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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.27 Lisboa set. 2010

 

Europa

 

Ana Santos Pinto

Investigadora do IPRI–UNL. Assistente convidada no Departamento de Estudos Políticos da FCSH–UNL, onde prepara uma tese de doutoramento em Relações Internacionais.

 

Giandomenico Majone, Europe as the Would-be Power

Cambridge, Cambridge University Press, 2009, 259 pp.

Conhecer a natureza da União Europeia (UE) enquanto actor é uma das questões que tem inquietado os investigadores da integração europeia. Perante a diversidade de políticas e mecanismos, bem como as diferenças entre a retórica e a prática, muitos são os que se questionam sobre a estratégia e os métodos da construção europeia, sobre os princípios que a sustentam, os seus objectivos e resultados alcançados. Porém, poucos são os que o fazem de forma crítica, contestando o quadro normativo e, em particular, a ausência de importantes princípios democráticos.

Giandomenico Majone, professor emérito do Instituto Universitário Europeu de Florença, argumenta, na obra Europe as the Would-be Power, que a integração europeia tem sido desenvolvida de acordo com um «código operacional», baseado num sistema de princípios e regras que nunca foram discutidos publicamente. Este «código operacional», que não consta dos documentos oficiais da UE nem está presente no debate académico – segundo o autor, por ausência de sentido crítico –, é constituído por três grandes princípios. Em primeiro lugar, considera a integração uma prioridade, de importância superior à democracia; como exemplo, o autor destaca os alargados poderes legislativos da «não-eleita» Comissão Europeia, em contraste com as competências do Parlamento Europeu. Em segundo lugar, defende a aplicação recorrente do princípio do «facto consumado», o que torna o debate público inútil; tal fica demonstrado, por exemplo, através da criação e desenvolvimento da União Económica e Monetária, nunca discutida pelos cidadãos. E, finalmente, os fins últimos são considerados irrelevantes, sendo mais importante o processo para os alcançar. Ou seja, não importa qual a forma última da UE – um Estado federal, uma organização internacional de poderes alargados, etc. –, mas sim os processos e instrumentos utilizados para alcançar os objectivos que, gradualmente, vão sendo definidos.

Ao longo da obra, Majone procura analisar as principais questões da integração europeia: o défice democrático e a participação dos cidadãos, com particular destaque para os momentos de consulta popular e as suas consequências para o processo europeu; as diversas tipologias de federalismo e os modelos adoptados para o quadro institucional da UE; a Europa social e a diferença entre a realidade e as ambições; e, finalmente, a existência de uma «crescente união» numa estrutura com um igualmente crescente número de estados-membros.

Europe as the Would-be Power apresenta-se como um interessante trabalho crítico e abrangente, que se destaca pela perspectiva singular com que procura compreender a integração europeia.

 

Álvaro de Vasconcelos (ed.), Quelle défense européenne en 2020?

3.ª edição, Paris, European Union Institute for Security Studies, 2010, 210 pp.

Após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em Dezembro de 2009, a defesa europeia depara-se com importantes desafios, determinantes para o seu desenvolvimento. Qual o seu futuro e como se desenvolverá é o mote da obra Quelle défense européenne en 2020?, editada pelo Instituto de Estudos de Segurança da UE (ISS-EU), que sintetiza os contributos de várias personalidades do mundo académico e político. Editado em 2009 em língua inglesa, e posteriormente actualizado face aos desenvolvimentos e entrada em vigor do Tratado de Lisboa, esta obra conta com o prefácio de Catherine Ashton, a primeira alta-representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança e vice-presidente da Comissão Europeia.

O potencial impulso que o Tratado de Lisboa poderá dar ao aprofundamento da cooperação europeia em matéria de defesa constitui o tema central de todos os textos. No capítulo que reúne os contributos dos académicos, é dado particular destaque à necessidade de definição de uma estratégia comum, que reúna as esferas civil e militar, e que sustente uma verdadeira identidade europeia de defesa. Já no capítulo dedicado aos especialistas é dada prioridade às ambições definidas pelas instituições europeias – designadamente, o Conselho, a Comissão e a Agência Europeia de Defesa –, procurando salientar a necessidade de uma maior articulação e coerência de acção, bem como rentabilização de recursos. Finalmente, no capítulo relativo aos responsáveis políticos são apresentadas propostas de grandes linhas político-estratégicas para a defesa europeia, considerando que a UE deve assumir um papel de destaque na garantia da segurança internacional. Em tom de conclusão, o organizador da obra e director do ISS-EU, Álvaro de Vasconcelos, aponta dez prioridades para os próximos dez anos, entre as quais se destacam: a prioridade à prevenção de crises; defesa do princípio da «segurança humana»; generalização de missões civis-militares, com a criação de um comando europeu; necessidade de criação de um mercado único europeu de defesa; afirmação de uma perspectiva europeia no papel da NATO; criação de um conselho parlamentar europeu para matérias de segurança e defesa. É, ainda, atribuído particular destaque à necessidade de ultrapassar o défice político e afirmar a legitimidade das decisões de defesa europeia, o que passa pela afirmação da vontade política dos estados-membros.

A obra Quelle défense européenne en 2020? cumpre o objectivo de apresentar uma interessante síntese do debate actual sobre defesa europeia, pós-Tratado de Lisboa, bem como elencar as reflexões mais relevantes para o futuro.

