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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.24 Lisboa dez. 2009

 

France

Henrique Raposo[*]

 

 

Nicolas Baverez, Nouveau Monde, Vielle France

Paris, Perrin, 2006, 393 pp.

Nouveau Monde, Vielle France apresenta uma tese que Nicolas Baverez já tinha defendido em La France qui Tombe (2003): a elite francesa, diz este aroniano, recusa enfrentar um facto empiricamente provado, um facto que só os franceses recusam ver. Que facto é esse? Resposta: o declínio da França. Durante as últimas décadas, Paris manteve um discurso de grande potência, mas, ao mesmo tempo, revelou uma confrangedora incapacidade ao nível das capacidades. Ou seja, existe um abismo entre a retórica francesa e o real poder francês no mundo. Paris julga que ainda tem a grandeur do passado, mas é somente uma potência média. Nos textos aqui reunidos, Baverez continua esta tese. Mais: o autor alarga a tese a todo o espaço europeu. Nouveau Monde, Vielle France lança um aviso aos franceses e europeus em geral: a Europa tem de compreender que a História regressou. Os europeus não podem pensar que continuarão, sem esforço, na liderança normativa da «comunidade internacional». Para manter essa liderança é preciso mostrar mais poder militar. No fundo, Baverez afirma que chegaram ao fim as ilusões do fim da história. Chegou ao fim a ideia de que o mundo seria gerido pelo Tribunal Penal Internacional, chegou ao fim a ideia de que todos os estados obedeceriam aos «direitos humanos», tal como eles são concebidos em Paris ou Londres. Baverez salienta ainda outro ponto essencial: políticos, intelectuais e eleitorados europeus convenceram-se de que a melhor das políticas consistia em, precisamente, não fazer política; criou-se a ilusão de que já não existiam inimigos, adversários ou rivais. Ao longo dos longos anos 1990, os europeus perderam de vista a noção de que a paz não é uma condição natural, mas o resultado político das estratégias dos estados. O pensamento europeu passou a ser a-histórico e apolítico. E perante a aceleração da história (11 de Setembro, crescimento exponencial das novas potências asiáticas), a Europa desenvolveu a ilusão de que seria poupada aos grandes choques do século xxi, e continuou a inventar pretextos para continuar fora da História (Bush foi um desses pretextos). Em jeito de conclusão, Baverez declara que essa ilusão tem um preço. Se a Europa não voltar a pensar em termos realistas, a próxima ordem internacional será ditada pelos Estados Unidos e pela China. Se a Europa não voltar a entrar política e estrategicamente na história, então, estaremos perante a consumação do mundo pós-europeu: «l’histoire du xxie siècle sera écrite par d’autres».

 

 

Isabelle Lasserre, L’Impuissance Française: 1989-2007, Une diplomatie qui a fait son temps

Paris, Flammarion, 2007, 221 pp.

Isabelle Lasserre segue aqui uma pista intelectual de Nicolas Baverez. Se o historiador fala em Velha França ou na França que tomba, esta jornalista do Le Figaro disserta sobre a impotência francesa. De forma clara, Lasserre afirma que os valores e a grandeur franceses não se conseguem impor na nova hierarquia internacional. Ou seja, a França já não tem a capacidade estrutural para impor as suas narrativas no sistema internacional. Assim, este acaba por ser mais um livro a abordar a grande questão francesa (e europeia) do início do século xxi: o abismo epistemológico que existe entre a auto-imagem da França e a realidade internacional; os franceses continuam – de forma cega – a declarar que a França é uma potência global, mas, na verdade, a França é uma velha potência em declínio. Este declínio francês já é uma certeza em todas as capitais, desde Washington a Nova Deli. Segundo Lasserre, o declínio francês é verificável em três pontos. Em primeiro lugar, Paris perdeu influência no Médio Oriente (o fim da era Chirac representa também o fim da era de influência francesa em algumas capitais do Médio Oriente). Em segundo lugar, estamos a testemunhar o fim da Françafrique. A velha França também está a perder poder na África (a China e os Estados Unidos estão a ultrapassar a França no que diz respeito à capacidade de influenciar os destinos africanos). Em terceiro lugar, a perda de influência francesa é evidente, sobretudo, no interior da própria Europa. A recente crise transatlântica retirou grande parte da influência francesa sobre os parceiros europeus, sobretudo sobre os parceiros da nova Europa. A forma como Chirac (mal)tratou os países do antigo Pacto de Varsóvia custou à França a possibilidade de liderar a dimensão externa da Europa. De forma paradoxal, a crise do Iraque conduziu a pesd para um sentido mais britânico. Os países da Europa de Leste nunca aceitarão uma pesd autónoma em relação à nato, a velha ambição francesa. Essa velha ambição é, hoje, uma impossibilidade (aliás, Sarkozy já o percebeu). Em suma, Lasserre faz um apelo à elite francesa: é preciso compreender que a França já não tem qualquer centralidade mundial. Já não estamos no século xviii. Pior ainda: a França já nem sequer é a líder incontestada do projecto europeu. A Alemanha renascida (nas questões internas na União Europeia) e a Grã-Bretanha (na dimensão externa da União Europeia) são tão líderes como a França.

 

 

Nicolas Sarkozy, Testemunho

Lisboa, Guerra & Paz, 2008, 236 pp.

