SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número24O socialista e a sua culturaFrance índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.24 Lisboa dez. 2009

 

Segurança Transatlântica

Bernardo Pires de Lima Ivan Nunes [*]

 

 

Wallace J. Thies, Why NATO Endures?

Nova York, Cambridge University Press, 2009, 321 pp.

Parece que a nato vive mais uma das suas crises, desta vez no inóspito território afegão. Esta é a primeira ideia a reter do sóbrio livro de Wallace Thies (Universidade Católica Americana): falar de crise é falar da história da Aliança Atlântica e do seu corpo institucional de segurança, a nato. A verdade é que este tipo de frieza analítica faz bem ao leitor. Primeiro, porque lhe retira alguma da espuma jornalística de que muitas vezes a análise política acaba refém. Segundo, porque o dota de uma lente real, isto é, não o impele a ver cada episódio crítico como apocalíptico. Um livro que coloca no título uma pergunta que ajuda a manter o seu rumo. Em Why NATO Endures? partimos desde início com a clara noção das dúvidas que queremos esclarecer: 1) porque é a nato diferente das alianças entre estados que marcaram a história euro-atlântica antes de 1939; 2) e porque perdura a nato, finda uma era onde o inimigo era reconhecido e assumido? As respostas cruzam-se e dão origem a uma argumentação sólida sobre a Aliança Atlântica. Por um lado, a nato é diferente porque comporta uma moldura de valores partilhada por estados dilacerados pela guerra e que renunciam ao uso da força entre eles em função de uma recuperação indispensável. A nato difere, também, das alianças anteriores, por ser uma comunidade de segurança entre democracias que, ao ser capaz de reduzir o medo entre elas, canaliza para a divergência política o que outrora foi do domínio militar. Por outras palavras, para Wallace Thies, é a dimensão democrática dos membros da nato que acomoda qualquer cenário de crise – interno ou externo –, dando continuidade temporal à Aliança. Por outro lado, a nato perdura em virtude do desenvolvimento de mecanismos de consulta, corpos institucionais internos, processos de decisão repartidos. Ou seja, a partir da sua fundação, as políticas externas nacionais passaram a estar delimitadas umas pelas outras através do processo negocial da Aliança e do consenso que desde sempre lhe está associado. O interesse deste livro resulta da feliz arrumação argumentativa em volta de um modelo de segurança colectiva entre estados, democracias, aberto a novos aderentes e posto à prova constantemente. Antes dele, as alianças eram conjunturais, descartáveis, pouco honestas. Com ele, a palavra «aliança» ganhou um espaço distinto nas relações internacionais. Perde-se, às vezes, demasiado tempo a perceber o insucesso político na história internacional. Este livro leva-nos a reconhecer um caso de sucesso.

 

 

Aurel Braun (ed.), NATO-Russia Relat ion s in the Twenty-First Century

Londres, Routledge, 2008, 204 pp.

Aurel Braun (Universidade de Toronto) coordena um conjunto de artigos sobre as relações entre a nato e a Rússia nos últimos vinte anos. O tema é pertinente. O tratamento dado neste livro, deficiente. Em primeiro lugar, existe a tentativa meritória de arrumar os assuntos, dentro de um desejável quadro (possível?) de equilíbrio entre todas as partes, começando pelo tempo marcado pela integração progressiva da antiga esfera soviética nos parâmetros da Aliança Atlântica e da União Europeia, e terminando nas respectivas adesões no início deste século. O tom geral das primeiras duas partes assenta na sensatez: isto é, em função de interesses de segurança comuns, não devem ser forçados novos alargamentos – Ucrânia, Moldávia, Geórgia – que prejudiquem a estabilidade das relações entre a Rússia, as potências europeias e os Estados Unidos. Por outro lado, o livro não deixa de reconhecer que estes futuros alargamentos, tal como os últimos, definem um quadro progressivo de segurança comum e uma moldura normativa caracterizada por valores democráticos. Começam aqui os problemas deste conjunto de ensaios: em redor da sensatez, pouco ou nada é acrescentado ao que já se sabe. A última parte é a mais interessante quer por olhar para o terrorismo, quer para o papel que pode ou não ser desempenhado por Moscovo no xadrez do Médio Oriente. Quanto a ambas as questões, a direcção das respostas é mais clarificadora: os russos estão mais próximos de uma estratégia individual antiterrorista do que de uma cooperação estratégica com os europeus; Moscovo não tem sido um parceiro confiável no Médio Oriente, quer pelas relações próximas que mantém com Teerão e Damasco, quer pelo estatuto que conferiu ao Hamas, após a eleições de 2006, quando o recebeu em Moscovo ao arrepio do quadro negocial do Quarteto. Este livro dá pouca atenção à vertente energética das relações entre o «Ocidente» e a Rússia, embora a reconheça. Preocupa-se sobretudo em expor tendências presentes nas opções de todas as partes, para revelar que a interdependência económica e securitária está suficientemente presente para evitar a cooperação. Bom, a novidade não será grande. Até porque a pergunta mais interessante surge apenas na última página: «Can nato maintain its cohesion?».

 

 

Natividad Fernández Sola e Michael Smith (eds.), Perceptions and Policy in Tran sat lant ic Relat ion s: Prospective Visions from the US and Europe

Londres, Routledge, 2009, 216 pp.

