SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número28Um século ainda pequenoFunção presidencial e política externa índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.28 Lisboa dez. 2010

 

Breve ensaio sobre a política externa portuguesa

 

Nuno Severiano Teixeira

 

RESUMO

Portugal viveu, sempre, um equilíbrio instável, entre a pressão continental e a procura de uma alternativa marítima. Dessas condicionantes geopolíticas e desta contínua tentativa de equilíbrio decorrem movimentos de longa duração que foram definindo permanências nas opções estratégicas e nas características históricas da política externa portuguesa, que podemos definir como estruturas ou modelos de inserção internacional. E, historicamente, Portugal conheceu três modelos de inserção internacional, a que correspondem, também, três momentos históricos diferentes.

Palavras-chave: Portugal, política externa portuguesa, Estado Novo, União Europeia

 

Brief essay about the Portuguese foreign policy

ABSTRACT

Portugal has always lived an unstable balance between the continental pressure and the search for a maritime option. In this way some movements had defined the continuities in the strategic options and in the historical features of the Portuguese foreign policy, which we may define as structures or international insertion models. Historically, Portugal has known three models of international insertion also connected with three different historical periods.

Keywords: Portugal, Portuguese foreign policy, Estado Novo, European Union

 

 

País europeu, Portugal é também um país atlântico. Pequena potência, semiperiférica e com uma só fronteira terrestre, Portugal viveu, sempre, um equilíbrio instável, entre a pressão continental e a procura de uma alternativa marítima. Dessas condicionantes geopolíticas e desta contínua tentativa de equilíbrio, decorrem movimentos de longa duração que foram definindo permanências nas opções estratégicas e nas características históricas da política externa portuguesa, que podemos definir como estruturas ou modelos de inserção internacional.

E, historicamente, Portugal conheceu três modelos de inserção internacional, a que correspondem, também, três momentos históricos diferentes.

 

Heranças do passado

O primeiro modelo é o do Portugal medieval. Até ao século XV, as relações externas de Portugal desenvolvem-se no quadro da Península Ibérica, entre cinco unidades políticas, todas elas mais ou menos da mesma dimensão e potencial: os reinos peninsulares – Castela, Leão, Navarra, Aragão e Portugal.

A luta contra o islão no interior da Península e as limitações científico-tecnológicas inviabilizavam, de resto, quaisquer relações sustentadas extrapeninsulares. Durante a Idade Média, as relações externas de Portugal desenvolvem-se, pois, no quadro intrapeninsular e num ambiente internacional de equilíbrio quase natural.

O segundo modelo começa a desenhar-se a partir do século XV, estende-se ao longo de cinco longos séculos e só termina entre 1974 e 1986, com o processo de democratização e a integração europeia. é o modelo histórico, ou o modelo clássico de inserção internacional do País.

O que muda, então, relativamente ao modelo medieval? Praticamente, tudo, a começar pela condicionante geopolítica. Primeiro, a vitória sobre o islão e a unificação da Espanha, pelos reis católicos, convertem a Península Ibérica em duas unidades de desigual dimensão e potencial – Portugal e Espanha. Segundo, a evolução científica e tecnológica vem possibilitar o desenvolvimento sustentado de relações internacionais extrapeninsulares.

O equilíbrio medieval converte-se num desequilíbrio geopolítico, o que obriga Portugal a procurar uma compensação para esse desequilíbrio. A costa atlântica e a capacidade de sustentação de relações extrapeninsulares vão possibilitar a construção de um vector de compensação: o vector marítimo. A partir de então, Portugal passa a viver sob a tentativa constante de equilíbrio, entre a pressão continental da Espanha e a procura de uma compensação marítima do Atlântico.

Daqui decorrem os invariantes históricos que caracterizam o segundo modelo de inserção internacional, o modelo clássico. Primeiro, uma percepção contraditória entre o continente e o mar, entre a Europa e o Atlântico. Segundo, o afastamento estratégico em relação à Europa (percepcionada como ameaça espanhola) e a afirmação do vector marítimo e da opção atlântica de Portugal. Terceiro, no quadro da opção atlântica, dois movimentos de longa duração histórica na orientação externa do estado: em primeiro lugar, a aliança privilegiada com a potência marítima (a aliança inglesa, os Estados Unidos da América, a NATO); em segundo lugar, o projecto imperial (nos seus vários ciclos: a Índia, o Brasil, a África). Quarto, a diversificação das alianças extrapeninsulares relativamente à Espanha e uma diplomacia, fundamentalmente bilateral, assente no triângulo Lisboa-Madrid-Londres e, depois de 1945, Lisboa-Madrid-Washington. É este modelo que preside às relações internacionais de Portugal durante cinco séculos e são, ainda, estas linhas de orientação estratégica que dão forma à política externa portuguesa até ao fim do estado novo.

