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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.21 Lisboa mar. 2009

 

Democracia & Autoritarismo

Isabel Alcario*

 

Nicola Pratt, Democracy & Authoritarianism in the Arab World, Boulder, CO, Lynne Rienner, 2007, 236 pp.

Num momento em que as expectativas optimistas de democratização dos países do mundo árabe saíram frustradas, Nicola Pratt, professora na Universidade de East Anglia e editora associada do British Journal of Middle Eastern Studies, apresenta uma abordagem inovadora sobre as causas da persistência do autoritarismo na região.

Pretendendo desafiar o determinismo presente na maioria das abordagens sobre os processos políticos do mundo árabe, a autora, através da análise do desenvolvimento dos sistemas políticos autoritários desde a época colonial, afirma que o autoritarismo não é produzido exclusivamente em função do tipo de regime no poder, mas resulta também de uma complexa teia de relações sociais. Para demonstrar a sua tese, Pratt estuda a evolução autoritária de cinco repúblicas – Argélia, Egipto, Iraque (até 2003), Síria e Tunísia – recorrendo à teoria da hegemonia cultural de Gramsci aplicada às relações entre Estado e sociedade.

Partindo do pressuposto de que a democratização da região não é inevitável, a autora conclui que as causas da continuidade do autoritarismo nestes países estão relacionadas, por exemplo, com o contexto histórico do colonialismo que criou um sistema de estados-nação com uma presença muito acentuada do Estado, mas com uma base social pouco estruturada levando os regimes a recorrer à criação de alianças corporativistas. A autora oferece-nos assim a ideia de que a sociedade civil apoiou a emergência do Estado autoritário e permitiu a sua normalização ao ceder direitos civis e políticos em troca de bem-estar socioeconómico. Segundo Pratt, a orientação ideológica da sociedade civil poderá estimular a democratização, desde que formule um projecto anti-hegemónico (counter-hegemonic) em que as forças sociais desmontem o espectro referencial do regime numa “guerra de posição” (war of position) em questões de identidade nacional, das relações de género, do papel do Estado e de variados elementos da ordem política autoritária.

Para Pratt, a derrota árabe de 1967 marcou o início de uma política de abertura (infitah) a novas alianças do regime com o capital privado, em que as promessas do nacionalismo pan-arabista ficaram por cumprir e a sociedade civil começou a desafiar o regime e o seu projecto hegemónico, e a formular alternativas, ao que se seguiu um processo de desliberalização e repressão política. Daí o livro enfatizar a ideia que mais relevante do que a existência de movimentos pró-democracia na sociedade civil, é a continuação dos debates sobre as dinâmicas do sistema autoritário no seio desta que poderá contribuir para a erosão do autoritarismo na região.

 

Marina Ottaway e Julia Choucair-Vizoso (eds.), Beyond the façade: political reform in the Arab world, Washington, Carnegie Endowment for International Peace, 2008, 295 pp.

Assumindo que as políticas de promoção democrática têm tido um reflexo limitado no mundo árabe, este livro representa simultaneamente uma análise dos processos políticos que decorrem em diferentes países da região (Egipto, Jordânia, Síria, Palestina, Líbano, Argélia, Marrocos, Arábia Saudita, Kuwait e Iémen) e uma espécie de guia sobre os actores políticos ao explorar o potencial de reforma de cada um dos países, contando para isso com a colaboração de prestigiados especialistas.

Se os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 despertaram os Estados Unidos e o mundo para a necessidade da mudança política na região, o lançamento da Freedom Agenda de Bush indicou que a melhor estratégia de combate ao terrorismo implica combater as suas causas através de reformas económicas e democráticas. Porém, e apesar de uma sucessão de manifestos democráticos na região, que não passaram de retórica, não se verificou uma mudança do paradigma político.

Ao procurar compreender qual o futuro político do mundo árabe, este livro tem como objectivo primordial identificar as reformas com capacidade de alterar a distribuição de poder e a natureza do sistema político. Desta forma, conclui que a maioria das medidas introduzidas não passam de reformas cosméticas que promovem uma liberalização do sistema (muitas vezes despoletada pela pressão externa) sem ameaçar a balança de poder, como a realização de eleições que, quanto muito, possibilita a emergência de uma democracia formal e de fachada (regimes semi-autoritátios, na definição de Marina Ottaway). Por outro lado, por terem origem nos próprios regimes vigentes e serem apoiadas pelas potências externas que não desejam quebrar a estabilidade destes países, as medidas de reforma são orientadas sobretudo para garantir a manutenção e sobrevivência do regime e da sua elite governante, recorrendo a todas as estratégias ao seu alcance, desde a cooptação à repressão da actividade associativa (como a actividade partidária, por exemplo).

