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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.26 Lisboa jun. 2010

 

Política Externa Norte-Americana

 

Diana Soller

Mestra em Relações Internacionais pela Universidade Lusíada. Assessora de estudos no IDN e investigadora no IPRI-UNL.

 

 

Charles Kupchan, How Enemies Became Friends: The Sources of Stable Peace. Princeton, Princeton University Press, 2010, 442 pp.

E se a teoria da paz democrática e a da interdependência económica estivessem erradas?

E se os cientistas políticos persistissem nestes dois conceitos sem os questionarem, não ficariam condicionados nas suas recomendações relativas à construção de uma ordem internacional estável? Não poderiam perder de vista outras soluções, que seriam, na prática, uma via mais eficaz para um sistema internacional mais pacífico?

Charles Kupchan (Universidade de Georgetown) diz que sim. Afirma que existe um modelo alternativo que propicia a paz entre os estados e pouco ou nada deve ao tipo de regime ou às trocas comerciais. São as «zonas de paz estável», constituídas por «grupos de estados entre os quais a guerra foi eliminada como ferramenta legítima de política externa» (pp. 2 e 32). Ao longo da história, grupos de estados têm «escapado à competição geopolítica» através de acordos diplomáticos em que os princípios acima referidos, tão em voga durante a Guerra Fria e as décadas subsequentes, não foram nem incentivo nem entrave à construção de uma paz duradoura.

As «zonas de paz estável» não são mais do que variantes de comunidades de segurança. Kupchan faz uma revisão da literatura da «paz estável» e das «transições de poder» acrescentando três pormenores interessantes: i) uma análise das diversas fases de integração – a acomodação unilateral, a contenção mútua, a integração social e a geração de narrativa (p. 35); ii) uma classificação das zonas de paz estável consoante o grau de integração – reaproximação, comunidade de segurança e união (p. 9); e o desenvolvimento do conceito de trust nas relações internacionais (p. 49). Se há inovação neste argumento é a substituição da componente da paz democrática/economia de mercado pela lógica da socialização dos estados, inspirada na teoria construtivista. Desta perspectiva, o que passa a contar é a forma como as elites se aproximam, as narrativas que vão adoptando para promover as boas relações entre novos parceiros e a maneira como as sociedades se percepcionam umas às outras. Neste sentido, a componente cultural (o entendimento entre as sociedades dos estados), ganha uma importância primordial.

Mais uma vez, Kupchan revela preferir Rawls – e a Lei dos Povos – a Kant – e a Paz Perpétua – assinalando, com algum mérito, que existe margem para mudança nas relações internacionais se as democracias não forem tão peremptórias na sua desconfiança com regimes não liberais. Se escolherem um caminho mais condescendente, poderão viver em paz com «povos decentes». É tudo uma questão de escolha do tipo de ordem internacional que deve ser privilegiada no século XXI: comunidades de democracias e/ou autocracias? Ou comunidades de confiança?

 

 

Thomas F. Madden, Empires of TrustHow Rome Builtand America Is BuildingA New World Order. Nova York, A Plume Books, 2009, 352 pp.

Empires of Trust, publicado há cerca de um ano, chega aos leitores num momento ambíguo. Quando os analistas de política internacional se questionam se os Estados Unidos não terão entrado em retraimento estratégico e se a crise económica internacional não terá precipitado uma mudança na distribuição relativa de poder, chega-nos uma apologia optimista do exercício do poder americano e da forma invulgar e benéfica como os Estados Unidos têm usado o poder desde que assumiram o papel de grande potência global.

Thomas Madden é professor de História Pré-Moderna na Universidade de Saint Louis. O seu background permite-lhe, pois, fazer uma análise comparativa entre a República Romana na sua fase ascendente e os Estados Unidos da América de hoje. E o diagnóstico é que, entre ambos, existem diversas semelhanças, que permitem afirmar que fazem parte de um grupo restrito de impérios de confiança. Sim, Madden usa, sem preconceitos, a palavra proibida – império – para descrever os Estados Unidos. Mas na história, e na perspectiva do autor, «império» significa, sobretudo, agente de paz e estabilidade. Neste caso, trata-se de uma comparação entre as versões antiga e moderna do empire by invitation. Esta comparação identifica um modelo relacionando semelhanças na cultura, na auto-imagem e no carácter nacional.

Neste contexto, Roma e Washington partilham uma mesma abordagem dos assuntos internacionais: em linguagem corrente, poderia afirmar-se que ambos têm uma perspectiva lockiana da natureza humana e uma visão wilsoniana das relações entre os estados. Ou seja: a guerra seria sempre o último recurso para a resolução dos problemas – porque o Homem é um ser benigno e os conflitos podem resolver-se através do diálogo (p. 70); a liberdade é a condição natural do Homem, por isso, não existe lugar para o domínio (p. 64); nenhum Estado devia deter o poder absoluto (p. 36); e de cada vez que fosse preciso recorrer à guerra, uma das prioridades deveria ser transformar o inimigo num aliado (pp. 14-15). Resultado: de aliado em aliado – relativamente ao qual a superpotência assinava obrigações de protecção alargando a sua comunidade de segurança – foi-se construindo um império de confiança, em que subordinantes e subordinados aceitavam obrigações mútuas e contribuíam para um sistema mais seguro.