São essas opções de afastamento das questões europeias, de afirmação de um Portugal atlântico e colonial e do equilíbrio triangular entre Lisboa, Londres e Madrid que estão presentes na posição portuguesa perante a Guerra Civil de Espanha e na neutralidade durante a II Guerra Mundial. E são essas mesmas opções que continuam a presidir à posição portuguesa na ordem internacional da Guerra Fria: a integração no sistema de segurança Atlântico e a entrada de Portugal na NATO; a reticência e o pragmatismo face ao processo de construção europeia, com a participação nos projectos de cooperação económica e a recusa de qualquer forma de integração política; e, finalmente, a recusa da descolonização e a defesa intransigente do Império.

Opções estas que correspondem, com uma clareza meridiana, ao segundo modelo histórico, o modelo clássico de inserção internacional de Portugal.

Em primeiro lugar, a percepção contraditória, entre a Europa e o Atlântico, que atinge o «paroxismo» no final do Estado Novo, precisamente, no debate político entre as duas opções estratégicas para o País: a africanista e a europeísta.

Em segundo lugar, o afastamento da Europa e o predomínio da opção atlântica e colonial. Predomínio no plano político e na esfera económica. No plano político, com um dispositivo diplomático e estratégico totalmente assente no vector atlântico: integração na NATO e alianças privilegiadas com Washington e Londres. Na esfera económica, com um dispositivo geoeconómico, basicamente, ultramarino e colonial. E que, mesmo quando o pragmatismo obrigava o País a uma aproximação às instituições económicas europeias, essa aproximação continuava a fazer-se num quadro estratégico atlântico e nunca continental. A entrada de Portugal na EFTA é disso o exemplo mais acabado. Em terceiro lugar, a diversificação constante das alianças extrapeninsulares. No quadro atlântico, Portugal entra na NATO, a Espanha não. No quadro europeu, Portugal entra na EFTA, a Espanha não. Dito de outro modo, Portugal estará sempre onde a Espanha não está.

Finalmente, a persistência da diplomacia bilateral, assente no triângulo Lisboa, Madrid e potência marítima.

A democratização em Portugal trouxe consigo a alteração de todo este quadro da política externa. Mas trouxe mais do que isso. A transição para a democracia e a consolidação democrática em Portugal e na Espanha e a própria evolução internacional conduziram, em apenas doze anos (1974-1986), ao desaparecimento deste modelo histórico de inserção internacional de Portugal, velho de cinco séculos.

 

Mudanças do presente

O fim do regime autoritário e o processo de transição à democracia que se inicia em 25 de Abril de 1974 vêm determinar uma redefinição da política externa portuguesa de acordo com o espírito do programa do Movimento das Forças Armadas (MFA), que se traduzia, sinteticamente, pela fórmula «democratização; descolonização; desenvolvimento». Apesar de o programa do MFA assegurar o cumprimento de todos os compromissos internacionais de Portugal, tornava-se claro que esses dois simples princípios – democratizar e descolonizar – implicariam uma reinterpretação política desses mesmos compromissos e uma alteração de fundo na orientação externa do Estado português.

A descolonização constitui o primeiro grande desafio da política externa do regime democrático. Mas, ao mesmo tempo que decorre o processo de descolonização, Portugal ultrapassa o isolamento internacional do fim do estado novo e estabelece relações diplomáticas com os países do bloco soviético e do Terceiro Mundo.

Todavia, a descolonização e a abertura ao mundo não bastavam, por si só, para a definir as novas orientações externas da democracia portuguesa. Muito pelo contrário. Sob as lutas ruidosas do processo de democratização interna, trava-se uma outra luta, esta silenciosa, sobre os objectivos e as opções estratégicas da política externa portuguesa. Entre Abril de 1974 e Janeiro de 1986, a política externa portuguesa oscilou entre duas orientações de fundo, que marcaram, igualmente, duas fases distintas: a da transição para a democracia, correspondente ao período pré-constitucional, dominado pelo processo revolucionário; e a da consolidação democrática, correspondente ao período constitucional, marcado pela institucionalização e pela estabilização do regime democrático.

