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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.25 Lisboa mar. 2010

 

Ásia

 

Constantino Xavier

Bolseiro Fulbright e doutorando em International Affairs na School of Advanced International Studies da Johns Hopkins University (Washington DC). Editor do Lisbon India Monitor do IPRI – UNL.

 

 

Amitav Acharya, Whose Ideas Matter? Agency and Power in Asian Regionalism

Ithaca, Cornell University Press, 2009, 200 pp.

A tese de Kishore Mahbubani é simples e vende-se bem: a Ásia (e «os asiáticos») emergente coloca em risco a preponderância económica, estratégica e cultural do espaço euroatlântico. A tese não é nova. Se recuarmos vinte anos ela está lá também, na terceira onda democrática de Samuel Huntington e na sua análise sobre os «valores asiáticos» derivados de uma suposta civilização confucionista que permeia a política na Ásia Oriental. O problema é que não há «uma Ásia», nem um conjunto de ideias partilhado pelos «asiáticos». O que une o Afeganistão, a Tailândia e a Coreia do Norte?

Fugindo a estas tentações simplistas, Amitava Acharya oferece-nos uma perspectiva extrovertida: aborda as relações internacionais a partir da Ásia, expondo a complexidade e a diversidade inerentes ao continente. A principal questão que o move: o que explica a ausência de estruturas de segurança e instituições internacionais «rígidas», de matriz europeia/ocidental, na Ásia? Quais os princípios subjacentes ao ASEAN way?

Percorrendo a frágil cumeada conceptual entre universalismo (estruturalista) e particularismo (reducionista), Whose Ideas Matter oferece-nos respostas fascinantes. Primeiro, no plano teórico, Acharya sublinha a agência de actores locais (empreendedores normativos). Em vez de serem puros receptores, confrontados com uma escolha limitada entre adopção ou rejeição mecânica dos modelos institucionais europeus, estes agentes detêm um significativo poder de negociação. Por via da selecção e implementação, aplicam conceitos universais/externos (por exemplo, a soberania ou segurança colectiva) de forma adaptada às suas necessidades específicas regionais/locais. É o que Acharya apelida de «lógica constitutiva local».

Esta premissa orienta os seus vários estudos de caso. Na sua vertente empírica, a obra avalia de que forma as normas do não-intervencionismo e da defesa colectiva (pós-1945) e da segurança cooperativa e intervenção colectiva (anos 1990) foram moldadas (ou rejeitadas) pelos estados asiáticos, principalmente do Sudeste, e conduziram ao estabelecimento da ASEAN e de um novo tipo de multilateralismo «suave» (baseado em princípios diplomáticos como o respeito total pela soberania, consulta informal, decisão por consenso, não interferência em assuntos domésticos, exclusão de questões contenciosas, e carácter não burocrático).

Para além deste inovador contributo teórico, Whose Ideas Matter apresenta-se também como uma fascinante história política da Ásia com implicações práticas, especialmente para quem, em Bruxelas, procura vender o modelo europeu ao resto do mundo: para além da natural reacção negativa que tal proselitismo provoca frequentemente, por mais que tentemos exportar e implantar modelos de cooperação regional, o resultado será sempre o mesmo – uma inesperada nova forma institucional de cooperação regional, fruto da interacção produtiva entre o local e o global.

 

 

Alastair Iain Johnston, Social States: China in International Institutions, 1980-2000

Princeton, Princeton University Press, 2007, 273 pp.

Panda-hugger ou Dragon slayer?, perguntam os analistas de Washington antes de qualquer briefing sobre a China, procurando assim identificar a inclinação política do especialista sinólogo prestes a ser consultado. Os dois conceitos reflectem a profunda divisão dos meios estratégicos e académicos norte-americanos (e europeus também), entre os que identificam uma China com intenções benignas e merecedora de esforços de integração e os que desconfiam das intenções de Pequim e advogam uma política mais pragmática, destinada a conter a China.

Os argumentos e dados que o jovem professor da Universidade de Harvard avança em Social States contribuem significativamente para reforçar o argumento dos que reconhecem na China um panda capaz de ser abraçado e domesticado. Brilhantemente informado pelos grandes debates que marcam as relações internacionais, no seguimento da sua obra-prima Cultural Realism: Strategic Culture and Grand Strategy in Chinese History, Johnston defende que a participação chinesa em diversas instituições e fóruns multilaterais (entre 1980 e 2000) teve um impacto normativo (positivo) na sua política externa, tradicionalmente, realista e unilateral.

Johnston analisa três formas diferentes de socialização aplicadas a três casos concretos (testes): mimetismo (Conferência das Nações Unidas para o desarmamento), influência social (CTBT) e persuasão (ASEAN Regional Forum). Focando a dinâmica destes três microprocessos em que a China se deixou envolver no plano internacional, Johnston retira três conclusões: a China adoptou uma política mais cooperativa e potencialmente autoconstrangedora; fê-lo voluntariamente, sem qualquer benefício ou coação material; e esta colaboração deu-se sob o manto de uma política externa fortemente marcada pela realpolitik maoísta.

São conclusões devastadoras para as escolas realistas, que tendem a olhar para as instituições internacionais como estéreis extensões da anárquica arena interestatal, mas também para os dragon slayers que minimizam a capacidade de a China se transformar e adaptar à ordem liberal internacional. Para Johnston, as instituições internacionais são ambientes de influência e aprendizagem mútua, ou seja, «contextos sociais com que os agentes [diplomatas, delegações governamentais, etc.] se deparam quando devem representar ou construir os interesses nacionais».

