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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.21 Lisboa mar. 2009

 

Decifrar a potência Russa

Sandra Dias Fernandes *

 

Os últimos três anos foram marcados por um regresso notável da Federação Russa à arena global. Esse fenómeno é influenciado por disputas sérias, que afectam a segurança internacional. Moscovo tem concretizado oposições à ordem definida pelos actores ocidentais, nomeadamente pela NATO. Avaliamos o poder russo e as suas capacidades em influenciar resultados em função das suas preferências. Concluímos acerca da existência de vários paradoxos nessa avaliação e salientamos que a União Europeia oferece as melhores perspectivas para encetar um relacionamento positivo com a nova Rússia.

Palavras-chave: Federação Russa, NATO, União Europeia, política externa

 

Decode the Russian power

The last three years have been marked by a noticeable return of the Russian Federation in the global arena. This phenomenon has been informed by the emergence of serious disputes, impacting on international security. Moscow has been opposing the state-of-play defined by Western actors, namely by NATO. We assess the Russian power and its capacity to shape outcomes in its own most favorable terms. We conclude that several paradoxes inform this evaluation and that the European Union offers the best prospects to engage positively with the new Russia.

Keywords: Russian Federation, NATO, European Union, foreign policy analysis

 

En Effet, Depuis La Chute De L’empire Sovietique, Le Pays A Connu Une Mutation Vertigineuse. A Tel Point Qu’il Est Plus Facile De Dire Ce Qui N’a Pas Changé Dans Ce Pays que De Faire Un Récapitulatif De Ce Qui A Eté Transformé. Pourtant, Parmi Les Constantes De Son Histoire Subsiste Ce Désir Viscéral De L’élite Politique De Remplir «La Mission De Défendre L’intérêt De La Russie».[1]

 

A crise despoletada pelo conflito russo-georgiano de Agosto último levanta desafios de segurança sérios porque ultrapassa as relações bilaterias entre esses dois estados. As implicações da crise têm dimensões especificamente europeias, nas quais as relações entre os dois maiores vizinhos europeus desempenham um papel de relevo. Em particular, a União Europeia (UE) enfrenta a necessidade premente de repensar o seu modelo de cooperação com a Rússia. A solução para a actual situação de crise passa por dois níveis complementares. Se, por um lado, a implementação do plano de paz (Plano Medvedev-Sarkozy, de 12 de Agosto) é o guião para o processo negocial, por outro, a estabilização do Cáucaso (assim como da Ucrânia e da Moldova) só pode ser alcançada através de um novo modelo de interacção com o Kremlin.

Desde 2006, a procura de um relacionamento mais construtivo tem sofrido uma degradação notória. As causas encontram-se, nomeadamente, na recuperação económica russa acoplada a uma nova assertividade internacional, nas estratégias energéticas nacionalistas, na mudança de atitude de Bruxelas face a Moscovo após o último alargamento a Leste, em 2004, e na competição para redefinir o antigo espaço soviético. A questão à qual os europeus precisam de responder para enfrentar os desafios colocados não só pela crise georgiana, mas também pela transformação global da Rússia, é a seguinte: qual é a natureza da potência russa? A procura da resposta poderá elucidar se ela representa uma ameaça e a maneira como devemos lidar com essa nova realidade.

Para os Estados Unidos e à escala global, os acontecimentos de 11 de Setembro foram um marco histórico que cunhou o fim da era de transição nomeada «pós-Guerra Fria». Do mesmo modo, o uso unilateral da força armada pelo Kremlin contra a Geórgia, na guerra relâmpago de cinco dias em Agosto de 2008, marcou uma nova fase da era pós-bipolar na Europa. Dois status quo foram quebrados por Moscovo. Em primeiro lugar, a noção de conflitos «gelados» já não é aplicável à Abcásia e à Ossétia do Sul. O impasse criado pelas independências factuais das entidades separatistas, gozando do apoio informal dos russos, face a Tbilissi, já não é viável. Aliás, o retorno a uma situação pré-conflito não se apresenta como uma opção. Pelo contrário, a perda desses dois territórios pela Geórgia parece, hoje, irreversível. Em segundo lugar, a nível sistémico, o Kremlin manifestou o fim da aceitação do seu estatuto e papel na ordem pós-bipolar. Essa mudança é visível desde o início do segundo mandato do Presidente Putin, em 2004. Assim, podemos identificar uma linha de continuidade na política externa russa desde então. Propomos a seguir elementos que nos permitem decifrar a potência russa hodierna, em comparação com a era de Ieltsine.

