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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.28 Lisboa dez. 2010

 

A internacionalização da economia portuguesa

 

António Nogueira Leite

Professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa e administrador do Grupo Mello. Membro da direcção do IPRI – UNL.

 

RESUMO

O mundo mudou muito significativamente nos últimos vinte anos. Enquanto a Europa envelheceu e foi reconhecendo os constrangimentos que o seu modelo social enfrenta no mundo global que ajudou a criar, surgiram novos actores na cena internacional. Portugal insere-se numa região que globalmente perdeu importância e que também sentiu alguns constrangimentos específicos em função das suas características, e da sua vulnerabilidade à alteração de preços relativos resultantes das pressões que o aumento de procura de matérias-primas e combustíveis inevitavelmente produziu.

Palavras-chave: Portugal, crise económica, investimento, comércio externo.

 

The internationalization of the Portuguese economy

ABSTRACT

The world has changed significantly during the last 20 years. While Europe is growing old and has been recognizing the limits of its social model in the global world, new actors have appeared in the international scene. Portugal is in a region that globally has lost importance and that also felt specific constraints resulting both from its characteristics, and from its vulnerability to the changes in the relative prices a consequence of the pressures motivated by the increased search of raw materials and fuel.

Keywords: Portugal, economic crisis, investment, external trade.

 

 

O mundo mudou muito significativamente nos últimos vinte anos. Enquanto a Europa envelheceu e foi reconhecendo os constrangimentos que o seu modelo social enfrenta no mundo global que ajudou a criar, surgiram novos actores na cena internacional e, dentre estes, a China, a Índia e, ainda que com menor relevância, o Brasil e a Rússia pós-soviética, assumiram uma importância determinante na cena económica internacional. A alteração do poder económico e da influência política do mundo ocidental, ainda que continuamente dominante neste período sob quase todos os critérios de análise, revelou, nomeadamente, o decréscimo da importância relativa da união europeia (UE) na cena mundial. Acresce que esta diminuição de importância relativa se acelerou na primeira década do século XXI por contraste com os anos 90 do século XX e tenderá a acelerar ainda mais na década que vai começar.

As razões para este decréscimo de importância relativa prendem-se com problemas internos à Europa (a crise quase continuada das finanças públicas de muitos dos estados-membros da UE, o envelhecimento da população e a perda de competitividade das respectivas economias) e com o crescimento muito rápido das economias emergentes da Ásia e do hemisfério sul. Volvidos poucos anos do acesso da china à organização Mundial do comércio (OMC), já esta economia pesava de modo significativo não apenas no comércio internacional de bens mas também, e em conjunto com outras economias emergentes, contribuía para novos desequilíbrios nos mercados de combustíveis fósseis e de matérias-primas função de aumentos continuados das respectivas procuras de magnitude muito superior ao crescimento da oferta correspondente. Sendo a Europa um consumidor líquido destes produtos, sofreu o impacto das subidas permanentes de preços gerados pelo alargamento dos desequilíbrios entre procura e oferta destes bens, contrabalançando em parte os ganhos que a criação de comércio operada gerou para a UE no seu conjunto.

Portugal insere-se, assim, numa região que globalmente perdeu importância e que também sentiu alguns constrangimentos específicos em função das suas características próprias e da sua particular vulnerabilidade à alteração de preços relativos resultantes das pressões que o aumento de procura de matérias-primas e combustíveis inevitavelmente produziu.

 

O problema português

Portugal entra na pior crise das últimas décadas fragilizado por dez anos de crescimento anémico, fruto da sua debilidade estrutural reflectida na muito baixa produtividade e demasiada exposição face à concorrência das novas economias do alargamento, do Extremo Oriente e do Sul da Ásia: a nossa economia acumulou uma já muito elevada dívida externa (figura 1), num contexto em que a poupança é baixa e as fontes primárias de poupança se encontram fragilizadas por via da descapitalização das empresas e do forte endividamento das famílias (figuras 2 e 3). De facto, as famílias encontram-se fortemente endividadas, função da manutenção de um elevado padrão de consumo e da aquisição de bens imóveis a crédito, enquanto que as empresas portuguesas apresentam em média e, generalizadamente, baixos níveis de autonomia financeira, prosseguindo uma política de endividamento muito forte em função da actividade desenvolvida e dos níveis de capitais disponibilizados pelos seus accionistas. O baixo nível de reinvestimento dos lucros tem acentuado este padrão (figura 2). O resultado é uma dívida líquida ao exterior de mais de 115 por cento do PIB em 2010, correspondendo a uma dívida bruta que atinge cerca de três vezes o PIB e resulta num endividamento líquido do sistema financeiro português face ao exterior de cerca de 200 mil milhões de euros.

