SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número21Relações InternacionaisDemocracia & Autoritarismo índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.21 Lisboa mar. 2009

 

Ásia

Constantino Xavier*

 

Ahmed Rashid, Descent into Chaos: How the War Against Islamic Extremism is Being Lost in Pakistan, Afghanistan and Central Asia, Londres, Allen Lane, 2008, 484 pp.

Um autor que deixa os editores escolher títulos catastrofistas para os seus livros (já o tinha feito em 2000, com Taliban: Militant Islam, Oil and Fundamentalism in Central Asia) não parece merecer, à partida, grande atenção. Mas Descent into Chaos apresenta-se como uma leitura fundamental, nem que seja pelo facto de ter sido certamente livro de cabeceira de Barack Obama e assim inspirar o mandato de Richard Holbrooke para “Afpak”, como em Washington se chama à zona que passou a ser prioridade absoluta da nova administração.

O argumento de Rashid, jornalista paquistanês com uma familiaridade invulgar com os principais actores e processos que marcam a região, é simples. A estratégia pós-11 de Setembro centrada no Iraque “falhou o alvo por completo” e os Estados Unidos, a OTAN e o mundo em geral, perderam uma soberba oportunidade para pacificar a região “mais importante para a estabilidade global” e que agora se apresenta como um autêntico “barril de pólvora”. A sua crítica contra a administração Bush é violenta – já debilitados pelo esforço inglório no Médio Oriente, os poucos recursos norte-americanos para a Ásia Central e do Sul foram esbanjados em ajudas militares ao regime Musharraf, que todos menos os Estados Unidos reconheciam estar no poder a prazo e em nada contribuir para a pacificação da linha Durand.

Explica-se assim o que Rashid apelida de “falhanço monumental” para conter o extremismo islâmico que agora ganha força num Afeganistão em que os talibã se reorganizam, a população continua cronicamente subdesenvolvida e a produção de ópio cresce exponencialmente. Para além do imenso Pachtunistão ingovernável, o que mais preocupa Rashid é a rápida expansão da Al Qaeda para o Uzbequistão e as restantes quatro repúblicas ex-soviéticas da Ásia Central.

O futuro da missão da OTAN no Afeganistão, discutida de forma detalhada, assume uma relevância vital para evitar o colapso da região inteira, de Astana a Carachi, e é por isso que Rashid se insurge contra a falta de comprometimento dos países europeus que insistem em manter as suas forças nos quartéis ou ameaçam mesmo retirá-las do Afeganistão. A acusação é implícita, mas premente: a UE é míope a nível estratégico, ignorando que os seus interesses externos (e internos) também passam por esta zona do mundo.

 

M. Taylor Fravel, Strong Borders, Secure Nation: Cooperation and Conflict in China’s Territorial Disputes, Princeton, Princeton University Press, 2008, 376 pp.

A singular experiência europeia levou muitos teóricos pós-modernos a proclamar o fim da territorialidade como conceito estruturante da política internacional. Para compreender Strong Borders, Secure Nation é, antes de mais, necessário reconhecermos que a realidade política é bem diferente na Ásia, onde os estados ainda competem ferozmente para demarcarem e forjarem as suas identidades territoriais.

Mas a missão de Taylor Fravel é outra. Se as ascensões de grandes potências se dão tradicionalmente de forma conflituosa, muitas vezes despoletadas por quezílias territoriais, porque é que em 23 disputas fronteiriças desde 1949 a China só recorreu por seis vezes à força? O que explica esta relativa pacificidade chinesa, optando pela via negocial e por concessões territoriais aos seus vizinhos, em vez de explorar a sua superioridade bélica?

O jovem professor do MIT, um dos representantes da nova geração de sinólogos norte-americanos, recorre a uma miríade de métodos quantitativos (variáveis alternativas; indicadores de intensidade conflitual) e qualitativos (uma forte componente histórica sobre aos impérios Ming e Qing; materiais em língua chinesa inéditos) para descortinar porquê e quando é que a China decidiu recorrer à cooperação, ou alternativamente ao confronto, com os seus catorze países vizinhos ao longo de 23 mil quilómetros de fronteira.

A sua tese é robusta e contrária às teses vigentes sobre os conflitos territoriais inter-estatais. São precisamente os contextos marcados pela insegurança do regime chinês, como as insurreições por minorias étnicas nas regiões periféricas (Tibete 1959, Xinjiang 1962), ou a instabilidade política interna provocadas pela Revolução Cultural e pelas revoltas de 1989, que induziram Pequim a procurar entendimentos e a assumir compromissos com os seus vizinhos, trocando concessões territoriais por apoio externo. É nesses momentos de fraqueza interna que a China procurou segurar as suas fronteiras, muitas vezes incorrendo em percas territoriais substanciais, de forma a poder consolidar o processo de integração nacional e a estabilidade interna.

Convém também sublinhar a segunda parte da sua tese, fundamental para quem procura descortinar o comportamento futuro do país. A China sempre recorreu à força (Índia, Vietname, Rússia, Taiwan, Ilhas Spratly) em contextos marcados pela percepção de que estava a perder em termos de capacidade reivindicativa e negocial (negative shifts in claim strength) ou perante adversários com capacidades superiores.

O próprio Fravel caracteriza as suas teses com sendo “boas notícias”, sublinhando que a emergência da China poderá vir a ser conflituosa, mas nunca devido a questões territoriais. Para quem estuda as relações de Pequim com Nova Deli e Taipei, dois dos contenciosos ainda por resolver, a obra serve assim de excelente ponto de partida para descortinar as incertas implicações da ascensão chinesa para a segurança regional.

