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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.28 Lisboa dez. 2010

 

Portugal, Espanha, a integração europeia e a globalização. Balanço de uma época

 

José Félix Ribeiro

Economista. Coordenou as equipas que prepararam os documentos de opções estratégicas para o PDR – Plano de Desenvolvimento Regional de 1994-1999 e o de 2000-2006

 

RESUMO

O artigo começa por enunciar os riscos e desafios apontados à relação luso-espanhola no momento da adesão dos países à União Europeia; depois, avalia a evolução do posicionamento geoeconómico de Portugal, à luz da estratégia de internacionalização da Espanha nos últimos vinte e cinco anos. E, por fim, sugere uma hipótese de reformulação da estratégia portuguesa para gerir as relações com a Espanha que permita superar riscos de subordinação a longo prazo.

Palavras-chave: Portugal, Espanha, política externa portuguesa, economia

 

Portugal, Spain, the European Integration and the globalization

ABSTRACT

This article explores the risks and challenges of the Portuguese-Spanish relationship at the time of accession to the European Union; then it examines the evolution of the geoeconomic position of Portugal, regarding the Spanish internationalization strategy over the last 25 years. Finally, the article advances with a proposal for reformulating the Portuguese strategy of management of relations with Spain in order to overcome the risks of subordination in a long term.

Keywords: Portugal, Spain, European Union, Portuguese foreign policy, economy

 

 

As relações de Portugal com a Espanha estão sempre no cerne da política externa portuguesa pela natural dificuldade de gerir as relações com o país que é o nosso único vizinho, com a desproporção de dimensão demográfica e económica que existe entre ambos e tendo em conta as ambições de centralização de decisões respeitantes à inserção europeia da Península ibérica que Madrid tradicionalmente manifesta.

Optámos por abordar o tema em três secções. Numa primeira, recordamos um texto por nós preparado para o instituto da Defesa nacional em 1986, ano da adesão conjunta dos dois países à comunidade europeia, e em que se apontavam riscos e desafios que o novo contexto de relacionamento entre Portugal e a Espanha envolvia. Depois, procuramos avaliar de forma muito sintética como evoluiu nestes vinte e cinco anos o posicionamento geoeconómico de Portugal, à luz da estratégia de internacionalização da Espanha e do que implicitamente seriam os objectivos desta face a Portugal em termos geoeconómicos. E, numa terceira secção, sugere-se uma hipótese de reformulação da estratégia portuguesa para gerir as relações com a Espanha que permita superar riscos de subordinação a longo prazo.

 

Revendo uma análise realizada em 1986 – “em defesa de uma nação rebelde”

Em 1986, ano da adesão de Portugal e da Espanha à então comunidade económica europeia (CEE), e num texto preparado para a revista Nação e Defesa do instituto da Defesa nacional, era feita uma avaliação dos desafios que se colocavam a Portugal – pela nova situação, de simultânea pertença de Portugal e da Espanha à CEE e à NATO – referindo-se que a reentrada activa da Espanha no sistema europeu, materializada na sua adesão à CEE e na sua integração na estrutura política da aliança atlântica, é um facto de fundamental importância para permitir a flexibilidade e a redução de rigidez no seio do sistema europeu, em fase de realinhamentos nacionais. Mas constitui um temível desafio para Portugal. A «insularidade» radical face a uma Espanha isolacionista não integrada nem na EFTA nem na CEE, e ausente da NATO, constituiu no seu tempo um dispositivo coerente mas datado, de defesa da autonomia nacional, no quadro da enorme desproporcionalidade de recursos entre os dois estados da Península. Esse dispositivo entrou em crise bem antes das recentes adesões da Espanha à CEE e à NATO (por exemplo: adesão da Grã-Bretanha à CEE). Acrescentava-se que a reentrada activa da Espanha num sistema europeu em reformulação, acontece ao mesmo tempo que se assiste a uma maior reivindicação de autonomia por parte das nacionalidades que constituem a Espanha. O resultado desta coincidência será inevitavelmente uma necessidade imperiosa de afirmação externa do estado espanhol como que procurando unificar, numa imagem projectada do exterior, aquilo que a realidade interna teima em fragmentar.

