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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.27 Lisboa set. 2010

 

América do Sul e Brasil

 

Carmen Fonseca

Investigadora do IPRI–UNL. Assistente convidada no Departamento de Estudos Políticos da FCSH–UNL. Doutoranda em Relações Internacionais na FCSH – UNL, onde prepara uma tese de doutoramento sobre a política externa brasileira.

 

Gian Luca Gardini, The Origins of Mercosur. Democracy and Regionalization in South America

Nova York, Palgrave, 2010, 267 pp.

A América do Sul tem-se caracterizado por iniciativas diversas de processos de integração regional. Nesse sentido, são também abundantes os trabalhos académicos sobre estas matérias, em particular sobre o Mercosul, criado em 1991, e que tem tido uma evolução marcada por altos e baixos. Mas mais do que avaliar estes momentos, o livro de Gian Luca Gardini (Universidade de Bath) centra-se nas origens do Mercosul. O principal objectivo do livro é avaliar o papel da democracia no processo de regionalização da América do Sul.

O livro estrutura-se, numa primeira parte, com a contextualização histórica (ou, como o autor denomina, as investigações diplomáticas e análises históricas) das relações entre o Brasil e a Argentina, entendidas como o ímpeto para a criação do Mercosul. E, numa segunda parte, com «as investigações políticas e análises teóricas» que explora o conceito de democracia e o relaciona com a regionalização; analisa o papel da sociedade civil na criação do Mercosul, passando, finalmente, para a análise teórica da relação entre a democracia e a regionalização. Tendo em conta a percepção dos protagonistas entrevistados (todos consideram que a democracia foi fulcral neste processo), Gardini explora o papel das ideias na formulação da política externa com base nos argumentos de Goldstein e Keohane. Neste sentido, o autor tenta perceber porquê todos os protagonistas, argentinos e brasileiros, dão especial relevo ao papel da democracia, avançando com a hipótese de que a democracia desenvolve a visão dos líderes da região e molda as suas percepções, definindo interesses e comportamentos. Para tal, Gian Luca Gardini utiliza uma análise cognitiva da política externa e da democracia (entendida aqui como um conjunto de ideias e crenças com comportamentos associados) baseada na psicologia política, no construtivismo social, e na abordagem ideational. Os dois primeiros modelos ajudam a explicar as ideias e percepções a nível individual e sistémico, e o modelo desenvolvido por Goldstein e Keohane completa a análise ao fornecer os instrumentos para entender como funciona a influência das ideias na política externa. Deste modo, Gardini conclui que, embora nem sempre a alteração de regime político seja sinónimo de alteração da política externa (como é o caso do Brasil), a democracia foi um factor importante na integração do Brasil e da Argentina e foi a base da criação do Mercosul.

Um contributo interessante para os que estudam a génese e a evolução do Mercosul, e não apenas as suas crises. Mas, acima de tudo, uma abordagem criativa para compreender a evolução das relações Brasil-Argentina e a ligação entre a democracia e regionalização, no caso concreto do Mercosul. Ao que se soma um trabalho empírico e teórico muito bem fundamentado.

 

Luiz Felipe Lampreia, O Brasil e os Ventos da Mudança

Rio de Janeiro, Objetiva, 2010, 343 pp.

Luiz Felipe Lampreia, diplomata, exerceu o cargo de embaixador em vários postos (incluindo Lisboa), tendo passado ainda pela Secretaria-Geral do Ministério das Relações Exteriores (o Itamaraty). Entre 1995 e 2001 foi ministro das Relações Exteriores do governo de Fernando Henrique Cardoso, findo o qual abandonou o percurso político e a carreira diplomática, porque «cansei de mudanças e de ficar tão exposto aos azares da política». Tal como esclarece nas primeiras páginas do livro, o seu objectivo não foi fazer um livro de história diplomática ou a sua autobiografia (e não é) – o que aqui se apresenta é o testemunho e partilha das suas experiências enquanto actor (-chave) na «evolução da trajetória internacional do Brasil». Pese embora, pela informação disponibilizada, o livro se apresente, paralelamente, como um excelente instrumento de trabalho para os que centram a sua investigação na análise da política externa brasileira – não só pelos episódios relatados mas também pela fundamentação feita através de excertos de discursos do autor ou de textos publicados anteriormente.

O livro começa com uma retrospectiva em torno da génese da política externa brasileira, desde o início do século XX, e é composto por mais seis interessantes partes, organizadas cronologicamente a partir dos anos 1960 – altura em que Lampreia entrou para a carreira diplomática no Instituto Rio Branco. O sexto capítulo, o mais longo, trata especificamente os anos de Luiz Felipe Lampreia como ministro das Relações Exteriores. É feita a análise do papel do Brasil no conflito entre o Peru e o Equador, os meandros da assinatura do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, a evolução da política comercial do Brasil e a integração económica, bem como as suas relações com cada um dos países da «família» latino-americana, com os Estados Unidos, com alguns dos países da Europa, do Médio Oriente, de África e da Ásia.

Em jeito de conclusões, o autor formula, no último capítulo, «a década atual e a próxima», alguns dos actuais desafios do Brasil: um lugar permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o papel do país nos acordos internacionais de comércio, bem como, por um lado, a evolução do Estado democrático na região e, por outro, as mudanças climáticas e as armas nucleares (que o autor considera «o maior perigo da atualidade»). Finalmente, Lampreia reflecte sobre o «novo papel internacional do Brasil», embora não o defina claramente, e sobre as ambições do Governo – destaca o importante papel de Lula da Silva, mas aponta «erros» na gestão da sua política externa. Referindo-se às relações com o Irão, a Coreia do Norte ou o Sudão, Lampreia argumenta que dada a «nova posição do Brasil na hierarquia internacional», o país não pode ter uma política externa ambígua mas sim um «comportamento responsável».