O período pré-constitucional (1974-1976) caracterizou-se pela luta em torno das opções externas do País, pelo exercício de diplomacias paralelas e, consequentemente, pela indefinição da política externa. Apesar das lutas, das hesitações e da indefinição, durante os governos provisórios e em particular aqueles de maior preponderância militar, a orientação global da política externa portuguesa tende para uma opção terceiro-mundista e para o desenvolvimento de relações privilegiadas com os novos países saídos da descolonização portuguesa. Era o último avatar, agora socializante, da tese da «vocação africana» de Portugal.

O período constitucional (a partir de 1976), que se inicia, precisamente, com o I Governo constitucional, caracterizou-se pela clarificação da política externa portuguesa e pela definição unívoca e rigorosa do posicionamento externo do Estado. Portugal assume, então, inteiramente, a sua condição de país ocidental, simultaneamente, europeu e atlântico. Serão estes, pois, os dois vectores fundamentais e as verdadeiras opções estratégicas do Portugal democrático.

O vector atlântico significou para Portugal a permanência das características históricas da sua política externa e jogou um papel importante não só ao nível da orientação externa como também da estabilização interna do País. O reforço das relações bilaterais com os Estados Unidos e o reempenhamento nos compromissos militares com a NATO constituíram a sua tradução mais visível.

A «opção europeia» será, porém, a grande novidade da política externa do regime democrático. Ultrapassadas as resistências antieuropeias, primeiro, da opção africana do regime autoritário, depois, da tentação terceiro-mundista do período revolucionário, Portugal assume, claramente, a partir de 1976, a «opção europeia». Agora, não mais com uma perspectiva estritamente económica e pragmática, como no Estado Novo, mas enquanto opção estratégica e projecto político. É o tempo da «Europa Connosco». Em 1976, Portugal entra no Conselho da Europa. Em 1977 pede, formalmente, a adesão à Comunidade Europeia. E em 1985 assina o Tratado de Adesão. E a partir de 1 de Janeiro de 1986, Portugal torna-se membro de pleno direito da, então, Comunidade Europeia. Se à opção europeia e ao vector atlântico acrescentarmos o estabelecimento de relações de amizade e cooperação com os novos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e o renovar das relações com o Brasil, encontraremos aquelas que são as linhas, fundamentais, de orientação estratégica da política externa da democracia.

A partir da década de 1990, a estes três eixos vem juntar-se um quarto: a participação portuguesa na produção de segurança internacional, com a presença dos militares portugueses nas operações de paz da NATO, da União Europeia (UE) e das Nações Unidas. As forças armadas tornam-se instrumento da política externa.

 

Desafios do futuro

As mudanças introduzidas pelo regime democrático não são, porém, de curto prazo, nem se limitam às prioridades da política externa. Parecem de longa duração e tudo indica que estão a conduzir Portugal a um novo modelo de inserção internacional – o modelo democrático de inserção internacional.

Mas o que caracteriza, então, o modelo democrático? Quais as permanências e quais as mudanças?

Primeiro, as permanências. Decorrem dos factores estruturais e geopolíticos que não se alteram e respeitam, fundamentalmente, às áreas de interesse estratégico de Portugal que se mantêm: a Europa, o Atlântico e as relações pós-coloniais.

Segundo, as mudanças. Decorrem dos factores históricos e alteram as quatro características do modelo anterior, a que deve juntar-se uma quinta, inteiramente nova.

Em primeiro lugar, muda a percepção e a lógica contraditória entre o continente e o mar. Hoje, a Europa e o Atlântico não só não são termos contraditórios como são complementares. Para a política externa portuguesa, ser atlântico pode significar valor acrescentado na Europa, tal como ser europeu pode ter valor acrescentado no atlântico e, em particular, o Atlântico Sul, onde se desenvolvem as relações pós-coloniais.

Em segundo lugar, no binómio Europa-Atlântico mantém-se a equação geopolítica mas invertem-se as prioridades estratégicas: tradicionalmente, Portugal pensava-se como um país atlântico e colonial e, quando o peso do vector marítimo era excessivo, procurava compensações continentais. Hoje, pelo contrário, pensa-se como país europeu e é como membro da UE que procura valorizar e potenciar a posição atlântica e as relações pós-coloniais.

