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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.21 Lisboa mar. 2009

 

Relações Internacionais

Carlos Gaspar*

 

Kenneth Waltz, Realism and International Politics. Nova York, Routledge, 2008

Kenneth Waltz decidiu reunir e apresentar uma boa parte dos seus artigos, publicados desde a sua tese até ao post-11 de Setembro. A introdução serve para insistir nos malefícios da concentração excessiva de poder, já revelados na invasão do Iraque, mas cada um dos textos tem uma nota de apresentação própria.

O livro confirma a filiação realista, que já pode dispensar o prefixo ‘neo’, no sentido em que Kenneth Waltz, com Man, the State and War e, sobretudo, com Theory of International Politics, se tornou a referência canónica do realismo na teoria das relações internacionais. A Teoria é a primeira parte da sua antologia, que inclui o seu texto sobre Kant – Kant, Liberalism and War (1962) – bem como os comentários às críticas do seu clássico, o último enunciado da sua teoria geral – Realist Thought and Neorealist Theory (1990) –, bem como os dois artigos sobre a avaliação das teorias, publicados em 1997 e 2003. A Política Internacional preenche a segunda parte do livro, desde a célebre elegia da bipolaridade – The Stability of  a Bipolar World (1964) – até à sua análise das tendências multipolares do post-Guerra Fria – The Emerging Structure of International Politics (1993) – e textos mais recentes, incluindo The Continuity of International Politics, publicado em 2002. Os Assuntos Militares correspondem à terceira parte, incluindo um ensaio menos conhecido de 1959 – Reason, Will, and Weapons - e, naturalmente, os textos sobre as virtudes da proliferação nuclear de 1990 e 1995. A última parte está virada para a «Policy», o tema forte de Waltz antes de desistir de tratar da Política Externa no seu clássico de teoria internacional, incluindo uma avaliação da política europeia de Nixon e Kissinger no Ano da Europa – America’s European Policy Viewed in Gloabl Perspective (1974).

Os textos de Kenneth Waltz são uma referência obrigatória nos estudos de Teoria das Relações Internacionais e a sua antologia é, naturalmente, um instrumento de trabalho indispensável. É também o retrato da melhor parte das reflexões de um investigador que marcou, decisivamente, a sua disciplina.

 

Stephen Brooks, William Wohlforth, World out of Balance. International Relations and the Challenge of American Supremacy. Princeton, Princeton University Press, 2008, 226 pp.

William Wohlforth tem o mérito de ter sido o primeiro a enunciar uma definição da unipolaridade, no seu artigo “The Stability of a Unipolar World”, publicado em 1990, que reproduz o mesmo título do ensaio célebre de Kenneth Waltz sobre a bipolaridade, publicado nos anos setenta.

A tese de Wohlforth tem três elementos cruciais, que estão reiterados e actualizados no seu último livro, escrito em parceria com Stephen Brooks. O primeiro procura medir a concentração excepcional de poder numa única grade potência – os Estados Unidos – que é o resultado mais significativo da Guerra Fria. O segundo valoriza a natureza do regime político norte-americano, cuja transparência e previsibilidade tornam os Estados Unidos uma grande potência menos ameaçadora do que os anteriores pretendentes à hegemonia mundial. O terceiro recupera a relevância da posição geográfica, que torna a grande potência marítima uma ameaça remota, por comparação com as grandes potências contíguas que determinam a lógica de competição estratégica no continente euro-asiático. O novo livro desenvolve esses argumentos e acrescenta um factor adicional: a multiplicação de potências relevantes em cada uma das principais regiões internacionais não só as distingue dos velhos blocos regionais que travaram a II Guerra Mundial, como torna ainda mais difícil a qualquer das grandes potências emergentes vir a ser uma potência hegemónica regional, que é a condição prévia para poder vir a ser um challenger dos Estados Unidos – a Alemanha tem de contar com a França e a Grã-Bretanha, a China com o Japão e a Índia, mesmo a Rússia tem de ter em conta a Ucrânia. Essa circunstância serve para consolidar a unipolaridade e confirma a sua estabilidade.

Pela primeira vez, neste livro Wohlforth e Brooks tratam também da questão da legitimidade – um tema obrigatório depois da invasão do Iraque. Os autores aceitam que os Estados Unidos não podem prescindir da legitimidade, mas insistem que também são as grandes potências quem tem o poder indispensável para fazer e desfazer as regras na política internacional. A lição do Iraque é importante para mostrar que se trata sobretudo de as desfazer e de as fazer bem.

 

David Baldwin, Theories of International Relations, Union Court, Ashgate, 2008, 712 pp.

A antologia dos textos fundamentais das teorias (no plural) das relações internacionais de David Baldwin – professor de teoria na Universidade de Princeton e editor do volume clássico sobre o Neo-realismo e o Neo-liberalismo – é inovadora tanto na sua organização, como na escolha dos textos.

