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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.26 Lisboa jun. 2010

 

Rússia

 

Maria Raquel Freire

Professora auxiliar da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e investigadora do CES. Doutorada em Relações Internacionais pela Universidade de Kent (2002). Autora de Conflict and Security in the Former Soviet Union: The Role of the OSCE (Ashgate, 2003) e co-autora, com Roger Kanet, de Key Players and Regional Dynamics in Eurasia: The Return of the «Great Game» (Palgrave, 2010).

 

 

Jeffrey Mankoff, Russian Foreign Policy: The Return of Great Power Politics. Lanham, Rowman & Littlefield, 2009, 341 pp.

O livro envolve-nos na Rússia de Dimitri Medvedev cujas narrativas sobre a natureza e identidade do Estado russo revelam a tensão premente entre a necessidade de integrar a Rússia enquanto economia moderna nas dinâmicas globais e a tradição de longa data de reclamar influência global com base na sua capacidade efectiva de projecção de poder. A primeira frase da introdução é ilustrativa: «Enquanto a atenção mundial estava focada na abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim em inícios de Agosto, os tanques russos atravessavam a fronteira e entravam na província separatista georgiana da Ossétia do Sul» (p. 1). Está dado o mote para a análise que se segue, e que toma a Guerra da Geórgia como ponto de partida para a análise do ressurgimento da Rússia com poder e autonomia no sistema internacional.

O estudo parte de considerações domésticas para a análise da política externa russa, adicionando às questões de poder relativo a questão da identidade e a forma como esta molda a projecção de poder – ora enquanto potência revisionista ou satisfeita, ora enquanto Estado ou império. O argumento central é o de que a política externa assertiva e auto-interessada dos anos Putin-Medvedev remete para um processo iniciado há mais de uma década com Boris Ieltsin no poder, e que, actualmente, beneficia dos anos de crescimento da presidência de Vladimir Putin. Mas se com Putin as lutas pelo poder tinham mais a ver com acesso e controlo de recursos do que com ideologia, Mankoff argumenta que com Medvedev as diferenças ideológicas no seio das elites russas estão a ressurgir, como testemunhado com a questão da Geórgia, do Verão de 2008. Esta postura, de assertividade assumida na política externa, é resultado não tanto de uma alteração de objectivos, mas mais de uma mudança nas circunstâncias, e afecta, de acordo com o autor, as relações com a vizinhança (espaço pós-soviético), de forma particular, bem como com o Ocidente (Estados Unidos e Europa), e países próximos, como a Turquia, o Irão e a China. Assente nestes pressupostos, o livro percorre os contornos da política externa russa, incluindo as dinâmicas inerentes ao processo de desenho e decisão em política externa, e os reflexos destas no espaço CEI, na política eurasianista e no ocidentalismo liberal, com o entendimento de que cooperação pragmática nestes diferentes vectores é essencial, com ênfase num posicionamento dominante da Rússia no espaço CEI. O livro prossegue com a análise das relações da Federação Russa nestes diferentes alinhamentos e conclui com um regresso ao passado e às políticas do passado onde se encontra o enraizamento ideológico dos fundamentos da política externa da Grande Rússia. Mankoff conclui que serão os russos a determinar o tipo de país que será a Rússia neste século XXI e como esta interagirá com o resto do mundo. Um trabalho de análise sério cuja leitura é sem dúvida recomendada.

 

 

Christian Thorun, Explaining Change in Russian Foreign Policy: The Role of Ideas in Post-Soviet Russia’s Conduct Towards the West. Basingstoke, Palgrave MacMillan in association with St. Antony’s College, 2009, 197 pp.