De modo geral, o sentimento de humilhação caracteriza a percepção que os russos têm do seu relacionamento com o Ocidente, até à primeira liderança de Putin. A fraqueza russa materializou-se na imposição de políticas económicas mal sucedidas. Até ao final da década de 1990, a Federação Russa teve um desempenho negativo da sua taxa de crescimento e sofreu várias crises económicas e financeiras. O crash do Verão de 1998 alimentou a frustração em relação à transição caótica que visava aproximar o país da economia de mercado, da democracia, e reencontrar a sua identidade nacional, assim como um lugar de potência mundial.

A humilhação também foi alimentada pela sua irrelevância política, sendo incapaz de se opor aos alargamentos da NATO e não conseguindo atrair os países do ex-espaço soviético para a sua órbita de influência. Nessa matéria, o bombardeamento da Sérvia pela Aliança Atlântica em 1999, sem o aval das Nações Unidas, e contra a vontade russa, é ainda hoje um paradigma das frustrações russas durante esse período. Na actualidade, existe na Europa uma equação duradoura em que a UE é vista como uma alternativa desejável à Aliança Atlântica e a Washington. As opções de Moscovo foram limitadas pela transição sofrida e a aceitação da nova ordem pós-bipolar foi não só relutante mas também transitória. O status quo no qual o Kremlin orientava as suas políticas é agora posto em cheque em vários domínios[2]. O aspecto mais visível é porventura a recusa da arquitectura europeia de segurança, na qual a NATO tem um papel estruturante. O facto de a UE ter um papel cada vez mais definidor na ordem europeia e apoiar as perspectivas europeias na «vizinhança comum» também afecta Moscovo. Esse elemento poderá igualmente alterar a geometria variável na qual os russos percepcionam a UE e a NATO, no sentido de reavaliar as suas opções europeias. Isso poderá implicar uma diminuição do interesse em cooperar com Bruxelas e favorecer uma atitude russa mais isolacionista.

Moscovo é, hoje, o terceiro maior parceiro comercial da UE, sendo a União o maior parceiro da Rússia. Em 2005, a taxa de crescimento rondava os 6,4 por cento, contra 1,7 por cento para a UE. No mesmo ano, os estados-membros da UE importavam 32 por cento de crude da Rússia e 42 por cento de gás. O preço do petróleo em alta é um factor transversal que tem potenciado o crescimento russo mas a descida actual lembra a fragilidade desse trunfo. Segundo analistas, abaixo dos 70 dólares por baril, o orçamento da Federação para 2009 ficará desequilibrado. No entanto, outros indicadores mitigam também uma avaliação demasiado positiva da performance económica.

Os indicadores humanos são, por sua vez, preocupantes. A população russa representa 2,2 por cento da população mundial, contra 11,3 por cento para a UE, e a taxa de fertilidade é de 1,29 por cento, contra 1,52 por cento na UE. A esperança de vida para um homem é de cerca de 59 anos, contra 76 anos na UE, e a mortalidade infantil atinge valores elevados superiores a 10 por mil nascimentos, semelhantes às taxas romena e búlgara. As causas violentas de morte atingem também valores muito mais elevados do que na UE. As infra-estruturas de transporte precisam de ser desenvolvidas. Este panorama sucinto evidencia os pés de barro do gigante, produtor de matérias-primas[3]. As discrepâncias de desenvolvimento coexistem com as ligações económicas estreitas com a UE. Nessa matéria, a interdependência energética ocupa um lugar de destaque, de facto, e na agenda de cooperação multilateral e bilateral. Em que medida a dependência europeia face aos abastecimentos russos funciona em sentido único?