Em terceiro lugar, e como resultado da democratização em Portugal e na Espanha, os dois estados peninsulares aproximaram as suas posições internacionais. Significa isto, pelo menos, duas coisas: em primeiro lugar, que o dispositivo geoeconómico português se continentalizou com a entrada na comunidade europeia e, para Portugal, o mercado único começa no mercado ibérico; em segundo lugar, que os dispositivos diplomáticos e estratégicos de Portugal e Espanha se aproximaram, progressivamente e, pela primeira vez na sua história, Portugal e Espanha partilham, hoje, as mesmas alianças extrapeninsulares: a UE e a NATO.

Em quarto lugar, como resultado da globalização, da interdependência das relações internacionais e da valorização dos quadros diplomáticos multilaterais, ao velho triângulo bilateral Lisboa, Madrid e potência marítima junta-se, hoje, um novo triângulo multilateral, correspondente à presença de Portugal nas organizações internacionais das suas áreas de interesse estratégico: a UE na Europa, a NATO no Atlântico e a CPLP para as relações pós-coloniais.

Finalmente, um elemento novo, quinta característica do modelo democrático de inserção internacional: uma política externa de valores. Teve a sua origem, ainda no Estado Novo, no debate entre africanistas e europeístas. Para os africanistas, a manutenção do império implicava a continuação da guerra e a guerra implicava a continuação do regime autoritário. Para os europeístas, a integração europeia implicava a descolonização e a descolonização implicava a democratização. Significa isto que os valores da democracia e do Estado de direito estão na própria matriz genética da política externa do regime democrático. E nas suas opções estratégicas essenciais, a democracia acabará por concretizá-los. Na UE como na Aliança Atlântica, todos os parceiros e aliados de Portugal são democracias. E a presença das forças armadas Portuguesas nas missões de paz, sob a égide das nações unidas, confirma essa diplomacia de valores que teve na independência de Timor um dos seus maiores sucessos. A política externa parte, sempre, da formulação dos interesses. Mas no modelo democrático, não só não ignora como assume o seu quadro de valores. Valores que para Portugal são os da democracia, do estado de direito e da segurança humana.

Ora, é no quadro do modelo democrático de inserção internacional que Portugal terá de pensar os seus desafios futuros.

Em primeiro lugar, os desafios no plano global do sistema internacional.

O primeiro desafio global e a prioridade das prioridades é, hoje, a superação da crise económica e financeira internacional. Não é, bem entendido, uma questão de política externa. Ou melhor, é muito mais que uma questão de política externa, mas não deixa de ter, para Portugal, uma fortíssima componente internacional. Primeiro, porque sendo a economia portuguesa uma economia pequena e aberta, Portugal depende da evolução económica e dos mercados internacionais. Segundo, porque sendo membro do euro, é objecto dos ataques dos mercados financeiros internacionais ao euro e é no quadro do euro que terá de procurar a solução para os seus problemas nos campos económico e financeiro. O que significa, desde logo, reafirmar o empenhamento europeu de Portugal.

Um segundo desafio, no plano global, é o da segurança internacional e da prioridade que deve merecer a contribuição de Portugal para a segurança e a paz no mundo. Num ambiente estratégico internacional marcado pela proliferação do terrorismo e das armas de destruição maciça, dos conflitos étnicos e religiosos, dos estados falhados, da criminalidade organizada e da pirataria internacional, o quadro de segurança não pode ser outro que o da segurança cooperativa.

E, nesse quadro, Portugal tem desempenhado e deve continuar a desempenhar um papel de produtor líquido de segurança internacional. Essa é uma prioridade para Portugal. E num quadro de segurança global e cooperativo, a prioridade da presença nacional deve avaliar-se não só a partir do tradicional critério de ordem histórico ou de proximidade geográfica mas, sobretudo, num critério de segurança internacional. A presença dos militares portugueses nas missões internacionais das Nações Unidas, da NATO e da UE é do interesse estratégico de Portugal e tem constituído não só um factor de modernização das Forças Armadas mas também um factor de credibilidade externa do Estado.

