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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.21 Lisboa mar. 2009

 

A vitória de Obama: significado, causas e consequências

José Gomes André *

 

Este estudo, dividido em quatro partes, detém-se inicialmente no simbolismo inerente à eleição do primeiro Presidente afro-americano, um sinal da vitalidade democrática dos Estados Unidos e da notável capacidade do seu sistema político e constitucional para acolher transformações sociais, filosóficas e ideológicas. Segue-se uma apreciação da candidatura de Obama, que conseguiu conjugar estratégias modernas e uma mensagem enraizada na tradição política americana clássica. Num terceiro momento, analisaremos as eventuais implicações do triunfo de Obama na dinâmica eleitoral norte-americana, concluindo este artigo com um breve levantamento dos principais desafios que a sua Administração enfrenta, em particular na política interna.

Palavras-chave: Barack Obama, eleição presidencial americana, Estados Unidos, agenda política

 

Obama’s victory: meaning, causes and consequences

This paper, which is divided in four parts, starts by considering the symbolism inherent to the election of the first Afro-American President, a sign of the democratic vitality of the United States and of the exceptionable capacity of its political and constitutional system to welcome social, philosophical and ideological transformations. We will then consider Obama’s candidacy, which was able to reconcile modern strategies and a message rooted in the classical American political tradition. The third chapter includes an analysis of the potential implications of Obama’s triumph in the American electoral dynamics, followed by a conclusion where we briefly describe the main challenges that his Administration will meet, especially in domestic politics.

Keywords: Barack Obama, American presidential election, United States, political agenda

 

Num dos célebres debates da Convenção de Filadélfia (1787), da qual resultaria a criação da Constituição federal norte-americana ainda hoje em vigor, James Madison – um dos grandes mentores e arquitectos desse projecto – terá declarado: «Ao elaborarmos um sistema que esperamos vir a perdurar ao longo do tempo, não devemos perder de vista as mudanças que novas eras produzirão.»[1]

Madison alertava assim para um desiderato fundamental dos alicerces constitucionais americanos: a necessidade de estes assumirem uma considerável plasticidade, que lhes permitisse responder à inevitável diversidade e novidade dos desafios futuros, adaptando-se em particular às tendências sociais e políticas traçadas pelas gerações vindouras. De algum modo, a eficácia da Constituição americana dependeria assim da sua capacidade para acolher e enquadrar essas transformações, de se afirmar como um «texto incompleto» (nas palavras de Donald Lutz[2]), sem que porém as suas raízes saíssem enfraquecidas desse processo. A criação de um equilibrado instrumento de revisão constitucional, que possibilitava a adopção de novas disposições legais mediante condições razoáveis (nomeadamente a aprovação do Congresso e uma sanção popular) respondia de certo modo a esse desafio. Todavia, o segredo da perenidade e eficiência da Constituição americana reside sobretudo na flexibilidade vital que a anima – à semelhança de um estado de espírito decidido a harmonizar uma lógica de estabilidade e uma abertura à mudança.

Um dos maiores vencedores na noite eleitoral de 4 de Novembro de 2008 foi justamente esta disposição orgânica da Constituição dos Estados Unidos da América (e das estruturas políticas americanas em geral) para admitir correcções e reformulações dos seus próprios preceitos, eliminando deficiências internas num constante processo de superação que projecta um futuro possível a partir desse texto primitivo – devidamente actualizado a novas mundividências e prioridades. Falamos, na verdade, de um longo (e trágico) caminho que começou por negar direitos de cidadania aos negros, prolongou durante décadas essa renitência em variadas limitações políticas, legais e sociais, mas acabou finalmente por criar condições para que um afro-americano se tornasse no mais alto magistrado da nação.

Para avaliar a verdadeira dimensão deste processo metamórfico é bom recordar como o seu ponto de partida consignava uma orientação absolutamente antagónica aos mais recentes eventos. Com efeito, a nação americana nasceu proclamando a liberdade de todos os homens, mas preservou no seu seio uma matriz esclavagista que ensombrava esse mesmo manifesto. Em 1783, num célebre debate, o Congresso Continental debatia o peso dos escravos negros para efeitos tributários, tendo então um comité sugerido que «dois negros equivalessem a um homem livre»[3]. Não olvidemos a ignóbil discussão que se lhe seguiu – uma espécie de leilão entre os delegados presentes, no qual se propuseram que os negros correspondessem a três quartos de um homem (Oliver Wolcott), um quarto (Daniel Carroll), ou metade (John Rutledge)[4]. Recordemos ainda que foi inscrita na própria Constituição uma cláusula que determinava corresponderem os negros a «três quintos das restantes pessoas» para efeitos de representação no Congresso[5]. E não esqueçamos também o célebre acórdão do Supremo Tribunal no caso «Dred Scott v. SanfordI» (1857), que oitenta e um anos depois da mensagem universalista da Declaração de Independência asseverava ainda que os escravos negros eram vistos como «seres de uma ordem inferior, que não estão de todo preparados para se associarem com a raça branca, quer em relações sociais ou políticas; e de tal forma inferiores que não possuíam nenhuns direitos aos quais o homem branco devia respeito»[6].

Saibamos reconhecer no entanto os méritos de um corpo constitucional e de um sistema político capazes de suplantar estes profundos equívocos e incoerências, incluindo no seu âmago dispositivos que progressivamente conferiram a merecida dignidade aos negros americanos: a Proclamação de Emancipação de Lincoln (que libertava os escravos nos estados rebeldes durante a Guerra Civil); os 13.º, 14.º e 15.º aditamentos à Constituição (que proíbiam a escravatura na União e outorgavam direitos idênticos aos negros e antigos escravos, entre os quais o direito de voto); o acórdão do Supremo Tribunal no caso «Brown v. Board of Education of Topeka», de 1954 (que denunciava as práticas de segregação racial no Sul do país); e a Lei dos Direitos Civis de 1964 (que proibia as restrições de votos aos negros e punha fim à discriminação racial nas organizações laborais, na administração pública e nas escolas).

A esta lista louvável devemos juntar referências a outros momentos essenciais na luta pela afirmação dos direitos civis na América – como o movimento social comandado por Martin Luther King na década de 1960 ou as candidaturas de Jesse Jackson à nomeação presidencial pelo Partido Democrata nos anos de 1980, por exemplo – reconhecendo, por fim, que a eleição do afro-americano Barack Obama para a Casa Branca representa um capítulo notável neste processo de superação histórica, sendo uma prova da vitalidade da democracia americana e da sua Constituição federal, as quais se têm mostrado uma e outra vez capazes de se adaptarem às mudanças trazidas por novas eras, como desejara James Madison.