A resposta a essa pergunta é elucidada pelo impacto da actual crise financeira mundial na empresa Gazprom. As ambições desse gigante (o maior produtor de gás e terceira maior empresa, a nível mundial) são proporcionais aos seus enormes lucros, sempre em crescimento. No entanto, as suas necessidades de investimento provocam dívidas elevadas[4]. A crise financeira veio revelar as restrições sofridas, uma vez que a Gazprom necessita de recorrer ao crédito para financiar investimentos. Existe, de facto, uma grande procura nessa matéria, nomeadamente porque é necessário honrar os volumes garantidos aos consumidores e porque novos campos de exploração devem ser desenvolvidos para esse fim. Tecnicamente, são projectos difíceis porque se situam em zonas polares ou siberianas. Assim, apesar de a companhia gozar do apoio governamental e das rendas das exportações, o seu recurso ao crédito também é reduzido pela crise actual. Compreende-se, desta forma, o grande interesse russo pelo gás azeri e a relevância estratégica do Cáucaso do Sul (juntamente com a Ásia Central). O recente braço-de-ferro entre Moscovo e Kiev acerca do preço do gás e do abastecimento para a Europa, através do gasoduto Druzhba, ilustra outra faceta da relação energética com a Federação Russa. Dos locais de extração aos países de trânsito, Moscovo procura reposicionar-se no espaço eurasiático e utilizar politicamente o trunfo energético na sua relação frustrada com a Europa e o ex-espaço soviético.

Um dos pilares da recuperação económica russa, isto é, a constituição da terceira maior reserva mundial de moeda estrangeira, está a fraquejar. Entre Agosto e Outubro de 2008, Moscovo gastou cerca de 50 biliões de euros para defender o rublo[5]. A reserva também diminui porque os russos redireccionam o seu dinheiro para o estrangeiro pelo receio da crise. Assim, apesar de o Kremlin ter ainda a capacidade de implementar um plano de salvamento da economia nacional (200 biliões de dólares), contrariamente à crise de 1998, e ainda propor à Islândia quatro biliões de euros face à bancarrota, a sua capacidade de financiamento diminui em função da queda do preço do petróleo. De modo geral, a própria modernização do país é afectada.

Em relação a um aspecto mais clássico da potência russa, isto é, a sua recuperação militar, as opiniões não são unânimes. Para alguns, nomeadamente para Washington, os esforços russos resumem-se a meros actos simbólicos. Para outros, como os Países Bálticos ou a Roménia, Moscovo melhora as suas capacidades nesse domínio. Os efectivos das Forças Armadas são compostos por cerca de um milhão de homens (dos quais 80 mil servem nas forças especiais de dissuasão), 20 milhões de reservistas, e cerca de 400 mil paramilitares. Entre 2007 e 2010, o orçamento da Defesa irá quase duplicar[6]. A parada na Praça Vermelha, a 9 de Maio de 2008, para celebrar o Dia da Vitória, ilustra a vontade russa de recuperação a nível bélico. Pela primeira vez desde 1990, uma demonstração do seu arsenal estratégico nuclear e armamento pesado, incluindo sobrevoos de bombardeiros, foi realizada[7]. Putin enfatizou o potencial militar crescente com vista a defender o seu povo, o Estado e a prosperidade[8]. As vozes críticas dos analistas apontam, no entanto, para os defeitos deste ressurgimento aparente. O armamento não é novo mas baseia-se em tecnologia militar antiga. É o caso, por exemplo, do míssil balístico intercontinental Topol-M. Apesar de a Rússia encetar um catch-up militar, os outros países já estão envolvidos numa revolução dos assuntos militares[9], mais adequada às futuras ameaças e conflitos.