Finalmente, um terceiro desafio global é o da estabilidade e reforço do vínculo transatlântico. Abalado pela crise pós-intervenção americana no Iraque e restaurado pela administração Obama, é, hoje, confirmado pela reentrada da França na estrutura militar integrada da NATO e pelo novo conceito estratégico da aliança, aprovado em Lisboa. O vínculo transatlântico é e continua a ser um garante da segurança internacional. Se outra razão não houvesse, essa seria já razão bastante para que fosse do interesse estratégico de Portugal. Mas há. País, simultaneamente, europeu e atlântico, não interessa a Portugal a clivagem entre os dois lados do Atlântico e muito menos ser obrigado a uma opção entre Europa ou Estados Unidos. Interessa, pelo contrário, valorizar a dupla pertença: fazer valer a sua condição de país europeu na relação com os Estados Unidos e rentabilizar a sua relação transatlântica enquanto membro da UE. E é por isso que no quadro nacional e no quadro da União deve trabalhar neste sentido.

Em segundo lugar, os desafios no quadro da UE.

O primeiro desafio e a primeira prioridade é, hoje, o da superação da crise do euro. É, sem dúvida, uma questão económica e financeira. Mas é muito mais do que isso. É uma questão política da maior importância, porque, em boa medida, do sucesso ou insucesso do euro depende o sucesso ou insucesso do projecto europeu. A Europa económica depende, hoje, de mais Europa política. Isto é, do aprofundamento do projecto europeu. E se a União Europeia quiser continuar a ter uma moeda única terá de desenvolver uma política económica comum. E isso é do interesse de Portugal. E é nesse quadro que Portugal terá, em primeiro lugar, de consolidar as suas finanças públicas. Não só para resolver o seu problema nacional, mas também para não fragilizar o euro. E em segundo lugar, repensar o seu modelo de desenvolvimento económico, de modo a relançar o crescimento, o emprego e as exportações.

O segundo desafio europeu é o das questões institucionais e políticas. Potência média no quadro europeu mas, geograficamente, periférica, é do interesse de Portugal estar, sempre, no centro da construção europeia. Esta é uma prioridade central para a política europeia de Portugal. Enquanto membro, não interessam a Portugal «directórios» nem uma Europa a diferentes velocidades. Mas se a evolução do processo de integração europeia a isso conduzir e impuser quaisquer «geometrias variáveis», o interesse nacional aconselha a presença portuguesa em todos os «núcleos duros» ou «cooperações reforçadas» que vierem a constituir-se. Com a entrada em vigor, do Tratado de Lisboa, em Dezembro de 2009, a UE passou a dispor de um conjunto de instrumentos institucionais para melhor responder aos desafios que enfrenta, quer no plano interno, com as mudanças institucionais para garantir maior eficácia numa Europa alargada a 27, quer no plano internacional, com o reforço dos mecanismos de acção externa que lhe permitem maior consistência e maior coerência na resposta aos desafios de um mundo globalizado. Em particular, na Política Comum de Segurança e Defesa com a criação do novo mecanismo da «cooperação estruturada permanente». Ora, tal como Portugal esteve na linha da frente da moeda única e fez parte do núcleo duro da integração europeia, também agora é do interesse nacional estar em qualquer núcleo duro da segurança e defesa que, eventualmente, venha a formar-se. A razão é simples: é que o caminho mais curto e a estratégia mais eficaz para superar a periferia geográfica é conquistar a centralidade política. Antes dizia-se que depois da Europa económica chegaria o momento da Europa política. Hoje, depois da crise do euro, terá de dizer-se que sem mais Europa política estará em risco a própria Europa económica. E é do interesse estratégico de Portugal apoiar esse objectivo e integrar essa estratégia.

Em terceiro lugar, os desafios no quadro peninsular e das relações com a Espanha.

No modelo tradicional, a Espanha era pensada como ameaça e toda a lógica da relação com a Espanha era a lógica da fortaleza. Fortaleza no campo económico, reduzindo ao mínimo as trocas e voltando todo o dispositivo geoeconómico para o mar. No campo diplomático e militar, construindo fortalezas ao longo da fronteira e alianças com as potências marítimas. Até na sociedade e nos costumes esse princípio se traduzia no ditado popular: «De Espanha nem bom vento nem bom casamento.»

Hoje, todo este modelo se desvaneceu. Com a democratização e a integração europeia,

O dispositivo geoeconómico português continentalizou-se e as alianças externas dos dois países ibéricos aproximaram-se de tal forma que são, hoje, coincidentes. Mas significará essa coincidência que se desvaneceu, também, o interesse nacional? Não. Muito pelo contrário. Significa que o interesse nacional permanece. Mas que se tornou mais exigente a sua formulação e mais complexa a sua defesa. Porque a lógica da fortaleza deixou de funcionar. Numa economia aberta e num espaço sem fronteiras, como é o do mercado único, a estratégia não está na construção de fortalezas. Está, sim, na competitividade da economia e na clarividência da política externa.

