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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.23 Lisboa set. 2009

 

Política Externa Norte-Americana

Diana Soller *

 

Timothy J. Lynch e Robert S. Singh, After Bush – The Case for Continuity in American Foreign Policy

Cambridge, Cambridge University Press, 2008, 382 pp.

 

O argumento deste livro é, sem dúvida, polémico, num momento em que o mundo está encantado com a eleição de Barack Obama e ocupado a apontar as diferenças entre o novo Presidente e o seu antecessor. Timothy Lynch e Robert Singh (da Universidade de Londres) afirmam que a doutrina Bush não foi uma invenção do Presidente que a protagonizou. Foi, antes, a resposta lógica aos ataques do 11 de Setembro, informada pela «tradição da política externa norte-americana». A guerra contra o terrorismo, a que chamam II Guerra Fria, é o sucedâneo, com os devidos ajustes relacionados com a natureza do opositor, do conflito que opôs os Estados Unidos à URSS.

Partindo deste princípio, os autores salientam que as principais características da política externa americana desde o 11 de Setembro e os métodos para atingir um sistema internacional mais seguro não só foram uma constante durante a Guerra Fria como fazem parte das orientações externas dos Estados Unidos desde que são uma nação. Por outras palavras, quer a crença de que o carácter democrático dos estados é determinante para a estabilidade das relações internacionais (e que a primazia americana é a melhor forma de manter a paz) quer a certeza de que o ataque preventivo e a decapitação de regimes tirânicos através de coligações de vontade são tácticas legítimas são conceitos que acompanham a política externa norte-americana há mais de 200 anos. Este argumento é assumidamente herdeiro de Robert Kagan, que tentou provar, em Dangerous Nation, que os Estados Unidos são naturalmente uma nação expansionista, apesar do carácter benigno da sua intervenção internacional.

A este argumento, Lynch e Singh impõem duas conclusões: primeira, independentemente do presidente que ocupar a Casa Branca, as características da política externa americana dos últimos anos manter-se-ão – são estruturais. Segunda, as coligações de vontade são uma forma eficaz de projectar poder, porque reúnem os estados de identidade anglo-saxónica (Estados Unidos, Reino Unido, Austrália e Índia). Estes estados partilham o mesmo sistema de valores, o mesmo entendimento relativamente às necessidades de segurança, e a mesma vontade de fazer uso da força militar quando necessário. São aliados naturais e tenderão a manter a liderança do sistema, como se verifica desde a ascensão do Império Britânico.

Independentemente da inconsistência da tese – não existe uma tradição na política externa norte-americana, mas pelo menos três, e em permanente confronto –, Lynch e Singh levantam um debate cada vez mais relevante na literatura das relações internacionais: numa nova ordem internacional, como se definirão as fidelidades dos estados? Pela identidade política ou histórico-cultural? Pelo interesse nacional?

 

Derek Chollet e James Goldgeier, America between the Wars – From 11/9 to 9/11 – The Misunderstood Years between the Fall of the Berlin Wall and the Start of the War on Terror

Nova York, Public Affairs, 2008, 412 pp.

 

Charles Krauthammer, colunista do Washington Post, considerou que os doze anos que compreendem o derrube do Muro de Berlim e os atentados terroristas do 11 de Setembro foram «umas férias da história». Esta expressão designava a ausência de ameaças internacionais imediatas, o que teria dado aos decisores americanos um período de relativo descanso, dispensando-os de crises profundas ou decisões difíceis.

Quem ler From 11/9 to 9/11, de Derek Chollet (Universidade de Georgetown) e James Goldgeier (Universidade de George Washington), percebe que Krauthammer só em parte tinha razão: os anos 1990 foram essencialmente tempos de hesitação e experiência, em que os decisores, confrontados com um novo sistema internacional – unipolar – procuraram encontrar soluções de governação global num contexto para o qual não havia modelos na História.

Segundo os autores, desenharam-se duas grandes tendências. Uma foi a dificuldade de definir as novas regras de uso de poder. Sem amarras – constrangimentos provocados pelo equilíbrio de poder de outros estados – os Estados Unidos tiveram a oportunidade de transformar a ordem valorativa. O resultado foi, essencialmente, levantar mais questões do que encontrar respostas: ainda hoje se procura definir, por exemplo, um novo conceito de legitimidade internacional. O antigo – o respeito pela soberania dos estados – está em crise devido às intervenções humanitárias levadas a cabo no período em apreço.

Outra tendência foi o desenvolvimento de uma maior vontade política de fazer uso da força militar por razões não relacionadas com a segurança imediata. Nos anos 1990, desenvolveram-se e acentuaram-se duas doutrinas – o liberalismo internacionalista e o neoconservadorismo – que tinham (e têm) em comum a ideia de expansão da democracia com a finalidade de obter, a prazo, um sistema internacional mais estável e pacífico. Liberais internacionalistas e neoconservadores desenvolveram a ideia de que os Estados Unidos podem (e devem, em certos casos) exercer o seu poder de transformar o mundo, pela força, se necessário. Simultaneamente, os conservadores («Contract Republicans») não foram capazes de fazer propostas suficientemente consistentes para se opor a esta abordagem mais interventiva que se desenhava em Washington, quer na Casa Branca, quer nos think tanks.

Os autores concluem realçando as semelhanças entre a Administração Clinton e a Administração W. Bush, no que respeita às ideias sobre o uso de poder e da força militar americana – «maiores do que a maioria dos americanos percepcionaram ou que os partidários de ambos os lados querem admitir». Se assim for, os anos 1990 não foram exactamente umas férias da História. Foram o início de uma história complexa cujo desfecho ainda está por construir.