Académicos dos dois lados do Atlântico colocam as mais recentes tensões transatlânticas em análise, de acordo com as percepcoes politicas dos seus decisores e em funcao de tres grandes areas: a distribuicao do poder desde o final da Guerra Fria, o terrorismo transnacional, e as relacoes com a Russia. O ponto de partida desta colectanea de ensaios . uma arrumacao de conceitos e debates . e o resultado da conferencia sobre seguranca euro-atlantica, realizada em Madrid (2006), marcando o trigesimo aniversario do livro de Robert Jervis, Perceptions and Misperceptions in International Politics. Os seus coordenadores, Sola (Universidade de Saragoca) e Smith (Universidade de Loughborough), propoem dois objectivos iniciais. Primeiro, perceber se os anos de George W. Bush determinaram diferencas insanaveis quanto as percepcoes politicas e estrategicas euro-atlanticas face as tres areas que ja referimos. Segundo, ao aceitar que a parceria transatlantica foi e continua a ser fundamental, pensar a melhor forma de ela responder aos desafios conjuntos do pos-Guerra Fria, mas acima de tudo ao quadro internacional posterior ao 11 de Setembro. De acordo com a moldura de percepcoes e ausencia delas, os ensaios levantaram interrogacoes pertinentes, embora algumas delas ja tenham respostas a altura dadas pelos proprios decisores politicos. Perguntas como, porque e que os norte.americanos tomaram decisoes unilaterais que fragilizariam, a partida, a relacao transatlantica; existem diferentes percepcoes de fundo sobre poder e seguranca entre Estados Unidos e europeus; porque foram os europeus aparentemente incapazes de, na altura da ultima grande crise (Iraque), desenvolver respostas politicas juntamente com os Estados Unidos. Se as teses de Robert Jervis tiverem relevancia trinta anos apos a sua publicacao, entao as tensoes transatlanticas desde o 11 de Setembro residiram num ponto imutavel: os estados tem diferentes percepcoes das ameacas que, supostamente, deveriam ser denominador comum numa ácomunidade de segurancaâ como a Alianca Atlantica; e e no que cada um determina como sendo hostil a sua seguranca que as respostas sao dadas, naturalmente, com gradacoes de Estado para Estado. O realismo de Jervis e evidente. So que tambem a esta pretensa inevitabilidade da historia, a mesma relacao transatlantica soube reposicionar a sua principal linha . Washington, Berlim, Paris e Londres . ainda durante o consulado de Bush e dar algumas respostas positivas (Iraque, Afeganistao, alargamentos nato) a desafios conjuntos. Ou seja, o poder e as percepcoes que na sua base auxiliam decisoes politicas nao evitam que principios e valores comuns continuem a ser valorizados. So assim se explica que a Alianca Atlantica se constitua como uma excepcao na historia das relacoes internacionais, mesmo que com pelo menos uma grande crise interna por cada decada de vida.

 

 

Adrian Hyde-Price, European Security in the 21st Century: The Challenge of Multipolarity

Londres, Routledge, 2007, 272 pp.

De uma coisa podemos estar certos ao acabar um livro como este: foi preciso um oakeshottiano para nos fazer ver a política europeia tal como ela é, não como ela deveria ser. Adrian Hyde-Price (Universidade de Leicester) recupera as teses realistas para explicar os desafios internos europeus, a sua vizinhanca proxima e as relacoes internacionais que procura influenciar. Ou seja, desmonta o liberalismo enquanto religiao analitica desde o annus mirabilis de 1989, para colocar quatro grandes questoes. Em primeiro lugar, ate que ponto tem sido estavel e duradoura a seguranca europeia desde o fim da Guerra Fria. Em segundo, questionar a tese liberal que faz assentar a estabilidade e a paz na democracia e instituicoes multilaterais. Em terceiro, demonstrar que o Estado continua como pivot da politica internacional, independentemente da globalizacao economica e das solucoes transnacionais a desafios comuns. Por fim, salienta a forca dos nacionalismos na politica europeia, o que desmonta o argumento de muitos que caracterizavam o velho continente como uma realidade pos-moderna, proxima do paraiso e da paz. Hyde-Price defende que as relacoes internacionais da Europa . conceito que percorre todo o livro, evitando abordar a Uniao Europeia . ficarao marcadas por um misto de cooperacao e competicao, o que valida nao so a sua propensao para a power politics, como um quadro interno marcado pela ámultipolaridade equilibradaâ. Este conceito e definido pela existencia de tres ou mais estados com poder semelhante, favorecendo um concerto de potencias regionais que cooperaram em funcao de interesses comuns. Hyde-Price, com esta descricao da politica europeia e da seguranca pos-1989, tem em conta tres dimensoes: a extensao do poder da superpotencia, a acomodacao da Russia e a relacao com a ánormalizacaoâ do grande poder continental, a Alemanha. E e exactamente com vista a estes desafios que se tornou pouco razoavel a Europa assentar o seu modelo exclusivamente na teologia da potencia pacifica e normativa: nao so os ultimos vinte anos nao provaram que estas duas condicoes reinassem indubitavelmente no seu territorio, como o quadro de seguranca que lhe diz directamente respeito e ao qual vai ter de responder, tendera a sublinhar dimensoes de conflito. O livro de Adrian Hyde.Price e um bom instrumento de alerta do que tem sido e pode vir a ser a seguranca europeia neste seculo.

 

 

[*]Investigador do IPRI-UNL. Doutorando em Relações Internacionais na FCSH-UNL. Comentador de política internacional da Rádio Renascença, TVI24 e jornal i. Autor de Blair, a Moral e o Poder (Guerra & Paz, 2008)