 

Barbara Delcourt, Marta Matinelli e Emmanuel Klimis (eds.), L’Union européenne et la gestion de crises

Bruxelas, Institut d’Études Européennes – Université de Bruxelles, 2008, 270 pp.

A década de 1990, marcada pelos conflitos nos Balcãs e na África, deu origem a uma nova abordagem nos estudos de segurança. Para além de uma componente de análise militar, também a esfera civil passou a fazer parte do léxico da «gestão de crises», não só através de uma componente operacional – com a presença de ONG e organizações internacionais nos teatros de operações –, mas também com o desenvolvimento de conceitos como «segurança humana» ou «responsabilidade de proteger».

A obra L’Union européenne et la gestion de crises resulta de um colóquio organizado pela Universidade Livre de Bruxelas em 2006, sobre o mesmo tema, que contou com a participação de diversos oradores do mundo académico, militares e policy-makers. O objectivo era ajudar na definição de um quadro de análise para a «gestão de crises», à data pouco explorada pela Academia, levando à reflexão questões como a separação entre a esfera civil e militar e as exigências na resposta à complexidade crescente dos conflitos e ameaças.

No centro da análise está o papel da União Europeia (UE) como actor na «gestão de crises». Como tal, a obra apresenta três grandes eixos de análise. Em primeiro lugar, a reflexão sobre o quadro institucional da UE no planeamento de missões de gestão de crises. A complexidade do quadro institucional – com competências partilhadas entre o Conselho (componente militar), a Comissão (componente civil) e o Parlamento – resulta, muitas vezes, em falta de coerência na intervenção, sendo este considerado um problema estrutural. Para além disso, existem ainda as questões orçamentais e financeiras que limitam, em boa medida, o cumprimento das missões. Em segundo lugar, a análise da operacionalização das missões. Através da observação de estudos de caso – a República Democrática do Congo e na Macedónia – a obra procura sintetizar os problemas comuns às diversas missões, concluindo que existem especificidades em cada cenário que exigem respostas particulares, nem sempre obtidas. Finalmente, a análise das experiências de actores no terreno, como ONG e organizações internacionais. Entre os casos em análise, destacam-se as Equipas de Reconstrução Provinciais da NATO no Afeganistão.

A obra L’Union européenne et la gestion de crises constitui uma síntese geral e introdutória à temática da «gestão de crises». As diversas origens e tipologias de análise adoptadas pelos autores resultam num interessante contributo para a reflexão sobre esta matéria, mais do que num balanço sobre as missões de gestão de crises até agora realizadas pela UE.

 

Henry Laurens, John Tolan e Gilles Veinstein, L’Europe et l’Islam – Quinze siécles d’histoire

Paris, Odile Jacob, 2009, 482 pp.

O início do século XXI ficou marcado o por um importante debate sobre a convivência entre o Ocidente e o islão. Porém, para compreender este complexo de relações é fundamental afastar argumentos ideológicos e procurar analisar o percurso das ligações entre povos, do Atlântico ao Índico, ao longo dos séculos. Esta é a abordagem que nos é oferecida pela obra L’Europe et l’Islam, da autoria de três reconhecidos historiadores da Academia francesa, que analisa as relações entre a Europa e o mundo muçulmano, desde a conquista de Meca até ao final do século XX.

Contrariando a tese defendida por Samuel Huntington, do «choque de civilizações», os autores de L’Europe et l’Islam consideram que mais do que a rivalidade entre duas civilizações, estamos perante um histórico de relações entre indivíduos e povos que fazem parte da história da Europa, do mundo árabe e turco-otomano. Para sustentar esta análise, os autores apresentam um conjunto variado de fontes – incluindo a transcrição de interessantes documentos históricos – que permitem ao leitor construir a sua própria análise, para lá da interpretação apresentada na obra.

Ao longo de quase 500 páginas, L’Europe et l’Islam trata cerca de quinze séculos de história, nos períodos medieval, moderno e contemporâneo. Tendo como ponto de partida a conquista de Meca, os autores começam por observar a forma como os geógrafos, europeus e árabes, descreviam as realidades continentais, designadamente a identificação de «terra cristã» e «terra muçulmana». Ainda como contributo para a compreensão de percepções, segue-se a análise de conceitos como ‘jihad’, «cruzada» e «reconquista», ainda hoje fundamentais na construção de retóricas.

Mas a história das relações entre a Europa e o islão fica, sem dúvida, marcada pelas inúmeras trocas entre os diversos povos que as compõem. Desde logo, as trocas comerciais entre os séculos XII e XIV, mas também as trocas intelectuais, culturais e artísticas, com particular destaque para a influência da ciência e da filosofia árabes no pensamento europeu a partir do século XII.

Com o período moderno, entre o século XV e XVIII, chegam os grandes impérios e as «continuidades e mudanças» na geopolítica do Velho Continente. L’Europe et l’Islam atribui particular destaque à compreensão do Império Otomano e dos seus legados para a história da Europa, designadamente nos Balcãs e relações com os povos do Médio Oriente, bem como à análise da relação entre o «imperialismo europeu» e as «transformações no mundo muçulmano», destacando os processos de construção de novos estados e nações sob os destroços de velhos impérios.

L’Europe et l’Islam pretende ser uma obra de referência na análise da história da Europa. Marcada pelos cânones da Academia francesa, apresenta uma análise bem fundamentada e apoiada por um leque vasto de documentação, visando a compreensão de um complexo de relações através não só da análise de factos mas, essencialmente, do contributo das heranças históricas na construção de conceitos e percepções.