SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número19O «Império» do pós-ImperialismoAmérica Latina índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.19 Lisboa set. 2008

 

Os estados na União

Bernardo Pires de Lima

 

 

ANAND MENON

Europe: The State of the Union

Londres, Atlantic Books, 290 páginas

 

O rácio não deve andar muito longe disto: por cada dezena de livros publicados sobre a União Europeia (UE), apenas um merece alguma atenção e até o dispêndio de alguns euros. A fornalha de propaganda maçadora mistura-se com a linguagem da burocracia e das instituições europeias. As odes mitológicas alternam com as análises catastrofistas que chegam a ridicularizar meio século de história política e económica entre países que até então se entretinham a congeminar estratégias para verem quem detinha o prémio de maior facínora dos tempos modernos.

Portanto, cada vez que alguém ousa fazer uma análise séria, realista e necessariamente céptica de um projecto «à frente do tempo», como é a UE, deve merecer alguma da nossa atenção. Em último caso, por exactamente se debruçar sobre uma construção política desfasada do mundo real, hobbesiano, que de quando em vez tenta alcançar alguma estabilidade por via de alianças mais ou menos duradouras, cínicas por definição, e maioritariamente de carácter económico. Portanto, uma primeira salva de palmas para aqueles que escrevem sobre realidades fora do seu tempo, sobre a maldita política europeia tão carregada de artefactos jurídicos e jargões cheios de nada. Não é fácil simplificar a UE ao que de facto ela é: relações de poder entre estados que passaram a definir o seu interesse nacional como fazendo parte de uma esfera mais alargada, porque partilhada. O argumento de Menon é este: a UE é um «acidente da história», forjada num contexto em que os estadistas encaravam as instituições ou organizações internacionais como os garantes da paz e da segurança. Ao longo do tempo, tornou‑se mais complexa. Mas esse caminho foi plenamente assumido pelos seus membros, ou seja, pelos estados que a compunham ao abrigo dos respectivos entendimentos sobre os interesses nacionais de cada um.

De facto, tentar compreender a construção europeia até ao estado actual da União é um exercício que muitas vezes fica esquecido quando apressadamente queremos emitir um juízo sobre a UE. Do tradicional divórcio entre as instituições e políticos europeus e eleitores – como se isto fosse exclusivo da UE –, até ao número de «eurocratas» que trabalham nessas instituições – como se os burocratas fossem um exclusivo de Bruxelas ou Estrasburgo –, tudo serve para tornar ridículo e simplista um quadro que, se calhar, por ser tão singular inibe o mais brilhante dos analistas de parar para pensar no que realmente foi atingido nestas décadas: um sistema político interestadual, com dinâmicas próprias, feito por países com distintos trajectos históricos e cujo entendimento das suas relações de vizinhança mais próxima os conduziu a determinadas decisões. Decisões essas vinculadas à avaliação dos respectivos interesses nacionais.

Não é de certo fácil aceitar historicamente que a França e a Grã-Bretanha tenham aceite uma Alemanha reunificada, nem tão-pouco olhar para depois de 1989, onde todo o antigo espaço de influência soviética seria absorvido pela «maldita» UE. Mas estes foram mesmo dois momentos marcantes na história do século xx e dois cenários que ajudam a exemplificar o âmbito da construção europeia.

 

POUCOS, MAS BONS

Tendo em conta a literatura mais recente, podemos enquadrar este The State of the Union num restrito grupo de obras relevantes para o entendimento político da União. Desde logo, Simon Hix e What’s Wrong with the European Union & How to Fix it.