 

O SIGNIFICADO DA VITÓRIA

Destacando-se pelo seu evidente simbolismo, a vitória de Barack Obama sobressai também pela sua improbabilidade – um tema recorrente do seu discurso político desde que saltou para a ribalta mediática com uma famosa intervenção na Convenção Nacional Democrata em 2004. Precedendo a aclamação de John Kerry como candidato presidencial democrata, Obama apresentou-se no então Fleet Center de Boston como o exemplo vivo do «sonho americano» – o filho de um emigrante queniano que cresceu com a mãe e a avó no longínquo Hawai, tendo mesmo passado vários anos na Indonésia em condições modestas, e que subira a escada do sucesso político mediante o seu labor e empenho pessoal. Referindo precisamente que a sua presença naquele palco era «bastante improvável», Obama lançou-se numa defesa da mensagem simbólica da América como terra das oportunidades, a qual justificava por conseguinte uma «fé inquebrantável» nas condições que gerava para todos os seus habitantes, independentemente da sua proveniência[7]. Nesse sentido, concluía Obama: «Esse é o verdadeiro génio da América: uma fé nos sonhos simples do seu povo, a insistência nos pequenos milagres.»[8]

Quatro anos depois, este afro-americano com um nome muçulmano, sem antepassados famosos, sem ligações privilegiadas com o poder, sem uma experiência heróica de guerra, sem uma história política relevante (fora sete anos senador estadual do Illinois e ocupara o cargo de senador federal durante um mandato incompleto) voltaria a participar numa convenção nacional democrata, mas nesta ocasião para ser ele próprio aclamado como o candidato presidencial do partido. A surpresa deste desfecho é tanto maior se considerarmos que nas primárias democratas Obama enfrentou experientes senadores como Joseph Biden (Delaware) ou Christopher Dodd (Connecticut), um anterior candidato à vice-presidência (John Edwards) e uma das mais conhecidas figuras políticas americanas: Hillary Clinton. Que Obama se tenha imposto a esta concorrência, e em particular a Clinton – senadora pelo terceiro maior estado americano (Nova York), apoiada pela máquina política do Partido Democrata e gozando de uma espantosa popularidade (alimentada pelos oito anos em que cumprira funções como primeira-dama) – atesta o quão extraordinários foram o seu percurso e a sua vitória.

Um dos elementos que explicam o sucesso de Obama (não apenas nas primárias democratas, mas na disputa presidencial de Novembro) reside exactamente na dimensão singular da sua candidatura – uma característica que Obama nunca deixou de mencionar ao longo da campanha, mesmo que somente de forma implícita. Recordemos por exemplo o seu discurso após as eleições primárias em New Hampshire (a 8 de Janeiro de 2008: ainda no início da disputa, portanto), no qual Obama se referiu ao peculiar destino histórico dos Estados Unidos, acrescentando: «Na história improvável que é a América, nunca houve nada de falso quanto à [ideia de] esperança.»[9] Obama traçava assim de certo modo uma relação umbilical entre a visão excepcional do Novo Mundo (esse espaço onde se realizam aspirações políticas e sociais) e a sua própria aventura pessoal e política, que reiterava a validade daquela concepção.

Ora, com a América mergulhada numa crise social e económica profunda, o surgimento de uma personalidade carismática, exterior aos círculos políticos tradicionais, foi acolhida por muitos eleitores como um importante sinal de esperança, que a improvável história pessoal de Obama se encarregava de fortalecer. Em circunstâncias normais, a inexperiência e juventude seriam pontos fracos da sua candidatura, mas no contexto dos últimos meses, a presença deste candidato inverosímil no boletim de voto produziu um importante efeito psicológico nos eleitores, reconfortando-os relativamente à vitalidade do «sonho americano» e à própria capacidade regenerativa dos Estados Unidos – afinal, ainda a terra das oportunidades onde qualquer indivíduo pode triunfar.

Por outro lado, Obama terá reforçado esta mensagem emocional apelando ao que poderíamos designar de dimensão colectiva da política, apresentando-se como veículo para a realização das ambições do cidadão comum, cujo envolvimento no processo decisório e nos diferentes domínios da intervenção pública foi sistematicamente elogiado por Obama nos seus discursos[10]. O célebre slogan de campanha «Yes, we can» («Sim, nós podemos») é disso exemplo, ao juntar à evidente mensagem de esperança a referência à primeira pessoa do plural – sublinhando-se precisamente o carácter global e inclusivo da visão política do candidato.

As próprias orientações transmitidas aos voluntários e profissionais que se envolveram na campanha de Obama insistiam na importância de se apelar à participação cívica, numa lógica que visava integrar todo o género de indivíduos num esforço colectivo que tinha início nesse gesto pessoal. A isto mesmo se refere um dos membros do seu staff, Chris Hughes (da equipa de angariação de fundos online), que, numa entrevista ao Washington Post, confessou: «a premissa fundamental era ajudar a colocar o processo político nas mãos das próprias pessoas. Esse foi o valor [principal] desde o início da campanha»[11].

Este apelo à participação popular no processo político – assente na colaboração de cada indivíduo numa sociedade plural e a partir da qual se edificaria uma estrutura concreta de campanha – produziu efeitos notáveis, tendo sido em parte responsável pelo sucesso da candidatura de Obama a um nível organizativo, financeiro e eleitoral. Os números são esclarecedores: 500 milhões de dólares, correspondentes a 70 por cento de todo o financiamento da campanha, foram obtidos pela internet, num número total de 6,5 milhões de doações – uma verdadeira revolução nos métodos de angariação de fundos, prenunciada pela (falhada) campanha presidencial de Howard Dean em 2004, mas apenas plenamente concretizada por Obama em 2008, sem que os restantes actores na disputa eleitoral tenham estado devidamente atentos a este novo instrumento. Um milhão de pessoas aderiu ao programa de envio de mensagens instantâneas lançado pela campanha de Obama. Quatrocentos mil voluntários publicitaram o seu programa em diversos blogues. Trinta e cinco mil grupos de reflexão política foram criados especificamente para a campanha presidencial de 2008. Vários cidadãos anónimos juntaram-se livremente ao staff de Obama para organizarem mais de duzentos mil eventos de propaganda. E nos últimos quatro dias da campanha eleitoral, centenas de voluntários realizaram três milhões de chamadas telefónicas incentivando os seus concidadãos a votarem no dia 4 de Novembro[12].