No que diz respeito à política externa, este livro revela um político intelectualmente preparado para encarar o mundo pós-europeu. Nicolas Sarkozy anuncia aqui uma visão do mundo adequada ao nosso tempo. Perante a ascensão das potências asiáticas, o Presidente francês percebeu duas coisas: (1) a Europa está em declínio relativo, logo, (2) Paris deve reaproximar- se de Washington. Sarkozy defende que a França deve repensar as suas relações económicas, no sentido de reorientar a economia francesa para a China, a Índia, o Brasil e o Sudeste Asiático. Mais: dado que a «geografia do crescimento económico global foi virada ao contrário nos últimos dez anos», Sarkozy afirma que a rede diplomática e cultural da França deve adaptar-se aos novos tempos: «não tenho a certeza», diz Sarkozy, «de que precisemos de agências económicas estrangeiras e consulados e sucursais da Alliance Française em todos os países da União Europeia. Por outro lado, temos de deslocar estas agências e difundir a língua e a cultura francesa em sítios como a Índia, a China e o Brasil». É neste enquadramento que devemos ler o famoso pró-americanismo de Sarkozy. Quando afirma que «a sistemática oposição aos Estados Unidos é um duplo erro», o Presidente francês não está apenas a mostrar os seus valores; está também – e acima de tudo – a ler um novo cenário estratégico no qual a França descobre que o seu antiamericanismo gaullista é (era) um luxo de uma época eurocêntrica já ultrapassada. Em consequência, Sarkozy matou – de vez – o sonho gaullista de uma pesd anti-nato: «sempre me pareceu tolo opor a defesa europeia à nato […]. Precisamos de ambas, porque são complementares e reforçam-se mutuamente.» Um dos dados mais curiosos da política externa de Sarkozy é a sua aproximação em relação ao Reino Unido. De forma clara, Sarkozy propôs a Gordon Brown uma aliança (a entente formidable) que permitiria ao tandem Londres-Paris liderar a dimensão externa da União Europeia. Neste livro percebemos o porquê desta acção. Sarkozy compreendeu que – com o centro de gravidade da política mundial a desviar-se para Oriente – «nenhuma nação europeia» é «suficientemente forte para fazer ouvir a sua voz» no século xx. No mundo pós-europeu, Paris precisa de Londres, e vice-versa. Em suma, Sarkozy reagiu à nova realidade pós-europeia/pós-francesa. Este livro revela que Sarkozy pretende fechar o abismo entre a realidade (marcada pelo declínio francês) e a autopercepção francesa (marcada pela ilusão da centralidade da França no mundo).

 

 

Robert e Isabelle Tombs, That Sweet Enemy – Britain and France: The History of a Love-Hat e Relation ship

Nova York, Vintage Books, 2008, 782 pp.

Os elogios gravados na contracapa deste livro sao absolutamente merecidos. Estamos na presenca de um trabalho notavel. That Sweet Enemy e fundamental para alunos de Historia e de Relacoes Internacionais. O casal Tombs (ele britanico, ela francesa) descreveu aqui a historia da relacao entre Londres e Paris. E a narrativa desta irmandade conflituosa comeca em 1688 (a Gloriosa Revolucao, que despertou a Inglaterra para um papel global e antifrances) e acaba em 2005 (o Nao frances a Constituicao Europeia). Este livro reconfirma uma tese que ja foi defendida por outras obras, como, por exemplo, Nelson . A Dream of Glory (John Sudgen, 2004). E a tese ate e simples: a Gra-Bretanha precisou da Franca para construir a sua propria identidade (a Gra-Bretanha definiu-se como anti.Franca). E vice-versa: a Franca autodefiniu.se enquanto nemesis da Gra-Bretanha. Nao por acaso, Chirac dizia que queria defender a Franca (e a Uniao Europeia) da globalizacao áanglo-saxonicaâ. Ou seja, entre Londres e Paris, nao existiu apenas uma arida luta geopolitica. Existiu tambem . e sobretudo . um permanente combate normativo. Ao lutarem entre si, franceses e ingleses definiram-se, e definiram grande parte da história mundial. Porque este duelo não produziu apenas a identidade britânica e francesa. Como salientam os autores, este duelo (geopolítico e normativo) também arquitectou o mundo moderno tal como o conhecemos (por exemplo, os Estados Unidos são, em grande medida, um produto da luta global entre Londres e Paris). Para o campo de estudo das relações internacionais, este é talvez o ponto mais interessante do livro. Porque a rivalidade entre a Grã-Bretanha e a França era uma rivalidade entre duas mentalidades imperiais, que viam o resto do mundo como um cenário para essa mesma rivalidade. Ora, no mundo de hoje, o mundo já não é esse palco passivo para a acção da França e da Grã-Bretanha, dado que britânicos e franceses já não têm a centralidade de outrora. Aliás, os autores deixam bem claro que Londres e Paris têm mantido uma pose diplomática e estratégica sem qualquer relação com o seu real peso. Londres finge ser um grande poder ao apoiar todas as acções de Washington e ao desprezar a Europa. Paris finge ser um grande poder ao manter a sua aura de independência estratégica gaullista e ao querer construir uma pesd anti-nato. A este respeito, That Sweet Enemy deixa um aviso: franceses e britânicos têm de esquecer estas poses ideológicas e irrealistas, e têm de enfrentar a realidade. E a realidade é esta: num mundo sem qualquer centralidade europeia, Paris e Londres precisam da Europa para se projectarem – em conjunto – na política internacional.

 

 

[*]Investigador do IPRI-UNL. Doutorando em Relações Internacionais na FCSH-UNL. Comentador de política internacional da Rádio Renascença, TVI24 e jornal i. Autor de Blair, a Moral e o Poder (Guerra & Paz, 2008) Mestre em Ciência Política pelo ICS-UL Autor do livro Um Mundo sem Europeus – Barack Obama entre o Declínio Europeu e a Ascensão Asiática (no prelo).