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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.26 Lisboa jun. 2010

 

História e Política Externa

 

Thiago Carvalho

Investigador do IPRI-UNL e do Centro de Estudos de História Contemporânea Portuguesa (CEHCP). Mestre em História das Relações Internacionais pelo ISCTE, prepara actualmente uma tese de doutoramento sobre as relações luso-brasileiras entre 1968 e 1985.

 

 

Luís Machado Barroso, Salazar e Ian Smith. O Apoio de Portugal à Rodésia (1964-1968). Lisboa, Instituto Diplomático, 2009, 191 pp.

As relações entre Portugal e a Rodésia, no período que vai de 1964 a 1968, foram marcadas pelo apoio político e diplomático de Lisboa ao Governo de Ian Smith. Na perspectiva portuguesa, a sobrevivência do regime de minoria branca rodesiano era fundamental para assegurar um equilíbrio de forças favorável em Angola e em Moçambique. Contrariando as pressões internacionais lideradas pela aliada Inglaterra, o Governo português não só recusou sancionar a Rodésia, como actuou de modo determinante para a viabilização da sua independência unilateral.

Nos últimos anos, a historiografia portuguesa atribuiu atenção ao estudo do posicionamento de outros países face à questão colonial. O trabalho de Luís Barroso constitui uma mais-valia ao incorporar a esta análise a relação entre Lisboa e Salisbúria, revelando como o vínculo bilateral assumiu importância geoestratégica para os dois países. Em primeiro lugar, o autor demonstra que, para além de ambicionar o reconhecimento e o apoio externo, a diplomacia portuguesa também conseguia influenciar o sistema internacional, alterando os equilíbrios regionais. Em segundo, Luís Barroso relativiza o isolamento de Portugal, reforçando a perspectiva avançada por outros autores de que ocorreu um redimensionamento das alianças internacionais do país, que se deslocaram do eixo anglo-saxónico para a Europa – França e Alemanha – e para a África – em especial com os regimes de minoria branca, como a Rodésia. Em terceiro, apesar de dispor de meios limitados para apoiar o Governo de Ian Smith contra o embargo internacional que lhe era imposto, Portugal potencializou a capacidade de influência que a geografia oferecia ao facultar à Rodésia o acesso ao Índico. Esta decisão, que poderia resultar no aumento da hostilidade internacional contra Portugal, é elucidativa de como a manutenção do império colonial na África constituía o centro de gravidade da política externa nacional. A independência do Malawi e da Zâmbia era percepcionada em Lisboa como uma ameaça à luta contrasubversiva desenvolvida em Angola e Moçambique e por isso importava auxiliar a sobrevivência do Governo de Salisbúria. O estudo da relação luso-rodesiana concorre para a compreensão de como Portugal pôde resistir a treze anos de guerra colonial e chama a atenção para a importância da diplomacia na manutenção da presença portuguesa na África. A obra em análise tem o mérito de revelar o quão importante foi o apoio de Salazar para a sobrevivência do Governo de Ian Smith e o papel central que o hinterland rodesiano assumiu na defesa dos interesses portugueses na África Austral.

 

 

Carlos Fico, O Grande Irmão. Da Operação Brother Sam aos Anos de Chumbo. O Governo dos Estados Unidos e a Ditadura Militar Brasileira. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2008, 334 pp.

Carlos Fico tem desenvolvido um sólido trabalho de investigação sobre a ditadura brasileira (1964-1985), contribuindo de modo significativo para colmatar a lacuna existente na historiografia sobre o período. A obra em questão centra-se nas relações entre os Estados Unidos e o Brasil no período que vai de 1964 a 1973, analisando as cumplicidades e dissensões entre a Administração norte-americana e o regime militar brasileiro.

Um dos grandes méritos do livro é demonstrar como o apoio de Washington a Brasília foi marcado por momentos de hesitação, sobretudo à medida que cresciam as críticas internacionais às arbitrariedades da ditadura e que diminuía a importância relativa do Brasil no contexto da Guerra Fria. Apesar de apoiar os militares insurrectos, antes e após o derrube do governo constitucional, os Estados Unidos mantiveram alguma equidistância em relação ao curso dos acontecimentos. Para parte das elites brasileiras, que desde a II Guerra Mundial aspiravam por uma relação privilegiada com os Estados Unidos, a posição ambígua de Washington foi decepcionante e concorreu para reforçar o nacionalismo antiamericano. O progressivo arrefecimento das relações bilaterais não decorreu apenas da implementação de uma política externa autonomista por Brasília, mas da conjuntura internacional que levou ao redimensionamento dos interesses norte-americanos no subcontinente.

O envolvimento dos Estados Unidos no golpe de Estado brasileiro é elucidativo do empenho norte-americano em manter a América Latina sob a sua órbita de influência e explica, em parte, a sua participação nas várias conspirações de direita que ocorreram no subcontinente nos anos seguintes. Apesar do apoio de Washington ter sido relevante para o eclipsar da democracia brasileira, Carlos Fico elucida que sem o consentimento e o empenho de segmentos civis e militares nacionais a acção norte-americana teria ficado muito aquém do pretendido. Esta análise demonstra não só o grau de complexidade na relação entre os intervenientes dos dois países, como mitiga as responsabilidades externas no estabelecimento do regime de excepção no Brasil.