Não deixa de ser curioso que a utilização destas estratégias – que projectam a imagem de Obama como uma figura voltada para o futuro e capaz de compreender as técnicas bem como os desafios dos tempos vindouros – remetam para elementos cruciais da tradição política americana clássica, em relação à qual Obama sempre manifestou grande reverência. Atentemos, por exemplo, no seguinte trecho da obra A Audácia da Esperança:

«uma leitura cuidadosa dos nossos documentos fundadores recorda-nos até que ponto todas as nossas atitudes são enformadas por eles. […] Debatemos os pormenores da interpretação constitucional […] mas confiamos na solidez fundamental da herança dos Pais Fundadores e da casa democrática que daqui resultou.»[13]

Um desses elementos comuns à visão política de Obama e à herança política e cultural norte-americana é, naturalmente, um elogio da intervenção cívica como instrumento vivificante de uma sociedade democrática, tema predilecto dos Founding Fathers americanos – de Benjamin Franklin a Thomas Jefferson – para quem o derradeiro teste da então jovem república dependia justamente da capacidade de os seus cidadãos preservarem o ideal de autogoverno e alimentarem os alicerces da sua experiência social e política através de um contínuo exercício dos seus direitos e responsabilidades[14].

Com efeito, à semelhança dessas figuras tutelares do pensamento político americano, Obama discorre com frequência sobre a relevância da participação de cada indivíduo na esfera pública, dinâmica decisiva que celebra a humanidade e as faculdades de cada sujeito, dotando ao mesmo tempo a sociedade de um renovado vigor. Assim sucedeu por exemplo num discurso a 25 de Maio de 2008, onde Obama reflectia sobre a nobreza do serviço público e apelava à participação dos jovens na comunidade em actos de voluntariado ou de intervenção social, sublinhando que é nesse exercício activo de cidadania que o sujeito encontra um sentido para a sua acção no mundo, ao descobrir-se como verdadeiro membro de uma comunidade. Mencionando a sua própria experiência como dinamizador comunitário, afirmava então Obama:

«Através do serviço [público] encontrei uma comunidade que me acolhia; uma cidadania com significado; a direcção de que andara à procura. Através do serviço público, descobri como a minha própria história improvável se encaixava na história maior da América. […] [O serviço público] é uma obrigação para convosco próprios. Porque a nossa salvação individual depende da nossa salvação colectiva.»[15]

Também a referência de Obama ao lugar simbólico da América (palco político e social privilegiado), a que anteriormente aludimos, consigna afinal uma revisitação de uma formulação clássica da tradição política americana, bem patente na Declaração de Independência: a ideia de que a criação dos Estados Unidos tinha como objectivo erigir uma sociedade bem ordenada, regida por leis objectivas e comprometida com o respeito pelas liberdades individuais, nomeadamente o direito de cada um a procurar a sua felicidade e realização pessoal[16].

Existem ainda outros exemplos que mostram como a mundividência de Obama, tantas vezes acusada de proceder de uma pós-modernidade vaga e estéril, remete afinal para uma série de elementos conceptuais há muito arreigados na reflexão política norte-americana. Destaquemos a sua leitura secularista, mas tolerante, do fenómeno religioso, que celebra a espiritualidade dos indivíduos e o seu direito inalienável à liberdade de consciência, rejeitando contudo Obama quer uma intervenção reguladora excessiva por parte do Estado, quer a manipulação das convicções religiosas para fins políticos – princípios defendidos em termos quase idênticos por autores americanos clássicos, como Thomas Jefferson ou John Leland[17].

Sublinhemos o modo entusiástico como Obama defende o incentivo da educação nos Estados Unidos e apela ao incremento de fundos para subsidiar escolas e universidades, considerando que só uma sociedade instruída poderá ser bem-sucedida num mundo globalizado e ferozmente competitivo – concepção que evoca por exemplo as ideias e os esforços de um James Madison[18].

Ou mencionemos, por fim, o respeito votado por Obama aos preceitos constitucionais, princípios orientadores que devem enquadrar a acção política governativa e legislativa, servindo simultaneamente como insubstituíveis salvaguardas das liberdades fundamentais dos cidadãos – uma posição advogada por figuras célebres da história americana como Alexander Hamilton, John Adams ou o já referido Madison[19].

 

AS CAUSAS

Baseando-se numa mensagem política transversal – que conjugava a rica herança conceptual da cultura norte-americana, uma forte componente emocional (apelando à esperança e à capacidade de superação dos cidadãos) e uma excepcional narrativa pessoal – e tirando partido das novas técnicas de campanha, bem como de uma espantosa organização no terreno, Barack Obama liderou assim um dos mais surpreendentes e triunfantes movimentos eleitorais das últimas décadas. Embora partindo em desvantagem face aos seus adversários, Obama venceria de forma notável as primárias democratas, ganhando em mais de trinta estados, incluindo a Virgínia, a Geórgia, a Carolina do Norte e o Colorado. O seu êxito dependeu da criação de uma vasta base de apoio: os mais jovens (seduzidos em particular pela oposição de Obama à Guerra do Iraque), o eleitorado urbano, as minorias étnicas (sobretudo os afro-americanos), os liberais da Nova Inglaterra e da Costa Oeste, mas também uma boa parte dos conservadores das Grandes Planícies e da classe média do Midwest.

Após esta histórica disputa (que bateu todos os recordes de mobilização e participação do eleitorado em eleições primárias), Obama conduziu uma campanha nacional igualmente coroada de êxito, muito por via do seu carisma, da sua refrescante visão política, e da imagem de ponderação transmitida nos debates presidenciais ou quando as notícias do agravamento da crise financeira inundaram a comunicação social, beneficiando ainda de circunstâncias políticas gerais (crise económica, desgaste dos republicanos – há oito anos na Casa Branca, duas guerras impopulares) muito favoráveis ao Partido Democrata. Na eleição de Novembro, Obama conseguiu assim uma vitória expressiva no Colégio Eleitoral (365 votos contra 173 do republicano McCain), obtendo cerca de 67 milhões de votos (o melhor resultado de sempre em números absolutos) e superiorizando-se ao seu rival republicano por 7,3 por cento na contagem global dos votos.