 

Figura 1> Evolução da dívida externa líquida (2005-2009)1

 

Figura 2 > Endividamento bruto de empresas não financeiras e particulares

 

Figura 3 > Fontes primárias de poupança2

 

Esta situação, decorrente da falta de competitividade da economia portuguesa, da fragilidade do seu sector de bens transaccionáveis e de mais de uma década em que o consumo interno cresceu desproporcionadamente, é já hoje insustentável e vai implicar uma desalavancagem importante da economia com importantes efeitos reais. Aquela só não aconteceu ainda porque Portugal tem beneficiado dos mecanismos criados junto do Banco central europeu, por natureza excepcionais e temporários.

O imperioso aumento da poupança interna vai ser sempre limitado pelos constrangimentos inerentes à limitação das fontes primárias de poupança: no Estado, nas empresas e nas famílias (figura 3).

Acresce ainda que a pressão sobre o futuro próximo e o médio e longo prazo é ainda fortemente acentuada pelo peso crescente da dívida pública, escriturada e não escriturada, função do desequilíbrio permanente das contas do Estado e da promoção de obra pública, nomeadamente no sector dos transportes, com recurso ao envolvimento de agentes privados, quer na construção quer na operação de novas infra-estruturas e no seu financiamento através da figura de parcerias público-privadas (PPP) (figura 4). Ou seja, para além da dívida pública directa do sector público, as responsabilidades futuras dos contribuintes portugueses envolvem não apenas as resultantes da acumulação de défices do sector público administrativo, mas também os passivos não recuperáveis das empresas públicas e as dívidas – que serão despesa certa no futuro – inerentes às PPP.

 

Figura 4 > Dívida pública directa e consolidada (see e ppp)3

 

A acumulação permanente de níveis crescentes e já hoje insustentáveis de dívida externa é o principal indicador da inviabilidade do percurso seguido pela economia portuguesa. Este resultou numa economia que já não é financiável autonomamente e que enfrenta um agravamento dos constrangimentos que até aqui a condicionaram, nomeadamente: menor disponibilidade de crédito internacional, dificuldade de aumentar significativamente a poupança interna, acréscimo da pressão concorrencial e aumento do preço de combustíveis fósseis e matérias-primas com a retoma da economia global.

 

A (falta) de competitividade e o desequilíbrio externo

Entre 1995 e 2001, e na maioria dos anos que se lhe seguiram, a evolução dos salários suplantou a da produtividade do trabalho, já de si baixa no momento inicial. Esta dupla tendência, largamente condicionada pela política salarial da função pública, levou a um aumento sustentado e significativo dos custos unitários de trabalho, reduzindo a competitividade da economia, com efeitos sobretudo visíveis no sector de bens transaccionáveis. Sendo a economia portuguesa extremamente exposta à concorrência dos novos aderentes à OMC situados no extremo oriente, pois manteve uma estrutura competitiva em larga medida semelhante à dessas nações agora emergentes, com elevada prevalência de actividades em sectores onde as empresas permanecem pouco diferenciadoras dos seus produtos e onde os custos unitários de trabalho são o principal determinante da competitividade, o agravamento relativo dos custos unitários de trabalho, expôs ainda mais as debilidades competitivas do tecido produtivo nacional. Essa debilidade resultou num agravamento crescente do défice da balança de mercadorias, nunca compensado pelos demais componentes da balança de bens e serviços, com o consequente aumento galopante da dívida externa ao longo da última década (figura 5).

