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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.22 Lisboa jun. 2009

 

A paz no Médio Oriente: entre a esperança de Fénix e o castigo de Sísifo

Ana Santos Pinto*

 

O início de 2009 ficou marcado pelo que podem ser mudanças importantes para o futuro do já longo processo de paz no Médio Oriente. A intervenção militar israelita em Gaza, a tomada de posse da Administração Obama, as eleições legislativas em Israel e, na sequência deste último, a formação de um Governo que reúne partidos de direita, esquerda, nacionalistas e ortodoxos. Assombrado pela possibilidade de ameaça de um Irão nuclear, o Médio Oriente assiste à mudança de actores, mas à manutenção de papéis; à mudança de estratégias, mas à manutenção de cenários. A questão que se coloca hoje, como antes, é que futuro para o processo de paz?

Palavras-chave: processo de paz, Israel, União Europeia, Estados Unidos

 

Middle East peace process. Between Fenix hope and Sysiphus punishment

The beginning of 2009 was marked by what could be important changes for the future of the Middle East peace process. The Israeli military intervention in Gaza, the swearing in of the Obama administration, the elections in Israel and, following the latter, the formation of a government that brings together parties from right, left, nationalists and Orthodox. Haunted by the possible threat of a nuclear Iran, the Middle East is watching the change of actors, but the maintenance of roles, the change of strategies, but the maintenance of scenarios. The question now, as before, is what future for the peace process?

Keywords: Middle East peace process, Israel, European Union, United States


O início de 2009 ficou marcado por um conjunto de acontecimentos que poderão determinar o futuro próximo do Médio Oriente. Desde logo, a intervenção militar israelita em Gaza, iniciada a 28 de Dezembro de 2008, e que terminou na véspera da tomada de posse da nova administração americana. Em segundo lugar, o novo Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que trazia consigo uma esperança de mudança, verbalizada no slogan de campanha «Yes we can!». Os americanos desejavam vê-la aplicada à política interna, em particular em matéria económica, e o resto mundo, em especial os europeus, depositavam iguais esperanças face às questões internacionais.

E se o conflito israelo-palestiniano, elemento central na equação estratégica do Médio Oriente, não esteve no centro das prioridades de política externa da Administração Bush, o mesmo poderá não acontecer com a Administração Obama. Como primeiro sinal, e apenas dois dias após a tomada de posse, o novo Presidente nomeou um representante especial para o Médio Oriente: George Mitchell1, antigo senador democrata, conhecido pelo papel de mediação no conflito na Irlanda do Norte e pela direcção de uma comissão dedicada ao processo de paz no Médio Oriente durante a Administração Clinton. Surgia o primeiro elemento distintivo da nova administração face às anteriores: a paz no Médio Oriente não se apresentava como uma questão para fim de mandato. Mas para além da mudança de actores na Administração americana, também Israel conheceu uma alteração importante no cenário político interno. As eleições legislativas de 10 de Fevereiro, originadas pelo pedido de demissão do até então primeiro-ministro Ehud Olmert por acusações de corrupção, resultaram na formação de um novo governo de coligação, desta vez composto por representantes da direita (Likud) – responsável pela composição e chefia do Governo –, esquerda (Trabalhistas), nacionalistas (Israel Beiteinu) e ortodoxos (Shas). Se, por um lado, os israelitas já se habituaram à instabilidade governativa resultante do sistema eleitoral vigente2, por outro, não deixa de ser necessária a promoção de consensos internos, ao nível do Executivo, em particular no que concerne aos princípios orientadores da política externa e à estratégia a definir no quadro da promoção do processo de paz. A conjugação destes três acontecimentos poderá revelar-se determinante para próximos desenvolvimentos na procura de uma solução pacífica para os conflitos no Médio Oriente. E se adicionarmos a não menos importante perspectiva de nuclearização do Irão – percepcionada, na região, como ameaça não só por Israel como pelos países do Golfo –, bem como o ambiente de crise que marca o actual contexto internacional, estão reunidas as variáveis que permitem uma reflexão sobre que perspectivas se apresentam, a médio prazo, para o processo de paz na região.