Esta vitória notável de Obama, para além de marcar um novo ciclo político na Administração federal, poderá ter implicações profundas ao nível da dinâmica eleitoral norte-americana, prenunciando um eventual realinhamento favorável ao Partido Democrata – que vem ocupando nas últimas três décadas uma posição secundária no panorama federal[20]. Com efeito, na sequência dos triunfos retumbantes de Ronald Reagan em 1980 e 1984, e beneficiando da ascensão de uma ideologia conservadora na sociedade americana (preconizada por William Buckley Jr. e Barry Goldwater desde os anos de 1950 e profetizada por Kevin Phillips em 1969[21]), o Partido Republicano tornou-se a força dominante nas eleições federais dos Estados Unidos, controlando a Casa Branca durante cinco mandatos entre 1980 e 2008. Esse período assistiu também a uma progressiva recuperação dos republicanos nas eleições para o Congresso, culminando num célebre triunfo nas eleições intercalares de 1994, que lhes conferiu uma confortável maioria na Câmara dos Representantes e no Senado.

É certo que os democratas obtiveram vitórias nas presidenciais de 1992 e 1996, com Bill Clinton, mas estes desfechos não configuraram propriamente uma ruptura clara com o padrão eleitoral antes descrito – tratando-se de um democrata sulista, bastante conservador nas questões sociais, que beneficiou além do mais de uma eleição francamente atípica (pela existência de um terceiro candidato forte, Ross Perot, cujos bons resultados em estados tradicionalmente republicanos prejudicaram muito George H. W. Bush).

Vários factores parecem porém indicar que a vitória de Barack Obama foi algo mais que episódica, prenunciando de facto uma mais sólida alteração de forças no quadro político-eleitoral americano. Desde logo, destaca-se a magnitude do seu triunfo, longe dos êxitos colossais de Reagan ou de Lyndon Johnson, mas, ainda assim, claramente significativa, tendo Obama sido o primeiro democrata depois de Jimmy Carter (em 1976) a reunir mais de 50 por cento do voto popular. Trata-se de uma proeza que transcende a mera curiosidade por consignar uma reforçada legitimidade simbólica (Clinton nunca obteve este resultado maioritário). Por outro lado, e além da vantagem expressiva no Colégio Eleitoral que referimos anteriormente, Obama captou mais 8,5 milhões de votos do que John Mcain – a maior diferença alcançada por um democrata desde 1964.

Uma análise à geografia eleitoral vinca igualmente a singularidade da vitória democrata na eleição presidencial de 2008. Além dos triunfos previsíveis no Nordeste e na Costa Oeste – onde os democratas obtêm geralmente resultados positivos –, Obama conseguiu ainda vencer em bastiões republicanos como a Carolina do Norte (alinhada com os republicanos desde 1980), o Colorado (nove vitórias republicanas nas últimas dez eleições), o Indiana e a Virgínia (onde um candidato presidencial democrata não prevalecia desde 1964). Se juntarmos a este facto a excelente prestação de Obama no Sudoeste (Novo México e Nevada) e os triunfos por amplas margens na região dos Grandes Lagos (com destaque para o Michigan, Minnesota e Wisconsin – três estados equilibrados num passado recente) verificamos que o Partido Democrata conseguiu estender claramente a sua zona de influência política, situação que a prolongar-se no tempo não deixará de produzir efeitos consideráveis no quadro eleitoral norte-americano.

Em certa medida, a vitória de Obama – aliada ao êxito dos democratas nas eleições para o Congresso (maiorias claras na Câmara dos Representantes e no Senado) e para os parlamentos estaduais (controlo de 60 das 99 câmaras existentes) – parece confirmar assim a profecia dos cientistas políticos John Judis e Ruy Teixeira, que em 2002 publicaram The Emerging Democratic Majority, obra hoje célebre justamente porque nela se descrevia uma peculiar evolução demográfica e social que prenunciava um crescimento exponencial do Partido Democrata nos anos seguintes. Logo na introdução desse livro podíamos de facto ler:

«[Assistimos a] uma tendência de fundo […] que está a conduzir a política americana da maioria republicana conservadora dos anos 80 para uma nova maioria democrata. Os democratas ainda não a alcançaram definitivamente, mas […] é provável que isso venha a acontecer perto do final desta década.»[22]

Judis e Teixeira analisaram o comportamento de voto de vários segmentos eleitorais em franca expansão, encontrando resultados muito mais favoráveis aos candidatos democratas. Estes grupos, que incluíam as mulheres solteiras (hoje mais de 50 por cento das mulheres adultas), a população activa com ensino superior (que triplicou relativamente a 1950) e as minorias étnicas (que em 1990 eram apenas 15 por cento da população americana mas hoje representam 25 por cento da mesma), têm sido muito sensíveis à ideologia socialmente progressista do Partido Democrata – as classes mais educadas rejeitam em particular o conservadorismo republicano nas áreas da ciência e do ambiente – e também ao seu programa económico, que possui uma forte componente ao nível dos benefícios sociais (essencialmente pelas mesmas razões, os democratas obtêm também bons resultados junto dos cidadãos com menores rendimentos, dos operários e do eleitorado urbano)[23].

As sondagens à boca da urna (exit polls) revelam que estes segmentos eleitorais – actualmente muito relevantes – preferiram claramente Obama ao republicano McCain. Com efeito, o candidato presidencial democrata recolheu 71 por cento dos votos das mulheres solteiras (McCain 29 por cento), 53 por cento dos eleitores licenciados ou com grau superior (McCain 45 por cento), 67 por cento dos hispânicos (que em 2004 se tinham dividido de forma quase idêntica entre republicanos e democratas) e 95 por cento dos afro-americanos. Ademais, o carisma de Obama e o esforço singular da sua candidatura relativamente à captação de jovens eleitores produziu efeitos importantes, tendo Obama conseguido recolher 66 por cento dos votos entre os eleitores que possuíam menos de 30 anos de idade. Do mesmo modo, a mensagem política transversal de Obama teve ecos muito positivos junto do eleitorado independente (preferindo o democrata a McCain por oito pontos percentuais), eleitorado esse que, segundo um estudo recente do Pew Research Center for the People & the Press, se sente hoje ideologicamente mais próximo dos democratas do que dos republicanos[24].