Dos poucos reparos ao livro, entendemos que teria sido oportuno contrapor a documentação norte-americana à brasileira e recorrer a um corpo documental diversificado, com o propósito de apreender as diferentes sensibilidades existentes em Washington e introduzir uma dimensão comparativa que talvez proporcionasse uma interpretação ainda mais complexa do objecto. Apesar disso, é inquestionável a importância do trabalho de Carlos Fico para a compreensão não só das relações entre Brasília e Washington – revelando as suas contradições e assimetrias – como das respectivas políticas externas. O autor oferece uma análise fina das aspirações brasileiras em ver reconhecido, por Washington, o seu estatuto internacional. Por sua vez, o Brasil tinha uma importância relativa na agenda diplomática norte-americana, que diminuiu à medida que a América Latina deixava de ser uma prioridade para a manutenção do frágil equilíbrio bipolar.

 

 

Estevão C. de Rezende Martins e Miriam Gomes Saraiva (org.), Brasil-União Europeia-América do Sul (Anos 2010-2020). Rio de Janeiro, Fundação Konrad Adenauer, 2009, 267 pp.

A parceria estratégica celebrada entre a União Europeia (UE) e o Brasil, durante a Cimeira de Lisboa (2007), consistiu num sinal de reconhecimento da actuação da diplomacia brasileira, nomeadamente no que diz respeito à promoção da estabilidade e do diálogo regional. Neste contexto, a parceria estratégica assume um significado mais profundo se considerarmos que as relações entre a UE e o Mercosul se encontram num impasse desde 2004 e que o Brasil tem consolidado a sua liderança no subcontinente.

Em boa hora a Fundação Konrad Adenauer, em parceria com as universidades de Brasília e do estado do Rio de Janeiro, acolheu a publicação da obra em análise que reúne uma série de contributos produzidos para o colóquio internacional «Brasil-União Europeia-América do Sul (Anos 2010-2020)». O objectivo do livro é reflectir sobre a natureza e potencialidades desta relação triangular, procurando estabelecer uma plataforma de debate que atenda aos desafios que se colocam.

O livro está dividido em três partes. A primeira diz respeito à actuação do Brasil enquanto membro do Mercosul e parceiro da UE, e reflecte sobre a tensão inerente desta relação. Até que ponto pode evoluir a parceria estratégica entre um Estado e uma organização multilateral? Em que medida é viável a parceria bilateral entre países membros de blocos regionais? Quais têm sido os elementos de continuidade e de mudança do Brasil face à UE e ao Mercosul? A segunda parte centra-se nas rivalidades e convergências que podem surgir nesta relação atlântica. São analisados: o relacionamento da UE com a Rússia e com os Estados Unidos - nos marcos da NATO; as potencialidades e condicionalismos da liderança regional brasileira; o estado da cooperação interparlamentar e os problemas de representatividade existentes nos dois blocos. A terceira parte versa sobre questões conceptuais do Estado - tanto no que diz respeito ao seu funcionamento orgânico, quanto ao seu comportamento externo - considerando as condicionantes constitucionais nos processos de integração regional.

No momento em que o relacionamento entre a UE e o Mercosul apresenta um baixo perfil, a parceria estratégica com o Brasil é vista como um elemento catalisador dos vínculos entre os dois blocos regionais. Menos evidente é como compatibilizar a relação bilateral com a interregional e avaliar até que ponto ela será capaz de desbloquear e fortalecer o diálogo entre a UE e o subcontinente. A obra em questão apresenta algumas respostas e muitas pistas para estas e outras interrogações acerca da relação Brasil-EU-América do Sul, oferecendo subsídios importantes para a compreensão da política externa de cada um dos intervenientes e dos sentidos do vínculo triangular.

 

 

David J. Francis (org.), US Strategy in Africa. Africom, Terrorism and Security Challenges. Londres, Routledge, 2010, 224 pp.

A decisão da Administração Bush de criar um comando militar norte-americano específico para o continente africano (Africom), em 2007, suscitou grande controvérsia. Apesar de os Estados Unidos defenderem que o Africom representa uma estratégia de defesa a longo prazo, que conjuga a segurança e o desenvolvimento socioeconómico, a ênfase na cooperação militar deu azo a inúmeras desconfianças quanto às reais intenções de Washington. Os seus críticos receiam o impacto daquilo que julgam ser a progressiva militarização da política externa norte-americana na África e que o continente seja novamente transformado em palco de disputas entre potências, agora entre os Estados Unidos e a China.

O empenho de Washington e a intensidade das reacções surpreendeu e despertou a atenção da comunidade académica sobre o Africom. Com o propósito de esclarecer estas questões e fomentar o debate, o editor da obra em análise, David J. Francis, propôs uma abordagem holística ao objecto, que conjuga a opinião de intervenientes políticos e académicos. Reunindo autores com percursos tão diferentes como a secretária de Defesa adjunta dos Estados Unidos, Theresa Whelan, e o director do African Security Research Project, Daniel Volman – que se tem distinguido nas críticas feitas ao comando – a obra proporciona um conjunto de perspectivas distintas mas ao mesmo tempo complementares sobre o Africom.

O livro está dividido em duas partes. Na primeira, são analisados os antecedentes à criação do comando e o debate à volta da sua concepção, procurando compreender o seu significado geoestratégico e a crescente importância que o continente africano assume na agenda de defesa e de segurança dos Estados Unidos. A segunda parte diz respeito à reacção africana à iniciativa norte-americana, com especial atenção para as respostas locais face aos desafios colocados no domínio da segurança e do desenvolvimento socioeconómico e para o impacto do comando militar na relação entre os Estados Unidos e a África.

Num momento em que a bibliografia existente sobre o Africom ainda é diminuta, a presente obra constitui uma mais-valia, e mesmo um título de referência para todos os interessados nas questões da segurança e defesa, na política externa norte-americana e no futuro do continente africano. O mérito é dos autores e do editor que souberam congregar perspectivas tão diversas sobre o assunto num mesmo livro. O resultado é uma análise equilibrada do Africom que abrange o objecto na sua complexidade.