QUE RAZÕES PARA VOLTAR A GAZA?

A decisão israelita de desencadear uma intervenção militar em Gaza, no final de 2008, surpreendeu alguns observadores e responsáveis políticos internacionais. A argumentação do Governo de Israel assentava em dois fundamentos essenciais: garantir a segurança dos israelitas, através da eliminação das capacidades de lançamento de rockets a partir de Gaza por militantes de grupos radicais, em particular do Hamas; e a anulação do tráfico, nomeadamente de armamento, através de túneis subterrâneos na zona fronteiriça de Rafah, que divide Gaza do Egipto. No cumprimento destes objectivos, o principal alvo dos ataques israelitas – aéreos e terrestres – eram os militantes e apoiantes do Hamas.

Mas para além da argumentação oficial apresentada pelas autoridades israelitas, é possível avançar outras razões que poderão contribuir para a compreensão da oportunidade da intervenção. Em primeiro lugar, a necessidade de afirmação, por Israel, de uma capacidade de dissuasão do inimigo, prejudicada com a guerra no Líbano no Verão de 2006. Perante o fracasso na destruição do movimento islamista libanês Hezbollah, impunha-se a confirmação de que as Forças Armadas mantinham a capacidade de responder às ameaças externas e garantir a segurança do Estado de Israel face aos seus principais riscos e ameaças. Israel sentia a necessidade de afirmar a defesa das suas fronteiras face a um inimigo, o Hamas, que contava com o apoio do Irão, esse sim considerado a principal ameaça à segurança do Estado israelita.

Em segundo lugar, existiam razões de política interna em Israel, nomeadamente a aproximação das eleições legislativas. No que diz respeito à proximidade do acto eleitoral, será importante recordar que o principal partido de apoio ao Governo de então, o Kadima3, se encontrava fragilizado pela demissão do primeiro-ministro Olmert e contava com baixos índices de popularidade, tal como o segundo partido do Governo, o Partido Trabalhista de Ehud Barak. O Executivo encontrava-se sob fortes críticas, em particular da oposição à direita, por incapacidade de garantir a segurança dos cidadãos em território de Israel e permitir o contínuo lançamento de rockets sobre cidades fronteiriças4.

Em terceiro lugar, existiam razões de ordem externa. Desde logo, uma eventual janela de oportunidade criada pelo final da Administração americana de George W. Bush. Ao longo dos dois mandatos, o Presidente Bush demonstrou grande compreensão pelas preocupações de segurança do Estado de Israel, não sendo claro que a nova Administração o pudesse fazer com a mesma intensidade. Por outro lado, a intervenção militar em Gaza foi entendida por alguns observadores como uma forma de Israel procurar condicionar acções futuras da nova Administração americana, nomeadamente uma eventual abertura de um canal diplomático com o Hamas, à semelhança do que poderia vir a ser feito com o Irão e a Síria5.

Neste contexto, foram desenvolvidos vários esforços diplomáticos no sentido da mediação do conflito, em particular pela União Europeia (UE) – com particular destaque para a França – e pelo Egipto. Este país árabe foi, aliás, o principal parceiro de Israel no processo negocial, tendo em conta que uma das razões da intervenção israelita se referia à segurança da zona fronteiriça entre Gaza e o Egipto, matéria que também afectava o Governo do Cairo.

A França, que até 31 de Dezembro de 2008 era responsável pela presidência do Conselho da UE, e portanto pela sua representação externa, considerou que esta seria uma oportunidade importante para a UE se afirmar no quadro diplomático do Médio Oriente, procurando repetir o sucesso das iniciativas de mediação aplicadas no conflito na Geórgia no Verão de 2008. O Presidente Nicolas Sarkozy viajou para o Médio Oriente, onde manteve contactos não só com Israel e a Autoridade Palestiniana, mas também com o Egipto e a Síria – país onde se encontram importantes responsáveis do Hamas no exílio. Ao contrário, a diplomacia americana optava por um afastamento do processo, tendo em conta que a proximidade do fim do mandato limitava a sua capacidade de interferência nas questões negociais, o que poderia ser também entendido como compreensão face às motivações que sustentavam a intervenção militar israelita.