O artigo avançava que a procura de afirmação da Espanha no seio do sistema europeu pode levar a um conjunto de actuações por parte do país vizinho que – mesmo quando não planeadas – se venham a traduzir numa lenta desqualificação internacional de Portugal. Pode parecer estranho como é que um estado pertencente ao mesmo sistema de alianças de um outro e privado das quatro «armas» atrás referidas pode desqualificar outro. Para dissipar tal estranheza, basta evocar cinco eixos de actuação:

•   Apropriação gradual do património geoestratégico do outro estado, mediante um esforço invulgar de modernização das forças armadas e uma recusa de integração na estrutura militar da aliança.

•   Enfraquecimento e corrosão progressiva do património de relacionamento internacional potencial do outro país, tentando subalternizar os laços culturais e históricos de Portugal com várias zonas do mundo, e assumir por inteiro, ou com exclusão de Portugal, o processo de relacionamento dessas zonas com o sistema europeu (por exemplo: América Latina).

•   Integração progressiva do aparelho produtivo de Portugal num sistema, mais vasto e peninsular, centrado na transformação da Espanha numa grande plataforma manufactureira nas estratégias europeias e regionais das firmas multinacionais e redução das enormes potencialidades portuguesas na área dos serviços à função de apoio a essa plataforma.

•   Invasão das zonas fundamentais do património geográfico susceptível de valorização económica – nomeadamente no caso português a Zona Económica Exclusiva.

•   E, por último, o enfraquecimento dos laços que unem diversas regiões do País à sua capital – Lisboa (local potencialmente privilegiado da conquista de uma autonomia de relacionamento económico externo para Portugal) – e a sua progressiva ligação directa à Europa através da Espanha.

A integração de Portugal na CEE, em paralelo com a Espanha, representa uma profunda transformação geoeconómica para Portugal. Ao integrar os mercados ibéricos tornou o território português mais atractivo para o investimento internacional e ao mesmo tempo abriu o mercado espanhol aos produtos portugueses, nomeadamente aqueles que beneficiam de efeitos de proximidade para competir pelos custos (redução dos custos logísticos). Mas a abertura à Espanha não se traduziu em nenhuma transformação da composição da oferta externa de Portugal por via de investimento espanhol. Pelo contrário, este – de uma forma geral – concentrou-se em sectores mais «abrigados» da economia, reproduzindo o padrão de crescimento e internacionalização da economia espanhola. Por fim, acrescentava-se que a adesão de Portugal à CEE e a firmeza da sua presença na NATO são condições imprescindíveis de enquadramento de qualquer esforço de neutralização destes riscos, por duas razões fundamentais. Por um lado, constituem essas entidades quadros de relacionamento multilateral, onde existem nações interessadas em que os respectivos estados actuem no sentido de circunscrever as ambições excessivas da Espanha no campo geoestratégico, geopolítico e económico. E, por outro, a pertença a essas organizações valoriza Portugal do ponto de vista geoestratégico e económico, e pode permitir-lhe nessa base diversificar relações fora do sistema europeu que permitam fortalecer a sua posição no seio deste. Em termos de componentes de uma estratégia nacional para lidar com estes desafios identificavam-se, nesse texto, dois níveis distintos: primeiro, defender e valorizar patrimónios – chave da nação –, destacando-se, entre eles:

•   O património geoestratégico – o que supõe uma relação de aliança com uma potência capaz de apreciar o valor geoestratégico de todas as parcelas do território nacional; um esforço determinado de reequipamento das forças armadas para assegurar um núcleo vital de funções estratégicas que, convergindo com os desígnios globais do aliado, dissuadam o país vizinho de tentar uma ocupação institucional e/ou de facto do espaço estratégico nacional; e a procura de relações complementares com estados do sistema europeu que reforcem o poder contratual de Portugal face a esse aliado--chave – os EUA.

•   O património linguístico, cultural e de relacionamento histórico, especialmente no que ele tem de potencialidades de aproximação à América do Sul e à Ásia. A estruturação de relações com o Brasil é, neste contexto, fundamental quer para a afirmação face à Espanha, quer para melhorar a posição portuguesa na relação com os EUA. Por sua vez, a aproximação à Ásia é uma chave para fortalecer a posição de Portugal no sistema europeu.

•   A defesa das condições de influência em áreas geopolíticas de decisiva importância para a Europa e para a sua segurança – a África Austral e a África do Norte – explorando a totalidade dos recursos potencialmente disponíveis para a presença portuguesa.

