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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.25 Lisboa mar. 2010

 

Teoria das Relações Internacionais

 

Carlos Gaspar

Director do IPRI–UNL. Docente de Relações Internacionais no Departamento de Estudos Políticos da FCSH–UNL. Assessor da Casa Civil do Presidente da República Jorge Sampaio entre 1995 e 2006.

 

 

Mihaela Neacsu, Hans J. Morgenthau’s Theory of International Politics. Disenchantment and Re-enchantment

Londres, Palgrave Macmillan, 2010, 199 pp.

A tese de doutoramento de Mihaela Neacsu, investigadora na Open University, abre caminho a uma nova interpretação de Hans Morgenthau e da sua teoria da política internacional, a partir de uma recentragem da sua problemática. Em vez de repetir as velhas querelas da divisão entre realistas, liberais e idealistas na análise da teoria internacional de Hans Morgenthau, Mihaela Neacsu prefere ir procurar as suas origens intelectuais, a sua experiência pessoal e o seu percurso académico para compreender melhor a centralidade da moral na sua teoria política. Por excesso de teorização, o estudo perde, por vezes, o fio condutor original, mas a concepção do mundo do intelectual alemão, que transformou o pensamento norte-americano na política externa no momento crítico do início da Guerra Fria, aparece delineada nos seus traços essenciais.

Hans Morgenthau pertence à velha tradição humanista liberal europeia, que Friederich Nietzsche e Max Weber – a sua referência principal – procuraram preservar na era das ideologias revolucionárias. Para Morgenthau, o nazismo e o comunismo confirmaram que «a política é o domínio do mal», onde a «vontade de poder ilimitada» própria do homem se manifesta da forma «mais extrema, mais violenta e mais brutal». Como única forma de conter essa fúria, que destruiu a moral e a sociedade internacional no século xx, os responsáveis políticos têm de seguir uma ética realista de defesa racional dos interesses nacionais, na tradição da raison d’État e seguindo os exemplos de Richelieu, Metternich, Bismarck e Churchill – os heróis de Morgenthau. É nesse espírito que Hans Morgenthau constrói a sua teoria política, nos cinco anos que medeiam entre a chegada à Universidade de Chicago, cujo departamento de ciências políticas está dominado pelos behavioristas, e a publicação de Politics Among Nations, em 1948. Mihaela Neacsu valoriza os livros e os textos das conferências de Morgenthau nesse intervalo específico, que parece ser um período excepcional, o momento criativo do intelectual judeu refugiado do nazismo nos Estados Unidos, antes do seu pessimismo trágico se transformar num optimismo liberal, próximo das posições daqueles que condenou, em nome da ética weberiana, à chegada ao Novo Mundo.

 

 

Bruce Jones, Carlos Pascual e Stephen John Stedman, Power and Responsibility. Building International Order in an Era of Transntaional Threats

Washington, DC, The Brookings Institution, 2009, 300 pp.

Carlos Pascual – nomeado coordenador do programa de estabilização e reconstrução no Departamento de Estado pelo secretário de Estado Colin Powell –, Bruce Jones e Stephen John Stedman – conselheiros especiais do secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan –, dirigiram em conjunto um projecto internacional intitulado «Managing Global Insecurity», que está na origem de um plano de acção, publicado em Novembro de 2008, e deste relatório sobre a reconstrução da ordem internacional.

O ponto de partida é o reconhecimento de que o «11 de Setembro» representa um «momento potencial de transformação» da ordem internacional, que se mantém basicamente inalterada, no domínio das instituições multilaterais, desde a criação das Nações Unidas e do princípio da Guerra Fria. O propósito é reestruturar a ordem multilateral para a adequar aos novos equilíbrios internacionais e às novas ameaças. O método é uma abordagem realista, que reconhece a preponderância dos Estados Unidos como um factor crucial da estabilidade internacional e a necessidade de consolidar as Nações Unidas, como o centro da legitimidade internacional. Nesse quadro, os autores apresentam uma proposta de criação de uma nova instituição internacional e esboçam sugestões para a reforma do Conselho de Segurança. A nova instituição corresponde a um alargamento do G-8 para formar um G-16, com a China, a Índia, o Brasil, a Indonésia ou a África do Sul. Mas esse modelo de concertação das potências teria de se subordinar ao Conselho de Segurança, que parece ser irreformável. O exercício dos três conselheiros é admirável, mas, entretanto, em Outubro de 2008, o Presidente dos Estados Unidos resolveu substituir o G-8 pelo G-20 como a principal instância de coordenação entre as potências relevantes na resposta à crise económica, evitando uma grande negociação internacional e tirando partido de um quadro existente, cuja natureza se transformou quando se reuniu, pela primeira vez, ao nível de chefes de Estado e de Governo. A aceleração da crise, necessária para a mudança da ordem internacional, é o pior inimigo dos prazos de publicação dos relatórios sobre a reforma da unipolaridade multilateral.

 

 

Stewart Patrick, The Best Laid Plans. The Origins of American Multilateralism and the Dawn of the Cold War

Nova York, Rowman&Littlefield, 2009, 277 pp.

Stewart Patrick, director do programa de instituições internacionais no Council on Foreign Relations, regressou às origens do «sistema americano» para reconstituir as condições internas e externas em que se formou a ordem internacional no fim da II Guerra Mundial e no princípio da Guerra Fria.

Como o próprio anuncia, o seu estudo inscreve-se na teoria de G. John Ikenberry sobre as estratégias de ordenamento que as grandes potências devem seguir no momento da sua vitória numa guerra hegemónica. Mas Stewart Patrick parte de uma posição mais céptica, na sua análise do «Enigma do Multilateralismo Norte-americano». As estratégias multilaterais não só são caras, como reduzem significativamente a autonomia das grandes potências e, nesse sentido, o multilateralismo não era uma escolha racional para os Estados Unidos em 1945. Nesse quadro, é preciso procurar uma explicação mais completa, que reclama uma valorização das dimensões identitárias e ideológicas na invenção do «sistema americano». Há uma afinidade electiva entre o regime constitucional norte-americano e o modelo multilateral através do qual os Estados Unidos querem institucionalizar os princípios do internacionalismo liberal como as normas que regulam as relações entre os estados: trata-se de substituir Hobbes por Locke nas relações internacionais. Paralelamente, o princípio da Guerra Fria e a procura de aliados para a estratégia de contenção da União Soviética tornaram as virtudes liberais do multilateralismo uma necessidade estratégica realista. Com efeito, a estratégia de contenção era uma estratégia defensiva, pacífica e de longo prazo – era preciso esperar até que os factores internos de desagregação do bloco soviético completassem o seu trabalho histórico – e, nesse caso, a subordinação do poder norte-americano à disciplina multilateral da Aliança Atlântica era a condição da durabilidade da sua preeminência estratégica e da continuidade da coligação das democracias ocidentais. As lições do pós-Guerra Fria sobre o sucesso do multilateralismo continuam válidas.