É claro que surgem dúvidas se estas supostas aprendizagens e adaptações reflectem um mero uso táctico e circunstancial por parte da China, e Johnston deixa por explicar também porque é que a China é mais sociável numas frentes (desarmamento, cooperação de segurança) do que noutras (Taiwan, Tibete, Irão, etc.). Mas Social States não deixa de ser um soberbo contributo para moderar a crescente sinofobia que marca algumas das capitais ocidentais, sublinhando que a política externa chinesa é dinâmica e moldável, longe indo os tempos em que Pequim se afirmava como uma potência isolada e radicalmente revisionista.

 

 

Jonathan Holslag, China and India: Prospects for Peace

Nova York, Columbia University Press, 2010, 248 pp.

Rompendo com a sóbria linha gráfica das 168 páginas antecedentes surge subitamente, já na conclusão, a única frase em itálico do livro inteiro: «a curto prazo observaremos portanto a continuação da competição entre [estas duas] grandes potências». É esta a mensagem pessimista que Jonathan Holslag, um jovem think-tanker do Brussels Institute of Contemporary China Studies, nos deixa em China and India: Prospects for Peace.

BRIC, IBSA, PIGS… Vivemos um período em que proliferam as novas siglas e acoplamentos internacionais. Facilitam a análise, mas obrigam a uma simplificação que ignora nuances e diferenças substanciais entre os vários actores. É o caso da China e da Índia, geralmente abordadas como «os dois gigantes asiáticos» e cuja suposta complementaridade produtiva levou Jairam Ramesh, o controverso secretário de Estado indiano do ambiente, a inventar o conceito de Chindia. Mas o propósito de Holslag é outro; é prospectivo e menos optimista: desconstruir o mito de que os dois países se encontram numa irreversível trajectória convergente, em direcção a uma relação bilateral estável e pacífica em que os focos de tensão do passado (guerra de 1962, conflito fronteiriço, estatuto do Tibete) sucumbirão perante a força do comércio e dos investimentos.

Em seis capítulos, preenchidos com uma quantidade orgíaca de factos, mapas e gráficos (nem sempre correctos), o jovem investigador revê a relação bilateral de um paradigma alternativo, recusando o que apelida de «mitos» neofuncionalistas e de falácias «ricardianas» baseadas na ideia de que «o efeito natural do comércio é provocar a paz, porque duas nações que negoceiam tornam-se reciprocamente interdependentes» (Montesquieu). Para reforçar o argumento, apresenta estudos de caso sobre a competição por recursos energéticos, as memórias e percepções mútuas negativas, as crescentes tensões económicas (com a acusação indiana de dumping), o persistente conflito territorial nos Himalaias e o dilema de segurança militar e nuclear.

A tese é válida e extremamente pertinente para observadores externos: uma Ásia pacífica no futuro depende fundamentalmente de uma relação sino-indiana positiva. Se para um público mais especializado em questões asiáticas o livro apresenta algumas insuficiências analíticas, limitando-se largamente a fontes secundárias e a um monótono estilo jornalístico, China and India oferece uma boa panorâmica introdutória a uma das relações bilaterais menos estudadas, mas também mais importantes das próximas décadas.

 

 

Bill Emmott, Rivals: How the Power Struggle Between China, India, and Japan Will Shape Our Next Decade

London, Harcourt Press, 2008, 342 pp.

Em The Sun Also Sets (1989), Emmott avisava profeticamente para as fragilidades da economia japonesa (era, na altura, correspondente do Economist em Tóquio). Depois, entre 1993 e 2006 assumiu a posição de editor da revista. Agora, em Rivals, avalia a sua experiência asiática a partir de Londres e perante as grandes mudanças que o continente testemunhou desde que deixou o Oriente. A sua missão: primeiro, sublinhar que um grande conflito na Ásia é possível, embora não inevitável; segundo, identificar, ao nível intra-asiático, os potenciais focos de tensão; e terceiro, propor recomendações para que esta grande transformação se processe de forma mais pacífica e estável possível.

Focando a sua análise nos três principais gigantes asiáticos – China, Índia e Japão – Emmott recorda o que um diplomata indiano lhe disse em tempos: «Tem de compreender que ambos [China e Índia] acreditamos que o futuro nos pertence. E não podemos estar ambos certos.» Do lado chinês, a versão popular equivalente é a imagem de que «é impossível dois tigres partilharem uma montanha». Poderão estas supostas incompatibilidades travar o crescimento asiático?

Emmott é pragmático, mas também optimista. Por um lado, realça a capacidade demonstrada pela administração Bush em aprofundar a relação com a China ao mesmo tempo que lançou uma ponte inédita para a Índia, com o acordo de cooperação civil nuclear. Como potência externa equilibradora, a segurança e estabilidade na Ásia continuarão a estar garantidas. Por outro lado, para além dessa garantia externa, emergem dúvidas sobre a sustentabilidade do fulgurante crescimento económico chinês e indiano, bem como sobre a sustentabilidade do modelo japonês: serão estes três actores capazes de gerir desafios como o inevitável declínio demográfico, a feroz competição por recursos energéticos, crescentes convulsões sociopolíticas e insurreições étnicas no plano doméstico, e o fantasma do nacionalismo e militarismo?

Oferecendo uma panorâmica detalhada sobre estes obstáculos, com recurso a uma linguagem jornalística acessível e ancorada em tabelas e dados económicos úteis, Emmott conclui com nove recomendações prementes, destacando-se a importância de os Estados Unidos continuarem a assumir uma posição de liderança na Ásia (incluindo os custos inerentes a essa responsabilidade), e a necessidade de se reformar as principais instituições internacionais, de modo a que passem a reflectir a realidade que coloca quase dois terços da população e o motor do crescimento económico mundial na Ásia.