•   O património geoeconómico potencial que permite, a partir da situação geográfica do País e do seu nível de desenvolvimento económico e cultural, inserir Portugal em fluxos de circulação mundial de mercadorias, pessoas e informação, que não só tenham fortes perspectivas de crescimento como possam permitir maior autonomia face ao aparelho produtivo da Espanha (serviços financeiros, telecomunicações, transporte marítimo contentorizado, redes de televisão, etc.).

•   A valorização do património de recursos naturais do País, com especial destaque para a exploração do mar e para o desenvolvimento dos sectores de ponta que o permitem (biotecnologias, robótica e engenharia oceânica).

O segundo nível identificava a necessidade de tornar a sociedade portuguesa uma «sociedade fértil». Por sociedade fértil, entende-se uma sociedade aberta aos estímulos exteriores, que produz um número elevado de artistas, cientistas e empresários, capazes de produzir cultura, informação e mercadorias competitivas internacionalmente, apoiando-se na exploração intensiva dos patrimónios-chave, cuja defesa o estado tem de organizar. No sistema europeu, pelos próprios limites à actuação dos estados a posição relativa das nações depende muito da fertilidade das respectivas sociedades.

A sociedade fértil tem como base a existência de instituições autónomas, procurando atingir objectivos de engrandecimento próprio, mas articuladas entre si num sistema capaz de gerir essas autonomias de forma não autodestrutiva, mas sinergética. De entre as instituições de uma sociedade fértil destacam-se: as universidades, inseridas em redes mundiais do conhecimento científico e técnico, funcionando como fermento de actualização em todo o sistema de ensino nacional e desenvolvendo laços com as actividades económicas; os grupos empresariais, capazes de atingir uma dimensão que torne possível a sua actuação própria a nível internacional e uma diversificação de sectores de implantação; o que significa necessariamente uma grande dimensão em termos nacionais, justificada e legitimada pela sua capacidade de sobrevivência na competição internacional; as instituições de um sistema financeiro diversificado, que permitam segregar internamente e captar no estrangeiro a massa crítica de capital de risco, que crie as condições da renovação do aparelho produtivo sem pôr em risco a própria estabilidade daquele sistema; e as grandes fundações privadas que fomentem a criatividade artística, intelectual e científica, e constituam outra das vertentes fundamentais da legitimação social da riqueza.

 

Portugal, Espanha e relações ibéricas – avaliando a evolução geo-económica

A adesão de Portugal e da Espanha à CEE em 1986 traduziu-se vinte e cinco anos depois em cinco evoluções inquestionáveis:

•   A Espanha tornou-se o principal parceiro no comércio externo de Portugal, obtendo um excedente comercial significativo.

•   O acesso ao mercado espanhol tornou mais atractivo o investimento em Portugal por parte de empresas multinacionais com operações na Espanha, permitindo uma divisão de trabalho ibérica no interior dessas mesmas multinacionais.

•   Ambos os países perderam competitividade externa, acumulando défices comerciais muito elevados.

•   A Espanha tornou-se um importante investidor directo em Portugal sem que esse investimento tivesse contribuído para o aumento e/ou diversificação da oferta de bens e serviços transaccionáveis, ao contrário do que aconteceu por exemplo com o investimento da Alemanha.

•   Portugal replicou, em escala reduzida, a estratégia de internacionalização da Espanha – centrada na expansão internacional das empresas dos sectores infra-estruturais (cimentos, electricidade, petróleo /gás natural, telecomunicações, obras públicas/concessões).

 

