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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.22 Lisboa jun. 2009

 

História Internacional

Tiago Moreira de Sá*

 

Witney Schneidman, Confronto em África, Washington e a Queda do Império Colonial Português

Lisboa, Tribuna da História, 2005, 346 pp.

 

O livro Confronto em África analisa a política de três administrações norte-americanas – John F. Kennedy, Lyndon B. Johnson e Richard Nixon – no universo da questão colonial portuguesa.

O maior interesse da obra reside na grande quantidade de informação que o autor conseguiu obter através de uma extensa investigação nos arquivos norte-americanos e da realização de mais de três dezenas de entrevistas a protagonistas políticos do período histórico em questão. Já a sua grande limitação radica na sua natureza quase exclusivamente descritiva, abdicando Schneidman de extrair dos dados obtidos o quadro geral da estratégia de Washington para Portugal entre 1961 e 1975, bem como as suas motivações.

O início do livro promete, apresentando algumas ideias fundamentais que, porém, não são depois desenvolvidas no corpo do texto. Em primeiro lugar, o que podemos designar de contornos dominantes da actuação dos Estados Unidos no quadro do problema da África portuguesa, definidos pelo autor como «preocupação constante relativamente aos interesses portugueses e um pequeno apoio às aspirações africanas de autodeterminação» p. 35. Segundo, os constrangimentos impostos à estratégia africana de Washington pela sua «defesa das posições europeias em África»; ainda de acordo com Schneidman houve, entre os dois lados do Atlântico, «uma divisão táctica da mão-de-obra no terceiro mundo» p. 35. Finalmente, o dilema África ou Açores, ou seja, como escreveu o autor, «no caso de Portugal e das suas colónias africanas a política norte-americana acabou igualmente por revestir a forma de uma competição entre, por um lado, a manutenção do acesso aos Açores e, por outro, fazer pressão sobre Lisboa para descolonizar» (p. 29).

Segue-se o capítulo consagrado à Administração Kennedy e à mais grave crise nas relações luso-americanas desde a II Guerra Mundial em consequência de uma alteração de fundo na política dos Estados Unidos para o Terceiro Mundo, com reflexos na África portuguesa. Preocupado com o «espectro dos frágeis governos africanos a ruir sob o peso dos insurrectos comunistas», Kennedy definiu como prioridade «conquistar os corações e mentes dos povos do terceiro mundo», quer contribuindo para o desenvolvimento dos países recentemente independentes, quer apoiando a luta pela autodeterminação daqueles que ainda se encontravam sob o governo de potências europeias, como era o caso das colónias portuguesas.

A Administração de Lyndon Johnson, à qual é dedicada a parte seguinte da obra, também reconheceu a importância da questão africana, mas, como escreveu Schneidman, «a urgência para intervir desapareceu». A aposta interna no projecto da «Grande Sociedade», o crescente envolvimento no Vietname e a falta de actividade soviética e chinesa em África durante uma boa parte do mandato de Johnson levaram a que a política americana para África fosse «remetida para uma nota de rodapé».

Já a Administração de Richard Nixon reviu a política dos Estados Unidos para a África Austral num sentido favorável a Portugal e aos regimes dominados pela minoria branca da África do Sul e Rodésia. Na base desta mudança esteve um estudo de um grupo interdepartamental criado pelo National Security Memorandum 39 sobre os interesses dos Estados Unidos para a África Austral que concluiu pela seguinte premissa: «Os Brancos estão para ficar e a única via de mudança construtiva é através deles. Não há esperança de os negros ganharem os direitos políticos que desejam através da violência; e essa só levará ao caos e aumentará as oportunidades dos comunistas». Consequentemente, no essencial, a política de Nixon e Kissinger para a África Austral traduziu-se numa acomodação ao status quo, isto é, por uma atitude coincidente com as pretensões portuguesas.

A última parte do livro de Witney Schneidman é dedicada à descolonização de Angola e à vitória soviética no Confronto em África. Esta é pelo menos a conclusão do autor que revela a este respeito o conteúdo de uma conversa entre Henry Kissinger e Brejnev durante o encontro entre ambos em Moscovo, em finais de Janeiro de 1976, que pelo seu significado importa transcrever parcialmente: «O principal objectivo de Kissinger era saber se seria possível concluir mais um acordo SALT com a União Soviética em 1976. […] Outro objectivo era convencer Moscovo a reduzir o seu envolvimento em Angola. […] Porém, nas negociações em Moscovo, Brejnev não se deixou demover pelas pressões de Kissinger sobre Angola. O líder soviético recusou-se a abordar a questão quando Kissinger falou no assunto. Brejnev insistiu que os combates em Angola “eram uma guerra de libertação nacional” e, como tal, não eram relevantes para a détente» (pp. 285 e 286).

