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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.27 Lisboa set. 2010

 

Mundo Árabe

 

Isabel Alcario

Investigadora do IPRI–UNL. Mestre em História das Relações Internacionais pelo ISCTE e doutoranda em Ciência Política no ICS–UL.

 

Noah Feldman, The Fall and Rise of the Islamic State

Princeton, Princeton University Press, 2008, 200 pp.

Recentemente reeditado na versão paperback, o livro de Noah Feldman, professor de Direito na Harvard Law School e investigador no Council on Foreign Relations, é sem dúvida uma obra controversa e fundamental para quem deseje compreender o que é, afinal, o Estado islâmico, qual o significado do apelo ao estabelecimento da shari’a (que resumidamente poderá ser definida como a lei islâmica) por parte de diferentes movimentos islamitas e quais as possibilidades de estabelecimento de um Estado islâmico nos países onde estes movimentos islamitas obtêm vitórias eleitorais.

Para esclarecer estas questões, o autor vai desenvolver uma análise da história constitucional islâmica, partindo dos tempos do apogeu da shari’a – quando era um sistema de leis equilibrado em que uma constituição não escrita era analisada e interpretada por um corpo de ulema e administrada pelos governantes, mas que enfraqueceu através das reformas introduzidas no período final do Império Otomano na sua tentativa de se aproximar das potências europeias. Deste modo, a introdução de uma constituição escrita e a abolição do califado terão, de acordo com o autor, eliminado o sistema de checks and balances desenvolvido pelos ulema, levando ao aumento do poder dos governantes face à diminuição da justiça e da lei. Daí que, se, teoricamente, o islamismo apela ao estabelecimento de um Estado islâmico, este apelo, na verdade, procurará recuperar para o Estado uma ordem islâmica inspirada nos primeiros anos do islão, mas sem negar uma interpretação contemporânea que se adapte à realidade do momento, legitimada pelo próprio islão (p. 111).

Então, para Feldman, a defesa do regresso ao império da shari’a deve ser entendida como uma reivindicação para que as leis sejam elaboradas seguindo a origem cultural islâmica, isto é, um apelo ao império da lei e da justiça e não a defesa da restauração da ordem islâmica clássica, estabelecida a partir do desenvolvimento e da acção de instituições baseadas numa forma de vida e de governo tradicional e familiar. Por isso, o autor afirma mesmo que os islamitas estarão dispostos a «contornar e até repudiar implicitamente certos aspectos da tradição que intervêm entre o Profeta e a era moderna» (p. 108), vontade que reflectirá as diferenças entre os movimentos islamitas e outros movimentos mais conservadores e radicais e que implica que os textos sagrados do islão possam ser interpretados individualmente.

Nesta linha, o autor defende que quando as vozes islamitas apelam ao restabelecimento da shari’a, apelam à regência da shari’a, mas não ao governo pelos clérigos, que deverão ter um papel de consultores. Logo, Feldman acredita que é possível a existência de um Estado islâmico no mundo contemporâneo, pois passaria pela emergência de uma estrutura institucional que implicasse um equilíbrio de poderes.

Esta obra acaba assim por tentar demonstrar que a reivindicação do Estado islâmico, que tanto assusta o Ocidente, não passará de um apelo à reciclagem do quotidiano político árabe e muçulmano dado que recupera a ideia de que o Estado islâmico clássico seria mais justo e mais correcto para as populações do que os governos autoritários que governam na região.

 

Ferran Izquierdo Brichs (ed.), Poder y regímenes en el mundo árabe contemporáneo

Barcelona, Fundació CIDOB, 2009, 416 pp.

Partindo dos instrumentos teóricos da sociologia do poder para «sistematizar a análise das estruturas de poder que regem qualquer sociedade» (p. 19), Ferran Izquierdo, professor na Universitat Autònoma de Barcelona, reuniu vinte e oito especialistas do mundo árabe contemporâneo para desenvolver um estudo que representa um esforço aprofundado de analisar as relações de poder que definem os regimes do mundo árabe contemporâneo, bastante diversos entre si (Argélia, Marrocos, Mauritânia, Egipto, Arábia Saudita, Síria, Líbano, Palestina e Jordânia).

