SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número23História InternacionalPolítica Externa Norte-Americana índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.23 Lisboa set. 2009

 

História Norte-Americana

Daniel Marcos *

 

Melvyn Leffler e Jeffrey Legro (eds.), To Lead the World. American Strategy after the Bush Doctrine

Oxford, Oxford University Press, 2008, 303 pp.

 

O historiador Melvyn Leffler e o politólogo Jeffrey Legro reuniram neste livro um conjunto de distintos académicos e especialistas em relações internacionais. A sua proposta não era de todo fácil: que cada um elaborasse uma proposta concisa de estratégia de segurança nacional para os Estados Unidos após a era George W. Bush. Compreendendo que o mundo está a meio de uma transformação profunda no que diz respeito à organização da ordem internacional, a proposta dos editores procura afastar-se do que até agora havia sido feito em relação à análise da doutrina Bush. Admitindo que esta Administração deixará marcas profundas na cena internacional, os autores propõem que definitivamente se deixem de lado as críticas fáceis ao combate contra o terrorismo e ao conflito no Afeganistão e Iraque. Leffler e Legro reconhecem que as políticas da Administração Bush vão para além da ideia de unilateralismo e da guerra preventiva, sendo que apelaram aos autores de cada capítulo para reflectirem sobre uma das principais bases em que assentava a ideia de segurança nacional norte-americana, isto é, a promoção da liberdade, política e económica, no mundo.

As conclusões a que este grupo heterogéneo de dez cientistas políticos e especialistas em relações internacionais chegou são bastante interessantes. Todos os autores partilham da esperança que os Estados Unidos mantenham o seu papel de liderança, de predomínio militar, de defesa da liberdade, de abertura económica e de colaboração com os outros países do mundo. Ainda que alguns autores não tenham a certeza sobre que meios os Estados Unidos devem utilizar para manter uma posição de liderança mundial, todos concordam que seria um erro a retirada norte-americana da arena internacional (p. 251). Também em relação à abertura económica, os autores apoiam a expansão de uma ordem económica capitalista apesar de reconhecerem a existência de alguns problemas que advêm do processo de globalização. Finalmente, todos os autores acabam por criticar as posições unilateralistas seguidas durante alguns momentos da Administração Bush, defendendo o retorno ao multilateralismo para enfrentar uma grande variedade de problemas, tais como a proliferação de armas de destruição maciça, o aquecimento global e o enfraquecimento do papel do Estado em regiões como a África, o Médio Oriente e a Ásia Central. Em conclusão, com o «previsível» mundo da Guerra Fria cada vez mais distante e com a complexificação da política internacional, este livro procura contribuir com um conjunto de análises profundas e provocativas que permitam aos decisores políticos e ao público em geral compreender melhor o futuro do papel dos Estados Unidos no mundo.

 

Andrew J. Bacevich, The Limits nof Power. The End of American Exceptionalism

Nova York, Metropolitan Books, 2009, 213 pp.

 

O mais recente livro de Andrew Bacevich volta a analisar a tradicional temática abordada por este especialista em política externa e de defesa norte-americana: o papel preponderante dos Estados Unidos na cena internacional depois do final da Guerra Fria. Reconhecendo que a queda do bloco soviético trouxe mais problemas para os Estados Unidos do que muitos previam em 1991, Bacevich defende que um conjunto de presunções da elite política e da sociedade norte-americana contribuíram para que o país se deparasse com os problemas verificados no Iraque e, actualmente, no Afeganistão. Mais do que as acções de Saddam Hussein ou de Osama bin Laden – ainda que estas fossem profundamente malevolentes –, as razões para os Estados Unidos se depararem com guerras sem fim à vista na zona do golfo Pérsico prendem-se com um problema doméstico da sociedade norte‑americana, isto é, o desgaste da ideia de liberdade e o refúgio frenético na manutenção do American way of life.

Mais do que profundamente inovadora, a abordagem de Andrew Bacevich revela-se interessante na medida em que parte de um académico assumidamente conservador e realista. Ao contrário dos tradicionais autores revisionistas da historiografia da política externa norte-americana, Bacevich não foi procurar inspiração na linha de William Appleman Williams culpando os objectivos norte-americanos de mais não serem que um imperialismo disfarçado numa política de comércio livre com as restantes nações mundiais. Este professor da Universidade de Boston baseia a sua linha de investigação num dos ícones da Escola Realista, Reinhold Niebuhr e, citando este autor, acusa a política externa dos Estados Unidos de partir de uma perspectiva arrogante e narcisista, procurando justificar todas as suas acções com base na ideia de defesa da liberdade (p. 7). Ora, como o autor acaba por concluir, a incapacidade das elites políticas em reflectirem acerca do que o conceito de liberdade quer dizer em pleno século xxi e a evolução da sociedade norte-americana no sentido de uma posição cada vez mais individualista e menos gregária conduziu a que, face aos graves conflitos internacionais com que os Estados Unidos se deparam, o exercício da liberdade americana já não é suficientemente forte para gerar poder suficiente para manter uma ordem imperial. Na verdade, com uma sociedade centrada no consumo e na autonomia individual, o exercício da liberdade está a contribuir para a erosão gradual do poder norte-americano no mundo (p. 11). Este pequeno ensaio, com um objectivo declarado de alcançar um grande público, torna-se, por isso, um interessante livro para compreendermos a sociedade actual norte-americana.

 

Lloyd C. Gardner, The Long Road to Bagdad. A History of us Foreign Policy from de 1970s to the Present

Nova York, The New Press, 2008, 310 pp.