A liderança militar russa atravessa uma diminuição severa dos seus efectivos, para além de problemas de corrupção[10]. A recente nomeação de um especialista em finanças para o cargo de ministro da Defesa revela a vontade de sanar o complexo industrial de defesa. Mais uma vez, a crise financeira mundial diminui as possibilidades de financiar a modernização nessa área. O envio do cruzeiro lança-mísseis Pedro o Grande para efectuar exercícios na Venezuela durante o Outono de 2008 é claramente simbólico. A decisão é uma resposta à presença de navios norte-americanos no mar Negro para encaminhar ajuda humanitária aos georgianos em Agosto de 2008. Parece-nos mais sério o exercício militar «Estabilidade 2008», o maior desde o colapso da União Soviética, que tinha por objectivo simular um ataque a Sul e um ataque da NATO. Isto mostra não só as duas principais ameaças identificadas pelos russos, mas também a vontade em manter uma pressão sobre o ex-espaço soviético. Esta situação é, aliás, espelhada nas atitudes dos países bálticos que requereram à NATO maiores garantias ao abrigo do artigo 5.º do tratado. Em Outubro, foi aprovada a ideia de realizar exercícios adicionais com esses países para assegurar o compromisso de defesa colectiva da Aliança, junto dos países vizinhos da Rússia[11]. O contexto motivador desse pedido foi o conflito russo-georgiano do Verão. Sublinhamos, aqui, que o artigo 5.º, e o alargamento da sua garantia, provocam receios mútuos e são um elemento recorrente do desentendimento entre russos e ocidentais.

Duas oposições severas na área da defesa relembram aos Aliados a necessidade de contar com Moscovo nos seus planos. A primeira oposição russa visa o projecto de extensão do sistema antimíssil norte-americano na Europa. O novo Presidente Obama recebeu um sinal muito claro imediatamente após a sua eleição: «Creio que será melhor para ele saber o que pode esperar da Rússia caso essa decisão seja tomada.»[12] Com essas palavras ásperas de boas-vindas, o embaixador russo em Bruxelas, Vladimir Chizhov, relembrou as medidas à disposição de Moscovo, nomeadamente a possibilidade de instalação de mísseis russos em Kaliningrado ou, ainda, a recusa de dialogar bilateralmente com Washington sobre a disputa. A segunda oposição prende-se com o terceiro alargamento da NATO, desde o fim da Guerra Fria, à Ucrânia e à Geórgia. A questão dividiu os Aliados na cimeira de Abril de 2008, tendo sido possível encontrar uma posição comum em Dezembro último. Na prática, o processo de alargamento é mantido, oferecendo programas anuais de cooperação em alternativa ao Membership Action Plan (MAP). Simultaneamente, e de forma informal, o Conselho NATO-Rússia retomou as suas reuniões, interrompidas pela guerra estival na Geórgia. Essas decisões representam uma mistura de respostas acomodativas, mas também de firmeza, face ao Kremlin. A interpretação desta dualidade, aparentemente contraditória, reside na consideração de vários factores. Apesar de o secretário-geral da Aliança reconhecer que não existe alternativa ao engagement com a Rússia, a NATO reiterou simultaneamente o seu apoio ao projecto antimíssil de Washington[13]. O facto de Moscovo ter suspenso, em final de 2007, a sua vinculação ao Tratado de Redução das Forças Convencionais na Europa (CFE) acresce dificuldades na procura de soluções no capítulo do controlo de armamentos. No teatro afegão, Washington necessita de um maior envolvimento dos Aliados e dos arranjos com Moscovo, nomeadamente para o acesso ao terreno. O fundo do problema reside na incompatibilidade de pontos de vista, em que o Kremlin não reconhece legitimidade à própria existência da NATO, e em que os Aliados nem sequer questionam a sua raison d’être[14].