 

Tullo Vigevani e Gabriel Cepaluni, Brazilian Foreign Policy in Changing Times – from Sarney to Lula

Lanham, Lexington Books, 2009, 169 pp.

O pano de fundo deste livro é a evolução da política externa brasileira desde o Governo de José Sarney (1985) até ao actual Governo de Lula da Silva (2009). O principal objectivo de Tullo Vigevani (professor na Universidade do Estado de São Paulo e um grande especialista em política externa brasileira) e Gabriel Cepaluni (Universidade de Georgetown) é a análise dos elementos de continuidade e de mudança da política externa brasileira desde a redemocratização do Brasil. A categoria analítica adoptada foi a noção de autonomia, que os autores consideram transversal a todos os governos, e que permite destacar a capacidade do país em desenvolver uma política externa livre de constrangimentos e pressões dos países mais poderosos. Depois desta análise, o livro fornece ainda um capítulo dedicado aos dilemas da integração regional do Brasil, e um último às relações entre o Brasil e a Venezuela, que ilustra o contraste dos tipos de autonomia em cada um dos países.

No que se refere à política externa do Governo de José Sarney, os autores argumentam que o Brasil foi largamente pressionado pelos Estados Unidos. Juntamente com as alterações no sistema internacional e interno registaram-se, por isso, no final do governo, alterações na política externa do Brasil que o levaram a adoptar, até certa medida, uma postura de «autonomia pela distância». O governo seguinte, de Collor de Mello, é marcado, no início, pelo alinhamento automático com os Estados Unidos. Em contrapartida, os autores consideram que a curta duração dos mandatos, tanto de Collor de Mello como de Itamar, assim como a instabilidade política e económica, não permitiu que fosse implementada uma política externa sólida. Para ilustrar o padrão da «autonomia pela participação», representado pelo Governo de Fernando Henrique Cardoso, os autores exploram o legado intelectual e prático do Presidente, destacam a diplomacia presidencial, bem como as relações com os Estados Unidos, a América do Sul, os processos de integração regional e a OMC. É tratada ainda a participação e inserção do Brasil na cena internacional o que implicou não só uma aproximação aos países mais ricos, mas também aos países do Sul de modo a aumentar a participação do Brasil nos regimes internacionais. Com Lula da Silva regista-se o que os autores apelidam de «autonomia pela diversificação». Os autores consideram que o objectivo do Governo de Lula é aumentar o estatuto internacional e regional do Brasil, semelhante ao de Fernando Henrique Cardoso que, em contrapartida, se desenvolveu de forma moderada. Acrescentam que a política externa de Lula, comparativamente com Fernando Henrique Cardoso, caracteriza-se pela mudança com continuidade, sendo marcada por alguns ajustamentos e novas orientações programáticas.

A grande mais-valia é reunir num mesmo volume alguns dos textos dos autores trazidos, anteriormente, a público de forma dispersa através da sua publicação em revistas académicas.

 

Lael Brainard e Leonardo Martinez-Diaz (org.), Brazil as an Economic Superpower? Understanding Brazil’s Changing Role in the Global Economy

Washington, Brookings Institution Press, 2009, 291 pp.

O livro, coordenado por Lael Brainard e Leonardo Martinez-Diaz, é resultado de uma conferência organizada pela Brookings Institution em 2008, em Washington. A obra está estruturada em quatro partes: agricultura e energia, política comercial, negócios e multinacionais e sociedade – que contribuem para a compreensão do lugar do Brasil no sistema económico, e para o debate sobre a definição do país como superpotência económica.

A aposta na agricultura e a definição de uma estratégia na área energética, motivadas por factores internos e externos, têm sido determinantes para a ascensão do Brasil. Mas, como refere André Meloni Nassar, se o Brasil pretende ser uma superpotência agrícola e agroenergética, necessita de melhorar as suas instituições para que sejam formuladas políticas adaptadas aos desafios actuais. Geraldo Barros, depois de traçar a evolução da política agrícola do Brasil, acrescenta que é necessário restabelecer os investimentos, em parceria com o sector privado. Em dois capítulos, Pedro da Motta Veiga e Maurício Mesquita Moreira, analisam a política comercial do Brasil desde os anos 1990, quando o Brasil abriu o seu regime comercial, e evidenciam a permanência de alguns assuntos relacionados com esse processo de liberalização. As questões dos negócios e da distribuição de rendimentos e oportunidades na sociedade brasileira são tratadas nos últimos três capítulos.

O primeiro capítulo, que serve também de introdução, da autoria dos coordenadores do livro, fornece um quadro geral da evolução da economia brasileira desde finais da década de 1940 e trata-a no quadro do acrónimo Bric. Os autores consideram que, actualmente, o Brasil está plenamente integrado na economia global, para o que contribuíram favoráveis conjunturas internas e externas – como a crise das matérias-primas na China e na Índia que levou ao aumento da procura na América Latina, e em particular, no Brasil. Brainard e Martinez-Diaz resumem essa conjuntura ao clima e às matérias-primas bem como ao legado político interno – e esta é a justificação que encontram para o facto de o crescimento sustentado e a ascensão no ranking da economia global ter ajudado para o sucesso do Brasil, e não para a sua decadência. Os desafios residem na forma como o Brasil irá lidar com este legado ao nível da política económica, e também como irá fazer a sua integração nos mercados mundiais, o que dependerá das políticas formuladas a nível interno. Quanto à pergunta que faz o título do livro, os autores consideram que, se por «superpotência» entendermos um país que exerce influência no exterior, então o Brasil pode ser definido como tal.