A internacionalização da economia espanhola

Para compreender melhor o padrão de internacionalização da Espanha convém recordar alguns aspectos. Primeiro, os principais centros de decisão empresarial da Espanha – constituindo o seu «núcleo central» – reúnem a banca e os sectores infra-estruturais – electricidade, gás natural, petróleos, telecomunicações e obras pública – e as suas participações cruzadas; tendo empresas de ambos os sectores liderado a expansão internacional para a América Latina. Segundo, o controlo sobre os sectores infra-estruturais, nomeadamente electricidade, gás natural, petróleos e telecomunicações foi concretizado, graças à constituição de «núcleos duros» organizados em torno de dois bancos privados – Banco Santander Central Hispano e Banco Bilbao e Viscaya – e das caixas de poupança, com destaque para a La Caixa da Catalunha e a Caixa Madrid, e em menor escala a BBK, caixa do País Basco e a Caixa Galicia. Terceiro, durante os governos do Partido Popular a dinâmica de internacionalização da Espanha centrou-se no investimento em larga escala na América Latina, onde os seus bancos e empresas ganharam posições de liderança macrorregional, disputando-a em vários casos a entidades dos estados unidos, ao mesmo tempo que em termos de política externa a Espanha se aproximava dos estados unidos a nível global e preparava as condições para beneficiar no futuro do crescente peso demográfico, económico e político dos hispânicos nos estados unidos. Quarto, em termos internos o Partido Popular, sendo centralizador em termos políticos, permitiu que as principais empresas dos sectores infra-estruturais passassem a ser controladas por uma «coligação basco-catalã» tendo como pólos aglutinadores o BBVA e a BBK, por um lado e a La Caixa por outro. Sendo que o BBVA, depois da fusão com a argentaria passou a ser mais condicionado pelas opções do poder central de Madrid do que a La Caixa. Outro aspecto é que a organização accionista dos sectores infra-estruturais foi sempre conduzida por forma a restringir a participação de outros grandes grupos europeus congéneres. Apenas a ENI (Itália), a TOTAL (França) e a SUEZ (França) foram «autorizadas» a estar presentes no capital ou em associação com grandes empresas espanholas do sector. E, por fim, com a chegada do Governo do PSOE, presidido pelo primeiro-ministro Zapatero, deu-se uma dupla mudança de política: em termos de política externa o Governo afastou-se dos estados unidos, e aproximou-se do «bloco continental» França/Alemanha, enquanto os principais grupos bancários e de construção reforçavam a sua internacionalização, mas agora directamente no «mundo anglo-saxónico» (no reino unido e nos estados unidos); em termos internos, o Governo prosseguiu uma política descentralizadora de reforço do poder das autonomias, ao mesmo tempo que «oferece» às grandes empresas de construção/obras públicas madrilenas o controlo ou a presença incontornável nos «núcleos duros» de empresas energéticas (REPSOL, Gas Natural Union Fenosa E Iberdrola).

 

Portugal na estratégia de internacionalização de Espanha: uma hipótese plausível

Tendo em conta a estratégia de internacionalização da Espanha, quais poderão ter sido até agora os objectivos implícitos deste país em relação a Portugal no campo geoeconómico? Avançamos com uma hipótese explicativa em que se destacariam os seguintes aspectos:

•   Formar um «bloco ibérico» nos assuntos europeus, sob sua direcção, nomeadamente na reivindicação de fundos estruturais para a Península ibérica e no desenho das infra-estruturas de transporte que assegurariam relação com o resto da Europa.

•   Obter com Portugal um excedente comercial permanente, situação única no seu comércio externo europeu, assegurando a presença no mercado português por via da contiguidade territorial.

•   Impedir que Portugal realizasse alianças internacionais nos sectores infra-estruturais – sectores-chave da internacionalização da Espanha – que permitissem a multinacionais europeias ou norte-americanas entrar no mercado espanhol; a contrapartida «oferecida» foi a de apenas se contentar com posições minoritárias das empresas espanholas desses sectores no capital das empresas portuguesas congéneres (vd os casos PT e EDP).

•   Reforçar o peso dos principais bancos espanhóis no sistema financeiro português e tornar-se um financiador da internacionalização dos grupos empresariais portugueses dos sectores infra-estruturais e de distribuição.

•   Procurar alianças empresariais em Portugal, para penetrar com mais facilidade no mercado do Brasil – a grande economia da América Latina na qual a Espanha não tinha uma presença tradicional.

Até agora pode afirmar-se que a Espanha obteve todos estes objectivos na sua «estratégia implícita» para a sua parceria com Portugal.

 

Portugal: da Península Ibérica para o Atlântico Sul

Para fazer face à crescente integração das duas economias – a da Espanha e a de Portugal – e para gerir a desigualdade intrínseca numa parceria privilegiada com a Espanha, Portugal tem vindo a apostar no reforço dos laços com o Atlântico Sul.

Numa primeira fase, nos anos finais da década de 1990, a concentração do sector empresarial português em torno de actividades infra-estruturais no mercado doméstico impôs muito cedo limitações ao crescimento destes pólos empresariais e forçou-os à expansão internacional, devido à conjugação de três factores: primeiro, a estreiteza do mercado interno, passado o período de reabsorção dos défices de expansão e modernização intensa; depois, a liberalização dos sectores por exigência da UE, forçando uma maior concorrência no mercado interno e, por último, a existência de uma grande desproporção de dimensão face aos concorrentes espanhóis.