Desde logo, David Baldwin dispensa quer os prolegómenos das teorias das relações internacionais, quer a fase inicial dos esforços de sistematização da disciplina, com excepção de textos emblemáticos sobre problemáticas específicas, como os ensaios de Ernest Haas sobre a balança do poder ou de Arnold Wolfers sobre a segurança nacional, publicados ambos nos anos cinquenta. Os primóridos heróicos – E.H. Carr, Martin Wight ou Hans Morgenthau – são postos de parte. Por outro lado, sem o referir explicitamente, o organizador concentra-se em três escolas – o realismo (o neo-realismo), o liberalismo (incluindo a escola inglesa) e o construtivismo, que toma, com vantagem, o lugar das escolas idealistas. As primeiras escolhas dos autores para o neo-realismo, para o liberalismo e para o construtivismo são canónicas – Kenneth Waltz, Hedley Bull e Michael Doyle, e Alexander Wendt, respectivamente – mas alargam-se para incluir também Robert Gilpin, Andrew Moravscik e Helen Milner, e Martha Finnemore. Os textos, porém, não são todos escolhas óbvias e, quando possível, procuram trazer para a primeira linha ensaios menos conhecidos, como o “Realist Thought and Neorealist Theory” de Kenneth Waltz, publicado em 1990 no Journal of Internal Affairs, ou o “No One Loves a Political Realist” de Robert Gilpin, um texto de 1996, publicado na Security Studies, que abre a colecção. Por último, a organização, seguindo uma regra de parcimónia, trata apenas de cinco temas – as escolas (“Approaches” – as três correntes principais, com Gilpin, Waltz, Moravcsik, Bull, Milner, Finnemore), a politica interna (incluindo os clássicos de Peter Gourevitch e Robert Putnam), a anarquia e as instituições (Mearsheimer, Keohane e Nye, Wendt), o poder (incluindo o ensaio de Baldwin sobre a medição do poder, publicado na World Politics, em 1979) e a paz e a guerra, que termina com um novíssimo, Jack Levy. Todas as colecções de textos são parciais e incompletas, por definição, mas David Baldwin conseguiu fazer um retrato pertinente do estado da arte, sem se deixar prender pela voragem das modas.

 

G. John Ikenberry, Thomas Knock, Anne-Marie Slaughter e Tony Smith, The Crisis of American Foreign Policy. Wisonianism in the Twenty-First Century. Princeton, Princeton University Press, 2009, 168 pp.

O maître-à-penser da nova geração de analistas estratégicos liberais, que vai marcar a política externa dos Estados Unidos com a nova administração do Presidente Barack Obama, publicou, nas vésperas da última eleição presidencial, um livro com Anne-Marie Slaughter, sua antiga colega em Princeton e actual directora do Policy Planning Staff do Departamento de Estado, com Thomas Knock e Tony Smith, com o título The Crisis of American Foreign Policy.

O título mais adequado é o sub-título – Wilsonianism in the Twenty-First Century. Com efeito, o livro inclui duas visões contrastadas sobre a herança wilsoniana na viragem do século. Por um lado, Tony Smith, professor de ciência politica na Tufts, argumenta que o internacionalismo democrático dos neo-conservadores, que marcou a “tentação imperial” da administração do Presidente George W. Bush, na resposta ao “11 de Setembro” no Afeganistão e no Iraque, representa a melhor tradição wilsoniana – uma forma militarista de wilsonianismo, ou um um “wilsonisme botté”, na fórmula de Pierre Hassner, mas parte integrante dessa linha. Por outro lado, Anne-Marie Slaughter entende que a especificidade do wilsonismo é o multilateralismo, que se espera venha a caracterizar a administração do Presidente Barack Obama. Para a nova responsável pela estratégia norte-americana, o paradigma do wilsonismo é a União Europeia, que se aproxima do modelo de Kant e de Wilson: “Wilson veria na União Europeia a realização da sua visão sobre a auto-determinação e a democracia”,

Esta antecipação da “europeização” da política externa dos Estados Unidos marca uma ruptura com a orientação da administração do Presidente Bill Clinton, onde Antonhy Lake e Madeleine Albright insistiam na necessidade de subordinar o multilateralismo aos interesses nacionais dos Estados Unidos – “multilateral when we can, unilateral when we must.” O seu desígnio é, justamente, impedir que os desastres dos Estados Unidos no Iraque provoquem um regresso ao realismo: a linha justa não é nem o realismo, nem sequer o modelo rooseveltiano, mas o regresso às origens wilsonianas do liberalismo democrático: no novo século, continua a fórmula de Wilson – “to make the world safe for democracy” – continua a ser válida.

 

* Director do IPRI – UNL. Professor de Relações Internacionais na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Assessor da Casa Civil do Presidente Jorge Sampaio entre 1995 e 2006.