O início de 2009 levou à rotação da presidência da UE, agora responsabilidade da República Checa. Por isso, e apesar de não assumir, formalmente, a representação europeia, a França deu continuidade aos esforços de mediação durante o início de 2009 o que, rapidamente, provocou duplicações com as iniciativas da nova presidência da UE. Rapidamente, a Europa viu projectadas no terreno duas equipas diplomáticas, em simultâneo, uma liderada pelo Presidente francês – dando continuidade aos esforços anteriores, em cooperação com o Egipto – e outra liderada pela presidência checa da UE, em parceria com o alto representante para a Política Externa, Javier Solana. Uma vez mais, e apesar do início auspicioso, a UE deixou fugir a oportunidade para agir de forma concertada. Em consequência, os esforços de mediação europeus não apresentaram os resultados desejados e a União Europeia poderá ter perdido uma oportunidade importante para se afirmar como mediador eficaz no Médio Oriente.

No que concerne aos resultados dos esforços diplomáticos das partes em conflito, também eles não tiveram o sucesso desejado. Israel reiterava a necessidade de garantir a segurança dos cidadãos israelitas, através da eliminação do lançamento de rockets a partir de Gaza e a anulação do tráfico de armamento através de túneis subterrâneos na zona de Rafah. Para tal, considerava fundamental eliminar todas as estruturas do Hamas em Gaza, independentemente de estarem identificadas como militares ou civis. Por seu lado, o Hamas garantia que Israel tinha sido o principal responsável pelo incumprimento do acordo de cessar-fogo – iniciado em Junho de 2008 e, alegadamente, em vigor até 19 de Dezembro do mesmo ano – já que não tinha concretizado a abertura das fronteiras de Gaza e tinha mantido o território sob um bloqueio contínuo ao acesso de bens essenciais.

O conflito militar em Gaza ficou marcado por mais de um milhar de vítimas palestinianas e algumas dezenas de israelitas – existindo disputas quanto aos números finais –, bem como por um ataque das Forças Armadas israelitas a uma infra-estrutura da Organização das Nações Unidas (ONU), que provocou uma onda de críticas da comunidade internacional. Acrescem diversas acusações de organizações não governamentais no terreno, bem como de representantes da ONU, de incumprimento das normas de direito internacional por parte das Forças Armadas de Israel no decurso da intervenção militar em Gaza.

Os mesmos papéis para novos actores?

No rescaldo da intervenção militar, realizaram-se eleições legislativas em Israel a 10 de Fevereiro de 2009. As sondagens apontavam para um empate entre o Kadima, da então ministra dos Negócios Estrangeiros Tsipi Livni, e o Likud, do antigo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Apesar de os resultados finais terem determinado a diferença de um lugar no Knesset a favor do Kadima, o Presidente Shimon Peres convidou o segundo partido mais votado, o Likud, a formar governo. Isto porque, de acordo com o sistema político israelita6, o Presidente da República deve convidar o partido que reúna melhores condições para formar a coligação governamental e, neste caso, Benjamin Netanyahu teria maior facilidade em fazê-lo tendo em conta a orientação política dos restantes partidos mais votados, designadamente o Ysrael Beiteinu e o Shas7. Após várias semanas de negociações, Netanyahu conseguiu alcançar um acordo eleitoral com estes dois partidos e com o que pode ser considerada a maior surpresa da coligação, o Partido Trabalhista.

