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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.22 Lisboa jun. 2009

 

Ligando os extremos no Médio Oriente: um potencial papel transatlântico para a Índia

Constantino Xavier*

 

O Médio Oriente testemunha um momento de acelerada e ainda incerta transformação estratégica com a chegada em peso de novos actores externos como a China e a Índia. Este artigo analisa os sete factores principais que moldam a política externa indiana para aquela região e avalia o potencial de a Índia vir a desempenhar um papel construtivo na sua estabilização. Argumenta que, contrastando com o relativo desinteresse chinês, Nova Deli mostra-se não só disponível, mas também interessada, em forjar uma nova estrutura de segurança regional mais abrangente, em sintonia com os interesses transatlânticos da NATO.

Palavras-chave: Índia, China, Médio Oriente, segurança internacional

 

Bridging the gap in the Middle East: a potential transatlantic role for India

The Middle East’s security complex is presently witnessing an era of unprecedented change and uncertainty, in particular due to arrival of new external actors such as China and India. This article forwards seven distinct dimensions that shape India’s foreign policy towards the region, and assesses India’s potential constructive role in fostering regional stability during the on-going transition process. It is argued that, contrasting with China’s relative disinterest, New Delhi is not only available, but also interested in producing consensuses and shape a new regional security structure in partnership with NATO’s transatlantic priorities.

Keywords: India, China, Middle East, international security

 

O papel da China e da Índia é de particular importância na conjuntura ambígua que actualmente marca o Médio Oriente. Cientes em preservarem as suas altas taxas de crescimento económico e em satisfazerem as suas necessidades energéticas internas, não há dúvida que a entrada súbita e proactiva dos dois actores asiáticos na região é motivada, acima de tudo, pela sua busca frenética por mais recursos energéticos. Contudo, aliada a esta preocupação estritamente material, no plano simbólico o caso indiano parece distinguir-se do chinês. Enquanto que Pequim adopta, no essencial, uma estratégia «silenciosa» ou «invisível», dedicada principalmente a satisfazer os seus interesses energéticos, económicos e estratégicos, para Nova Deli a entrada no Médio Oriente oferece também uma oportunidade única de projecção, isto é, uma região onde poderá maximizar a sua visibilidade e o seu impacto internacional1. Para os interesses indianos a importância estratégica do Médio Oriente não se esgota, portanto, nos recursos energéticos, na proximidade geográfica, e nas suas restantes mais-valias materiais: é, acima de tudo, o cenário regional ideal para operacionalizar a sua retórica, afirmar a sua distinção, assumir a sua ambicionada identidade como grande potência e ser reconhecida como tal2.

Para além do simbolismo histórico representado pelo facto de o poder de intervenção externa no Médio Oriente ter sido sempre a prerrogativa de um grupo reduzido de grandes potências, a percepção indiana de que a região é um palco central para afirmar o seu estatuto de grande potência é reforçada pela ideia de que é precisamente nessa região que se articularão os moldes e a estrutura da futura arquitectura pós-unipolar. Segundo uma recente iniciativa do Carnegie Endowment for International Peace, sobre o impacto da Rússia, da China e da Índia no Médio Oriente:

«Os três países são vizinhos imediatos e correm o risco de serem afectados directamente por uma escalada dos conflitos, mas são também susceptíveis de abordar o Médio Oriente como uma região onde os seus interesses imediatos convergem com a sua ambição de se tornarem nos pilares de uma nova ordem global e multipolar… [Vêem a] região como um dos contextos mais importantes em que se opõem os interesses coincidentes e concorrentes das grandes potências estabelecidas e emergentes, e por isso também como uma arena onde se estão a desenvolver e implementar as novas regras do jogo.»3

De acordo com esta análise, de forma a poder garantir o seu lugar à mesa das grandes potências, os estrategas e diplomatas indianos assumem naturalmente que, de forma a realizar a sua ambição, a Índia terá de garantir uma presença de peso no Médio Oriente. Esta suposta importância central do Médio Oriente no desenrolar de eventuais futuras transições sistémicas tem sido prontamente assimilada pela política externa indiana. Nas palavras do primeiro-ministro Manmohan Singh:

«A Ásia Ocidental evoluiu de apenas uma importante área de preocupação global para provavelmente a região mais crucial. Por exemplo, não há dúvidas de que a Ásia Ocidental será um assunto-chave da política externa não só para os seus vizinhos na região, mas mesmo a nível global. Os processos em curso na Ásia Ocidental terão um impacto crítico no contexto estratégico global.» (itálicos no original)4

Há quem negligencie esta estratégia indiana como um mero flag waving, isto é, uma necessidade quase patológica de ver a sua ambição desmedida (em termos de capacidades materiais efectivas, contrastando especialmente com a China) realizada por via do simples reconhecimento. No caso indiano existe realmente um desfasamento entre intenções e capacidades desmedidas para as operacionalizar. No contexto específico do Médio Oriente, esta relativa fraqueza material indiana é assim complementada por uma estratégia de projecção diplomática, dedicada a garantir uma maior exposição possível. De um ponto de vista teórico puramente neo-realista e materialista, esta agenda indiana correria seriamente o risco de ser descartada como tendo um efeito marginal naquela região, e portanto sem interesse analítico.

Em vez de a negligenciar, este artigo procura, no entanto, avaliar o potencial desta peculiaridade da política externa indiana para a estabilidade e segurança do Médio Oriente. Será possível identificar no interstício entre relativa fraqueza material e desmedida ambição simbólica a eventualidade de uma Índia com um papel específico no Médio Oriente? E como se articulará esse potencial papel com os interesses euro-atlânticos naquela região? Com esta hipótese como pano de fundo, o presente artigo propõe-se a analisar primeiro um conjunto de sete dimensões e actores que moldam a política externa indiana para o Médio Oriente de forma decisiva.

CENTRALIDADE DOS RECURSOS ENERGÉTICOS

As necessidades energéticas indianas têm crescido anualmente entre cinco e sete por cento e espelham o rápido aceleramento da sua economia que, mesmo com a crise financeira, deverá crescer 4,5 e 5,6 por cento, respectivamente, em 2009 e 20105. O carvão representa uma parte substancial (55 por cento) do mix energético indiano, seguindo­-se o petróleo (31 por cento), o gás natural (oito por cento), as energias renováveis (cinco por cento) e o nuclear (um por cento). A influente Planning Commission do Governo indiano prevê que, já em 2031, o consumo energético baseado no carvão e no petróleo irá mais do que duplicar em comparação com os valores de 20026.