A nível doutrinário, o conceito de política externa formulado em 2000 foi alterado de forma ad hoc durante a presidência de Putin. O discurso de Munique, em Fevereiro de 2007, é uma referência nesse processo. Medvedev adoptou uma linha de continuidade, defendendo a nova postura mais assertiva do Kremlin e rejeitando o papel da NATO na Europa. No entanto, a sua postura tem sido, em certa medida, mais ponderada e enfatizou a modernização do país. Em Maio último, o seu discurso em Berlim apelou à criação de um novo pacto de segurança europeu, sem no entanto especificar o modus operandi. Desde então, o Presidente multiplicou os discursos onde acusa o unilateralismo norte-americano pela insegurança global e pela crise financeira, e sublinha a abertura russa para delinear um novo quadro legal para um mundo multipolar. No seu discurso de Evian, a 8 de Outubro, Medvedev sublinhou: «Hoje, a visão euro-atlântica precisa de uma agenda positiva. Os acontecimentos no Cáucaso vieram apenas confirmar a validade do conceito de uma nova ameaça à segurança europeia. Isto dar-nos-á todas as possibilidades para a construção de um sistema integrado e sólido de segurança compreensiva.»[15] A 31 de Julho, a Rússia adoptou formalmente, por decreto presidencial, um novo conceito de política externa que veio clarificar os sinais de mudança perceptíveis anteriormente, e acima mencionados. O conceito tem por objectivo adaptar a Federação aos seguintes elementos:

«Os desenvolvimentos internacionais no campo das relações internacionais no início do século XXI e o fortalecimento da Rússia requerem uma avaliação de toda a situação em torno da Rússia, o repensar das prioridades da política externa russa tendo em conta o aumento do papel do país dos assuntos internacionais, das suas grandes responsabilidades nos desenvolvimentos globais e relacionar as opções em participar na implementação de uma agenda externa, bem como no seu desenvolvimento (itálicos nossos)[16].

A Rússia é um país de paradoxos e não é, portanto, surpreendente existir dificuldade na avaliação da sua potência. É necessário contrastar os dois elementos de peso que conferem à Rússia um papel importante (energia e armamento nuclear) com os restantes indicadores estatísticos, com o preço das matérias-primas, e com o impacto da actual crise financeira. Parece-nos, no entanto, fundamental considerar os elementos acima apresentados à luz de uma verdadeira capacidade de influência na cena europeia e global. A guerra estival no Cáucaso não afectou as infra-estruturas energéticas mas modificou a balança de poder regional. Ao danificar os caminhos-de-ferro, os russos provocaram uma paragem de um dia e meio na produção da British Petroleum (BP) a fim de proteger os seus funcionários de um eventual avanço das tropas russas. Com isso, o Kremlin provou que pode afectar os fluxos energéticos, mesmo sem danificar os pipelines. Nesse mesmo período, o Azerbaijão apelou Moscovo para preservar as suas infra-estruturas na Géorgia[17]. No mínimo, a Rússia conseguiu reafirmar-se como opção para os países produtores da zona, alvo de apetites geopolíticos na luta pelos recursos energéticos.

Construir a «casa comum europeia» de Gorbachev revelou-se um ideal algo ingénuo no contexto dos anos de 1990, onde os termos comuns eram de facto impostos a Moscovo pela sua posição de fragilidade. A nova Rússia ainda reivindica a sua pertença europeia e o seu papel num continente partilhado. A liderança russa actual representa as vozes mais próximas desta ideia. A alternativa política é hoje mais nacionalista e isolacionista, em comparação ao tandem Medvedev-Putin. No xadrez das relações da Rússia com os vários actores ocidentais, as relações com a UE são aquelas que têm oferecido menos rupturas e fricções. Com Dominique David, afirmamos que «apenas os europeus podem impor e organizar o diálogo necessário com a Rússia. Para tal, será necessário que os europeus aceitem falar uma única língua. E, preferencialmente, que seja um verdadeiro idioma, próprio aos europeus»[18], isto é, um discurso mais autónomo em relação a Washington.