 

Thomas E. Ricks, The Gamble – General Petraeus and the Untold Story of the American Surge in Iraq, 2006-2008

Londres, Alan Lane, 2009, 394 pp.

 

Este magnífico relato de Thomas Ricks (correspondente do Washington Post no Pentágono e autor do muito aclamado Fiasco) sobre as origens e a execução da surge – a estratégia da contra-insurreição que mudou o rumo da Guerra do Iraque – demonstra uma realidade interessante. É que apesar de a estratégia ter sido desenhada para alterar o resultado do conflito em favor dos Estados Unidos, impôs uma mudança de mentalidade nas Forças Armadas norte-americanas.

Os péssimos resultados da Guerra do Iraque desde o fim da invasão até ao final de 2006 criaram condições para uma revisão profunda do pensamento militar norte­‑americano. Até aí, dominava a doutrina Powell constituída por quatro princípios: o uso maciço da força militar, que visava a limitação do tempo de permanência em ambiente de conflito; a definição de objectivos precisos; o abandono do cenário de guerra assim que os objectivos pré-definidos fossem atingidos. Procurava-se, sobretudo, evitar baixas americanas e manter a opinião pública a favor das decisões do poder político.

Se estas regras foram eficazes durante a Guerra Fria, tornaram-se obsoletas em cenários de conflito irregular. A aplicação da doutrina Powell depois da invasão ao Iraque – evitar a exposição dos soldados americanos e usar poder massivo contra guerrilheiros irregulares – levou a que os norte-americanos se tornassem espectadores de uma «quase guerra civil» alimentada por milícias étnicas (sunitas e xiitas) e adversários externos – a Al-Qaeda e o Irão.

Sem soluções, a Casa Branca cedeu à implementação da surge, uma estratégia com muito poucos apoios no establishment político e militar. A «doutrina Petraeus» mais não é do que a aplicação de regras clássicas de contra-insurreição. Mas representa a inversão da ideia de uso de poder militar massivo: constitui-se da limitação dos objectivos políticos (a estabilidade em vez da democracia); do aumento dos meios humanos; e, principalmente, da protecção da população quer no que respeita à sua segurança, quer no que respeita à sua dignidade.

O que aconteceu no Iraque entre 2006 e 2008 foi a transformação da doutrina Powell na doutrina Petraeus. Já se sabe que o alcance dos resultados desta estratégia nunca poderá ser plenamente apreciado, uma vez que o Exército americano irá retirar, muito em breve, do Iraque. Fica por saber – é disso que se ocupa o último capítulo do livro – se os poderes político e militar (muito resistente) irão aceitar esta profunda mudança no conceito de fazer a guerra. Cabe à Administração Obama – que já anunciou uma nova surge no Afeganistão – sedimentar ou abandonar tão profunda transformação nos assuntos militares americanos.

 

Simon Schama, The American Future: A History from the Founding Fathers to Barack Obama

Londres, Vintage, 2009, 416 pp.

 

Por vezes, surge um autor que, sem querer imitar Alexis de Tocqueville, segue-lhe as pegadas. Não se fala aqui de igualar a importância e a qualidade da obra do visitante francês, trata-se de colocar a mesma pergunta que Tocqueville colocou: o que é que os Estados Unidos, o que é que a democracia e o sistema político americano têm que os diferenciam dos restantes estados? Muitas vezes, a resposta vem no formato de um livro muito marcado ideologicamente: ou é um relato de todas as falhas dos Estados Unidos ou um corolário de todas as suas virtudes. Este desequilíbrio torna esses trabalhos pouco interessantes e ainda menos informativos.

O recente livro de Simon Schama (Universidade de Columbia), The American Future: A History é invulgar neste aspecto. Em parte do livro, o historiador – um confesso entusiasta da América e um defensor convicto do Partido Democrata – demonstra uma preferência exacerbada por determinadas figuras históricas em detrimento de outras, distorcendo, até certo ponto, o papel que cada um desempenhou na história da concepção da América. Noutros momentos, Schama demonstra lucidez e mestria, especialmente no que respeita à caracterização de certos traços do adn americano.

Estas diferenças encontram-se se compararmos primeiro e segundo capítulos, respectivamente sobre a guerra e a religião. No primeiro, o autor caracteriza a América através do debate entre Jefferson e Hamilton, tomando como ponto de partida as concepções que cada um detém para West Point (a academia militar norte­‑americana por excelência). Jefferson preconiza um corpo militar de elite, em que os cadetes são treinados para a paz, para a reconstrução e para o desenvolvimento. Hamilton projecta uma força capaz de defender os interesses americanos no exterior, uma vez que, mais tarde ou mais cedo, seria necessário usar o poder militar para defender a República. Jefferson é caracterizado como o estadista ponderado, lockiano, fundador do ideal americano. Hamilton é o federalista imperialista, que prefere o poder à paz. É deste retrato distorcido – onde jogam «duas Américas», uma boa, outra má – que parte toda a análise do livro. Há, portanto, heróis e anti­‑heróis. E a América progride quando os heróis comandam as instituições.

Schama analisa ainda o sistema institucional americano através da liberdade religiosa, percebendo que a Primeira Emenda à Constituição proporcionou não só a separação de poder do Estado e da igreja como uma liberdade religiosa sem precedentes na História. Assim a América tornou-se um permanente diálogo entre a fé, a liberdade e a convicção e a tolerância. Em suma, o autor é preciso e tolerante com as instituições e menos justo com os protagonistas.

 

* Mestra em Relações Internacionais pela Universidade Lusíada. Assessora de Estudos do IDN.