Naturalmente, nenhum grupo eleitoral tem uma relação de fidelidade absoluta com um determinado partido ou candidato, podendo o seu voto depender de uma grande variedade de circunstâncias políticas, económicas ou sociais. Em todo o caso, os elementos referidos são sintomáticos de uma tendência eleitoral sólida, que, mesmo operando num quadro instável e objectivamente imprevisível, parecem indicar o surgimento de uma efectiva predominância do Partido Democrata, para a qual a candidatura de Obama terá sido determinante na forma como fidelizou vários e importantes segmentos eleitorais em clara expansão (alargando e consolidando a base de apoio do partido), expandiu a competitividade dos democratas de um ponto de vista geográfico e geopolítico, e estimulou um movimento social de fundo (recorrendo a eficientes e originais técnicas de campanha, uma soberba organização e a uma poderosa mensagem emocional).

 

AS CONSEQUÊNCIAS

Finda a batalha eleitoral que o conduziu à Casa Branca, Obama enfrenta agora os desafios concretos da governação – que no instável quadro político-financeiro da actualidade incluem dificuldades significativas. Uma parcela importante desses desafios situa-se ao nível da política externa, tendo a nova Administração que lidar com cenários complexos no Afeganistão (onde os movimentos insurgentes continuam a minar o processo de estabilização do país), no Iraque (que embora tenha visto os níveis de segurança aumentarem nos últimos meses, continua envolto num delicado quadro político e económico – sendo além disso particularmente intrincada a questão da presença militar dos Estados Unidos no território) e no Médio Oriente, que permanece refém de profundas rivalidades e conflitos. Por outro lado, a Administração Obama será ainda confrontada com temas polémicos como as relações com Cuba e o Irão, a existência da prisão de Guantánamo, a crise do Darfur, a proliferação de armas nucleares no continente asiático, as relações transatlânticas ou ainda as tensões em antigas repúblicas soviéticas como a Geórgia e a Ucrânia.

Todavia, o novo executivo federal deparar-se-á também com uma série de incómodos e urgentes desafios na política doméstica. Um dos mais árduos será evidentemente a existência de uma crise económica e financeira de grandes dimensões, com consequências visíveis na redução das transacções comerciais, no caos vivido no mercado bolsista, na falência de várias empresas e no desemprego galopante, entre outros efeitos nefastos. O Congresso aprovou recentemente um avultado programa de estímulo económico (no valor total de 700 mil milhões de dólares), mas é provável que a Administração Obama seja forçada a adoptar medidas suplementares que combatam a estagnação económica e a degradação dos mercados financeiros.

Procurando enviar sinais tranquilizadores para a opinião pública, Obama rodeou-se de uma equipa composta de figuras proeminentes na área da economia e finança, como Timothy Geithner (antigo presidente da Reserva Federal de Nova York e agora nomeado para secretário do Tesouro), Lawrence Summers (secretário do Tesouro na Administração Clinton e antigo presidente da Universidade de Harvard, escolhido para chefiar o Conselho Nacional de Economia) e Christina Romer (professora em Berkeley, que irá presidir à Assembleia de Conselheiros de Economia) – equipa essa que mereceu rasgados elogios na comunicação social da especialidade[25].

Outras áreas que exigirão uma atenção peculiar da nova Administração são a política ambiental e a crise energética, algo esquecidas pelo executivo federal que agora abandona a Casa Branca. Com efeito, existem indicadores claros de que Obama pretende inverter este rumo, promovendo leis rigorosas quanto à emissão de gases de estufa para a atmosfera, incentivando a utilização das energias renováveis, financiando programas de investigação em laboratórios e universidades para o desenvolvimento de tecnologias não poluentes, e estimulando uma acção concertada entre as agências ambientais, as autoridades estaduais e as grandes indústrias para combater o aquecimento global. Um desses indicadores reside nas nomeações feitas pelo Presidente Obama, que escolheu para secretário da Energia Steven Chu (Nobel da Física em 1997, reputado defensor das energias renováveis), para secretário do Interior Ken Salazar (um senador do Colorado com vários anos de experiência como advogado em causas ambientalistas) e para conselheiro nas áreas do ambiente e da ciência John Holdren (professor na Universidade de Harvard e conhecido crítico da Administração Bush, que há muito alerta para o problema do aquecimento global e da crise ambiental).

As próprias intervenções de Obama sobre estes temas demonstram claramente um desejo de romper com o passado recente. Discursando em Abril de 2006 numa iniciativa promovida pela Associated Press, Obama sublinhou que o problema das alterações climáticas e a crise ambiental não podiam ser vistas como ameaças distantes ou meramente hipotéticas, mas antes como desafios prementes que exigiam uma acção política imediata. Neste sentido, afirmava:

«as alterações climáticas são algo mais do que uns quantos invernos invulgarmente amenos ou uns verões mais quentes. São uma cadeia de catástrofes naturais e de padrões climáticos devastadores que o aquecimento global está a desencadear por todo o mundo […] Esta é uma questão em que só temos a perder caso a ignoremos.»[26]

 Nesta ocasião, Obama insistiu por isso na necessidade de estimular a produção e consumo de biocombustíveis (com o benefício suplementar de reduzir a dependência energética dos Estados Unidos em relação a países estrangeiros), de restringir emissões nocivas para a atmosfera, difundir a utilização de carros híbridos e estimular as indústrias a utilizarem tecnologias não poluentes – medidas que num futuro próximo terá a oportunidade de promover a partir da Casa Branca.

Deve igualmente referir-se a questão dos cuidados de saúde como uma das áreas mais delicadas da política interna americana, no âmbito da qual se espera uma reforma substancial por parte da Administração Obama. Após vários anos de debate, parece haver hoje nos Estados Unidos um consenso quanto à necessidade de o governo federal elaborar um plano nacional de saúde que, sem modificar a estrutura tradicional do sistema (que envolve os seguros obrigatórios aquando da assinatura de contratos de trabalho), encontre resposta para os 46 milhões de americanos que não beneficiam de qualquer seguro. Por outro lado, os gastos do governo federal com os cuidados de saúde públicos têm crescido de forma descontrolada, exigindo anualmente 2,4 biliões de dólares. Obama alertou para este duplo problema (inexistência de um sistema universal de saúde aliado a um enorme despesismo no departamento de saúde) num discurso ainda em 2007, no qual reclamava a adopção de medidas urgentes:  «[…] quando se vê o que a crise do sistema de saúde está a fazer às famílias americanas, à nossa economia, ao nosso país, percebemos que são as cautelas o que está a sair caro, que a inacção é que é arriscada. É altura de agir. […] Chegou o momento de haver um sistema universal de saúde na América.»[27]

Obama apresentava então algumas propostas concretas para debelar estas deficiências, como a elaboração de acordos específicos entre as seguradoras privadas e o governo federal que levassem à criação de seguros de saúde comportáveis para os cidadãos que não os possam adquirir de outra forma. Por outro lado, Obama tem vindo a reiterar a necessidade de informatizar todo o sistema de saúde nacional, o que agilizaria os processos de diagnóstico e receitas, conduzindo além do mais a uma importante poupança na despesa com os registos tradicionais em papel. Para implementar este plano, o novo Presidente nomeou Tom Daschle para o cargo de secretário da Saúde e dos Serviços Humanitários. Trata-se de um antigo senador do Dakota do Sul (dezoito anos no Senado), que liderou a bancada democrata durante três anos nessa câmara. Embora não seja um nome relevante na área da saúde, Daschle é um hábil negociador e um político com experiência no Congresso, características imprescindíveis para garantir a aprovação de um pacote legislativo que suscitará certamente grande polémica.