O autor é já um clássico da linha provocadora e crítica do caminho levado pela UE, sobretudo pela sua «crise de legitimidade» que, segundo ele, ainda agora começou. Em seguida, e numa linha que acentua a encruzilhada europeia face aos desafios que as potências emergentes representam, dois italianos radicados na academia norte-americana (um mix explosivo), procuram identificar alguns pontos críticos onde a UE pode continuar a ser relevante no plano internacional e outros onde, se não tomar algumas decisões estratégicas vitais, corre o risco de definhar globalmente. Alberto Alesina e Francesco Giavazzi ajudam-nos nestas respostas em The Future of Europe: Reform or Decline. Sobre a concepção «imperial» da construção europeia e o significado dos sucessivos alargamentos, convém não perder Europe as Empire, de Jan Zielonka. Por fim, e para não deixar de lado os excitantes exercícios de cepticismo europeu, não devemos deixar passar The End of European Integration: Anti-Europeanism Examined, de Paul Taylor.

No entanto, este autor parte dos dilemas europeus desta última década para prescrever os desafios a um renovado projecto europeu, onde a diluição da relevância dos estados não seja promovida, mas onde políticas comuns como a da defesa sejam definitivamente uma realidade.

Neste conjunto de livros que o actual debate europeu relevou para primeiro plano, Anand Menon tem uma palavra a dizer porque simplesmente procura respostas ao momento actual com doses cavalares de realismo. E este facto, num quadro «pós-moderno» definidor da UE (como lhe chamou Robert Cooper), merece por si só um sublinhado particular. No fundo, o que Menon nos vem dizer é que tanto os «europeístas convictos» como os «eurocépticos» são perniciosos para qualquer leitura relevante dos vários domínios europeus, porque apenas mascaram um debate que vive sob uma parafernália conceptual entre a criação de um «super-Estado» e o secreto desejo do regresso à política do século XIX.

Por outras palavras, o realismo de Menon traduz-se num olhar para o que existe na política europeia e no modo singular de tudo o que foi atingido – com particular ênfase para a criação de um mercado comum e uma moeda única (até esta não adoptada por todos) – negando as teorias dos eufóricos pós-Guerra Fria mas, também, dos ingratos que não perdem uma oportunidade para sacudir responsabilidades nacionais para as «diatribes» de Bruxelas. No fundo, Anand Menon coloca no mesmo plano idealista estas duas categorias, porque se recusam a aceitar a realidade.

 

AINDA HÁ POLÍTICA NA EURO PA?

Robert Kagan, no seu pequeno mas acutilante livro The Return of History and the End of Dreams, considera que o mundo fora da UE está mais próximo do quadro de poder inspirado no século XIX, enquanto que a realidade interna europeia está num século XXI desprovido destas intempéries. Em bom rigor, isto não se passa assim, e este é também um dos grandes argumentos de Anand Menon: os equilíbrios de poder continuam a marcar a política europeia e a UE serve, antes de mais, para complementar o Estado-Nação, e não para o anular. O que existe, segundo o autor, é um constante jogo entre governos, entre instituições europeias compostas por representantes dos estados-membros e que, por via dessas características, alimentam os equilíbrios de poder europeus. No fundo, a UE continua a ter as características da política internacional, embora os estados tenham optado por se degladiarem através de um quadro institucional mais ou menos balizado (o que aumenta o fervor legislativo e burocrático, característica não exclusiva da União, como bem sabemos) e não pelos mecanismos que os outros usam ou a Europa tradicionalmente privilegiava: as armas. O problema não está tanto no que se passa dentro da União, mas sim nas opções que esta tem de tomar sobre a forma como se quer relacionar com os novos pólos de poder regionais: a China, a Índia, a Rússia e os EUA.

O livro de Menon tem uma linguagem pouco ou nada académica. Este facto deve, por si só, motivar a leitura. Por outro lado, ao ligar constantemente as vontades políticas dos estados às políticas europeias concertadas, acaba por promover de forma pedagógica a verdade dos factos: a história europeia do pós-guerra é profundamente vincada pela definição pura e dura da velha escola realista, da prevalência dos estados e dos seus interesses nacionais. A única pequena‑grande diferença é que estes passaram, pelas razões conhecidas de todos, a contemplar opções políticas e económicas comuns, mais ou menos duradouras, mais ou menos estruturadas. É sobretudo por responsabilizar os estados e os seus eleitos do que de bom ou mau a UE foi produzindo, que este livro merece ser lido. De preferência logo no primeiro ano da faculdade.