Cada um dos capítulos identifica as elites do regime («indivíduos que se encontram numa posição hierárquica superior nas instituições sociais e cuja sobrevivência nesta posição depende da sua capacidade para competir pela acumulação de poder» e de recursos, p. 25) e sendo que nos países analisados o controlo dos recursos de poder está nas mãos de um grupo muito restrito, é possível assumir que a sobrevivência autoritária nestes regimes se deve precisamente a este ponto, pois a democratização do regime debilitaria o papel da elite actual, abrindo a possibilidade de acesso ao controlo do Estado a novas elites.

Efectivamente, como Izquierdo e Kemou indicam, o principal recurso pelo qual as elites do mundo árabe competem é o Estado, e se, seguindo Arendt ou Weber, os autores afirmam que «um dos aspectos mais valiosos do Estado, como recurso de poder para as elites que o controlam, é a “legitimidade” no exercício de governo e no uso da violência» (p. 41), então, é a fraca legitimidade das elites dos casos estudados que leva à utilização de mecanismos coercivos para controlo da sociedade. Daí que a relação destas elites com a população geral seja de distribuição de recursos, levando a que o seu poder seja tanto mais autoritário quanto menor for a capacidade de negociação da população. Por isso, a cooptação de elites secundárias e a repressão também representam recur-sos fundamentais para o controlo do Estado por parte das elites na procura da estabilidade do regime.

O enfoque inovador desta obra permite aos seus autores superar as abordagens redutoras que por vezes surgem nas análises sobre a região, demonstrando que, ao invés da imagem de desordem muitas vezes generalizada, as elites do mundo árabe geraram uma enorme capacidade de sobrevivência (garante da estabilidade dos seus regimes), sendo extremamente bem-sucedidas no controlo dos recursos do respectivo país e, como tal, acabam por acumular mais influência do que as elites de outras sociedades.

Tendo o mérito de demonstrar simultaneamente a heterogeneidade das sociedades do mundo árabe, esta obra é importante quer para a compreensão das estruturas de poder da região, quer para o interesse mais alargado sobre os objectivos das elites e o papel dos seus recursos em qualquer sociedade. Fica a faltar a tradução para inglês para que se possa converter numa obra incontornável da comunidade académica internacional dedicada ao estudo das causas da persistência autoritária nesta e noutras regiões do mundo.

 

Ignacio Alvarez-Ossorio e Luciano Zaccara (eds.), Elecciones sin elección: procesos electorales en Oriente Médio y el Magreb

Madrid, Ediciones del Oriente y del Mediterráneo, 2009, 355 pp.

Resultado de um seminário organizado na Universidade de Alicante intitulado «Elecciones y transición política en el Mediterráneo árabe y su entorno», este livro reúne as comunicações de diversos especialistas sobre os processos e os sistemas eleitorais dos países da região do Médio Oriente e do Magrebe, com o objectivo de colmatar a falta de estudos de política comparada publicados sobre esta temática. Para os coordenadores da obra, é possível efectuar um estudo comparado sobre os sistemas políticos e eleitorais da região pois, apesar das grandes especificidades que encontraram em cada país, a verdade é que as suas funções e atribuições são idênticas às dos sistemas dos países de outras regiões do mundo.

Porém, e apesar de o capítulo introdutório apontar as semelhanças e as especificidades dos estudos e desenhar algumas conclusões gerais, ficou a faltar um capítulo final que aprofundasse a dimensão comparativa deste estudo. O livro está dividido entre três blocos de países, correspondendo o primeiro a países não árabes do Médio Oriente (Irão, Turquia e Israel), o segundo a países árabes da região (Egipto, Líbano, Palestina e Iémen) e, finalmente, o terceiro grupo aos países do Magrebe mais próximos da Espanha (Marrocos e Argélia).