Embora estes sejam desafios complexos (e outros há em dossiês sensíveis como a educação, a política de transportes, a segurança social ou a imigração), as primeiras decisões tomadas por Obama no período de transição que sucedeu ao acto eleitoral propriamente dito geraram optimismo entre a maioria dos analistas e da opinião pública[28]. Com efeito, ao nomear para as chefias dos vários departamentos federais figuras de renome e/ou com grande experiência nas suas áreas, Obama transmitiu para o grande público uma mensagem de responsabilidade e serenidade, tendo mesmo honrado o compromisso eleitoral de transcender uma lógica meramente partidária nas suas escolhas.

Efectivamente, embora façam parte da sua Administração importantes nomes associados ao Partido Democrata (a secretária de Estado Hillary Clinton, o procurador-geral Eric Holder – que serviu na Administração Clinton, ou o já referido Tom Daschle), várias personalidades associadas ao Partido Republicano ou com conhecidas posições políticas conservadoras serão também incluídas na sua equipa governativa. É o caso de Robert Gates, o secretário da Defesa, que transita da anterior Administração Bush; ou ainda do general James Jones – que cooperou com a Administração Bush em programas de segurança no Médio Oriente, mas foi seleccionado por Obama para desempenhar o cargo de conselheiro de Segurança Nacional.

Obama foi anteriormente atacado por ser demasiado liberal e estar dependente dos sectores mais à esquerda do Partido Democrata, mas estas opções – aliadas a uma conduta ponderada e a um discurso político moderado – mostram que o novo Presidente americano pretende seguir uma agenda própria, que provavelmente reconciliará decisões estratégicas conservadoras com uma política socialmente progressista. Se será ou não bem-sucedido neste outro capítulo da sua extraordinária narrativa política, só o tempo o dirá.

 

16 de Janeiro de 2009

 

[1] MADISON, James – «Speech in the Constitutional Convention (Term of the Senate; 26 June 1787)». In The Papers of James Madison. Chicago/Londres: The University of Chicago Press, 1977, vol. 10, p. 77.        [ Links ]

[2] Cf. LUTZ, Donald S. – «The United States Constitution as an incomplete text». In The Annals of the American Academy of Political and Social Science. Março de 1998, vol. 496, pp. 23-32.

[3] Não existem actas deste debate, mas o congressista James Madison redigiu uma série de notas que o resumem de modo fidedigno. Na entrada de «28 de Março de 1783», escreveu Madison: «The Committee last mentioned reported that two blacks be rated as equal to one freeman» (MADISON, James – «Notes on debates». In The Papers of James Madison. Vol. 6, p. 407.

[4] Cf. Ibidem, pp. 407-408.

[5] Com efeito, a 2.ª secção do artigo I da Constituição dos Estados Unidos da América estipula que «O número de representantes, assim como os impostos directos, serão distribuídos entre os diversos Estados […] segundo o número de habitantes, que será determinado adicionando ao número total de pessoas livres, incluindo aqueles que se encontram em estado de servidão por tempo determinado e excluindo os índios não colectados, três quintos das restantes pessoas.» («Representatives and direct Taxes shall be apportioned among the several States […] according to their respective Numbers, which shall be determined by adding to the whole Number of free Persons, including those bound to Service for a Term of Years, and excluding Indians not taxed, three fifths of all other Persons»), The Constitution of the United States of America, Article II, Section 1 [Consultado em: 8 de Janeiro de 2009}. Disponível em: http://www.usconstitution.net/const.html. Tradução da minha responsabilidade.

[6] «[…] beings of an inferior order, and altogether unfit to associate with the white race, either in social or political relations, and so far inferior that they had no rights which the white man was bound to respect» [Dred Scott v. Sanford, [1] 60 U.S. (19 How.) 393 (1857), p. 407, [Consultado em: 8 de Janeiro de 2009].Disponível em: http://supreme.justia.com/us/60/393/case.html.

[7] Cf. OBAMA, Barack – «Discurso de 27 de Julho de 200». In OLIVE, David (ed.) – Uma História Americana: Os Melhores Discursos de Barack Obama. Lisboa: Esfera do Caos, 2008, p. 118.

[8] Ibidem, p. 119.

[9] «In the unlikely story that is America, there has never been anything false about hope» (OBAMA, Barack – «Discurso de 8 de Janeiro de 2008 (New Hampshire Primary)». [Consultado em: 8 de Janeiro de 2009]. Disponível em: http://www.nytimes.com/2008/01/08/us/politics/08text-obama.html?pagewanted=print.

[10] Cf. por exemplo um discurso de 20 de Janeiro de 2008, no qual Obama apela ao sentido de responsabilidade dos cidadãos para lidarem directamente com os problemas sociais, crendo na sua capacidade de ajuda aos mais necessitados, e de intervenção em áreas sensíveis como a educação, a justiça ou os cuidados de saúde. Cf. OBAMA, Barack – «Discurso de 20 de Janeiro de 2008». In OLIVE, David (ed.) – Uma História Americana: Os Melhores Discursos de Barack Obama, pp. 235-241. O tema da responsabilidade individual no contexto de uma sociedade plural fora abordado em intervenções anteriores à sua candidatura presidencial, com destaque para uma reflexão sobre a educação a 2 de Maio de 2005, insistindo Obama na responsabilidade das famílias e dos educadores tradicionais para desenvolverem a capacidade de trabalho e aprendizagem das crianças. Cf. OBAMA, Barack – «Discurso de 20 de Janeiro de 2008». In OLIVE, David (ed.) – Uma História Americana: Os Melhores Discursos de Barack Obama, pp. 133-141. Este mesmo tema – centrando-se na questão específica do desenvolvimento da literacia (sublinhando Obama a importância de os pais estimularem nos seus filhos o gosto pela leitura a partir de uma ainda tenra idade), será abordado num outro discurso praticamente contemporâneo daquele, em 27 de Junho de 2005. Cf. OBAMA, Barack – «Discurso de 20 de Janeiro de 2008». In OLIVE, David (ed.) – Uma História Americana: Os Melhores Discursos de Barack Obama, pp. 142-150. O tema do serviço público, da intervenção cívica e do envolvimento dos cidadãos nos processos de decisão política foi abordado por Obama em diversas secções do seu segundo livro, The Audacity of Hope. Cf. em particular os capítulos 2 («Valores»), 4 («Política») e 5 («Oportunidade), in OBAMA, Barack – A Audácia da Esperança. Lisboa: Casa das Letras, 2007, pp. 53-77 e 107-196.