Neste contexto, o Médio Oriente assume uma importância central para os interesses externos indianos. A Índia já é o terceiro maior consumidor de petróleo na Ásia, e distingue-a, neste sector, não só a sua imensa dependência em termos de importações (perto de dois terços dos seus requerimentos)7, mas também uma dependência concentrada em termos geográficos: mais de dois terços das importações petrolíferas são provenientes do Médio Oriente, e mais de metade em só quatro países daquela região (25 por cento da Arábia Saudita, 12 por cento do Kuwait, 10 por cento do Iraque e sete por cento do Irão)8. Estima-se, aliás, que a dependência das importações aumente significativamente nas próximas décadas, possivelmente para 90 por cento em 20309, e compreendem-se assim os esforços de Nova Deli em apostar no desenvolvimento da energia nuclear (pós-acordo com os Estados Unidos), nas energias renováveis (nas eólicas é já um dos líderes mundiais), e também na diversificação regional das importações petrolíferas, nomeadamente para África e a América Latina.

Contudo, o Médio Oriente mantém a sua posição imponente no horizonte energético indiano. Assim, o reconhecimento de que a região «é, e vai continuar a ser, o maior fornecedor de petróleo da Índia, a curto e médio prazo, está a conduzir a um maior envolvimento com a região»10, com os países-membros do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG)11, bem como o Iraque e o Irão, suscitando particular interesse na política externa indiana. A estratégia de Nova Deli não tem passado só pelo nível bilateral, em que se sucedem acordos de cooperação e parcerias no campo dos hidrocarbonetos e do gás natural, lideradas do lado indiano pelas suas principais empresas públicas (tais como a ONGC, a Indian Oil e a Oil India), e privadas (casos da Reliance ou do Grupo Essar). A ofensiva indiana no Médio Oriente também se tem feito no plano multilateral, em que o Ministério do Petróleo e Gás Natural tem apostado, por exemplo, ao organizar e acolher, em 2005, a primeira mesa-redonda de ministros asiáticos para as questões petrolíferas. Em conjunto com o Irão, a Índia tem mesmo defendido, em várias oca­siões, a possibilidade de formar um mercado integrado entre os principais importadores asiáticos, ideia que foi recebida com pouco entusiasmo pela China, e que contou mesmo com a oposição dos Estados Unidos12.

Por outro lado, a instabilidade política crónica que se vive no Médio Oriente tem levado a Índia a desenvolver amplamente o conceito de «segurança energética»13. Tal é testemunhado pela recente criação do plano «Hydrocarbon Vision 2025», que formula as prioridades estratégicas para o sector petrolífero, pela criação de uma Energy Security Division, em 2007, no seio do seu Ministério dos Negócios Estrangeiros (MEA)14, bem como pela reorientação das prioridades da Marinha indiana para os golfos Pérsico e de Adem.

DIVERSIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES ECONÓMICAS

Embora não haja dúvidas de que os recursos energéticos assumem uma importância central, estão longe de corresponder à totalidade dos fluxos económicos indianos com o Médio Oriente. Assim, para além de mera importadora de petróleo e de gás natural, a Índia emergiu nos últimos anos como o segundo parceiro comercial mais importante dos países do CCG, logo a seguir aos Estados Unidos. Este surpreendente peso é indicado pelo facto de, numa década, entre 1996-1997 e 2006­-2007, as exportações indianas para o Médio Oriente terem aumentado de pouco mais de três para mais de 23 mil milhões de dólares norte-americanos (USD). Esta importância económica da região para a Índia é resultado de uma mudança na sua própria orientação estratégica para o Médio Oriente. De um paradigma essencialmente retórico, Nova Deli passou, após a sua crise financeira de 1991-1992, a adoptar um «paradigma económico», dedicado a acelerar trocas comerciais e investimentos não energéticos15. Embora encorajadas por organismos públicos, são porém hoje as grandes multinacionais indianas, com o seu agressivo capital privado, as principais responsáveis por este resultado, incluindo os grupos Tata, Essar e Reliance, que têm investido em novas áreas-chave das economias do Golfo, do sector das infra-estruturas, à ciência e tecnologia e aos serviços.

Por outro lado, a Índia tem também procurado atrair o interesse de investidores do Médio Oriente para explorarem o potencial da sua economia emergente. Perante a crise financeira internacional e a iminência de uma redução do investimento directo externo norte-americano e europeu na Índia, o Governo indiano iniciou recentemente uma nova estratégia para atrair capitais dos principais fundos soberanos das economias do Golfo, em especial do Qatar, fundamentalmente para os seus sectores emergentes das tecnologias de informação, farmacêutico e de infra-estruturas. A recente visita do seu pimeiro­-ministro ao Golfo serviu, precisamente, para reforçar a ideia de que a sustentação do crescimento económico indiano passa, em grande medida, pela confiança dos investidores daquela região no mercado indiano16.

É neste contexto que se devem compreender também os esforços indianos para um acordo de comércio livre com o CCG. Em negociação desde 2004, a sua implementação institucionalizará a nova estratégia económica indiana, esperando-se que possa vir a atrair para o mercado indiano entre 500 e 600 mil milhões de USD de investimento proveniente das economias do Médio Oriente. Foi já com estes objectivos que Nova Deli recebeu o monarca saudita Abdullah como convidado de honra para as comemorações anuais da implantação da República, em Janeiro de 200617.

APROXIMAÇÃO CUIDADOSA A ISRAEL

Desde os tempos de Gandhi e do movimento anticolonial, passando depois pela era dourada do Movimento Não-Alinhado, a Índia sempre fez da causa palestiniana uma das suas principais bandeiras morais no plano internacional. Em 1975 foi mesmo o primeiro país não árabe a reconhecer a Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Assim, o facto de Israel ser hoje o segundo maior fornecedor militar da Índia18, e um dos seus principais parceiros estratégicos no Médio Oriente, é certamente surpreendente.