Destaque-se que, ao falar em eleições nestes países, os autores desta obra colectiva procuram sobretudo responder à necessidade de identificar as eventuais mudanças (por pouco significativas que sejam) nestes sistemas políticos como resultado dessas eleições, analisando para tal as campanhas eleitorais, o grau de abertura das eleições, a possibilidade de participação de diferentes tendências, a transparência na contagem das votações e as suas implicações na evolução política de cada caso. Desta forma, é possível concluir que as eleições nos países abordados não são livres nem competitivas e não têm capacidade para produzir alterações significativas na estrutura de poder – a hipótese de afastamento de um líder político através de eleições é considerada nula e, na verdade, estas são mesmo apontadas como medida cosmética para mascarar práticas autoritárias dos regimes.

Esta impossibilidade de uma alternância real no poder, com a excepção dos casos da Turquia e de Israel, significa que ao falar em eleições neste conjunto de países falamos em eleições sem eleição, pelo que o interesse destas eleições reside tanto no que mostram como no que ocultam.

Finalmente, considerando o papel preponderante do islão político nestes países, os diferentes capítulos ilustram também as diferenças consideráveis entre os vários tipos de movimentos: entre partidos islamitas com orientação nacionalista (Líbano e Palestina) e partidos que defendem a criação de uma espécie de islamo-demo-racia, a sua ascensão política acaba também por implicar a sua adaptação às questões quotidianas dos cidadãos e o desgaste da retórica islamita.

Cada capítulo desta obra representa uma boa síntese da vida política de cada um dos países retratados, designadamente da vida institucional, partidária e dos espaços «parapolíticos», pelo que a sua leitura será certamente uma boa abordagem introdutória à região e às já chamadas «eleições sem eleição».

 

Stephen J. King, The New Authoritarianism in the Middle East and North Africa

Bloomington, Indiana University Press, 2009, 279 pp.

Desencantada com as promessas de liberalização política e democratização, a academia está cada vez mais dedicada a pensar sobre processos e conceitos como os «novos autoritarismos», quer seja sobre a China quer seja sobre o Egipto, por exemplo. É neste movimento que Stephen J. King, professor na Universidade de Georgetown, nos apresenta este estudo, útil para quem procure compreender as dinâmicas de poder no Médio Oriente e no Norte de África e aprofundar a distinção entre os chamados «velhos» e «novos autoritarismos».

Elegendo como casos de estudo o Egipto, a Tunísia, a Síria e a Argélia, quatro repúblicas da região, o autor analisa um complexo conjunto de variáveis para perceber as características, dinâmicas e tendências do governo autoritário, revelando como a privatização incentivada pela liberalização económica e as falsas reformas democráticas acabaram por reforçar o autoritarismo nestes países nas três últimas décadas.

Segundo King, o velho autoritarismo baseava-se na dominação política, apoiada quer na luta nacionalista quer na luta socialista, em que o Estado dominava a sociedade através do controlo da economia e da sociedade civil – isto é, através do controlo da indústria, dos serviços e dos recursos naturais, bem como dos sindicatos e das associações de defesa e promoção das mulheres ou religiosas. Já no caso dos novos autoritarismos, mantém-se o controlo da sociedade e da economia, mas sob o paradigma do mercado livre: privatiza-se, mas o controlo das empresas, das indústrias, dos serviços permanece nas mãos da mesma elite autoritária, e a aparente reforma política, mesmo em contextos onde se realizam eleições multipartidárias, permanece falaciosa.

Para o demonstrar, o autor analisa as semelhanças e as especificidades de cada caso estudado, abordando dimensões como o papel da religião e da cultura patriarcal na estruturação do Estado, das coligações dominantes e nas estratégias de legitimação e privatização dos regimes. Ora, de acordo com King, foi precisamente o processo de reforma económica o responsável pelo reforço do autoritarismo na região, não per se, mas porque não foi devidamente acompanhado pelas reformas políticas necessárias e as políticas desenvolvidas foram no sentido de assegurar a manutenção das elites governantes. Para o autor, os países estudados são hoje regimes corruptos e exclusivistas, em que a economia se encontra completamente politizada, levando-o a considerar este novo tipo de autoritarismo uma forma política imaginativa e dinâmica.