Moral da história: Empires of Trust é um livro interessante e as comparações plausíveis, ainda demasiado optimista nos tempos que correm. O 11 de Setembro, a Guerra do Iraque e as mudanças estratégicas de Barack Obama têm vindo a distanciar a América deste modelo. Mas há uma lição mais profunda: para apreender o presente, a história recente não chega. A América é herdeira dos debates dos Pais Fundadores, da Guerra Civil vencida por Lincoln e das querelas entre Theodore Roosevelt e Woodrow Wilson. Foi construída – pelo menos em parte – nos mesmos conceitos que a Roma antiga. Ignorá-lo é simplificar um assunto que merece ser tratado com maior complexidade.

 

 

Stephen G. Brooks e William C. Wohlforth, A World Out of BalanceInternational Relations and the Challenge of American Primacy. Princeton, Princeton University Press, 2009, 226 pp.

O início dos anos 1990 deixou a academia americana a deitar contas à vida, especialmente os teóricos realistas estruturalistas, que colocavam na base das suas teses a certeza de que o sistema havia de estar sempre em equilíbrio, o que tornava virtualmente impossível uma arquitectura internacional unipolar. Sem respostas para a hegemonia americana, convencionou-se que a unipolaridade era apenas um momento, uma ligeira anomalia que rapidamente seria ajustada pela implacabilidade das regras do mundo anárquico. Nada disso aconteceu, mas já há quem respire de alívio: a emergência da China e da Índia garante um regresso à normalidade teórica, e os vinte anos que precederam a Guerra Fria podem ficar enterrados, como se nada tivesse acontecido.

Há um senão. Alguns autores continuam a afirmar que a unipolaridade, apesar de não ser infinita, é persistente. Esta é a opinião de Stephen Brooks e William Wohlforth (professores na Universidade de Darthmouth) que uniram esforços num argumento original, desdobrado em três partes. Em primeiro lugar, o sistema internacional ainda está longe de se tornar multipolar (p. 16); em segundo, o sistema unipolar também tem os seus constrangimentos (p. 11); e, em terceiro, o desafio americano consiste em adaptar-se a estes novos constrangimentos e oportunidades, de modo a manter a sua posição hegemónica, a garantir uma convivência pacífica entre estados e uma neutralização mais eficaz de novas ameaças (p. 9).

Porque, segundo os autores, os constrangimentos de hoje não são sistémicos, são provenientes dos perigos – proliferação de armas nucleares, insurgência, terrorismo e dependência energética – e da resposta da superpotência a estes mesmos riscos – a sobreextensão do poder. As políticas da Administração Bush não falharam devido ao uso negligente do poder norte--americano, mas devido à abordagem tradicional – errada – destes perigos inconvencionais (p. 213).

Em consequência, a resposta terá que residir em toda uma mudança na abordagem da política externa norte-americana, rumo a um «activismo sistémico». A potência hegemónica terá que reorganizar a ordem internacional no respeitante a instituições, valores e globalização económica. Uma solução possível, adiantam os autores, é recorrer às recomendações do Princeton Project of National Security, criando um sistema de organizações internacionais que acomode um concerto de democracias – já que a reforma das Nações Unidas se afigura demasiado morosa e o sistema continua a exigir medidas imediatas. É preciso criar uma nova forma de legitimidade. A partir daí, constituir-se-ão as tácticas para fazer face aos novos desafios.

 

 

David P. Calleo, Follies of PowerAmerica’s Unipolar Fantasy. Cambridge, Cambridge University Press, 2009, 188 pp.

O título do mais recente livro de David Calleo (Universidade de Johns Hopkins) é muito elucidativo da perspectiva do autor relativamente à política externa norte-americana. Concretizando, a ideia de que os Estados Unidos são um centro de poder incontornável apoderou-se da identidade americana, e as elites têm cometido erros hubrísiticos – atenuados na sequência do Vietname e reavivados pela derrota do Império Soviético (p. 5). Poder-se-ia argumentar que o pior veio com Bush e o seu exacerbado «nacionalismo hegeliano», mas Calleo não acredita em grandes mudanças na era Obama. Os membros da Administração de hoje não são muito diferentes dos da anterior, e a política externa de um Estado tende a ser conservadora. A menos – e esta é a proposta do autor, que assim se junta ao debate sobre a nova ordem internacional – que a Casa Branca transforme a sua visão do mundo.

Para isso, é preciso procurar na história verdadeiros modelos de paz internacional. Esta é, aliás, a originalidade do livro de Calleo (que gasta demasiadas páginas em lugares comuns antiamericanos que não trazem nada de novo). Segundo a teoria do Estado, existem dois modelos do Estado-Nação. O modelo hobbesiano, onde a ordem depende do Leviatã e da sua força (p. 127) e o modelo constitucional, em que a ordem depende do consentimento dos governados (p. 130). A história do século XX pôs ambos os modelos à prova e levou, diz o autor, a duas conclusões: o modelo hobbesiano (identificado com um certo autoritarismo) é ilegítimo, mas o modelo constitucional (legítimo) só se desenvolve e se mantém num ambiente internacional propício (p. 135).

Na óptica de Calleo, houve duas tentativas simultâneas de construir este ambiente internacional pacífico, favorável a uma ordem internacional institucionalizada. Uma partiu dos liberais americanos, que criaram um sistema externo hobbesiano para poderem permanecer lockianos internamente. Outra veio do projecto constitucionalista europeu, que se consubstancia na transferência para o sistema internacional das regras de legitimidade do Estado-Nação. Assim se criou e expandiu, com sucesso, a União Europeia.

Para Calleo a Pax Americana está esgotada e abrem-se possibilidades para a Pax Europea (p. 136); a hegemonia tem de ser substituída pela integração regional (p. 158). O que falta neste livro é o como. O autor reconhece que a integração europeia se desenvolveu devido à providência de segurança do Leviatã americano. E não encontra uma verdadeira fórmula para a substituir.