[11] «[…] the fundamental premise [of this campaign] was to help put the political process into people’s own hand. That was the value from the start of the campaign […]» (Charles Hughes, em declarações ao Washington Post (edição de 20 de Novembro de 2008). Consultado em: 8 de Janeiro de 2009]. Disponível em: http://voices.washingtonpost.com/the-trail/2008/11/20/obama_raised_half_a_billion_on.html.

[12] Estes e outros dados são avançados na peça jornalística do Washington Post anteriormente referida.

[13] Cf. OBAMA, Barack – A Audácia da Esperança, pp. 92-94.

[14] De entre inúmeros exemplos possíveis, cf. em particular FRANKLIN, Benjamin – The Autobiography of Benjamin Franklin. Nova York: Penguin, 1986; «Carta de Thomas Jefferson a John Taylor», 28 de Maio de 1816. In JEFFERSON, Thomas – Writings. Nova York: The Library of America, 1984, pp. 1392-1393; ou ainda JEFFERSON, Thomas – «The Declaration of Independence». In The Portable Thomas Jefferson. Nova York: Penguin Books, 1975, pp. 235-242.

[15] Cf. OBAMA, Barack – «Discurso de 25 de Maio de 2008». In OLIVE, David (ed.) – Uma História Americana: Os Melhores Discursos de Barack Obama, p. 289.

[16] Valerá a pena citar a seguinte passagem clássica da Declaração de Independência: «Consideramos estas verdades como sendo evidentes em si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade. Que a fim de assegurar esses direitos, os governos são instituídos entre os homens, derivando os seus justos poderes do consentimento dos governados; que, sempre que uma forma de governo se torne destrutiva de tais fins, cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la e instituir um novo governo, baseando-o em tais princípios e organizando os seus poderes da forma que lhe pareça mais conveniente para garantir a segurança e a felicidade.» («We hold these truths to be self-evident: that all men are created equal; that they are endowed by their Creator with certain inalienable rights; that among these are life, liberty, and the pursuit of happiness; that to secure these rights, governments are instituted among men, deriving their just powers from the consent of the governed; that whenever any form of government becomes destructive of these ends, it is the right of the people to alter or abolish it, and to institute new government, laying its foundation on such principles, and organizing its powers in such form, as to them shall seem most likely to effect their safety and happiness.») – JEFFERSON, Thomas – «The Declaration of Independence». In The Portable Thomas Jefferson, p. 235 (tradução da minha responsabilidade).

[17] Jefferson foi um dos maiores defensores da liberdade de consciência nos Estados Unidos, tendo sido autor de várias propostas de lei no seu estado (a Virgínia) que pusessem fim aos privilégios concedidos pelo Governo a determinado credos, preconizando portanto o princípio da separação entre Igreja e Estado. Cf., por exemplo, JEFFERSON, Thomas – «A bill for establishing religious freedom». In The Portable Thomas Jefferson, pp. 251-253. Também John Leland, um pastor baptista conterrâneo de Jefferson, lutou arduamente para que a jovem nação adoptasse princípios secularistas, escrevendo sobre o tema o clássico «The rights of conscience inalienable» [1791], publicado em The Writings of the Late Elder John Leland. Nova York: G. W. Wood, 1845, pp. 179-192. [Consultado em: 8 de Janeiro de 2009]. Disponível em: http://classicliberal.tripod.com/misc/conscience.html. Para as posições de Obama neste domínio, cf. OBAMA, Barack – «Discurso de 28 de Junho de 2006». In OLIVE, David (ed.) – Uma História Americana: Os Melhores Discursos de Barack Obama, pp. 174-187 (uma excelente meditação sobre a relação entre política e religião); e ainda OBAMA, Barack – A Audácia da Esperança, pp. 197 e segs. Tive o ensejo de abordar a temática da liberdade religiosa nos Estados Unidos no seguinte artigo: ANDRÉ, José Gomes – «Para uma leitura política da questão de Deus: a Revolução Americana e a criação dos EUA». In XAVIER, Maria Leonor (coord.) A Questão de Deus. História e Crítica. Lisboa: Zéfiro, 2008, vol. I, pp. 747-764.

[18] Madison empenhou-se ao longo da sua vida na difusão do conhecimento, patrocinando a criação de jornais (foi o mentor da National Gazzette, criada por Philip Freneau em 1791) e servindo como reitor da Universidade da Virgínia após a morte de Jefferson (o seu fundador). Sobre o tema da educação e da divulgação do conhecimento, merece a pena transcrever um breve excerto da sua correspondência: «Um governo popular, sem informação popular, ou os meios para adquiri-la, não é senão um prólogo a uma farsa ou a uma tragédia, ou talvez a ambas. O conhecimento governará para sempre a ignorância; um povo que deseje ser o seu próprio governante, terá de se dotar do poder que o conhecimento oferece.» («A popular Government, without popular information, or the means of acquiring it, is but a Prologue to a Farce or a Tragedy; or, perhaps both. Knowledge will forever govern ignorance: And a people who mean to be their own Governors, must arm themselves with the power which knowledge gives.»), «Carta de James Madison a William T. Barry», 4 de Agosto de 1822. In MADISON, James – The Writings of James Madison (ed. Gaillard Hunt). Nova York: G. P. Putnam’s Sons, 1910, vol. 9, p. 103 (tradução minha). Sobre as posições de Obama neste domínio, cf. OBAMA, Barack – «Discurso de 2 de Maio de 2005». In OLIVE, David (ed.) – Uma História Americana: Os Melhores Discursos de Barack Obama, pp. 133-141; e ainda OBAMA, Barack –  «Discurso de 27 de Junho de 2005». In OLIVE, David (ed.) – Uma História Americana: Os Melhores Discursos de Barack Obama, pp. 142-150.