O Ysrael Beiteinu, terceiro partido mais votado nas eleições legislativas de 2009, é liderado pelo nacionalista Avigdor Liberman, uma personalidade conhecida no cenário político israelita pelas suas posições controversas e pela oposição a diversos princípios orientadores do processo de paz com os palestinianos, designadamente a solução de «dois Estados» e o princípio «terra por paz». Liberman, nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros por Netanyahu8, encontra-se actualmente sob suspeitas de corrupção o que, a provar-se, poderá levar ao seu afastamento da coligação. Já o partido religioso Shas, liderado por Eli Yishai, defende uma agenda conservadora e tem centrado as atenções em matérias sociais e religiosas. Finalmente, o Partido Trabalhista, de Ehud Barak, que ficou em quarto lugar na lista dos partidos mais votados, acedeu ao convite do Likud e manteve-se no Governo, designadamente com a pasta da Defesa atribuída a Barak. O acordo com Netanyahu, em particular por incluir na coligação Avigdor Liberman, causou importantes tensões no seio do Partido Trabalhista, hoje bem diferente do movimento político fundado por Ben Gurion e motor da construção do Estado de Israel.

No que concerne à formação do novo Governo, é importante ter em conta as diferentes perspectivas, que nele se reúnem, face ao processo de paz com os palestinianos. Desde logo, a posição do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, um repetente na chefia do Governo e responsável pela assinatura dos acordos de Wye Platation9, em 1998. Netanyahu, crítico dos mais recentes desenvolvimentos do processo de negociação com os palestinianos, em particular dos resultados de Annapolis10, considera que antes de se promover a construção política de um Estado palestiniano é necessário promover o desenvolvimento económico em Gaza e na Cisjordânia, de forma a criar condições de subsistência às populações locais, que garantam a sua sobrevivência. Por seu lado, Avigdor Liberman, cuja nomeação para responsável da diplomacia israelita sofreu forte contestação interna e externa, tem manifestado, ao longo dos anos, uma recusa pelos princípios que sustentaram o processo de paz de Oslo, e que ainda hoje se mantêm no Roteiro para a Paz11. Em particular, Liberman rejeita o designado princípio de «terra por paz» – segundo o qual Israel cede à Autoridade Palestiniana o controlo da totalidade ou parte dos territórios ocupados em 1967, deles retirando os habitantes judeus, em troca de paz, segurança e reconhecimento pelos estados árabes – preferindo o que designou na campanha por «terra por terra, paz por paz», o que significaria que Israel manteria o controlo sobre as áreas em que os judeus constituíssem a maioria, independentemente da sua localização, e cederia o controlo administrativo à Autoridade Palestiniana dos territórios de maioria árabe muçulmana.

A completar este triângulo governativo encontra-se Ehud Barak, histórico general da política israelita, que já ocupou o cargo de primeiro-ministro e negociou com Bill Clinton e Yasser Arafat os Acordos de Camp David II, em 2000.

Se os actores do lado israelita não são exactamente uma novidade, tendo em conta que Netanyahu e Barak já ocuparam, por diversas vezes, cargos governamentais, o mesmo não se pode dizer dos responsáveis pelo principal promotor externo do processo de paz: os Estados Unidos da América. Começando, desde logo, pelo novo Presidente, Barack Obama. No manifesto eleitoral, Obama dedicou um capítulo das suas propostas de política externa a Israel – não ao processo de paz12 – e durante a campanha defendeu que «Jerusalém permanecerá a capital de Israel e deve permanecer indivisível»13. A garantia da segurança do Estado de Israel, o principal aliado americano no Médio Oriente, mantém-se assim como uma constante da política externa americana. Contudo, a abordagem à questão israelo-palestiniana é distinta da adoptada pela Administração anterior.

O primeiro sinal surge com a nomeação de George Mitchell para representante especial para o Médio Oriente. Recuperando uma figura diplomática marcante da Administração Clinton, Obama escolheu um antigo senador democrata conhecido pela sua oposição à política de expansão de colonatos e pela defesa de três grandes linhas de acção para o processo de paz entre israelitas e palestinianos: fim da violência, reconstrução da confiança e reinício das negociações. Desde a sua tomada de posse, George Mitchell tem desenvolvido um conjunto de contactos no terreno, tendo visitado a região quatro vezes, uma delas a acompanhar a secretária de Estado Hillary Clinton.