 

Figura 5 > Balança de bens e serviços (em % do PIB)

 

O endividamento progressivo do País coincidiu temporalmente com a quebra da taxa de poupança para níveis historicamente baixos (figura 5). Como as empresas estão descapitalizadas, o Estado apresenta sucessivos défices correntes e a pressão para a sua degradação é uma realidade e, ainda, as famílias encontram-se particularmente endividadas e necessitam de afectações de partes significativas do seu rendimento disponível ao serviço da dívida, não se vislumbram aumentos relevantes sustentáveis da taxa de poupança agregada. A conjugação do aumento da dívida externa com a baixa taxa de poupança agregada, e os limites ao seu aumento em função das condições a que chegaram as fontes primárias de poupança, impõem claras restrições ao financiamento da actividade económica, sobretudo nesta fase em que o sistema financeiro internacional impõe limitações muito significativas.

Acresce que a política económica seguida, seja a política de desenvolvimento encetada nos últimos anos – muito assente na promoção de obra pública no sector das infra-estruturas de transportes, seja a política de combate conjuntural à actual crise – baseada, em larguíssima medida, nos mesmos remédios, tende a colocar, no contexto acima descrito, problemas inultrapassáveis ao sector de produção de bens transaccionáveis. Na verdade, como tais investimentos em muitos casos são meramente redundantes não impactando de forma directa e positiva na competitividade do sector de bens transaccionáveis ao serem desenvolvidos por agentes privados, com forte apoio da banca nacional e confortos de Estado e ao supletivamente implicarem forte despesa pública para viabilizar a sua exploração, acabam por ter um duplo efeito negativo sobre o sector dos bens transaccionáveis. Em primeiro lugar, porque geram um verdadeiro crowding out no financiamento ao sector produtivo não envolvido na construção e exploração destes projectos. Em segundo lugar, porque, função dos confortos públicos e da elevada despesa futura, aumentam de forma significativa a dívida pública não escriturada e têm contribuído para a degradação do rating da república. Este tende a reflectir-se de imediato nos custos de financiamento de todas as empresas, agravando o seu posicionamento competitivo nos sectores de bens e serviços transaccionáveis.

Neste contexto de perda de competitividade externa e endividamento acelerado do País, o peso crescente do Estado entrava ainda mais, hoje e no futuro antecipável, a sustentabilidade económica de Portugal. Não só a absorção de metade do rendimento nacional anual pela despesa pública é factor de tributação adicional no presente e no futuro como o estado tentacular que se tem vindo a desenvolver em Portugal cria permanentes entraves ao eficiente funcionamento dos agentes económicos, provê e oferece serviços públicos de fraca qualidade e nem sequer distribui adequadamente os rendimentos entre os portugueses, tendo mesmo vindo a promover uma desigualdade crescente4. Por outro lado, ao não qualificar adequadamente os portugueses hipoteca o futuro e, ao deixar chegar o sistema de justiça ao ponto de generalizado descrédito e ineficiência a que chegou, dificulta as decisões de investimento e, em geral, todo o processo de criação de riqueza.

 

O comércio externo português

A economia portuguesa é uma das mais abertas da UE, tendo vindo a registar, como atrás se referiu, sobretudo ao longo das duas últimas décadas, sucessivos défices da balança de bens e serviços. Neste período de acentuado incremento do comércio internacional e estabelecimento generalizado de uma concorrência global, a balança de bens e serviços manteve défices muito elevados. No entanto, e como se ilustrará de seguida, a manutenção de défices elevados resulta não apenas da falta de competitividade do sector transaccionável, traduzido por uma fraca taxa de cobertura das importações pelas exportações (figura 6), mas também pelo aumento, entre 2002 e 2008, do défice da balança energética5.

 

Figura 6 > Exportações e importações

 

O saldo global da balança de bens e serviços – uma das métricas estruturais do desequilíbrio externo – aumentou durante o período após 2003, em função do aumento muito significativo do défice da balança de bens energéticos e, após 2008, devido à forte degradação da balança de bens não energéticos, que se tinha mantido razoavelmente estável em percentagem do produto entre 2004 e 2007. Este défice da balança energética subiu de forma sustentada entre 2003 e 2008, representando nesse ano mais de quatro por cento do PIB. Este mau comportamento da balança energética reflecte, essencialmente, dois factos: a elevada dependência da economia portuguesa face às importações de combustíveis fósseis (nomeadamente, petróleo e gás natural) e a subida generalizada dos preços destes combustíveis durante a corrente década, até que a súbita quebra da procura com a crise mundial gerou uma rápida e muito significativa quebra de preços (figura 7).

 

Figura 7 > Evolução dos preços do petróleo

 

Sendo Portugal um dos países da UE mais dependentes das importações de combustíveis (figura 8), é natural que a subida do preço do petróleo tenha tido um efeito particularmente pernicioso no nosso equilíbrio externo. Sendo que a relação entre procura e oferta globais de petróleo aponta no sentido de subida a prazo do seu preço reflectindo um aumento persistente da renda de escassez, é crucial que se mantenha a aposta na diversificação de fontes primárias de energia, mas sem que tal ponha em causa a competitividade dos sectores de bens transaccionáveis a jusante do sector energético.

 

Figura 8 > Dependência energética (%)

 

Uma análise mais fina da evolução da especialização sectorial das exportações portuguesas pode ser realizada a partir do quadro 1. Os sectores tradicionalmente mais importantes em décadas anteriores, como o têxtil e o calçado, foram perdendo importância relativa, dando lugar, como sectores de exportação mais relevantes, às máquinas e aparelhos e aos veículos e outro material de transporte, apesar de, no seu conjunto, estes sectores terem vindo a perder importância ao longo da década. Pelo contrário, os minérios, os plásticos, a química e os bens alimentares ganharam peso relativo. De qualquer modo, esta repartição das exportações reflecte um padrão de especialização industrial que coloca Portugal como concorrente directo das «novas potências emergentes» e, consequentemente, vulnerável ao seu sucesso6. Ainda assim, as exportações apresentaram um dinamismo assinalável no final dos anos 90 e, ainda que mais limitadamente, entre 2004 e 2007. A crise internacional de 2007-2008, reflectiu-se muito negativamente no comércio mundial e as exportações e importações nacionais não foram excepção (figura 9).

 

Quadro 1> Especialização das exportações portuguesas

 

Figura 9> Crescimento anual das exportações e das importações

 

Já nas importações, é de realçar o peso crescente e significativo das importações de combustíveis, reflectindo a dependência energética e o efeito preço, que se fez sentir de forma acentuada entre 2003 e 2008 (quadro 2). Também é de realçar a importância crescente de bens agrícolas em resultado dos efeitos simultâneos da quebra progressiva da actividade agrícola e do aumento do consumo privado.

 

Quadro 2> Especialização das importações portuguesas

 

O Investimento Directo Estrangeiro (IDE)

O crescimento em importância do ide, nomeadamente entre países desenvolvidos, é consequência directa do processo de globalização e integração das economias7. Hoje em dia, todos os países concorrem pela atracção de IDE, resultando frequentemente num tratamento preferencial concedido à instalação de empresas multinacionais e na erradicação das barreiras tradicionais à instalação de empresas estrangeiras ou de projectos por elas patrocinados.

Essa concorrência global pela atracção de IDE resulta da noção que os efeitos do ide sobre as economias receptoras são globalmente muito positivos. Na verdade, aos efeitos directos, relativos à formação de capital, à criação de emprego, ou mesmo à melhoria da estrutura produtiva e exportadora dos países beneficiários do IDE (a Autoeuropa é aqui um exemplo paradigmático), há que juntar receptores. Porém, a principal razão pela qual as diferentes economias tentam captar IDE reside na expectativa de acederem a tecnologia de produção, de marketing ou mesmo de canais de distribuição, com efeitos positivos sobre a produtividade global. Por outro lado, as empresas multinacionais geram ainda outro tipo de externalidades positivas sobre as economias receptoras do investimento estrangeiro: aumentam o grau de exigência sobre a administração pública, trazem boas práticas às economias onde se instalam e permitem a introdução de novas e mais eficazes técnicas de gestão.

Em Portugal, as autoridades económicas têm levado a cabo esforços persistentes para atrair ide estruturante e, após 2002, criaram uma agência para o efeito, a API (agência Portuguesa para o investimento) posteriormente reestruturada, dando lugar à actual AICEP. Sendo a burocracia um obstáculo tradicional à atracção de ide, após 2005 o Governo criou regimes excepcionais de investimento no âmbito dos chamados PIN e PIN+ que constituem vias rápidas para a criação das condições necessárias à realização de grandes investimentos, nacionais e estrangeiros. a atracção de grandes projectos registou um aumento expressivo em alguns dos anos após 2003, mas a crise de 2007-2008 e as vicissitudes que se lhe seguiram limitaram significativamente o fluxo de novos IDE em Portugal (figura 10).

 

Figura 10 > Investimento directo estrangeiro líquido (1996-2009) (milhares de euros)

 

A continuação do esforço de atracção de ide é absolutamente essencial pelos seus efeitos directos e indirectos. é claro que a situação conjuntural vivida neste final de 2010 não ajuda à obtenção de resultados significativos no curto prazo, mas exige-se que não se abandone o esforço dos últimos anos, uma vez que, para além dos efeitos clássicos atrás referidos, a entrada de ide permite também superar os condicionamentos impostos pela crónica escassez de capital nacional.

 

O futuro

Uma década de estagnação e as dificuldades que se avolumaram após 2009 tornaram clara a necessidade de levar a cabo alterações profundas e estruturais no padrão de especialização da economia de modo a obviar à insustentabilidade dos actuais níveis de endividamento externo do País. A acumulação concomitante de uma dívida bruta ao exterior de quase três vezes o PIB e de uma dívida pública consolidada que excede largamente a riqueza criada pelo País em cada ano, exige que urgentemente se produzam alterações estruturais de monta numa dimensão nunca antes experimentada. a globalização e a dificuldade política de reformar o Estado e a economia sem o analgésico da inflação colocam hoje a urgência do início de verdadeiras reformas e de uma gestão mais rigorosa do dinheiro dos contribuintes.

A viabilidade da economia portuguesa depende da resolução a curto prazo da actual trajectória insustentável da despesa pública, alterando de forma radical um caminho já com muitos anos. a insustentabilidade da evolução da despesa é hoje óbvia. O País apresenta uma carga fiscal de cerca de 36 por cento do PIB e apenas o conjunto dos salários dos funcionários públicos (14 por cento do PIB em 2009) com as transferências para as famílias (22 por cento do PIB em 2009) representam 36 por cento do produto. Ou seja, o modelo seguido nos últimos quase vinte anos esgotou-se. A alternativa à reforma do Estado, que passa por continuar a aumentar impostos e a esconder despesa actual – quer através do seu adiamento, como nas PPP na área dos transportes, quer através da simples desorçamentação, como acontece na exploração dos sistemas públicos de transportes, por exemplo – só agravará o problema futuro. As dificuldades no acesso ao crédito externo impõem que se caminhe na solução deste problema. O facto de o País apenas se financiar por via de mecanismos de colateralização junto do Banco Central Europeu, por natureza temporários, garante que a escolha já é apenas entre agir agora ou causar a insolvência do Estado e da economia a breve trecho.

Mas, como vimos nas secções anteriores, este não é, de facto, o principal problema português. A questão mais dificilmente ultrapassável reside no desenvolvimento de um modelo de crescimento assente na canalização de recursos para o sector de bens não transaccionáveis e à acumulação de um défice externo crescente. A acumulação de um défice externo, durante um número significativo de anos (desde 1994), levou a uma acumulação muitíssimo significativa de responsabilidades brutas do País face ao exterior, tanto das famílias como das empresas e do Estado8. Estima-se que as responsabilidades líquidas do sistema financeiro português face ao exterior atinjam, no final de 2010, mais de 200 mil milhões de euros.

Por outro lado, e como atrás se referiu, Portugal regista uma taxa de poupança comparativamente baixa e as perspectivas para o seu aumento significativo no futuro próximo são diminutas: as famílias estão muito endividadas, o payout dos dividendos das empresas tem de se manter alto, por forma a que os seus accionistas possam garantir o respectivo serviço da dívida e a poupança pública só advirá com cortes muito mais severos da despesa pública do que aqueles que têm sido propostos.