O primeiro desafio é, pois, de natureza essencialmente económica: a capacidade para manter em Portugal centros de decisão económica nos sectores estratégicos para o País; e a competitividade da economia portuguesa, a capacidade de concorrência e penetração das empresas portuguesas no mercado espanhol.

O segundo é de natureza, essencialmente, política: num quadro de integração económica e de excelente relação política, as relações luso-espanholas exigem da política externa grande clareza na formulação dos objectivos e grande flexibilidade na execução da estratégia. Porque se a integração das economias e a excelente relação política dos estados comporta para Portugal um conjunto de potencialidades comporta, na mesma medida, outras tantas vulnerabilidades. Como, de resto, se tem visto na recente crise. E é por isso que o interesse nacional exige, e, por vezes, em simultâneo, um reforço da cooperação, onde os interesses sejam comuns, e uma clara e firme diversificação, onde os interesses sejam diferentes.

Em quarto lugar, os desafios no plano das relações pós-coloniais. No actual modelo de inserção internacional, as relações pós-coloniais têm funcionado como um importante mecanismo de compensação às prioridades europeia e atlântica. Compensação que ganha maior peso e mais defensores sempre que se agudizam as crises no quadro transatlântico ou no quadro europeu. E num contexto como o da crise actual, em que regressam as vozes em defesa da prioridade pós-colonial, importa sublinhar que neste modelo, as relações pós-coloniais devem desenvolver-se, precisamente, como um mecanismo de compensação e num quadro de complementaridade com as prioridades europeia e atlântica.

Ora, nas relações pós-coloniais, o desafio coloca-se tanto no plano bilateral como no plano multilateral.

No plano bilateral, é óbvio, mas não poderá deixar de se dizer que é do interesse estratégico de Portugal o reforço das relações com os países de expressão portuguesa. E não só no campo político mas também no domínio económico. E no que toca às relações económicas com os países de expressão portuguesa, a prioridade para Portugal deve dirigir-se para os sectores de maior inovação e que representem modernização para a economia portuguesa. Consequentemente, a prioridade deve dirigir-se para os países cujas economias constituam um factor de modernização para a economia portuguesa. Nesse sentido, na hierarquia das prioridades, por exemplo, o Brasil tenderá a ser mais importante que Angola.

No plano multilateral, é do interesse português que a CPLP possa constituir um instrumento diplomático credível e operacional para os países de língua portuguesa. Mais, pode e deve alargar as suas áreas de intervenção, para além da língua e da cultura, às esferas económica e da segurança. Mas não pode nem deve tomar-se a CPLP por aquilo que ela não é. Sem contiguidade geográfica e com os membros dispersos por vários continentes e integrados em diferentes organizações regionais, a CPLP não pode substituir-se a essas organizações nem desempenhar as suas funções internacionais. Mas pode e deve constituir um instrumento diplomático e um mecanismo de compensação para que os países de língua portuguesa possam ganhar margem de manobra e poder acrescido nas áreas regionais em que se integram. Num mundo em globalização e em que se multiplicam as redes de pertença, faz todo o sentido uma rede de língua portuguesa e Portugal deve potenciá-la.

Finalmente, um último desafio: o dos valores. A política externa parte da formulação dos interesses. Mas, no modelo democrático, a política externa não ignora e não pode ignorar o seu quadro de valores: a Democracia, o Estado de direito e a segurança humana. E a democracia portuguesa que teve uma das maiores vitórias da sua política externa na questão de Timor Leste que assentou, por inteiro, numa diplomacia de valores, deve assumir esse princípio como uma das prioridades da sua política externa. E na escolha dos seus parceiros privilegiados, sobretudo na diplomacia económica, onde mais pesam os interesses, não pode nem deve ignorar os valores. Os resultados económicos, que são importantes, não justificam por si só relações privilegiadas com regimes que não partilham os valores da democracia mas não justificam, sobretudo, o silêncio sobre questões de direitos humanos que esses regimes, eventualmente, não respeitem. Sobretudo, quando nesses regimes os resultados económicos são uma dúvida e o desrespeito pelo Estado de direito é uma certeza.

O equilíbrio entre os interesses e os valores constitui, pois, um último desafio para a política externa portuguesa.