Christian Thorun procura trazer uma abordagem inovadora ao estudo da política externa russa ao combinar diferentes perspectivas teóricas no sentido de uma maior capacidade explicativa. O livro analisa as mudanças na política externa russa para com o Ocidente desde o final da Guerra Fria até 2007, procurando explicar a mudança e entender de que modo esta é reflexo da capacidade de liderança russa na adaptação das políticas às alterações na distribuição de poder a nível internacional. Na análise são combinados enquanto variáveis explicativas os constrangimentos externos, factores ideacionais e as políticas domésticas, procurando entender de que forma se reflectem no desenho da política externa no tempo e em diferentes áreas de actuação. Adoptando um quadro teórico de relações internacionais, o autor combina uma leitura realista com a perspectiva social construtivista, focando a análise da acção e do discurso. A primeira, acção de política externa, expressa em tratados, acordos, comportamento eleitoral em organismos internacionais e outras formas de actividade diplomática; e o segundo, retórica política presente em discursos e actos oficiais que permitam compreender o posicionamento da Rússia em processos negociais. O modelo de análise teórico, combinando uma perspectiva realista com elementos construtivistas, é confrontado em três estudos de caso, nomeadamente a abordagem russa face às políticas da Aliança Atlântica, as respostas russas às crises dos Balcãs, e a postura de Moscovo face aos ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001. Estes pretendem demonstrar a combinação das variáveis em análise, em leituras de maior ou menor cooperação da Rússia para com o Ocidente, permitindo a análise dos fundamentos da mudança na orientação da política externa russa no quadro de relações com o Ocidente.

O estudo conclui quanto à relevância de constrangimentos externos, e normas e valores internos, que combinados ajudam a perceber as mudanças de política externa na Rússia pós-soviética para com o Ocidente, com enfoque em questões securitárias. Uma leitura interessante do cruzamento de dinâmicas internas e externas na leitura da política externa, com uma base teórica de relações internacionais.

 

 

Emma Gilligan, Terror in Chechnya: Russia and the Tragedy of Civilians in War. Princeton, Princeton University Press, 2010, 263 pp.

Emma Gilligan escreve sobre as violações de direitos fundamentais na Tchetchénia num trabalho bem documentado. Conhecedora da bibliografia existente sobre o tema, refere autores como Lieven, Nivat, Politkovskaia e Evangelista, entre outros, argumentando que o seu contributo para a análise das questões de direitos humanos na república tchetchena adiciona às análises a questão do racismo. Segundo Gilligan, os abusos perpetrados na pequena república excederam as consequências devastadoras de qualquer guerra civil. Deste modo, o enfoque centra-se nas políticas restritivas russas em matéria de direitos humanos, apesar do compromisso público das autoridades de Moscovo de respeito para com estes mesmos direitos, com a Tchetchénia a constituir um exemplo claro da violação dos compromissos internacionais assumidos pela Federação Russa. A análise das violações, em particular ao longo da segunda guerra da Tchetchénia, é feita através de uma abordagem multinível que inclui os abusos locais, as condições nacionais na Rússia que os permitiram, e o contexto internacional em que estes foram perpetrados, em particular a luta contra o terrorismo transnacional.

Gilligan argumenta que a «tragédia tchetchena» não é apenas resultado de uma guerra civil, mas que a crueldade que acompanhou os eventos revela um factor explanatório adicional, o racismo. Este é visível, segundo a autora, na punição colectiva subjacente às acções russas, bem como no tipo de linguagem usada pelas autoridades de Moscovo, incluindo termos como «negros», «bandidos», «terroristas», como parte de um processo de manipulação identitária com o discurso a inserir-se nas acções no âmbito da luta global contra o terrorismo, e com o carácter de excepcionalidade que lhe é incutida, a diminuir as vozes críticas face às violações persistentes. Deste modo, Gilligan argumenta que o terrorismo internacional foi a ideologia escolhida por Vladimir Putin, visível no discurso crescentemente nacionalista e na revitalização da agenda de controlo centralizado, sendo os tchetchenos vítimas deste projecto nacionalista, com contornos racistas. Neste quadro, o livro percorre as violações de direitos humanos na segunda guerra da Tchetchénia, o modo como as acções violentas foram refinadas com o avanço do tempo, concentrando-se em seguida nos desaparecimentos, lidos como uma das formas mais eficazes de eliminação do inimigo, nos refugiados e deslocados, e nas acções de retaliação da parte dos tchetchenos. Prossegue depois com as respostas da sociedade civil russa à questão, a sua avaliação em fora internacionais, e termina com o julgamento de alguns casos no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Um livro de leitura difícil dada a delicadeza, complexidade e brutalidade das questões narradas, com linhas em primeira voz, que vem complementar a bibliografia existente sobre esta temática, numa perspectiva de leitura diferenciada das motivações russas para as acções repressivas levadas a cabo na pequena república do Cáucaso do Norte entre 1999 e 2005.