De qualquer forma, o caminho é estreito mas muito claro: Portugal tem de ser muito mais competitivo nos sectores de bens transaccionáveis, a despeito de a sua estrutura produtiva ser essencialmente concorrente da dos novos países industrializados, os agentes privados e o Estado têm de poupar mais e este tem de diminuir o seu peso na economia de forma muito relevante. Só com a reforma do Estado e do contrato social em vigor, a liberalização dos mercados de factores e de bens finais, uma melhor e mais eficaz regulação e o fim dos investimentos em capital físico não reprodutível Portugal pode ser viável. Quanto mais cedo o interiorizarmos e pusermos em prática, maiores as hipóteses de podermos ainda ir a tempo de construir um futuro para Portugal. E esse futuro passa pelo sucesso das nossas empresas nos mercados internacionais, pela sua consolidação enquanto produtores alternativos às importações e pela exploração de dois recursos fundamentais, não devidamente valorizados: o mar português e a localização de Portugal, entre a Europa, as Américas e a África.

 

Notas:

1 A dívida externa portuguesa não tem parado de crescer, em resultado de um modelo económico que, desde 1995, assentou num aumento permanente das responsabilidades do país perante o exterior. A falta de competitividade da economia, que tem vivido permanentemente acima das possibilidades geradas pela produção interna, e a consequente acumulação de défices sucessivos da balança externa, levou a um nível de endividamento líquido superior a 100 por cento do PIB, que voltará a crescer em 2010. Os passivos brutos dos agentes económicos portugueses sobre o exterior são hoje cerca de 3 vezes o PIB. Este é o principal problema que a economia portuguesa enfrenta, sendo o crescente endividamento externo o seu sintoma mais evidente.

2 A taxa de poupança em Portugal tem vindo a cair desde os anos 90, sendo hoje particularmente baixa, quer em termos absolutos quer em comparação com as dos demais países europeus. Como se pode ver, a poupança do Estado tem vindo a apresentar-se como negativa, função da acumulação de saldos correntes negativos na administração pública. A taxa de poupança das famílias tem vindo a cair reflectindo o peso crescente do consumo privado na despesa agregada e o crescente endividamento das famílias acarretando um esforço cada vez maior com as responsabilidades mutuárias por elas assumidas. Também a poupança das empresas é baixa por comparação com a registada noutras economias europeias em consequência do baixo reinvestimento dos lucros por parte das empresas nacionais

3 A dívida consolidada compreende a dívida do sector público administrativo, a dívida do sector empresarial do Estado e a dívida das parcerias público privadas. O valor da dívida consolidada ilustrada nesta figura é inferior ao apresentado em estudos anteriores (e.g., Instituto Francisco Sá Carneiro, BPI) na medida em que, no que respeita à dívida relativa às parcerias público privadas (PPP) apenas considera as formalizadas até ao início de 2010 e já em fase de construção ou operação. Por outro lado, exclui as PPP autárquicas e os passivos das empresas públicas municipais.

4 A persistência de rendas no sector de bens e serviços não transaccionáveis, crescentemente relevante nos últimos anos por via da promoção de negócios promovidos pelo Estado quase sem risco para os agentes privados, reduz a atractividade relativa dos sectores mais abertos à concorrência internacional e tende a avolumar o défice externo.

5 cf. LEITE, António Nogueira; CABRAL, Carlos Costa e FREITAS, Miguel Lebre de – Endividamento externo e dependência energética. Uma nova era na energia, Lisboa: Edições Económico, 2009.         [ Links ]

6 cf. DEHESA, Guillermo de la – Winners and Losers in Globalization, Londres: Blackwell, 2006.

7 LEITE, António Nogueira; MACHADO, José Ferreira e CÚRDIA, Vasco – Portugal como destino Investimento Directo Estrangeiro. Estado da competitividade da Economia Portuguesa, Lisboa: Câmara de Comércio Luso Americana, 2001.

8 BAER, George W. e LEITE, António Nogueira – “The economy of Portugal within the European Union: 1990–2002”, In The Quarterly Review of Economics and Finance, Volume 43, Issue 5, Winter 2003, pp. 738-754.