Embora só tivessem estabelecido relações diplomáticas em 1992, a Índia foi um dos primeiros estados a reconhecer Israel, em 1950. Por outro lado, durante a guerra sino-indiana de 1962, bem como durante os conflitos com o Paquistão em 1965 e 1971, Israel já tinha oferecido assistência militar aos indianos19. O principal factor que, no entanto, acelerou a aproximação a partir da década de 1990, foi o colapso da União Soviética, o tradicional aliado e parceiro de defesa indiano durante a Guerra Fria. Obrigada a diversificar o seu leque de opções e a enveredar por uma estratégia de um «omnialinhamento» calculado20, Israel apresentava-se como um parceiro ideal. Subjacente à aproximação estava uma identidade comum, ambos os países partilhando a preocupação de um relativo isolamento regional, cercados por contextos regionais hostis, ameaçados na sua integridade territorial, e alvos privilegiados do terrorismo islamita.

Os laços fortaleceram-se rapidamente, assumindo especial importância no campo da venda e co-produção de equipamentos militares e cooperação técnica nas áreas do contraterrorismo, serviços de informações, e ciência e tecnologia espacial21. Enquanto que, no seguimento imediato dos testes nucleares indianos de Maio de 1998, vários países (incluindo os Estados Unidos) adoptaram severas sanções contra Nova Deli, Israel foi um dos poucos a não condenar a nuclearização indiana. Três anos depois, no mesmo dia em que os militantes da Al-Qaida se preparavam para o ataque aos Estados Unidos, a 11 de Setembro de 2001, encontrava-se em Nova Deli uma delegação dos serviços de defesa e informações israelita para discutir ameaças comuns enfrentadas por ambos os países22. É assim certo que o eixo Nova Deli-Telavive passa necessariamente por Washington. Para além de a venda de armamento israelita à Índia ser autorizada pelos Estados Unidos, também o recente acordo de cooperação nuclear indo-americano contou com o importante apoio do lóbi pró-Israel na capital americana, o American Jewish Council, cuja estrutura e estratégia inspira aliás o lóbi congénere indiano U.S.-India Political Action Committee23.

A PERSISTENTE PARCERIA INDO-IRANIANA

Marcada ciclicamente por altos e baixos, a relação indo-iraniana caracteriza-se pela sua persistência, sobrevivendo à Revolução de 1979, à Guerra Irão-Iraque e à aproximação indo-americana em curso. O que motiva Nova Deli a não abdicar de um relacionamento privilegiado com Teerão? Primeiro, o factor histórico e cultural. O Império Persa influenciou, ao longo de vários séculos, o Norte e Centro do subcontinente indiano e a Índia é hoje o país com a segunda maior população xiita do mundo, com cerca de 20 milhões de pessoas concentradas principalmente no Norte da Índia, berço do Império Mogol fundado por conquistadores persas e tido como um dos precursores do Estado moderno indiano.

Segundo, a Índia identifica no Irão um possível contrapeso à aproximação a Israel e aos Estados Unidos. Assumindo por vezes o papel de representante das posições indianas sobre a Caxemira na Organização da Conferência Islâmica, Teerão cedo soube ganhar a confiança de Nova Deli – um sentimento que se viria a fortalecer durante o apoio conjunto que ambos deram, no Afeganistão, à Aliança do Norte. Nesta perspectiva, o Irão representa um dos extremos no longo espectro das opções diplomáticas indianas, diametralmente oposto ao extremo representado por Israel e pelos Estados Unidos. Na perspectiva estratégica indiana, a parceria indo-iraniana assume assim uma importância fundamental também em termos simbólicos, como garante de equilíbrio e de uma política externa independente – foi por essa mesma razão que o factor Irão quase que colocou em risco a parceria estratégica com Washington24.

Terceiro, situado no que, para a Weltanschauung indiana, é um segundo anel regional da Ásia do Sul, o Irão assume uma importância estratégica para a Índia poder contrabalançar o Paquistão e ganhar acesso e profundidade estratégica na Ásia Central. Procura assim também moderar a crescente presença chinesa naquela região, nomeadamente no porto paquistanês de Gwadar e por via do eixo Caracórum nos Himalaias ocidentais. É nesta lógica que devem ser entendidos os investimentos indianos no porto marítimo iraniano de Chabahar e na sua ligação rodoviária a Zaranj, no Afeganistão ocidental, bem como no International North-South Transport Corridor, que liga o porto de Bombaim ao mar Báltico25.

Finalmente, surge a importância do Irão como fonte de recursos energéticos. Nos últimos quatro anos foram firmados três grandes acordos energéticos (a importação de gás líquido natural via marítima; um gasoduto terrestre de 2700 quilómetros via Paquistão; e a exploração conjunta de poços petrolíferos no bloco de Frasi26) que, no entanto, correm presentemente todos perigo de cancelamento por várias razões, destacando-se a acérrima oposição norte-americana. A nível doméstico, o Governo indiano tem procurado dar repetidas garantias de que a aproximação aos Estados Unidos não irá influenciar negativamente a parceria com o Irão, e a realidade é que a visita-relâmpago que o Presidente Ahmadinejad realizou a Nova Deli, em Abril de 2008, assumiu os contornos de uma demonstração de força indiana dirigida aos Estados Unidos. Sinalizou que a parceria indo-iraniana continuará a persistir, optando Nova Deli por uma posição de equilíbrio, «entre Washington e Teerão»27.

O QUE DISTINGUE A ÍNDIA NO MÉDIO ORIENTE?

Em grande medida, as quatro dimensões até aqui analisadas não são inerentemente específicas ao caso indiano. Também as políticas externas russa e chinesa dedicam uma importância central aos recursos energéticos do Médio Oriente, procuram diversificar as suas relações com as novas economias do Golfo, iniciaram recentemente e intensificaram desde então as suas relações estratégicas com Israel, e têm procurado preservar, de forma persistente, as suas respectivas parcerias com o Irão. Até aqui, nestas quatro dimensões, a política externa indiana para o Médio Oriente não se distingue fundamentalmente das suas congéneres russa e chinesa. Aliás, caso se comparasse o peso, a influência e a capacidade de intervenção da Índia no Médio Oriente com os da Rússia e da China, o balanço ser-lhe-ia, muito provavelmente, bastante desfavorável. Por exemplo, ao contrário de Nova Deli, Moscovo e Pequim apresentam-se como importantes fornecedores militares para a região, limitando-se a Índia a ser uma ávida importadora. Já em termos diplomáticos, o peso da Rússia encontra-se institucionalizado no seu papel fundador do Quarteto para a Paz no Médio Oriente, bem como no de mediador da Iniciativa de Genebra. Por outro lado, em comparação com a Índia, a China detém um peso muito mais significativo em termos energéticos e de segurança no Médio Oriente.