Após uma primeira visita oficial à Ásia, a nova secretária de Estado americana visitou o Médio Oriente – com paragens no Egipto, em Israel e nos Territórios Palestinianos – de onde seguiu para a Turquia e depois para o Centro da Europa. Um dos principais objectivos desta deslocação foi a participação na Conferência de Doadores para a Reconstrução de Gaza, que teve lugar no Cairo, a 2 de Março. Na sequência desta iniciativa, a comunidade internacional disponibilizou 4,4 mil milhões de dólares para a reconstrução daquele território, dos quais 900 milhões serão da responsabilidade dos Estados Unidos da América14 e 554 milhões da responsabilidade da Comissão Europeia15.

Finalmente, um outro sinal relevante pode ser entendido pela disponibilidade do Presidente Barak Obama em receber em primeiro lugar, na Casa Branca, o rei Abdullah da Jordânia e só depois o primeiro-ministro israelita. Acresce que a primeira grande intervenção do Presidente americano sobre o Médio Oriente é aguardada para a visita ao Egipto, no início do mês de Junho. Perante este contexto, e tendo em conta que a aliança com Israel e a garantia da segurança do Estado judaico permanecem inalteráveis nas prioridades de política externa americana, é possível argumentar que o objectivo da Administração Obama será envolver o maior número de actores regionais na procura de uma solução pacífica para a região, tendo em conta que, para além da questão israelo­palestiniana, o processo de paz no Médio Oriente inclui, obrigatoriamente, a Síria e o Líbano – países vizinhos que não dispõem de um acordo de paz com Israel – para além da necessária inclusão da variável iraniana nesta equação estratégica, dado o seu histórico apoio a grupos radicais como o Hezbollah e, mais recentemente, o Hamas.

Paz: entre a esperança e a condenação

As perspectivas de paz no Médio Oriente conhecem hoje mais um momento angular na sua história. Um ano após a Conferência de Annapolis, em Novembro de 2008, perspectiva-se o desenvolvimento de um processo negocial entre israelitas e palestinianos, apoiado pela comunidade internacional através do Quarteto – formado pelos Estados Unidos, Rússia, ue e Nações Unidas e representado por Tony Blair – e tendo por base os princípios orientadores do Roteiro para a Paz16. Contudo, alguns meses depois, o cenário sofreu importantes alterações. Desde logo, as divisões em Israel e nos territórios palestinianos.

Após a intervenção militar em Gaza, apoiada pela sociedade israelita, e a consequente diminuição da percepção de ameaça provocada pelo Hamas, as atenções do Governo de Israel centram-se hoje no Irão. Internamente, os partidos políticos dividem-se sobre a prioridade a atribuir ao processo de paz com os palestinianos e à questão iraniana, dependendo da concepção de ameaça adoptada.

A possibilidade de o regime teocrata iraniano vir a dispor de armamento nuclear é totalmente rejeitada pelos israelitas, que exigem da comunidade internacional, em particular dos Estados Unidos, medidas imediatas17. Esta era, aliás, uma das grandes expectativas da visita de Benjamin Netanyahu a Washington, a 18 de Maio de 2009. Contudo, nesse encontro, o Presidente Obama reiterou a sua disponibilidade para abertura de um canal diplomático com o Irão, o qual necessitaria de um prazo para produzir resultados visíveis. Se para os israelitas todas as opções se mantêm em cima da mesa, incluindo a possibilidade de uma intervenção militar, o responsável da Administração americana não vai mais longe do que a possibilidade de reforço das sanções diplomáticas18. Na reunião, o primeiro-ministro israelita teve a oportunidade de manifestar a sua disponibilidade para avançar com o processo de paz e iniciar negociações com os palestinianos de imediato, sem contudo admitir, directamente, a aceitação da solução de «dois estados».

