércio mundial em produtos agrícolas apresenta cifras eloqüentes. Nos oito anos entre 1999 e 2007, a participação brasileira como porcentagem das exportações globais aumentou: em carne bovina, de 6,8 por cento para 28,4 por cento; em carne de frango, de 12,6 por cento a 35,5 por cento; em carne suína, de 3,3 por cento a 14,9 por cento; em açúcar, de 31,2 por cento a 42,1 por cento; e em oleaginosas, especialmente soja, de 16 por cento a 27 por cento.

Numa economia mundial com apetite crescente por recursos naturais e por alimentos, o Brasil, conforme acaba de reconhecer um estudo conjunto entre a FAO e a OCDE, será o país de maior expansão da produção agrícola na década até 2019, aumentando em cerca de 40 por cento sua oferta. Nesse mesmo período, o estudo estima que o país passe a responder por mais de um terço do total da carne exportada e ultrapasse os Estados Unidos como principal produtor de soja.

Tal crescimento da oferta será indispensável para atender a demanda em expansão, inclusive em termos qualitativos, já que, cada vez mais, ela não se satisfará apenas com a quantidade de calorias. A busca será, conforme mencionamos acima, por proteínas animais, laticínios, frutas, vegetais frescos, enfim, tudo o que constitui o refinamento da dieta alimentar. A competição se acirrará entre plantas e animais: a fim de produzir uma caloria de leite ou ovo, é preciso 4,5 calorias de plantas; uma caloria de carne bovina ou ovina exige nove calorias de plantas.

Dentro desse contexto geral, terão grandes oportunidades de exportação com bons preços aqueles poucos países capazes de expandir a oferta de alimento, porque dispõem de terras, água, capital e tecnologia. Não serão muitos os que se encontram em tais condições e não resta dúvida de que o Brasil é um dos que melhor se podem posicionar a fim de aproveitar a conjuntura favorável.

Para isso, será preciso planejar um crescimento harmônico e racional da expansão da agropecuária brasileira para a produção e exportação de alimentos, não em oposição, mas em complementação da produção de etanol e biocombustíveis. Isso vai exigir cuidado especial com a expansão da fronteira agrícola em relação aos biomas naturais, já pressionados: cerrados, Amazônia, zonas da cana onde existem problemas com as matas ciliares e a reserva obrigatória.

Um dos problemas adicionais que o Brasil terá de enfrentar será o da apreciação da moeda nacional por efeito da valorização das commodities, atuando em reforço das eventuais exportações líquidas de petróleo. Não existindo mais a possibilidade de recurso à saída mais fácil das desvalorizações periódicas, a competitividade dos produtos de valor agregado só poderá ser conquistada pelo método mais árduo: a melhora da produtividade total dos fatores da economia.

 

CONCLUSÕES

Não é difícil enumerar as condições para atingir essa desejável meta, as quais coincidem, no essencial, com as tarefas mencionadas no início, das quais dependeriam o Brasil dar certo ou não: completar a estabilização, eliminar o défice público, reduzir os juros e o custo do capital, aliviar a carga tributária, ampliar e renovar a infra-estrutura, reformar as instituições, reduzir a pobreza e a desigualdade e, em primeiro lugar, aprimorar a educação, a pesquisa, a ciência.

Os desafios não desaparecem, por conseguinte, em função das condições naturais favoráveis. Não se deve, contudo, menosprezar a importância indiscutível de tais fatores. Procurei limitar-me às condições que, a meu ver, preenchem três características cruciais, a saber: objetividade, efeito presente imediato, caráter estrutural de longo prazo.

Como se viu da análise de cada uma das quatro tendências, todas elas são concretas, isto é, mensuráveis, podem ser medidas e pesadas. Em segundo lugar, não se trata somente de perspectivas aleatórias que podem ou não se realizar em futuro longínquo e incerto; todas principiaram já, neste momento, a agir sobre a realidade brasileira. Finalmente, tais mudanças são estruturais, não dependem apenas do instante atual e tendem a durar décadas ou mais.

Por fim, não creio que se deva esquecer que outras características não são menos importantes por assumirem natureza imponderável e intangível. É o caso, por exemplo, das que derivam de situação geoestratégica particularmente propícia. Em contraste com regiões de grande dinamismo econômico, mas extraordinária incerteza e risco estratégico, como a maior parte da Ásia do Leste e do Sul, o Brasil desfruta, por motivos espaciais e históricos, de situação extremamente positiva.

Em 1 de março de 2010, data na qual se celebra o fim da Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai, última guerra bilateral brasileira, o país completou 140 anos ininterruptos de paz com todos seus dez vizinhos, que já foram 11 (o Equador), no início do século XX. Não consta que exista outro país de extensão continental com tantos vizinhos territoriais que ostente galardão semelhante.

Basta ver, aliás, que entre os cinco países de território continental e população acima de 100 milhões de habitantes – Estados Unidos, China, Rússia, Índia e Brasil – este último é o único a não ser potência nuclear, nem militar convencional. O exemplo não se altera se incluirmos a União Européia ou o Paquistão. O caso brasileiro parece realmente singular por se tratar talvez de um dos raros casos de nação em processo de nítido aumento de projeção internacional na base quase exclusiva do chamado soft ou smart power, isto é, a influência nascida da persuasão, do exemplo, da capacidade de formulação e execução de diplomacia de paz e cooperação, e não da capacidade de coagir pelas armas ou pela economia.

Que o Brasil se conserve sempre fiel a essa herança, é o voto esperançoso de quem acredita, como o autor destas linhas, que é perfeitamente possível ter benfazeja presença no mundo sem recorrer aos habituais instrumentos do poder.

 

NOTAS

* O presente artigo resulta da comunicação proferida nos XVII Cursos Internacionais de Cascais realizados entre 21 e 26 de Junho de 2010, no Centro Cultural de Cascais, e organizados pela Câmara Municipal de Cascais e pelo IPRI – UNL.        [ Links ]