 

Kishan S. Rana, Asian Diplomacy: The Foreign Ministries of China, India, Japan, Singapore and Thailand, Baltimore, The Johns Hopkins University Press, 2009, 264 pp.

No campo disciplinar das Relações Internacionais o crescente interesse pela Ásia traduz-se muitas vezes em duas abordagens diferentes, mas igualmente simplistas e insuficientes. Por um lado, a preponderância das teorias estruturalistas e neo-realistas tem incentivado a que se aborde a Ásia como uma mera extensão da arena vestfaliana ocidental. Nesta perspectiva, não temos mais do que um conjunto de unidades estatais asiáticas sem qualquer identidade ou característica histórico-cultural própria, simples black boxes. Por outro lado, subsiste a tentação novecentista de essencializar o Outro, neste caso “o asiático”, interpretando os seus comportamentos diplomáticos e estratégicos como resultado quasi-mecânico de supostas identidades milenares ou culturas estratégicas imutáveis.

Perante o facto indiscutível de que “sabemos pouco sobre as pessoas, os processos e as estruturas que estão a moldar a crescente influência dos actores asiáticos” (C. Raja Mohan), Asian Diplomacy assume-se como uma obra valiosa, analisando as diplomacias de cinco países. Kishan S. Rana, ex-embaixador da Índia e professor no Foreign Service Institute em Nova Deli, recolheu um conjunto impressionante de factos sobre estes cinco ministérios, analisando em detalhe a sua história, os seus modelos de organização, processos de recrutamento, formação e promoção, número e formato das representações externas, o seu peso político e interacção com outros ministérios e organismos estatais, entre outras informações e dados inéditos.

Para além da minúcia metódica e do seu valor empírico, a obra oferece também perspectivas valiosas de alguém que se movimenta como um insider nos círculos de decisão asiáticos – Rana cita interessantíssimas afirmações “pouco diplomáticas” que conseguiu recolher durante dezenas de entrevistas anónimas. Introduz assim também o leitor ao jargão diplomático asiático, incluindo deliciosas referências à duck diplomacy e poisoned shrimp strategy de Singapura e uma análise crítica dos chamados “valores” ou “estilo diplomático asiático”.

Embora caia por vezes na tentação culturalista, especialmente ao procurar impor às cinco estruturas diplomáticas um denominador asiático comum que não chega a definir satisfatoriamente, Asian Diplomacy é uma obra fundamental não só para diplomatas portugueses com interesses na Ásia, mas também para os estudiosos que se enquadram na tradição da sociologia, análise e estudo dos processos de decisão de política externa que ainda primam pelo seu eurocentrismo.

 

Victor D. Cha, Beyond the Final Score: The Politics of Sport in Asia, Nova York, Columbia University Press, 2009, 182 pp.

É conhecida a “guerra do futebol” travada em 1969 entre o El Salvador e as Honduras na América Central. Há quem tenha analisado a “geopolítica do futebol” na Europa (Pascal Boniface). Mas pouco se trabalhou ainda sobre a importância do desporto na Ásia. É no seguimento dos monumentais jogos olímpicos organizados pela China em 2008 que Victor Cha escreve The Politics of Sport in Asia, em que analisa a instrumentalização política de que o desporto e os eventos desportivos têm sido alvo na Ásia contemporânea.

A obra deixa-se dividir em duas partes, de interesse distinto. Na primeira Cha, ex-director para os assuntos asiáticos na Casa Branca, limita-se a uma ofensiva contra os que apelida de “puristas”, isto é, os que defendem uma separação estanque entre o desporto e a política. Para ele é “um oximoro pensar que os Jogos Olímpicos não são, ou não podem ser, um fenómeno político” e recorre a abundantes exemplos históricos para o provar, oferecendo assim uma análise detalhada sobre a “diplomacia de ping-pong” iniciada entre Nixon e Mao nos anos setenta ou as candidaturas, intrigas e boicotes que marcaram os Jogos de Tóquio (1964) e Seul (1988).

Para além desta dimensão mais teórica e histórica, destaca-se no entanto a análise sociológica, Cha argumenta que o desporto e os grandes acontecimentos desportivos são mesmo mais políticos na Ásia do que noutras regiões do mundo. Para tal, explica como as potências asiáticas têm recorrido ao desporto como um “factor de mudança” para “lubrificarem” as suas relações bilaterais e se projectarem como nações modernas, jovens e dinâmicas. Para as potências asiáticas o desporto apresenta-se como um indicador do seu poder internacional e compreende-se assim, por exemplo, o aceso debate interno que os indianos travaram no seguimento dos Jogos de Atenas, dos quais regressaram com uma única medalha.

A análise que Cha faz dos Jogos Olímpicos de 2008 assume um papel central neste contexto, onde mais do que atrair investimentos e desenvolver infra-estruturas, importava a Pequim corrigir a antiquada imagem da China como sick man of Asia e solidificar o processo de integração nacional com recurso a um fervilhante espírito nacionalista, que se traduziu por vezes em retórica e boicotes anti-ocidentais.

Para o contexto português, no seguimento dos primeiros Jogos da Lusofonia realizados em Macau, em 2006, e com a possibilidade de a sua terceira edição se vir a realizar na Índia (Goa), em 2013, The Politics of Sport in Asia serve de introdução acutilante a um continente em que o desporto é tudo menos apolítico.

 

* Mestre em International Politics, Universidade Jawaharlal Nehru, Nova Deli. Investigador no IPRI – UNL.