 

 

Elana Wilson Rowe e Stina Torjesen (org.), The Multilateral Dimension in Russian Foreign Policy. Londres, Routledge, 2009, 222 pp.

Este trabalho colectivo dirigido por Elana Wilson Rowe e Stina Torjesen analisa o multilateralismo nas políticas russas, com particular ênfase na presidência de Putin (2000-2008). Multilateralismo é entendido neste trabalho como as instituições e áreas temáticas que envolvem múltiplos países (três ou mais) que trabalham de forma concertada e numa base sustentável. As coordenadoras do trabalho distinguem ainda multilateralismo de integração, chamando a atenção para o facto de a Rússia promover na sua área de influência integração regional económica e política, mas não significando vontade de prosseguir políticas integracionistas, tratando-se por isso de processos de integração essencialmente informais. A Rússia entende o multilateralismo como um valor e um instrumento, e o seu envolvimento é moldado por interesses específicos a nível político, económico e de segurança. Além do mais, a primazia da soberania do Estado e das fronteiras reforça o carácter informal dos processos de integração, onde a supranacionalidade não é pretendida. No entanto, é chamada a atenção para o facto de este requisito, tão caro à Federação Russa, não ser aplicável a algumas áreas do espaço pós-soviético, nomeadamente os designados «conflitos gelados», como a Transnístria ou o Nagorno-Karabakh. O trabalho está ainda informado por uma base teórica de relações internacionais, focalizada no debate entre o realismo, enquanto entendendo o multilateralismo como limitado à coordenação e negociação interestatal; e o institucionalismo neoliberal, enquanto espaço para estratégias de colaboração mútua com benefícios para além dos interesses imediatos dos estados individuais.

O livro conta com a contribuição de autores reconhecidos na área, como Robert Levgold, Andrei Zagorski, Pavel Baev ou Margot Light, entre outros. Trata-se de um estudo amplo do multilateralismo na política externa russa, relativamente à forma como este é equacionado e operacionalizado, em termos de áreas específicas, incluindo relações económicas, políticas e questões securitárias, bem como em quadros internacionais diferenciados, quer no espaço da Comunidade de Estados Independentes, quer para além deste, como a União Europeia, a Organização do Tratado do Atlântico Norte, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa e a Organização de Cooperação de Xangai. As principais conclusões do trabalho apontam para o desejo da Rússia de estar presente nestes fora multilaterais, entendendo-os como uma forma de projecção do seu estatuto de grande potência; para o facto de Moscovo manter expectativas de recompensa pelo seu envolvimento nestes fora; para a preferência que a Rússia mantém pelas relações bilaterais em detrimento do multilateralismo, uma tendência já de longa data; para a pouca capacidade de influência de Moscovo na definição da agenda; para a resposta negativa a exigências normativas e parca margem para aceitar críticas sobre as políticas domésticas russas; para a tendência russa de trabalhar nestes fora multilaterais assuntos seleccionados e que não envolvam questões delicadas; e, finalmente, para o facto de a Rússia desenvolver esforços no sentido de evitar multilateralismo não russo no espaço pós-soviético, e consequentemente poder ver a sua influência de algum modo mais limitada. Pela sua latitude e contributos de grande qualidade, esta constitui uma obra de referência na análise de uma questão pouco trabalhada na bibliografia existente.