 

[1] FEDEROVSKI, Vladimir – Le Roman de la Russie Insolite. Du Transsibérien à la Volga. Paris: Editions du Rocher, 2004, p. 203.        [ Links ]

[2] Para uma análise da relação UE-Rússia e do papel transversal da NATO, cf. FERNANDES, Sandra Dias – Europa (In)Segura. União Europeia, Rússia, Aliança Atlântica: A Institucionalização de Uma Relação Estratégica. Lisboa: Principia, 2006.

[3] Para uma comparação estatística exaustiva entre a UE e a Rússia, cf. EUROSTAT AND ROSSTAT – The European Union and Russia. Statistical Comparison 1995-2005. Eurostat, Statistical Books and Rosstat, 2007.

[4] FINANCIAL TIMES REPORTERS – «Crisis may hit Gazprom refinancing plans». In Financial Times, 22 de Outubro de 2008.

[5] CLOVER, Charles, e BELTON, Catherine – «Moscow moves to ward off attack on rouble». In Financial Times, 21 de Outubro de 2008.

[6] LE MONDE – «Une institution en pleine modernization». [Consultado em: 16 de Dezembro de 2008]. Disponível em: www.lemonde.fr.

[7] CHIVERS, C. J. – «Russia parades its military in an echo of Soviet days». In The New York Times, 10 de Maio de 2008.

[8] «Russia wants to show to the world its military ‘potential’, Putin says». In Público, 5 de Junho de 2008.

[9] GLOTS, Alexander – «Potemkin innovative army». In The Moscow Times, 26 de Fevereiro de 2008.

[10] SHANKER, Tom – «Russia is striving to modernize its military». In The New York Times, 20 de Outubro de 2008.

[11] SHANKER, Tom – «U. S. militray leader stresses NATO defense for Baltics». In The New York Times, 23 de Outubro de 2008.

[12] «U. S. shield fail to Sway Kremlin». In The Moscow Times, 13 de Novembro de 2008. Citação original: «I believe it is best for him to know what to expect from Russia in case this decision is taken».

[13] ERLANGER, Steven – «NATO chief defends opening to Russi.». In The New York Times, 4 de Dezembro de 2008.

[14] O secretário-geral da NATO em fim de exercício manifesta claramente a visão que salientamos na nossa análise. Ele considera a actual arquitectura de segurança muito satisfatória e equilibrada. Cf. DE HOOP SCHEFFER, Jaap – «Transatalntic leadership for a new era». Address presented at the Security and Defense Agenda, Stanhope Hotel, Brussels, 26 de Janeiro de 2009.

[15] Disponível em: http://www.kremlin.ru/eng/speeches/2008/10/08/2159_type82912type82914_207457.shtml

[16] Disponível em: http://www.maximsnews.com/news20080731russiaforeignpolicyconcept10807311601.htm

[17] Entrevista com uma representante da StatoilHydro, sediada em Baku, Azerbaijão (Bruxelas, 29 de Setembro de 2008).

[18] DAVID, Dominique – «L’Europe, entre folie et Russie.» In Le Monde, 1 de Outubro de 2008. Traduzido de: «Seuls les européens peuvent imposer et organiser le dialogue nécessaire avec la Russie. Il faudrait pour cela qu’ils acceptent de parler une seule langue. Et qu’elle soit la leur.»

 

* Docente na Secção de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade do Minho e investigadora convidada do Centre for European Policy Studies, em Bruxelas. Doutoranda no Institut d’Etudes Politiques de Paris (Sciences Po), recebeu o Prémio Jacques Delors 2005 e é autora de Europa (In)segura. União Europeia, Rússia, Aliança Atlântica: A Institucionalização de Uma Relação Estratégica (2006).