Tendo em vista um futuro desenvolvimento do processo de paz, é necessário ter também em consideração as divisões internas na Autoridade Palestiniana. Desde Janeiro de 2005, na sequência da vitória alcançada nas eleições legislativas em Gaza e na Cisjordânia – consideradas livres e justas pelos observadores internacionais – que o Hamas faz parte do cenário político nos territórios palestinianos, em oposição à Fatah. Partido histórico de apoio a Yasser Arafat e pilar fundamental da construção política da Autoridade Palestiniana, a Fatah tem sido alvo de inúmeras acusações de corrupção, bem como de incapacidade de responder às necessidades dos palestinianos, em particular dos residentes em Gaza. As relações dos últimos anos, entre a Fatah e o Hamas, têm sido marcadas por inúmeros momentos de tensão, muitas vezes marcados pela violência. Pensar no desenvolvimento de um processo de paz com os palestinianos é também pensar numa solução para a necessária inclusão dos movimentos representativos das diversas facções presentes nos territórios.

Para além do necessário empenhamento de israelitas e palestinianos, um processo de paz para o Médio Oriente só terá sucesso se contar com o apoio empenhado da comunidade internacional, em particular dos Estados Unidos e da UE. Por razões diferentes: os Estados Unidos porque são o principal motor do processo político; a UE porque se constitui como o principal financiador do processo de paz, se incluirmos as ajudas comunitárias da União e bilaterais dos estados-membros.

No que concerne à UE, o processo diplomático desencadeado durante a intervenção militar israelita em Gaza, em Dezembro de 2008, suscitou algumas expectativas face ao possível papel europeu no futuro da região. Porém é necessário, desde logo, distinguir entre o que são os esforços diplomáticos de estados europeus, como a França ou a Alemanha, e os esforços conjuntos da UE, seja através da presidência do Conselho em exercício, seja do alto representante para a Política Externa, Javier Solana, ou do representante especial da ue para o Médio Oriente, Marc Otte. No início de 2009, a UE demonstrou, mais uma vez, que a coordenação continua a não ser a principal característica da acção externa europeia, por um lado tendo em conta as diversas iniciativas paralelas no terreno por ocasião das mediações com vista ao cessar-fogo e, por outro, mais recentemente, com a pública discordância entre a Comissão Europeia e a presidência checa face ao futuro imediato das relações entre Israel e a UE.

A 17 de Abril de 2009, a comissária europeia para as Relações Externas, Benita Ferrero-Waldner, publicou um artigo de opinião no jornal israelita Haaretz em que estabelecia uma relação directa entre a adesão do novo Governo israelita ao processo de paz e o desenvolvimento do processo de upgrading de relações entre a ue e Israel. Isto em vésperas da visita do ministro dos Negócios Estrangeiros israelita, Avigdor Liberman à Europa19. As críticas ao artigo20, escrito num tom bem mais assertivo do que vem sendo hábito à diplomacia europeia, não tardaram. Por um lado, fontes oficiais do Governo israelita deixaram claro na imprensa que Israel não toleraria pressões por parte da ue e que, caso esta optasse por uma via crítica, correria o risco de não reunir condições para parte do processo de paz para a região21. Por outro lado, a presidência checa da UE, em exercício no primeiro semestre de 2009, distanciou-se dos comentários da Comissária, considerando-os «desajustados»22.

Já no que concerne ao papel dos Estados Unidos no futuro próximo do Médio Oriente, permanece a expectativa. Se o final do encontro entre o Presidente americano e o primeiro-ministro israelita, realizado a 18 de Maio de 2009, ficou marcado pela ausência de novidades, o mesmo não se espera que aconteça com a intervenção que Barak Obama deverá fazer no Cairo, a 4 de Junho. É expectável que, nesta ocasião, o Presidente americano apresente a sua estratégia (integrada) para o Médio Oriente – à semelhança do que já aconteceu, por exemplo, para o Afeganistão e Paquistão – que deverá ter por base os princípios já acordados pela comunidade internacional, no quadro das recentes iniciativas diplomáticas, bem como a designada «proposta saudita», apresentada pela Arábia Saudita numa cimeira da Liga Árabe, pela primeira vez em 2002 e recuperada em 2007. Esta proposta visa uma abordagem abrangente para a paz no Médio Oriente que incluiria a normalização de relações entre os países árabes e Israel, em troca da completa retirada dos territórios palestinianos e da negociação de uma solução justa para a questão dos refugiados.