A necessidade de ganhar dimensão para sobreviver na competição internacional, e em particular ibérica, levou estes pólos a lançar-se no investimento no exterior e, simultaneamente, na estruturação de alianças empresariais defensivas.

Nesta primeira fase o destino principal foi o Brasil, onde uma política de privatizações e abertura de mercado criou oportunidades nas telecomunicações, na produção e distribuição de electricidade e nas concessões rodoviárias. Esta vaga de investimento externo no Brasil também abrangeu a distribuição e o turismo, neste caso incentivado pelas facilidades oferecidas pelos estados do nordeste brasileiro. Num segundo momento, tornado possível pelo «choque» petrolífero desta década, o investimento dirigiu-se para Angola, e em menor escala para a Venezuela.

Numa segunda fase, já sob a influência do «choque energético» da segunda metade da presente década – forte crescimento dos preços do petróleo e os cada vez maiores receios quanto à segurança do abastecimento futuro – gerou-se uma busca de expansão para os mercados de países produtores de petróleo e gás natural. Para o Brasil, de novo, agora no que respeita à participação na exploração do offshore petrolífero e, muito em especial, para Angola, sendo que neste caso foi acompanhado por um movimento recíproco de tomada de posições accionistas por parte de capitais angolanos em vários dos pólos empresariais referidos. Nesta segunda vaga, distinguiram-se as empresas de obras públicas que se transformaram em importantes exportadoras e investidoras no exterior.

Portugal tem, pois, actualmente, uma «estratégia implícita» para a globalização que assenta em três pilares: a presença na UE, a integração ibérica e o reforço prioritário de relações económicas com o Atlântico Sul. Esta «estratégia implícita» tem três limitações sérias. A primeira tem a ver com o facto de não assegurar ligações a economias que estejam a crescer com base no engenho e no conhecimento, concentrando-se em economias – Espanha e Atlântico Sul – que crescem, ou cresceram, baseadas na «terra» (matérias-primas, energia, alimentos e agroindústrias, construção civil e turismo). A segunda reside na tentativa de compensar a desproporção com a Espanha atribuindo um papel-chave à América Latina, região do mundo em que a Espanha está vitalmente interessada e onde detém activos desproporcionalmente superiores aos de Portugal, colocando o país na completa dependência do Brasil para gerir esta desproporção. E, por fim, não atribui nenhum papel relevante na aérea geoeconómica aos parceiros estratégicos de Portugal no Atlântico Norte: Estados Unidos e Canadá.

 

Uma vizinhança gerida com êxito, uma aposta vencedora na globalização

Gostaríamos de colocar como hipótese de princípios orientadores de uma estratégia para nos relacionarmos em profundidade com a Espanha, sem riscos de subordinação no longo prazo, princípios que partem da necessidade de alinhar inserção geoestratégica e geoeconómica de modo a tirar o maior partido da globalização para o crescimento e autonomia de decisão portuguesa. Portugal deve reforçar a nível global as relações com os estados unidos e países que a nível global reconhecem as vantagens de uma relação com os estados unidos, mantendo obviamente a sua autonomia de decisão regional. Portugal na Europa tem vantagem em manter um relacionamento económico privilegiado com a Alemanha, o estado e a economia hoje líder na UE, oferecendo o espaço atlântico como factor de equilíbrio geoeconómico aos sectores que na Alemanha receiam uma excessiva continentalização; com Portugal explorando a fundo as relações com a Noruega e a Holanda na valorização da sua presença desse espaço atlântico.

Portugal deverá apostar privilegiadamente nas relações com a Ásia e o Índico, nomeadamente com «estados intersticiais», Qatar e Singapura – que se situam a oeste e a leste da índia. o novo parceiro principal que Portugal deverá procurar na Ásia, em conjunto com a reactivação das relações históricas com o Japão. Portugal deve também aprofundar as relações com o atlântico sul e dinamizar a CPLP tendo como perspectiva estratégica alinhar o mundo de expressão portuguesa com o mundo anglo-saxónico. a globalização não se vai gerir a partir da organização de espaços macrorregionais assentes na proximidade geográfica, mas sim na constituição de redes mundiais transversais que permitam maximizar a autonomia regional dos países que nelas se envolvam.

Na Península ibérica, Portugal deverá sempre desejar a unidade e a grandeza da Espanha, sem ter que, a nível geoeconómico, colocar Madrid no centro dos seus projectos.