 

Ao contrário de alguns livros recentes que abordaram o envolvimento dos Estados Unidos na zona do golfo Pérsico, esta obra de Lloyd Gardner procura enquadrar a invasão do Iraque de 2003 com o processo evolutivo a que se assistiu na política externa norte-americana desde a intervenção no Vietname. De acordo com este autor, o caminho que conduziu os Estados Unidos à intervenção no Iraque começou imediatamente após o final da Guerra do Vietname. Durante esta guerra, argumenta este reputado historiador da linha revisionista iniciada na Universidade de Madison durante a década de 1960, enraizou-se uma forte tradição no pensamento político norte-americano sobre a natureza das revoluções e a necessidade de existirem forças exteriores para fomentar os processos de desenvolvimento económico e político em zonas subdesenvolvidas. Este pensamento, detalhado por Walt Whitman Rostow durante a Administração Johnson, acabou por ser posto em prática por Zbigniew Brzezinski, seu sucessor enquanto principal conselheiro de Segurança Nacional da Administração Carter. Foi durante esta Administração que o envolvimento dos Estados Unidos na região do golfo Pérsico mais se desenvolveu, sendo que Gardner reforça a enunciação da doutrina Carter como um momento determinante desse envolvimento. A queda do xá da Pérsia e a proclamação da República Islâmica do Irão em 1979, bem como a invasão do Afeganistão por forças soviéticas justificaram a enunciação de uma nova política norte­‑americana para aquela região.

A maioria dos capítulos deste livro centra­‑se no enquadramento e na análise do momento actual que os Estados Unidos estão a viver no Iraque. Neste sentido, o autor nem sempre consegue manter-se fiel ao seu objectivo principal de fazer uma estreita ligação entre a invasão do Iraque de 2003 e o conflito que os Estados Unidos viveram no Sudoeste Asiático desde os anos de 1960 até 1975. Optando por não seguir uma narrativa cronológica, o autor consegue captar a atenção do leitor através de uma escrita comparativa entre os dois momentos que marcaram as primeira e segunda intervenções no Iraque. Através de uma análise da Administração Bush I e Bush II, com uma abundante e variada utilização de fontes, Lloyd Gardner acaba por concluir que, mais do que o interesse económico de garantir acesso privilegiado ao petróleo do Médio Oriente, a ocupação do Iraque prendeu-se com a necessidade geoestratégica de garantir uma base segura para os Estados Unidos na região.

 

James Edward Miller, The United States & the Making of Modern Greece. History & Power, 1950-1974

Chapel Hill, The University of North Carolina Press, 2009, 301 pp.

 

É vasta a bibliografia que aborda a penetração política, militar e cultural dos Estados Unidos na Europa Ocidental após o final da ii Guerra Mundial. Para além dos tradicionais livros que vêem as relações transatlânticas neste período de uma forma conjunta, procurando compreender quais as razões que levaram os Estados Unidos a olharem para Europa Ocidental como uma zona de influência vital para os seus interesses, inúmeros estudos de caso revelam como os grandes países europeus, muitas das vezes, cooptaram com esta situação ou, então, não conseguiram resistir. O exemplo mais conhecido desta corrente é a ideia de Geir Lundestad de que a Europa convidou os Estados Unidos a desempenharem um papel central no seu destino. Contudo, raras vezes a historiografia norte-americana centrou os seus estudos de caso nos países mediterrânicos. Desta forma, o mais recente livro de James Edward Miller é uma surpresa refrescante na historiografia norte-americana.

Centrando-se na importância que os Estados Unidos tiveram na construção da moderna Grécia do pós-ii Guerra Mundial, este professor de Georgetown demonstra ao longo do seu trabalho de que forma a Grécia foi um caso evidente de um Estado alavancado pela capacidade norte-americana de tornar seguras as zonas do seu interesse estratégico. Após o grave conflito sangrento que assolou este país entre 1947 e 1949, o apoio dos Estados Unidos pro­curou, em primeiro lugar, evitar a expansão da influência soviética naquele país cortando, ao mesmo tempo, a hegemonia do Partido Comunista grego, maioritariamente apoiado pela Jugoslávia. Em segundo lugar, desejavam modernizar uma nação que, para muitos observadores europeus, era uma sociedade balcanizada com costumes políticos mais característicos de otomanos do que de europeus. Como Miller demonstra, o apoio norte-americano à Grécia envolveu um considerável investimento militar nas Forças Armadas, na medida em que estas eram vistas como um veículo privilegiado de modernização do país. Por outro lado, o investimento de capitais foi também vital na medida em que o desenvolvimento económico e o aumento da prosperidade da sociedade grega eram vistos como a melhor forma de evitar o ressurgimento dos movimentos comunistas. Por fim, o autor não deixa de analisar aquilo que para si foi o principal problema da evolução grega entre 1950 e 1974: a dificuldade em construir um sistema político estável e democrático. Apesar de admitir a culpa da elite política grega neste processo, Miller reconhece ainda que os Estados Unidos tiveram, também, uma responsabilidade alargada nesta situação, sobretudo pela sua actuação ambígua durante a Ditadura dos Coronéis. Apenas a integração europeia da Grécia após 1974 permitiu a estabilização do seu sistema político.

 

* Investigador do IPRI – UNL. Mestre em História das Relações Internacionais pelo iscte, prepara actualmente uma tese sobre as relações luso-americanas na década de 1950. Autor de Salazar e De Gaulle. A França e a Questão Colonial Portuguesa 1958-1968 (2007).