Para além de uma análise de outras dimensões importantes que moldam, de forma geralmente equivalente, as políticas externas destes três actores externos no Médio Oriente (por exemplo, a reconstrução do Iraque; a questão libanesa e o papel do Hezbollah; as relações privilegiadas com a Arábia Saudita, etc.), urge portanto identificar possíveis dimensões adicionais que pesam unicamente, ou de forma mais significativa, na política externa indiana para o Médio Oriente. O que distingue o relacionamento entre a Índia e o Médio Oriente?

LAÇOS HISTÓRICOS, CULTURAIS E A DIÁSPORA

É raro um representante governamental indiano discursar sobre algum aspecto relacionado com o Médio Oriente sem se referir ao passado histórico que liga a Índia àquela região. São laços culturais milenares, da pré-história ao colonialismo britânico, cimentados depois pela ideologia do não-alinhamento.

O Irão assume um papel especialmente simbólico neste contexto, visto como «aliado» na missão indiana que procura corrigir uma hierarquia sistémica contemporânea vista como discriminatória para com duas das maiores e mais antigas civilizações mundiais. Se a Índia se encontra assim ligada ao Médio Oriente no plano histórico e simbólico, os laços não são menos importantes no presente, nomeadamente a imensa diáspora indiana que ali reside actualmente, avaliada em perto de cinco milhões de pessoas.

Os indianos começaram a chegar, principalmente aos países do Golfo, na década de 1970, em busca de trabalhos manuais e «petrodólares». Originários principalmente do Sul da Índia, são imigrantes temporários, com contratos e vistos de trabalho a prazo. Até à liberalização económica, em 1991, o Governo indiano limitava-se a recolher as valiosas remessas dos emigrantes em divisas externas, mas com a eclosão da Guerra do Golfo foi, pela primeira vez, obrigado a dedicar-lhes atenção adicional: em poucas semanas, organizou uma ponte área que evacuou quase duzentos mil indianos residentes no Kuwait, no Iraque e nos países vizinhos28. Dos cerca de quatro milhões de indianos que hoje residem apenas nos países do CCG, um milhão e meio encontra-se na Arábia Saudita e um milhão nos Emirados Árabes Unidos29. O facto de as suas remessas anuais serem estimadas em cerca de 15 mil milhões de euros30, bem como a sua radicalização contestatária contra as suas condições de trabalho precárias, têm levado o Governo indiano a dedicar-lhes um crescente interesse, criando mesmo uma divisão especializada para o Golfo no seio do Ministério para os Assuntos da Diáspora (MOIA).

Questões como as condições laborais, a defesa dos interesses no seu Estado indiano de origem, ou a rede de apoio consular a estes emigrantes pontuam agora a agenda e os discursos de todas as delegações oficiais indianas aos países do CCG. Por exemplo, durante a sua mais recente visita a Omã e ao Qatar, Manmohan Singh encontrou-se com os representantes das comunidades indianas locais, referindo-se-lhes como uma «ponte» essencial para os interesses económicos indianos poderem penetrar os respectivos mercados31. Neste sentido, se por um lado esta diáspora no Médio Oriente se apresenta como um recurso económico importante, representa também um tema delicado nos dossiês bilaterais, reduzindo significativamente a agressividade e margem de manobra indiana perante os países do Golfo: nas mesas de negociações encontram-se não só petróleo e investimentos, mas também um recurso humano extremamente precioso – milhões de cidadãos indianos, as suas remessas e a sua segurança.

TERRORISMO ISLÂMICO E SEGURANÇA INTERNA

Tanto a Rússia como o Irão têm significativas minorias muçulmanas e enfrentam a crescente ameaça do terrorismo islâmico. A Índia, no entanto, tem preocupações adicionais neste campo. Primeiro, com uma população que inclui perto de duzentos milhões de muçulmanos praticantes é, a seguir à Indonésia, o país com a maior população islâmica do mundo. Segundo, há mais de meio século que enfrenta a sangrenta insurreição separatista na Caxemira, que opõe o seu exército a um conjunto de organizações extremistas que contam com o apoio activo de redes terroristas transnacionais, bem como do apoio tácito do seu vizinho Paquistão. Terceiro, a sua sociedade civil, para além de crescentemente fustigada por motins e massacres inter-religiosos32, tem sido um alvo privilegiado de ataques bombistas (o caso de Bombaim, em Novembro de 2008) por parte de grupos extremistas afectos, em maior ou menor grau, à Al-Qaida e a outros movimentos que operam a partir da Caxemira paquistanesa e do Afeganistão. De acordo com o National Counterterrorism Center dos Estados Unidos, excluindo o Iraque, o Afeganistão e o Paquistão, em 2007 a Índia contabilizou o maior número de vítimas provocadas pelo terrorismo em todo o mundo33.

Estes três factores de peso moldam significativamente a política externa indiana para o Médio Oriente a três níveis diferentes. Primeiro, é natural que, confrontado com a possibilidade de um maior alinhamento com a estratégia musculada dos Estados Unidos para o Médio Oriente, o Governo indiano se veja fortemente condicionado a nível interno, especialmente perante os partidos de esquerda e o eleitorado muçulmano, mas também pelo aparelho de segurança interno, pouco interessado num exacerbamento da insegurança doméstica. É nesta perspectiva que se compreende a decisão indiana de não apoiar as coligações militares lideradas pelos Estados Unidos contra o Iraque, em 1990 e 2003.

Segundo, tal como já desvendado pela investigação aos violentos atentados bombistas que assolaram Bombaim em 1993, o trilho terrorista que assola a Índia, mesmo que originado no Afeganistão e no Paquistão, passa quase necessariamente pelo Golfo34. Países como os Estados Unidos, o Qatar e a Arábia Saudita não só servem de bases operacionais financeiras e de planeamento, mas também como plataformas estratégicas operacionais, muitas vezes financiando-se com recurso ao tráfego de estupefacientes e de pessoas para a costa ocidental indiana.

Terceiro, entre outros factores, a recente radicalização de vastas franjas da minoria muçulmana indiana deve-se, em grande medida, aos fluxos migratórios que unem o Sul do país ao Médio Oriente. Na diáspora, os emigrantes indianos são muitas vezes expostos às versões mais radicais do islão, o que facilita a sua familiarização, bem como recrutamento posterior por grupos terroristas. Por outro lado, após regressarem à Índia, estes emigrantes assumem um papel proactivo na difusão do islamismo político, contando com significativos apoios financeiros por parte de contactos estabelecidos nos países do Golfo35. Este aspecto é atestado pelo crescimento exponencial de madrassas nos últimos dez anos, especialmente nos estados do Kerala e do Karnataka, precisamente de onde é originária a maioria dos emigrantes no Médio Oriente.

SEGURANÇA MARÍTIMA

Tanto a Rússia como a China ambicionam um maior controlo das águas do Médio Oriente e do mar da Arábia e é essencialmente para esse efeito que se têm aproximado, respectivamente, do Irão e do Paquistão. Contudo, tirando proveito da sua localização estratégica, a Índia goza de uma vantagem significativa, muito embora subaproveitada, neste campo.

Em termos geoestratégicos, é frequente os ministros indianos referirem-se ao Médio Oriente como «parte integrante da vizinhança alargada da Índia»36. Esta proximidade geográfica não se deve, no entanto, à ligação terrestre – a Índia encontra-se bloqueada pelo arqui-rival Paquistão e por um vasto Irão não árabe e nem sempre cooperante. O espaço que efectivamente liga e aproxima o subcontinente indiano àquela região é o oceano Índico, e o mar da Arábia em particular.

Embora a Marinha tenha sido tradicionalmente o braço mais negligenciado das Forças Armadas, os estrategas indianos ambicionam agora transformar a Marinha indiana na principal «força residente» no imenso oceano Índico, do cabo da Boa Esperança aos estreitos de Ormuz e Malaca. A zona costeira entre o Norte da Somália e o Sul do Irão assume uma importância vital, sendo que por aquelas águas circulam mais de dois terços das importações petrolíferas indianas. O recente crescimento nos índices de pirataria ao longo da costa da Somália tem sido visto não só como uma ameaça, mas também como uma oportunidade para a Marinha indiana assumir um papel proactivo no controlo e patrulhamento das principais vias de circulação marítima daquela região.

Entende-se assim também a prioridade indiana em localizar a sua nova superbase naval INS Kadamba na costa ocidental indiana, a 100 quilómetros a sul do estado de Goa, bem como a sua aposta no desenvolvimento do porto iraniano de Chahabar e o incremento em termos de cooperação e exercícios navais com marinhas congéneres do CCG. Omã e o Iémen assumem especial relevância, dado que os seus portos acolhem as embarcações militares indianas e as suas marinhas envolvem-se com mais frequência em exercícios navais conjuntos. O primeiro resultado mediático deste empenhamento deu-se em inícios de Novembro de 2008, quando o navio de guerra indiano INS Gomti e o seu destacamento de comandos desarmaram um ataque de piratas somális a um navio mercante turco no golfo de Adem37.

Estes esforços, embora especificamente dirigidos ao Médio Oriente, inserem-se numa estratégia mais ampla que passa por outras iniciativas patrocinadas por Nova Deli, tal como a Indian Ocean Rim Association for Cooperation ou a realização, em 2008, do primeiro Indian Ocean Naval Symposium que reuniu, em Nova Deli, altos representantes de todas as marinhas litorais do oceano Índico. Por outro lado, de forma a combater o crescente número de redes criminosas que traficam estupefacientes, armas e pessoas entre a sua costa e os principais países do Golfo, Nova Deli está a implementar um novo plano de segurança para a sua costa ocidental38.

LIGANDO OS EXTREMOS

Analisadas as quatro principais dimensões que orientam a política externa indiana para o Médio Oriente, e distinguidas as três adicionais que se diferenciam de forma particular das políticas externas russa e chinesa para a região, urge agora revisitar a hipótese proposta no início deste artigo, nomeadamente a possibilidade de a Índia vir a poder assumir um papel construtivo no Médio Oriente, em sintonia com os interesses transatlânticos da NATO.

Proximidade cultural, relações históricas e uma vasta diáspora; determinação em combater as plataformas de apoio que alimentam o terrorismo islâmico na Ásia do Sul; empenho em garantir a segurança marítima no oceano Índico: são estes os ­factores originais que ligam a Índia intimamente ao Médio Oriente e, como tal, apresentam Nova Deli como uma mais-valia para os interesses europeus e norte-americanos naquela região. A relativa fraqueza indiana em termos de capacidades materiais e profundidade estratégica, aliada à sua ambição de vir a poder assumir um papel relevante naquele complexo de segurança regional pode, assim, criar sinergias extremamente importantes para garantir uma transição sistémica pacífica e estável na Ásia Ocidental. Como garantir, mas também maximizar, esta possível mais-valia indiana?

A resposta passa necessariamente pela constatação de que Nova Deli é, em termos estratégicos, alérgica a «eixos e alianças monogâmicas» e uma «parceira poligâmica» reincidente. O não-alinhamento histórico, supostamente defunto, ressuscita assim sob a máscara do «omnialinhamento». Segundo o ex-ministro Natwar Singh: «A estrutura fundamental de política externa que Nehru nos deixou tem-nos servido muito bem. Não existe qualquer outra política externa que a Índia possa seguir sem se tornar num satélite. Os indianos não permitirão que este país se torne num seguidor de outro país, qualquer que seja o seu poder.»39 Esta não é uma afirmação atípica de um diplomata que se distinguiu pela sua oposição à parceria indo-americana. É uma preocupação em preservar a autonomia da Índia e evitar que esta entre na órbita de qualquer outra grande potência – um dos mantras do pensamento estratégico indiano.

Uma vez interiorizada esta natureza pluralista da política externa indiana, depreende-se que, de forma a conquistar a confiança e colaboração de Nova Deli, torna-se absolutamente necessário conceder-lhe um relativo espaço de manobra. É exactamente esta a estratégia que Washington tem vindo a seguir com grande sucesso nos últimos anos e que lhe permitiu realizar uma aproximação inédita a Nova Deli, que há menos de dez anos se teria pensado impossível. Em 2005, no caso do Irão e do seu programa nuclear discutido na Agência Internacional de Energia Atómica, ao contrário das abstenções da Rússia e da China, a Índia acatou as instruções norte-americanas e votou contra o seu parceiro histórico. No entanto, sob o olhar permissivo mas atento de Washington, três anos depois, em 2008, Ahmadinejad foi recebido com pompa e circunstância em Nova Deli e a parceria indo-iraniana declarada viva e de boa saúde40.

Em vez de procurar limitar esta capacidade de multialinhamento simultâneo, e correr o risco de hostilizar Nova Deli, apresenta-se assim aos interesses europeus uma alternativa muito mais construtiva que passa pelo aproveitamento desta qualidade indiana. Na perspectiva dos países do Médio Oriente, em especial, esta característica permite à Índia assumir um papel de grande isenção e neutralidade, explicando também porque é que, entre os árabes, recolhe muito mais simpatias do que os Estados Unidos ou a Rússia41. Contrastando com os Estados Unidos, a Rússia e a China, e mesmo com as principais potências europeias, a Índia está longe de ser um fornecedor militar significativo para o Médio Oriente. É um dos países que mais contribui, em termos de efectivos militares e recursos financeiros, para as missões de paz das Nações Unidas, e o papel desempenhado pelo seu contingente militar no Sul do Líbano tem sido elogiado pelo próprio Hezbollah, que geralmente assume uma posição extremamente crítica em relação à UNIFIL42. Mais importante ainda, a própria «ideia da Índia» como «maior democracia do mundo» que consegue moderar as tensões e diferenças internas por via do pluralismo, do diálogo e da assimilação, assume especial relevância no contexto do Médio Oriente. Segundo Manmohan Singh:

«Acredito que existe um outro elemento importante que devemos considerar no nosso relacionamento com a Ásia Ocidental. Reside no campo das ideias. Passou a ser moda referir-se aos desenvolvimentos na Ásia Ocidental em particular, e no mundo em geral, com recurso a termos ideológicos vagos, como o “clash of civilizations”. Há também os que falam de conflito entre o islão político e a democracia na Ásia Ocidental. Eu não concordo. Creio que o continuado sucesso da Índia como uma democracia pluralista é um exemplo de uma “terceira via mais harmoniosa”.»43

Assim, em vez de handicap, o facto de a Índia ser capaz de cultivar relações cordiais, se não amigáveis, com todos os principais actores envolvidos no Médio Oriente (excepto o Paquistão) – Washington, Londres, Paris, Bruxelas e Telavive, Riade, Moscovo, Teerão e Pequim –, apresenta-se como um potencial significativo para que esta possa assumir um papel mais relevante naquela região. Estará a Índia disposta e pronta a assumi-lo?

UM PAPEL PARA A ÍNDIA

A ideia de uma Índia construtora de consensos, assumindo o papel de bridging power no sistema internacional, não é recente44. Porém, no contexto específico do Médio Oriente, este seu potencial encontra-se vastamente subaproveitado. Este artigo não ambiciona apresentar soluções concretas em que a Índia poderá activar este seu papel específico na região, mas explorou, em vez disso, factores que sustentam este potencial papel para a Índia e, já nesta conclusão, sublinha a crescente disponibilidade de Nova Deli em assumi-lo.

O primeiro-ministro indiano deu um sinal claro nesse sentido ao nomear, em 2005, um representante especial para o Médio Oriente e para o Processo de Paz. Em 2007 este participou na Conferência de Annapolis, bem como na conferência de doadores internacionais para a Palestina. O representante especial tem, desde então, sublinhado por diversas vezes a disponibilidade indiana em assumir um papel de intermediador, notando que «a Índia está numa situação em que podemos falar honesta e francamente com ambas as partes sem ter que comprometer as nossas posições particulares com um ou outro país»45.

Assim, segundo o analista Atul Aneja, «mantendo interesses vitais na estabilidade da Ásia Ocidental, e preservando laços estreitos com os dois campos adversários, a Índia está muito bem posicionada para desempenhar um papel moderador que ajude a desenhar uma solução para a pacificação da região»46. De certa forma, a Índia já o está a fazer no terreno. Por exemplo, em relação ao Irão, os seus diplomatas têm seguido «uma regra tácita fundamental: a Índia só desenvolverá a sua amizade com o Irão se Teerão agir de forma amigável para com os seus vizinhos árabes»47. Esta condição indica a preocupação e determinação de Nova Deli em garantir a máxima estabilidade no Médio Oriente, precisamente por ser só num contexto de segurança, paz e contenção mútua que o país poderá realizar os seus interesses e assumir um papel relevante a nível global.

Esta não só é possível mas também desejada especialização da Índia como mediadora48, ligando os extremos opostos, contrasta com o que é apresentado como o autodistanciamento chinês das dimensões não materiais no Médio Oriente. O próprio embaixador Garekhan procura sublinhar este contraste sino-indiano, notando: «Não creio que a China tenha algum papel específico ou definido no Processo de Paz do Médio Oriente.»49 Tal não impede que a Índia venha a ter grandes dificuldades em ser reconhecida no seu papel, também ambicionado pelos outros actores mais preponderantes no Médio Oriente. De um lado temos, portanto, uma Índia fraca em termos de capacidades materiais, mas vista com insuspeição e determinada em assumir um papel proactivo na região. Já do lado oposto afigura-se uma China com grande profundidade estratégica, mas relativamente desinteressada e vista com suspeição pelos restantes actores que intervêm no complexo regional.

Regressando à disponibilidade indiana, a nomeação do representante enquadra-se num esforço mais amplo de Nova Deli em reforçar relações e assumir um protagonismo maior no Médio Oriente, iniciado em 2005. Esta chamada «Look West policy», que contrasta com a política congénere «Look East» iniciada durante a década de 1990 para a Ásia Oriental e do Sudeste50, coloca o Médio Oriente como o palco central que determinará o futuro papel da Índia no sistema internacional. Foi nesse sentido que, numa acção inédita ao nível diplomático indiano, o ministro dos Negócios Estrangeiros Pranab Mukherjee se encontrou, em Janeiro de 2008, em Omã, com os 27 embaixadores indianos naquela região, de forma a acertar a nova estratégia para a região. A recente proliferação de visitas oficiais a Nova Deli por parte de chefes de Estado dos principais países árabes reflecte, para já, o sucesso desta aproximação em curso. Finalmente, a nível interno, os esforços indianos espelham-se no crescente interesse mediático e diplomático pela actualidade no Médio Oriente, bem como nos incentivos governamentais a um estudo mais aprofundado das suas dinâmicas51.

Recentemente, um grupo de reflexão do Massachusetts Institute of Technology (MIT) concluiu que existe um potencial para que os interesses dos Estados Unidos e da Índia convirjam em relação à futura arquitectura de segurança da região do Golfo, notando que «o papel da Índia na estabilização do Golfo poderá ser significante, mas há limites aos interesses e capacidades indianas em assumir esta responsabilidade»52. Assim, para além de uma mera contestação de que «também no Médio Oriente a Índia tem um interesse em comum com os Estados Unidos»53, urge portanto identificar quais os incentivos e mecanismos concretos que poderão atrair o interesse da Índia e inflacionar a sua relevância no Médio Oriente.

Ao analisar o contexto de segurança do Médio Oriente segundo a perspectiva dos interesses transatlânticos, Berman notava, já em 2002, que «a diplomacia americana no Médio Oriente e na Ásia Ocidental se ocupa meramente em “apagar fogos”, mas que, a dada altura, os estrategas americanos deveriam começar a pensar “outside the box” de forma a arquitectarem novas estruturas de segurança»54. Este artigo demonstrou que a Índia se apresenta hoje não só como uma peça potencial mas também essencial para a construção desta nova arquitectura para o Médio Oriente. Resta saber se a nova Administração Obama será capaz de trazer a Índia a bordo da missão transatlântica no Médio Oriente.

 

NOTAS

1 Neste artigo entende-se por «Médio Oriente» o espaço regional composto pelos países que se situam entre o Egipto e o Irão e a Síria e o Iémen. Na estrutura diplomática indiana esta região denomina-se «West Asia» (Ásia Ocidental).

2 Cf. Xavier, Constantino – «O conceito de grande potência na política externa indiana». In Relações Internacionais. N.º 15, 2007, pp. 07-20.        [ Links ]

3 AA.VV. – «Emerging powers and the Middle East», Washington DC, 2008. [Consultado em: 29 de Abril de 2009]. Disponível em: http://www.carnegie-mec.org/FeatureDetails.aspx?ID=918

4 Singh, Manmohan – «PM’s speech at the inauguration of the Centre for West Asian Studies, Jamia University», Nova Deli, 2005. [Consultado em: 29 de Abril de 2009]. Disponível em: http://pmindia.nic.in/speech/content.asp?id=71

5 De acordo com as últimas projecções do Fundo Monetário Internacional. [Consultado em: 29 de Abril de 2009]. Disponível em: http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2009/update/01/index.html

6 Noronha, Lígia – «A Índia e o contexto energético internacional». In Relações Internacionais: N.º 15, 2007, p. 48.        [ Links ]

7 Cf. Energy Information Administration, «India/Oil 2007», [Consultado em: 29 de Abril de 2009]. Disponível em: http://www.eia.doe.gov/emeu/cabs/India/Oil.html

8 Noronha, Lígia – «A Índia e o contexto energético internacional», p. 50.

9 Bubalo, Anthony, e Thirlwell, Mark – Energy Insecurity: China, India and Middle East Oil. Sidney: Lowy Institute for International Policy, 2004, p. 6.

10 Noronha, Lígia – «A Índia e o contexto energético internacional», p. 52.

11 No GCC incluem-se a Arábia Saudita, o Omã, os Emirados Árabes Unidos, o Kuwait, o Barém e o Qatar. A adesão de um sétimo membro, o Iémen, encontra-se em fase de negociações.

12 Bhadrakumar, M. K. – «India finds a $40bn friend in Iran». [Consultado em: 29 de Abril de 2009]. Disponível em: http://www.atimes.com/atimes/South_Asia/GA11Df07.html

13 Para uma abordagem do conceito de «segurança energética» de uma perspective indiana, cf. Dietl, Gulshan – «New threats to oil and gas in West Asia: issues in India’s energy security». In Strategic Analysis. Vol. 28, N.º 3, 2004, pp. 373-389.

14 Para o seu mandato, estrutura e objectivos, cf. «New Division of Energy Security». Nova Deli, nota de imprensa de 6 de Setembro de 2007. [Consultado em: 29 de Abril de 2009]. Disponível em: http://pib.nic.in/release/release.asp?relid=30972

15 Ou «prisma económico», segundo Kumaraswamy, P. R. – «Realism replacing rhetoric: factors shaping India's Middle East policy». In The Round Table. Vol. 97, N.º 397, 2008, p. 585.

16 Singh, Manmohan – «Opening Statement by PM at the Business Community Reception in Oman». Nova Deli, nota de imprensa de 9 de Novembro de 2008
[Consultado em: 29 de Abril de 2009]. Disponível em: http://pib.nic.in/release/release.asp?relid=44670

17 Awwad, Waiel – «Saudi king's visit will herald a new era». [Consultado em: 29 de Abril de 2009]. Disponível em: http://www.rediff.com/news/2006/jan/24guest.htm].

18 Segundo diversas estimativas, Israel fornece actualmente 30 por cento das novas aquisições militares indianas.

19 Inbar, E. – «The Indian-Israeli entente». In Orbis. Vol. 48, N.º 1, 2004, p. 90.

20 Para uma definição original deste conceito, cf. Bajpai, Kanti – «Indian strategic culture». In Chambers, Michael (ed.) – South Asia in 2020: Future Strategic Balances and Alliances. Carlisle: Strategic Studies Institute, 2004, p. 263, e Mohan, C. Raja – Crossing the Rubicon: The Shaping of Indiaís New Foreign Policy. Nova Deli: Palgrave Macmillian, 2004.

21 Inbar, E. – «The Indian-Israeli entente», p. 64.

22 Cf. Berman, Ilan – «Israel, India, and Turkey: triple entente?». In Middle East Quarterly. Vol. 9, N.º 4, 2002.

23 Para a identidade e objectivos deste lóbi político indiano nos Estados Unidos, e suas ligações ao congénere judeu, cf. Kirk, Jason A. – «Indian-Americans and the U.S.-India Nuclear Agreement: consolidation of an ethnic lobby?». In Foreign Policy Analysis. Vol. 4, N.º 3, 2008, pp. 275-300.

24 Fair, C. Christine – «India and Iran: New Delhi's Balancing Act». In Washington Quarterly. Vol. 30, N.º 3, 2007, pp. 154-155.

25 Criado em 2000, o International North-South Transport Corridor tem a Rússia, o Irão e a Índia como países fundadores, contando ainda com outros dez países-membros da Ásia Central e do Médio Oriente.

26 Fair, C. Christine – «India and Iran: New Delhi's Balancing Act», p. 46.

27 Kumaraswamy, P. R. – «Delhi: between Tehran and Washington». In Middle East Quarterly. Inverno de 2008, p. 41.

28 Kumaraswamy, P. R. – «Realism replacing rhetoric: factors», p. 581.

29 Para uma análise detalhada da diáspora indiana, com estimativas popula-cionais por país, ver o relatório governamental «High Level Committe on the Indian Diaspora – Final Report», Nova Deli, 2002. [Consultado em: 29 de Abril de 2009]. Disponível em: http://www.indiandiaspora.nic.in/contents.htm

30 Khadria, Binod – «India: skilled migration to developed countries, labour migration to the Gulf». In Migración y Desarrollo. Vol. 7, 2006, pp. 4-37. Para a diáspora indiana como recurso económico, cf. Kapur, Devesh – «Ideas and economic reforms in India: the role of international migration and the Indian Diaspora». In India Review. Vol. 3, N.º 4, 2004, pp. 364--384.

31 Singh Manmohan – «Opening Statement by PM at the Business Community Reception in Oman».

32 Casos dos massacres entre hindus e muçulmanos, especialmente em Bombaim e no estado do Guzerate, mas também contra a minoria cristã. Cf. Nussbaum, Martha C. – The Clash Within: Democracy, Religious Violence, and India's Future. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 2007.

33 National Counterterrorism Center – «2007 NCTC Report on Incidents of Terrorism», Washington, 2008, p. 26. [Consultado em: 29 de Abril de 2009]. Disponível em: http://wits.nctc.gov/reports/crot2007nctcannexfinal.pdf

34 Para uma análise detalhada dos vários grupos terroristas que operam na Ásia do Sul e seus laços com o Médio Oriente,
cf. Lal, R. – «South Asian organized crime and terrorist networks». In Orbis. Vol. 49, N.º 2, 2005, pp. 293-304.

35 Swami, Praveen – «No longer the stereotype terrorist». In The Hindu, Nova Deli, 1 de Janeiro de 2004. [Consultado em: 29 de Abril de 2009]. Disponível em: www.hinduonnet.com/2004/01/01/stories/2004010104321200.htm

36 Ministry of External Affairs – «Indiaís Foreign Relations – 2004, Section VI: Central and West Asia». Nova Deli: MEA, 2004, p. 728.

37 Aneja, Atul – «India weighs counter-piracy options in Somalia». In The Hindu, Nova Deli, 21 de Outubro de 2008. [Consultado em: 29 de Abril de 2009]. Disponível em: http://www.hindu.com/2008/10/21/stories/2008102155631300.htm

38 Por exemplo, a «Operation Swan», iniciada em 2005, e que se aplica às faixas costeiras dos estados de Maharastra, -Guzerate e Goa, em colaboração com a Marinha e a Guarda Costeira.

39 Singh, Natwar – «Bad domestic policy can never produce good diplomacy». In Frontline. Vol. 19, N.º 16. [Consultado em: 29 de Abril de 2009]. Disponível em: http://www.hinduonnet.com/fline/fl1916/19160430.htm

40 Bhadrakumar, M. K. – «Ahmadinejad’s visit: a defining moment». In The Hindu, Nova Deli, 10 de Maio de 2008. [Consultado em: 29 de Abril de 2009]. Disponível em: http://www.hindu.com/2008/05/10/stories/2008051054461000.htm

41 Furia, Peter, e Russell, E. Lucas – «Determinants of Arab public opinion on foreign relations». In International Studies Quarterly. N.º 50, 2006, pp. 594 e 599.

42 A Índia tem presentemente 850 militares destacados ao abrigo desta missão internacional.

43 Singh, Manmohan – «PM's speech at the inauguration of the Centre for West Asian Studies, Jamia University».

44 Cf. KHilnani, Sunil – «India as a bridging power». In India as a New Global Leader. Londres: Foreign Policy Center, 2005, pp. 1-15.

45 Para uma definição do mandato do representante, o embaixador C. R. Garekhan, cf. Ministry of External Affairs – «Official Spokesperson and Indiaís Special Envoy to West Asia, Mr. C.R. Gharekhan», nota de imprensa, Nova Deli, 3 de Março de 2005. [Consultado em: 29 de Abril de 2009]. Disponível em: http://meaindia.nic.in/pressbriefing/2005/03/03pb02.htm

46 Aneja, Atul – «India faces uphill task in West Asia». In The Hindu, Nova Deli, 3 de Junho de 2008. [Consultado em: 29 de Abril de 2009]. Disponível em: http://www.hindu.com/2008/06/03/stories/2008060354780900.htm

47 Kumaraswamy, P. R. – «Delhi: Between Tehran and Washington«, p. 45.

48 De acordo com o trabalho de Richard Rosecrance, sugiro aqui a possibilidade de a Índia reverter o seu suposto estatuto passivo de body state, em contraposição aos head states tradicionalmente concentrados no Ocidente. No contexto do Médio Oriente, a sua «especialização diplomática» poderá passar pela produção de novas estruturas de segurança.

49 Ministry of External Affairs – «Official Spokesperson and Indiaís Special Envoy to West Asia, Mr. C.R. Gharekhan».

50 Cf. Jaffrelot, Christophe – «India's look East policy: an Asianist strategy in perspective». In India Review. Vol. 2, N.º 2, pp. 35-68.

51 Cf. Ansari, H. – «Address at the Book Release Function “West Asia and the Region: Defining Indiaís Role”». Nova Deli, 8 de Agosto de 2008. [Consultado em: 29 de Abril de 2009]. Disponível em: http://vicepresidentofindia.nic.in/content.asp?id=165

52 AA.VV. – «The United States, India, and the Gulf: convergence or divergence in a post-Iraq world?». Workshop Report, MIT Center for International Studies, Março de 2008, Cambridge, Mass. [Consultado em: 29 de Abril de 2009]. Disponível em: http://web.mit.edu/cis/editorspick_pg4_0307_report_workshop.html

53 Mohan, C. Raja – «India and the Balance of Power». In Foreign Affairs. Vol. 85, N.º 4, 2006, p. 25.

54 Berman, Ilan – «Israel, India, and Turkey: triple entente?», p. 97.

 

* Investigador do IPRI – UNL. Mestre em International Politics pela Universidade Jawaharlal Nehru, Nova Deli, onde residiu e trabalhou entre 2004 e 2008.