Reconhecendo a peculiaridade de cada estudo de caso, o livro acaba por indicar que os países em melhores condições de proceder a uma mudança de regime serão o Kuwait e Marrocos (apesar da prevalência do poder executivo sobre os restantes). No entanto, o livro alerta também que qualquer mudança significativa não é irreversível e que liberalização não significa, de modo algum, democratização. Ao longo dos diferentes capítulos, os autores acabam por deixar alguns conselhos: as potências estrangeiras devem ficar-se pela defesa e promoção das liberdades políticas e pela promoção da inclusão dos movimentos/partidos islamitas na vida política, pelo que a sua acção deve passar por pequenos passos numa visão a longo prazo.

 

Henner Fürtig (ed.), The Arab Authoritarian Regime between Reform and Persistence, Newcastle, Cambridge Scholars Publishing, 2007, 157 pp.

Henner Fürtig, Investigador Sénior do GIGA (Institute of Middle East Studies de Hamburgo), é o editor de um livro que poderia muito bem ser um manual escolar sobre mudança política no mundo árabe. Representa um interessante trabalho de sistematização e problematização das questões relacionadas com a permanência do autoritarismo na região aplicadas a quatro estudos de caso: Egipto, Síria, Marrocos e Palestina (onde se inclui um subcapítulo sobre a alegada relação entre este fenómeno e o conflito israelo-árabe).

No primeiro capítulo, Martin Beck aborda as diferentes questões associadas a esta temática. O autor contrapõe teorias e argumentos, tais como a distinção entre democratização e liberalização, as causas da resistência da região à democratização e os actores da reforma, acabando por concluir que a liberalização económica e política que muitos regimes conheceram desde a década de 90, consistiu numa estratégia para gerir a crise política e económica vivida e garantir a sua permanência no poder, diminuindo as pressões internas e externas para maior abertura, e aumentando a sua legitimidade.

Deste modo, a liberalização deverá ser entendida como oposta à democratização e não uma fase do processo de transição democrática, sendo que o Egipto representa um bom exemplo desta estratégia, em que as medidas de abertura política permitiram ao regime “olear o seu mecanismo” autoritário (p.137).

Já a Síria, com um processo de liberalização de índole essencialmente económica, tem seguido uma estratégia cautelosa, baseada na experiência egípcia. Por outro lado, no capítulo das reformas políticas, Marrocos, mesmo com as limitações impostas pelo carácter sagrado e inviolável do rei bem como pelas características do seu sistema político é mais uma vez apontado como o país mais liberal, mas sem perspectivas de se democratizar.

Uma das conclusões mais relevantes deste livro encontra-se no capítulo sobre a Palestina, onde os autores afirmam que não é necessário existir um Estado nem uma soberania nacional incontestável para que exista uma autocracia liberalizada, e que o conflito israelo-árabe não pode ser considerado um elemento decisivo para a persistência do autoritarismo no país e na região sendo, isso sim, um bom pretexto.

De um modo geral, o livro vem reforçar a ideia de que, no mundo árabe, a liberalização ainda é oposta à democratização.

 

Jason Brownlee, Authoritarianism in an Age of Democratization, Nova York, Cambridge University Press, 2007, 264 pp.

Com o objectivo de compreender o porquê da sobrevivência do autoritarismo em regimes que, através da realização de eleições, desejam apresentar uma capa democrática, Jason Brownlee, professor na Universidade do Texas, recorre à analise do papel dos partidos dominantes do regime e à forma como estes contêm conflitos de elite, cuja coesão impede que a oposição possa beneficiar do sistema multipartidário, aplicada aos casos do Egipto, da Malásia, do Irão e das Filipinas.

Com este propósito, o autor desafia em certa medida uma das premissas da teoria do autoritarismo competitivo, ao afirmar que a manipulação da realização de eleições competitivas não é suficiente para explicar o fenómeno da persistência autoritária. Adianta que a chave estará nos partidos dominantes enquanto instituição que influencia a criação da agenda política do regime, bem como o comportamento das elites, pelo que a oposição fica com uma reduzida margem de manobra na competição pelo poder.

A partir daí, Brownlee estuda a formação dos partidos dominantes nos quatro países (ou a sua ausência), o que lhe permite traçar a distinção entre os processos autoritários no Egipto e na Malásia, com a existência de partidos fortes, e os casos do Irão e das Filipinas, que ilustram situações em que os partidos do governo são fracos ou mesmo inexistentes, e onde a incapacidade de regulação do conflito entre as elites pode ameaçar a existência do próprio regime, como aconteceu nas Filipinas de Ferdinand Marcos.

Deste livro extraímos a ideia de que a existência de partidos dominantes é útil para a saúde dos regimes autoritários, apesar do caso do Irão o contradizer, onde desde a Revolução de 1979 coexistem diversas forças e tendências políticas numa tensão que, no entanto, não levou ao desaparecimento do regime islâmico. Mas então, quais serão as outras formas de controlar o conflito entre elites do regime? Esta é a pergunta que fica após a leitura deste livro, o qual será seguramente útil para os decisores e conselheiros políticos da promoção democrática.

 

* Mestranda em História das Relações Internacionais no ISCTE. Investigadora no IPRI – UNL e no ICS – UL.