[19] O tema é longamente abordado no clássico de filosofia política O Federalista (The Federalist), da autoria de Hamilton, Madison e John Jay. Cf. The Federalist (ed. Jacob Cooke). Wesleyan University Press, 1961; e também a tradução portuguesa de Viriato Soromenho-Marques e João C. S. Duarte (O Federalista. Lisboa: Edições Colibri, 2003). O tema do primado da lei e dos valores constitucionais está presente em praticamente toda a obra de John Adams, merecendo destaque ADAMS, John – «Thoughts on government, applicable to the present case of the American colonies». In The Revolutionary Writings of John Adams. Indianapolis: Liberty Fund, 2000, pp. 285-295. Sobre as posições de Obama relativamente a esta questão, cf. OBAMA, Barack – A Audácia da Esperança, pp. 93 et passim.

[20] A teoria dos realinhamentos eleitorais – um conceito operativo que diz respeito à existência na política norte-americana de alterações estruturantes nas preferências do eleitorado, que traz consigo, não apenas um resultado eleitoral particularmente expressivo, como também a criação de fidelidades partidárias duradouras entre determinados grupos eleitorais – foi inicialmente exposta pelo cientista político V. O. Key em 1955, no artigo «A theory of critical elections» (The Journal of Politics. Vol. 17, N.º 1, Fevereiro de 1955, pp. 3-18), sendo posteriormente desenvolvido por vários autores, como Walter Dean Burnham e James Sundquist. Cf. BURNHAM, Walter Dean – Critical Elections: And the Mainsprings of American Politics. W. W. Norton & Company, 1971; e também SUNDQUIST, James – Dynamics of the Party System: Alignment and Realignment of Political Parties in the United States (Revised Edition). Brookings Institution Press, 1983. Para uma crítica do conceito de «realinhamento eleitoral», cf. MAYHEW, David – Electoral Realignments. A Critique of an American Genre. Yale University Press, 2004.

[21] Referimo-nos à primeira e mais célebre obra de PHILLIPS, Kevin – The Emerging Republican Majority. Arlington House, 1969.

[22] «A longer trend [...] is leading american politics from the conservative Republican majority of the 1980s to a new Democratic majority. Democrats aren’t there yet, but barring the unforeseen, they should arrive by the decade’s end.» (JUDIS, John, e TEIXEIRA, Ruy – The Emerging Democratic Majority, 2.ª ed. Scribner, 2004, p. 18.

[23] Cf. Ibidem, pp. 37 e segs. É justo fazer uma referência ao professor Pedro Magalhães (ICS), que me chamou inicialmente a atenção para a análise de Judis e Teixeira num texto publicado no seu blogue «Margens de Erro»[Consultado em: 8 de Janeiro de 2009].  Disponível em: http://margensdeerro.blogspot.com/2008/10/uma-tempestade-perfeita.html.

[24] Este estudo, intitulado Trends in Political Values and Core Attitudes: 1987-2007,  foi consultado em: 8 de Janeiro de 2009, e está disponível em http://people-press.org/report/?reportid=312. Os dados referidos neste parágrafo foram recolhidos pela cadeia de informação CNN e divulgados na noite eleitoral de 4 de Novembro de 2008. [Consultados em: 8 de Janeiro de 2009]. Disponíveis em: http://edition.cnn.com/ELECTION/2008/results/polls/#USP00p1.

[25] Veja-se, por exemplo, uma reportagem do The Economist intitulada «Off to work they go – Barack Obama’s economic team» (edição de 27 de Novembro de 2008). [Consultado em: 8 de Janeiro de 2009]. Disponível em: http://www.economist.com/world/unitedstates/displayStory.cfm?story_id=12685546.

[26] Cf. OBAMA, Barack – «Discurso de 3 de Abril de 2006». In OLIVE, David (ed.) – Uma História Americana: Os Melhores Discursos de Barack Obama, p. 164. Uma avaliação destas propostas e uma discussão dos desafios americanos na área da política de ambiente são discutidos num excelente artigo de Nick d'Arbeloff e Hemant Taneja, com o título de «Catalyzing the clean-energy economy», publicado no jornal The Boston Globe (edição de 22 de Dezembro de 2008). [Consultado em: 8 de Janeiro de 2009]. Disponível em http://www.boston.com/bostonglobe/editorial_opinion/oped/articles/2008/12/22/catalyzing_the_clean_energy_economy/. Sobre a deficiente abordagem da Administração Bush nos temas da política ambiental, cf. SOROMENHO-MARQUES, Viriato – O Regresso da América: Que Futuro depois do Império?. Lisboa: Esfera do Caos, 2008, em particular o cap. 5, pp. 129-151.

[27] Cf. OBAMA, Barack – «Discurso de 25 de Janeiro de 2007», pp. 214-217.

[28] Em relação a este último aspecto, veja-se por exemplo uma sondagem realizada pelo Los Angeles Times/Bloomberg, entre 6 e 8 de Dezembro, na qual 79 por cento dos inquiridos consideravam positiva a forma como Obama estava a conduzir o período de transição (contra apenas 10 por cento que descreviam a sua acção como negativa). A mesma sondagem mostrava que a opinião pública aprovara a nomeação de Hillary Clinton como secretária de Estado (65 por cento favoráveis a essa escolha contra 28 por cento de reprovações) e de Robert Gates como secretário da Defesa (75 por cento a favor, 12 por cento contra). Por outro lado, 71 por cento dos inquiridos diziam esperar que Obama cumprisse uma parte razoável ou muito significativa dos objectivos traçados durante a campanha. Estes dados podem ser consultados em http://www.latimes.com/media/acrobat/2008-12/43792182.pdf. Outros estudos de opinião mais recentes apresentam conclusões semelhantes. Um estudo da Rasmussen de 8 de Janeiro revelava que 69 por cento dos inquiridos aprovavam a forma como Obama liderara o período de transição (contra apenas 28 por cento); esse número sobe para os 82 por cento (com apenas 15 por cento de opiniões desfavoráveis) num outro estudo sobre o mesmo tema, dirigido pela CNN/Opinion Research Corp. no final de Dezembro. [Consultado em: 8 de Janeiro de 2009]. Disponível em: http://www.rasmussenreports.com/public_content/politics/obama_administration/obama_approval_index_history, e em: http://edition.cnn.com/2008/POLITICS/12/24/obama.approval/index.html.

 

* Investigador no Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa.