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Revista Lusófona de Educação

versão impressa ISSN 1645-7250

Rev. Lusófona de Educação  no.25 Lisboa dez. 2013

 

O ensino da Física nas escolas secundárias portuguesas no século XX

The teaching of physics in Portuguese secondary schools in the twentieth century

L’enseignement de la physique dans les écoles secondaires du siècle vingtième

La enseñanza de la física en las escuelas secundarias del siglo XX en Portugal

 

Jorge Valadares *

*Universidade Nova de Lisboa (UNL), Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT), Unidade de Investigação Educação e Desenvolvimento (UIED), 2829-516 Caparica, Portugal.

Email: jorgev652@gmail.com

 

RESUMO

Neste trabalho mostra-se como o ensino da Física no século passado em Portugal teve duas fases, a primeira de estagnação, baseada num manual único, adoptado oficialmente para todas as escolas, cujas deficiências, algumas delas referidas neste estudo, eram transmitidas de manuais únicos para manuais únicos, década após década. O ensino expositivo e passivo de má qualidade conduzia a uma aprendizagem marcadamente literal, memorística e mecânica e os professores expunham esses erros e concepções erróneas aos alunos que as decoravam e repetiam. O fim do manual único e a democratização do ensino nos anos 70 deu origem a uma segunda fase do ensino da Física também analisada neste trabalho.

Palavras-chave: ensino; aprendizagem significativa; manuais de ensino

 

ABSTRACT

In this work it is shown how the Physics teaching in the last century, in Portugal, had two phases, the first one of stagnation, based on an official single manual, adopted for all schools, whose deficiencies, some of them mentioned in this study, were transmitted from manuals to manuals, decade after decade. The expositive and passive teaching, of poor quality, led to a markedly literal, from memory, mechanical learning. The teachers exposed these errors and misconceptions that students decorated and repeated. The end of the manual adopted for all schools and the democratization of education in the 70s led to a second phase of the Physics teaching also analyzed in this work.

Keywords: teaching; meaningful learning; teaching manuals

 

RÉSUMÉ

Dans ce travail, on va montrer comment l’enseignement de la physique dans le dernier siècle au Portugal a eu deux phases, la première de stagnation, sur la base d’un manuel unique, officiellement adopté par toutes les écoles, dont les insuffisances, certaines d’entre elles mentionnées dans cette étude, ont été transmises de manuels en manuels, décennie après décennie. L’enseignement passif, déclaratif et de mauvaise qualité, conduit à un apprentissage nettement littérale, de mémoire, mécanique et à des enseignants qui exposaient des erreurs et des idées fausses que les élèves savaient par cœur et répétaient. La fin du manuel unique et la démocratisation de l’éducation dans les années 70 a conduit à une deuxième phase de l’enseignement de la physique, également analysée dans ce travail.

Mots-clés: l’enseignement; l’apprentissage significatif; les manuels d’enseignement

 

RESUMEN

En este trabajo se muestra cómo la enseñanza de la física en el siglo pasado en Portugal tuvo dos fases, la primera de estancamiento, a partir de un manual único, adoptado oficialmente para todas las escuelas, cuyas deficiencias, algunas de ellas se mencionan en este estudio, se transmite de manuales para manuales, década tras década. La enseñanza pasiva, expositiva, de baja calidad llevaron a una aprendizaje memorística literal de marcadamente y mecánicas y los profesores exponen estos errores y malentendidos que los estudiantes decoradas y repiten. El final de este manual único y la democratización de la educación en los años 70 condujeron a una segunda fase de la enseñanza de la física que también se analiza en este trabajo.

Palabras clave: enseñanza; aprendizaje significativo; manuales de enseñanza

 

1. O ensino da Física nas seis primeiras décadas do século XX

O ensino em Portugal no século passado foi sempre vincadamente expositivo. No tempo do chamado Estado Novo, as aulas de Física nos liceus decorriam quase todas da mesma forma: o professor começava por ditar um sumário da matéria a ensinar nessa aula que os alunos copiavam para o «caderno diário», ao mesmo tempo que o professor o escrevia no «livro de ponto». Neste apontava as faltas dos alunos e, sempre que eles se portavam mal em seu entender, também lá registava as «faltas de castigo». Depois, folheando uma «caderneta» onde constavam todas as informações sobre cada aluno (notas dos «pontos escritos», das «chamadas» orais e registos de natureza disciplinar), acabava por «chamar ao quadro» um aluno, seguido ou não de outros. Uma parte considerável dos 50 minutos de aula já tinha decorrido sem que o professor ensinasse a matéria constante do sumário da aula. No resto dos 50 minutos que era o tempo da aula, expunha rapidamente a matéria, escrevia umas fórmulas no quadro e os alunos, em silêncio forçado, muitas vezes nem sequer o ouviam e quando se esforçavam por ouvir não entendiam, por quase sempre não disporem da «prontidão cognitiva», que de acordo com o psicólogo educacional David Ausubel (2003) é absolutamente imprescindível para que ocorra a aprendizagem significativa.

Num sistema de ensino vincadamente expositivo, totalmente voltado para uma aprendizagem mecânica ou memorista, não é de admirar que os testes, então chamados «pontos» escritos ou «exercícios» escritos, os exames de final de ciclo e até mesmo os de aptidão ou admissão aos cursos universitários fossem construídos quase exclusivamente com questões de rotina conforme mostra o exemplo que consta do quadro da figura 1.

 

 

Quando num exame aparecia uma questão dirigida à compreensão da Física, à aplicação do conhecimento na resolução de questões envolvendo situações novas, os alunos ou não respondiam ou respondiam erradamente. Como exemplo, refiro aqui uma questão do exame do 5º ano dos liceus (alunos de 15, 16, ou mais anos) do meu tempo de estudante em que uma das perguntas se referia à ponte férrea Maria Pia sobre o rio Douro, um arco biarticulado que suporta um tabuleiro ferroviário único (de via simples) através de pilares em treliça (o seu autor foi o famoso engenheiro e arquitecto francês Gustave Eiffel). Citando de cor, o enunciado da questão era muito aproximadamente o seguinte:

Os comboios Lisboa-Porto, mesmo apinhados de pessoas, ao chegarem à estação de Vila Nova de Gaia substituem as máquinas por outras mais leves para atravessarem a ponte Maria Pia. Porquê?

A taxa de insucesso nas respostas a esta questão foi enormíssima. Os examinandos não foram capazes de fazer a transferência da aprendizagem da grandeza pressão, que estudaram, para uma situação com algo de novo, que segundo Ausubel (2003) é a melhor forma de manifestar uma aprendizagem significativa. Se esta tivesse ocorrido, os alunos teriam imediatamente associado a situação à grandeza pressão ou força por unidade de superfície, bem assimilada nas suas estruturas cognitivas, e responderiam acertadamente com base nela. Mas eles estavam preparados para responder simplesmente a “o que é a pressão?” ou “escreve a fórmula da pressão”.

Um depoimento importante de Rómulo de Carvalho, um professor de prestígio e mérito desta época, é significativo, ao referir-se aos alunos finalistas do liceu:

“Quando os alunos ingressam no 7º ano não estão mentalmente desenvolvidos para a aquisição de novas noções. Isto é grave e muito mais ainda se notarmos que as exigências do programa do 3º ciclo são de nível muito inferior. Os alunos não sabem e quando sabem não compreendem o que sabem (chamando agora saber ao simples enunciar). Raros são os que fogem a esta regra” (Excerto do Relatório para o Ministério da Educação, de 6 de Outubro de 1948).

Com um ensino expositivo de má qualidade, profundamente acrítico, é natural que decorassem tudo o que estava escrito no manual único e os professores repetiam nas aulas, estivesse cientificamente correcto, com significado lógico susceptível de ser assimilado, ou cientificamente errado, sem significado lógico, impossível de ser compreendido à luz da Física. E muitas eram as deficiências epistemológicas, didácticas e científicas reveladas pelos manuais únicos ao longo das seis primeiras décadas do século XX. Por razões de espaço não referirei em pormenor todos os exemplos.

O primeiro exemplo é ilustrado pela figura 2 e respectiva legenda que são a cópia exacta do que aparece num manual adoptado como livro único de Física do 2º ciclo dos liceus portugueses durante mais de duas décadas. Por ele estudaram milhares de alunos, muitos dos quais vieram depois do 25 de Abril a ser professores de Física

 

 

Ao interpretar o movimento de uma pedra, os autores escrevem:

Temos de admitir, por isso, a existência de duas forças: uma tangencial, T, devida à impulsão que lhe comunicamos, a qual se actuasse isoladamente imprimiria à pedra um movimento rectilíneo e uniforme; outra, F’, aplicada à pedra com o auxílio do fio” (…). Mas se, apesar desta força centrípeta, F’, que constantemente a impele para o centro, a pedra se mantém na trajectória circular, é porque o corpo se opõe, em virtude da inércia, a ser desviado da trajectória rectilínea” (…) Esta reacção do corpo, cujo efeito é afastá-lo do centro d rotação, chama-se reacção centrífuga ou força centrífuga (L, centrum fugere: desviar-se do centro). (Seixas e Soeiro, 1957, p. 390 e 391).

 

 

Basta analisar a figura para vermos que ela traduz um modelo físico cientificamente incorrecto. Como é possível com as três forças representadas, a pedra curvar? As duas forças, centrípeta e centrífuga, são simétricas porque a centrífuga é a reacção à centrípeta, mas desde logo não podem estar ambas aplicadas na pedra, pois se assim sucedesse as duas forças centrípeta e centrífuga equilibrar-se-iam e a resultante T aceleraria a pedra tangencialmente à trajectória representada. Mesmo que a força T seja para o autor uma força instantânea ou impulsiva, a pedra nem estará a rodar nem em repouso. Há uma clara mistura de duas descrições do movimento, a descrição num referencial inercial exterior e outra no referencial acelerado ligado à pedra (onde esta está em repouso), pois aí sim, podemos admitir uma força centrífuga na pedra para com a foça centrípeta proporcionarem o repouso da pedra nesse referencial. A força T, mesmo que pretenda traduzir um impulso inicial, nunca deveria aparecer representada no movimento circular, seja ele uniforme ou acelerado. Só serve para levar os alunos a pensar que há uma força interna à pedra, um ímpeto, idêntico ao da teoria medieval de Jean Buridan.

O que choca não é apenas esta interpretação, mas sim o facto de ela ser exactamente idêntica à de manuais que eu consultei desde a primeira década do século XX até à década de 60 (Sousa Gomes e Machado, 1915, p. 62; Zamith e Prudente, 1942, p. 350). Os treze manuais consultados respeitantes às seis primeiras décadas do século XX apresentaram as mesmas deficiências epistemológicas, científicas e didácticas, tais como: ignorarem sistematicamente a relatividade das interpretações nos referenciais inercias e não inerciais; considerarem a Física como uma procura das causas dos fenómenos (Sousa Gomes e Machado, 1915, p. 13; Seixas e Soeiro, 1957, p. 35), uma reminiscência aristotélica; associarem as “forças instantâneas” à causa dos movimentos rectilíneos e uniformes e as “forças contínuas e constantes” à causa dos movimentos rectilíneos uniformemente variados (Sousa Gomes e Machado, 1915, p. 47; Zamith e Prudente, 1942, p. 320 e 321), esquecendo-se que, pela lei da inércia, o movimento rectilíneo e uniforme não necessita de causa, é o movimento natural quando nenhuma força actua, e que nem sempre as forças constantes produzem movimentos rectilíneos e uniformemente variados, bastando para tal que as forças não tenham a direcção da velocidade inicial; fortalecerem sistematicamente a conhecida misconception dos alunos de que o movimento exige força e a confusão entre força e velocidade do corpo (afirma-se sem rigor físico, no dia a dia, «a bola vinha cheia de força»); não considerarem o carácter vectorial das grandezas vectoriais, «escalarizando» muito do que deveria ser tratado vectorialmente; apresentarem a Terra como um referencial em repouso absoluto, de que resulta um peso absoluto dos corpos, geocêntrico, ignorando sistematicamente o movimento de rotação da Terra e a consequente existência de duas verticais, geográfica e geocêntrica (Machado, 1915, p. 83; Zamith e Prudente, 1942, p. 30); manterem durante as duas primeiras décadas a ideia de «éter» como um fluido que preenche os «espaços intermoleculares» e interstelares (Machado, 1915, p. 213; Santos Silva e Machado, p. 236); confundirem os conceitos de luz e calor ao considerarem a radiação como uma propagação de calor, como se um corpo contivesse uma espécie de calórico e o propagasse electromagneticamente para outro corpo (Nobre, 1932, p. 316, Zamith e Prudente, 1942, p. 15); considerarem o calor como energia contida nos corpos, com reminiscências do tempo do calórico (Machado, 1934, p. 286, Zamith e Prudente, 1942, p. 215); desrespeitarem a análise dimensional das grandezas físicas, a forma de as exprimir e a importância das unidades ao igualarem grandezas dimensionalmente diferentes tais como pressão e força, aceleração e velocidade, etc. (Santos Silva e Machado, 1923, p. 302); e apresentarem uma sistemática desactualização, desconhecimento e desinformação sobre os temas mais recentes da Física, patente por exemplo em interpretações da corrente eléctrica com base na velha teoria do fluido eléctrico, na apresentação da clássica lei de Coulomb das acções magnéticas (Teixeira, 1959, p. 242) e em abordagens incompletas de temas do século XX, tais como modelos atómicos, radiações, etc.

Uma outra deficiência que justifica ser analisada diz respeito à deficiente estratégia de ensino do conceito de trabalho, com uma definição que os alunos decoravam e em que o trabalho não era considerado um processo de transferir energia para um sistema em que esta não é necessariamente apenas cinética. Daqui resultava formas erradas de resolver problemas, como é o caso do seguinte apresentado em termos genéricos:

- Um «ponto material» com uma determinada massa (conhecida) desce com atrito um plano inclinado com uma dada inclinação (conhecida), partindo do repouso. Decorrido um determinado tempo (conhecido) após partir, a sua velocidade tem um dado valor (conhecido). Qual a energia dissipada pelo atrito?

O livro único adoptado pelo Ministério da Educação para o 3º ciclo dos liceus nas décadas de 50 e 60 apresentava uma solução deste problema que correspondia à seguinte resolução errada repetida por muitos professores nas aulas:

    Determinação da energia cinética sem atrito.

    Determinação da energia cinética com atrito.

    E finalmente determinação da energia dissipada pelo atrito como sendo a diferença entre a energia cinética sem atrito e a energia cinética com atrito.

Ora, se não houver atrito, o «ponto material» alcança no tempo dado uma posição mais baixa F’ (ver figura 3) do que a que atinge com atrito e tal facto não era tido em conta. Há uma diferença entre as energias potenciais gravíticas que o sistema «ponto material» - Terra possui nas diferentes posições finais do «ponto material» quando há atrito ou quando não há.

 

 

A resolução correcta implica considerar apenas o movimento real com atrito, entre I e F, e ter em conta que o trabalho das forças exteriores que atuam no sistema partícula – Terra, que neste caso equivale apenas ao trabalho da força de atrito (a força gravítica é uma força interior ao sistema partícula – Terra e não conta), é igual à variação da energia mecânica (variação da energia cinética da partícula, positiva, somada com a variação de energia potencial do sistema partícula-Terra, negativa) entre a posição inicial e final. Ou seja:

Determina-se o aumento de Ec da partícula no movimento real.

Determina-se a diminuição de energia potencial do sistema partícula - Terra no movimento real.

E finalmente determina-se o trabalho da força de atrito que mede a energia dissipada pelo atrito somando algebricamente as duas variações

W a = variação de energia cinética + variação de energia potencial.

O resultado certo é totalmente diferente do errado como mostram os valores que se obtiveram com um caso concreto: 155 J e não 611 J (este o valor errado).

A falta de espírito crítico era tal que professores e alunos não davam conta de contradições como, por exemplo, a energia térmica, que ora representava energia interna, ora calor, ora uma parte da energia interna. Um outro exemplo bastante sugestivo tem a ver com a velha e propagada dedução da fórmula do potencial eléctrico de um condutor esférico.

A carga fornecida a uma esfera condutora em equilíbrio electrostático pode imaginar-se constituída por um enorme número de cargas pontuais q1, q2, …, qi, …, qn. Estas cargas fornecidas estão todas à superfície da esfera, isto é, a carga interior da esfera condutora é zero. Sendo o potencial da esfera o mesmo em todos os pontos, caso contrário não estaria em equilíbrio, determinava-se o potencial no centro C da esfera metálica, tirando partido da simetria, somando os potenciais criados pelos diversos pontos nesse centro, que está à mesma distância R de todos eles (ri = R).

 

 

Mas, pergunta-se: que legitimidade tem este processo, em que as parcelas pressupõem que entre as cargas superficiais e o centro há o vácuo (ε0 traduz a permitividade eléctrica do vácuo), se na realidade entre as cargas e o centro há um metal, não o vácuo?

A primeira demonstração correcta e acessível aos alunos do ensino secundário surgiu no vol. VI – Campo electromagnético, do curso de Física publicado por Silva e Valadares (1978, p. 78 e 79), mas a persistência da velha dedução levou os referidos autores a apresentarem uma comunicação na Conferência da Sociedade Portuguesa de Física de 1984 (Valadares e Silva, 1984, p. 819).

 

2. A origem do progresso do ensino da Física a nível mundial

A 4 de Outubro de 1957 os americanos foram surpreendidos com o lançamento do satélite artificial Sputnik, tendo tomado consciência da vantagem da União Soviética nesse momento na corrida ao espaço. Este facto desencadeou no povo americano o chamado efeito Sputnik. Quatro meses depois, em resposta à iniciativa soviética, o presidente norte-americano Dwight Eisenhower anunciou a criação da Advanced Research Projects Agency (ARPA), ligada ao Departamento de Defesa, com a missão de pesquisar e desenvolver alta tecnologia para aplicações militares, o que viria a desencadear um avanço notável na comunicação, com o início da conectividade entre computadores. Ao mesmo tempo, desenvolveu-se um sentimento nacional favorável à melhoria da educação científica. No Verão de 1958 reuniram-se no Instituto de Tecnologia de Massachusetts um largo grupo de professores, construtores de aparelhos, escritores, desenhadores e outros especialistas que viriam a estar na base da produção do PSSC (Physical Science Study Committee) cuja 1ª edição saiu em 1960. O projecto de que resultou o PSSC foi um entre vários outros projectos para diferentes níveis de ensino, que foram surgindo em diversos países desenvolvidos, como os Estados Unidos, a Inglaterra e a Austrália. Estes grandes contributos para o ensino das Ciências ficaram sugestivamente conhecidos por “programas do alfabeto” devido a serem conhecidos pelas suas siglas: PSSC, BSCS, CHEM, SAPA, ESS, ASEP, etc. Estes projectos rapidamente se internacionalizaram e muitos dos seus materiais passaram a ser adoptados em maior ou menor grau por muitos países e acabaram por influenciar e em muitos casos revolucionar mesmo o ensino das Ciências a nível pré- universitário. Todos os projectos defendiam um processo de ensino - aprendizagem da Ciência muito mais centrado nos processos do que nos conteúdos, sem retirar importância a estes, e muito alicerçado em experiências motivadoras e de preferência com material pouco sofisticado, tanto quanto possível fácil de improvisar. No caso da Física, o PSSC recorria com abundância a gráficos e toda a cinemática, para dar um exemplo, era alicerçada em gráficos.

Em Portugal, na altura bastante atrasado científica e educacionalmente em relação a esses países desenvolvidos, o ensino da Física manteve o seu cariz ultraclássico, dogmático, livresco, com um mesmo programa cada vez mais desactualizado, voltado para uma aprendizagem mecânica.

Enquanto nos países desenvolvidos se defendiam estratégias de ensino em que desempenhava papel fulcral a metodologia de inquérito e descoberta, em Portugal persistia um ensino eminentemente expositivo de má qualidade. O programa de Física já se arrastava há vários anos e não era mais do que uma simples lista de conteúdos. Não continha objectivos, sugestões de estratégias e outras componentes essenciais de um programa minimamente adequado. Um grupo de professores de Física e Química de que fez parte o autor deste trabalho decidiu então efectuar uma reunião, a que outras se seguiram, no recém-criado Liceu Padre António Vieira, com a única intenção de criar um programa actualizado para a disciplina de Físico-químicas a propor ao Ministério da Educação. As reuniões acabaram compulsivamente quando uma missiva foi enviada aos professores a proibir que prosseguissem com essas reuniões «clandestinas», sob pena de expulsão da função pública.

 

3. A lenta repercussão das mudanças no ensino da Física em Portugal a partir da década de 70

Em 16 de Janeiro de 1971, o então Ministro da Educação, Veiga Simão, lançou as bases de uma reforma do sistema educativo, particularmente no ensino superior. Uma vasta legislação apontava decididamente para profundas alterações do sistema caduco anterior, mas muitos professores dificilmente acreditavam que os grandes objectivos da reforma Veiga Simão alguma vez se atingiriam, o que aliás veio a acontecer. As grandes reformas da educação não são apenas mudanças legislativas ao nível dos currículos, são mudanças em todos os lugares comuns da educação, professores/ensino, alunos/aprendizagem, avaliação e, o que é muito importante, na governança, de dentro e fora da Escola (Novak e Gowin, 1999, p. 22). E esta não mudou com a referida reforma.

A revolução ocorrida em 25 de Abril de 1974 veio finalmente trazer a esperança junto dos professores de poderem ocorrer melhorias no sistema de ensino em geral, e no da Física em particular. E, de facto, vieram a ocorrer melhorias várias como veremos a seguir, mas o futuro encarregou-se de mostrar que as expectativas estiveram e estão longe de serem plenamente cumpridas. Começando pelos currículos, eles continuaram a ser construídos por professores convidados pelo Ministério da Educação (que foi tendo várias designações diferentes), mas já sem o secretismo anterior. Os programas acabaram por deixar de ser meras listas de conteúdos, para passarem a ter metas e objectivos, conteúdos, indicações metodológicas e bibliografia. Mas a instabilidade que se sucedeu ao 25 de Abril, de tal modo que decorridos 9 anos sobre o golpe militar ascenderam ao poder 15 governos, também contribuiu para o atraso no processo de mudança curricular. A qualidade do currículo não mudou logo e, para dar um exemplo, os programas de Física do Curso Complementar do 1º ano e o 2º ano do Curso Complementar de 1974/75 (antigos 6º e 7º anos dos liceus) continuavam a ser simplesmente as velhas listagens de conteúdos de Cinemática, Estática, Dinâmica, Sistemas de Unidades, Trabalho e energia, Gravidade, Movimentos periódicos, Propriedades dos sólidos e fluidos, Termologia (no 1º ano), Termodinâmica, Óptica, Electricidade, Radiações electromagnéticas e corpusculares (no 2º ano). Além disso, os diversos governos que se foram sucedendo nunca permitiram um processo eficiente de avaliação curricular, com recolha de informações credíveis, formulação de juízos de valor bem fundamentados e introdução de melhorias efectivas com base nestes. Fez-se sentir a existência de uma estrutura fixa e transversal no Ministério (um em tempos falado «Centro de Estudos Curriculares»), que independentemente das mudanças governativas, fosse controlando um processo de melhoria curricular.