Uma outra questão complexa a incluir no processo de paz é a definição do estatuto final de Jerusalém, a cidade sagrada para as três religiões monoteístas – judaísmo, catolicismo e islamismo. Neste contexto, assume particular relevância a recente visita do Papa Bento XVI à região, designadamente os seus apelos à solução pacífica do conflito e à adopção formal, pela primeira vez pelo Vaticano, da solução de dois estados enquanto caminho para a paz.

Se as soluções podem até ser consensualizadas, o problema está na sua implementação prática no terreno. Se em algumas situações o cenário indica que a paz pode estar mais perto, uma curta distância medeia o sucesso e o fracasso dos objectivos a alcançar.

Após seis décadas de conflito e quinze anos de processo de paz, a história recente do Médio Oriente fica, sem dúvida, marcada por esperanças e decepções, avanços e recuos. Uma vez mais, mantêm-se os papéis mas mudam os actores; mantêm-se os cenários mas mudam-se as estratégias. Resta saber se o processo de paz se assumirá, mais uma vez, como uma Fénix renascida das cinzas, marcada por uma esperança que ciclicamente supera a morte anunciada, ou partilhará o castigo de Sísifo, condenado a assistir à inutilidade de um esforço que teima em não alcançar o objectivo final.

NOTAS

1 «Obama Names Special Envoys for Middle East, Afghanistan-Pakistan». [Consultado em: 20 de Maio de 2009]. Disponível em: http://www.america.gov/st/peacesec-english/2009/January/20090122175146idybeekcm1.328677e-02.html        [ Links ]

2 O sistema eleitoral israelita favorece a dispersão de lugares no Knesset por diversos partidos já que estabelece uma cláusula barreira de dois por cento na eleição para o Parlamento. Como consequência, face à apresentação de um leque alargado de partidos a eleições e porque a distribuição dos votos é realizada segundo o método proporcional de Hondt, torna-se praticamente impossível a formação de um governo que não de coligação. Cf. The Electoral System in Israel. [Consultado em: 22 de Maio de 2009]. Disponível em: http://www.knesset.gov.il/description/eng/eng_mimshal_beh.htm

3 Criado em 2005 por Ariel Sharon, após cisão com o Likud.

4 O lançamento de rockets não era, contudo, uma actividade recente, existindo registos anteriores a 2005.

5 Durante a campanha eleitoral, Barack Obama defendeu a possibilidade de abertura de um canal diplomático com o Irão.

6 «Basic law: the government», 2001. [Consultado em: 22 de Maio de 2009]. Disponível em: http://www.knesset.gov.il/laws/special/eng/basic14_eng.htm

7 Os resultados oficiais das eleições legislativas de 2009 em Israel foram: Kadima – 28; Likud – 27; Yisrael Beytenu – 15; Trabalhistas – 13; Shas – 11; Judaísmo Unido da Torah – cinco; Lista Árabe Unida-Ta’al – quatro; União Nacional – quatro; Hadash – quatro; Meretz e Novo Movimento – três; Habayit Hayehudi – Novo Partido Nacional Religioso – três; e Balad – três. [Consultado em: 19 de Maio de 2009]. Disponível em: http://www.mfa.gov.il/MFA/History/Modern+History/Historic+Events/Elections_in_Israel_February_2009#results

8 Avigdor Liberman começou a sua carreira política no Likud, tendo sido chefe de gabinete de Benjamin Natanyahu enquanto primeiro-ministro, em 1997.

9 Os acordos de Wye Platation, alcançados sob a égide do Presidente americano Bill Clinton, definiam a implementação do Acordo Interino assinado em 1995 por Yitzhak Rabin e Yasser Arafat, também conhecido como Oslo II, que definia as bases do processo de paz entre israelitas e palestinianos, em particular no que concerne ao futuro dos territórios de Gaza e da Cisjordânia.

10 Na Conferência de Annapolis, realizada a 27 de Novembro de 2007, foi assumida, formalmente e por todas as partes, a aceitação da solução de dois estados enquanto princípio basilar para o desenvolvimento do processo de paz. Para além dos membros do Quarteto – Estados Unidos, Rússia, ue e Nações Unidas – estiveram presentes representantes do Governo israelita e da Autoridade Palestiniana, bem como de diversos países árabes.

11 Documento formulado em 2002 por iniciativa do Quarteto e que ainda se mantém como documento orientador do processo de paz entre israelitas e palestinianos.

12 «Barack Obama and Joe Biden: a strong record of supporting the security, peace, and prosperity of Israel». [Consultado em: 21 de Maio de 2009.] Disponível em: http://www.barackobama.com/pdf/IsraelFactSheet.pdf

13 Senator Barack Obama – aipac Policy Conference 2008, June 4, 2008. [Consultado em: 21 de Maio de 2009]. Disponível em: http://www.aipac.org/Publications/SpeechesByPolicymakers/PC_08_Obama.pdf

14 «Intervention at the International Conference in Support of the Palestinian Economy for the Reconstruction of Gaza». [Consultado em: 21 de Maio de 2009].
Disponível em: http://www.state.gov/secretary/rm/2009a/03/119900.htm

15 «Commission to co-sponsor Palestinian Donors Conference and announces €436 million ($554 million) to the Palestinians for 2009». [Consultado em: 21 de Maio de 2009]. Disponível em: http://europa.eu/rapid/pressReleasesAction.do?reference=IP/09/335&format=HTML&aged=0&language=EN&guiLanguage=en

16 «A Performance-Based Roadmap to a Permanent Two-State Solution to the Israeli-Palestinian Conflict». [Consultado em: 22 de Maio de 2009]. Disponível em: http://www.un.org/media/main/roadmap122002.html

17 Na intervenção por ocasião da Conferência Anual da aipac, a 4 de Maio de 2009, o primeiro-ministro Benjamin Natanyahu considerou que pela primeira vez «árabes e judeus vêem um perigo em comum»: o Irão. In «pm Benjamin Netanyahu aipac Policy Conference 2009». [Consultado em: 11 de Maio de 2009]. Disponível em: http://www.aipac.org/Publications/SpeechesByPolicymakers/PMNetanyahuPC09.pdf

18 «Remarks by President Obama and Prime Minister Netanyahu Of Israel in Press Availability». [Consultado em: 21 de Maio de 2009]. Disponível em: http://www.whitehouse.gov/the_press_office/Remarks-by-President-Obama-and-Israeli-Prime-Minister-Netanyahu-in-press-availability/

19 Na sua primeira deslocação à Europa, o ministro dos Negócios Estrangeiros israelita visitou a Itália, a França, a República Checa e a Alemanha.

20 Ferrero-Waldner, Benita – «The offer on the table». Haaretz. [Consultado em: 19 de Maio de 2009]. Disponível em: http://www.haaretz.com/hasen/spages/1079055.html

21 «Israel to EU: Criticism of Netanyahu government unacceptable». Haaretz. [Consultado em: 11 de Maio de 2009]. Disponível em: http://www.haaretz.com/hasen/objects/pages/PrintArticleEn.jhtml?itemNo=1081968

22 «Czech eu presidency splits with commission over Israel». EUObserver. [Consultado em: 11 de Maio de 2009]. Disponível em: http://euobserver.com/9/28012?print=1

 

* Assistente convidada no Departamento de Estudos Políticos da FCSH – UNL. Investigadora no IPRI – UNL. Doutoranda em Relações Internacionais na FCSH – UNL.