 

Piero Gleijeses, Conflicting Missions: Havana, Washington and Africa 1959-1976

Chapel Hill,University of North Carolina Press, 2002, 576 pp.

 

A par com Odd Arne Westad, Piero Gleisejes é um dos melhores especialistas na questão da Guerra Fria no Terceiro Mundo, constituindo o seu livro Conflicting Missions: Havana, Washington and Africa 1959-1976 uma referência obrigatória nesta área de estudos.

Centrado fundamentalmente no papel desempenhado por Cuba em África, muito em particular no Congo Belga (Zaire) e em Angola, a obra tem como ponto forte a profunda investigação levada a cabo nos arquivos cubanos até então quase completamente inacessíveis, o que permitiu ao autor o acesso a documentos inéditos que possibilitam compreender o papel desempenhado pelos cubanos no apoio aos movimentos nacionalistas africanos, com especial relevo para aqueles que combatiam Portugal.

O trabalho de Gleisejes revela que o envolvimento de Cuba em África começou apenas dois anos após a ascensão ao poder de Fidel Castro, nomeadamente na Argélia, utilizando então como modelo preferencial a exportação de médicos e professores. O início dos anos de 1960 marcou a primeira escalada da Guerra Fria no continente africano com o envolvimento de diversas potências estrangeiras na guerra civil que se seguiu à independência do Congo Belga, coincidindo com este acontecimento a extensão da acção cubana na África subsariana. Neste âmbito, é particularmente interessante a descrição pormenorizada da missão de Che Guevara no Zaire, confirmando o livro o empenho cubano no auxílio às forças pró-comunistas do território.

Em seguida, Fidel Castro deslocou a sua atenção para o território português da Guiné-Bissau, tendo começado a apoiar o PAIGC em finais de 1960, inclusive com material militar. De sublinhar que, segundo o autor, Cuba estava a «levar a cabo a sua própria política na Guiné», isto é, não actuava como «potência de procuração» da URSS (p. 212). Porém, segundo documentos recentemente revelados os «bons ofícios» cubanos parecem ter desempenhado um papel-chave na decisão soviética de conceder mísseis terra-ar ao PAIGC que, desempenharam um papel primordial na alteração estratégica da guerra.

Mas a parte mais importante do livro é consagrada à intervenção cubana na guerra civil de Angola, à qual de resto Gleisejes dedica os últimos sete capítulos. E aqui as confirmações e as revelações são abundantes, o que se explica pela elevada quantidade de documentos inéditos a que o autor teve acesso, bem como pelo número impressivo de entrevistas realizadas a protagonistas cubanos, angolanos e portugueses. A narrativa da «aventura africana de Cuba», que se lê com avidez, conta a história do período que vai desde o início do envolvimento de Havana em Angola até à vitória final cubano-soviética, passando pela «Operação Carlota». Ficamos a saber que as autoridades portuguesas no território, com Rosa Coutinho à cabeça, tiveram conhecimento desde o início da acção cubana; também que a URSS não apoiou inicialmente a decisão de Fidel Castro de avançar militarmente para o território angolano, só o fazendo a partir da terceira semana de Outubro de 1975; e ainda que a mudança soviética foi determinada pela intervenção da África do Sul em Angola, o que teve igualmente como consequência o fim da oposição de vários países africanos a um envolvimento directo de Moscovo em Luanda.

Conflicting Missions é assim um excelente livro. Porém, dificilmente pode ser considerado totalmente neutro, o que é parcialmente explicável pela preponderância das fontes de arquivos cubanas (ainda que o autor tenha consultado também os documentos norte-americanos).

 

* Doutor em História Moderna e Contemporânea pelo ISCTE. Investigador no IPRI – UNL. Autor dos livros Os Americanos na Revolução Portuguesa (2004) e, com Bernardino Gomes, Carlucci vs. Kissinger. Os EUA e a Revolução Portuguesa (2008).