No que respeita aos professores e ao seu ensino, ocorreu um benefício resultante do facto de os estágios serem alargados a um maior número de professores, mas este benefício diluiu-se no facto de a exigência dos mesmos baixar significativamente (entre outros factos, o exame de estado foi abolido). Entretanto a diversificação que ocorreu no tipo de formação de base dos futuros professores assim como no seu processo de profissionalização conferiu diferentes níveis de competência profissional, conforme me foi dado observar nos vários cursos para professores, de Mestrado e não só, que realizei ao longo dos anos.

Embora os antigos professores de muitos anos antes do 25 de Abril se tenham reformado na sua quase totalidade, por total inadaptação ao novo sistema educativo mais liberal, outros mais jovens, mas com alguma experiência de ensino e pedagogicamente mais actualizados, conseguiram adaptar-se e ensinar de forma a conseguir aprendizagens mais ou menos significativas consoante a predisposição dos alunos para aprenderem dessa forma. Alguns professores estabeleceram logo outros ambientes de aprendizagem na sala de aula, mais favoráveis a um ensino activo, dialogante e crítico. Mas os resultados alcançados foram altamente prejudicados pelo ambiente nas escolas resultante da instabilidade político-social na sequência do 25 de Abril.

Referindo-me agora à aprendizagem, os alunos tiveram a possibilidade de aprender de modo muito mais significativo do que antes. Tendo em linha de conta as condições para que um aluno aprenda de modo significativo, que no caso da Física passa por compreender o significado das grandezas com que lida, das teorias que aprende, dos conceitos com que raciocina, houve muito maior possibilidade de se criarem as condições ausubelianas para que tal aprendizagem significativa ocorresse e os alunos deixassem de aprender de cor (por aprendizagem literal ou mecânica) o que iam estudando (Ausubel, 2003). Com efeito, os materiais de aprendizagem, em particular os manuais, passaram em termos gerais a ter maior qualidade e a ser conceptualmente muito mais transparentes (recorrendo à cor, a figuras de muito melhor qualidade, a situações reais e não meramente académicas, com muito menos incoerências lógicas, no fundo possuindo muitos mais conteúdos com «significado lógico» susceptível de ser transformado em significado psicológico correcto pelos alunos.

Mas esta exigência da aprendizagem significativa não é única. Os alunos terão de possuir os «subsunçores» (ou conceitos integradores) necessários para aprender significativamente e se no ensino clássico o professor não se preocupava minimamente com esta exigência, muitos professores infelizmente continuaram a não se preocupar. Esta condição exige uma mudança da avaliação, com muito mais ênfase numa avaliação formativa ou mesmo formadora (Abrecht, 1994, p. 49), muito mais pró-activa e voltada para a meta-aprendizagem do que a já tradicional, e muitas vezes mal aplicada, avaliação formativa (Valadares e Moreira, 2009). Finalmente ainda há outra condição para que o aluno aprenda significativamente e que é a sua predisposição psicológica para desenvolver o esforço de assimilar o significado dos assuntos a aprender. Estas duas condições, subsunçores adequados previamente assimilados e predisposição para aprender significativamente, fazem do aluno o elemento estruturante e estruturador da sua própria aprendizagem. Ninguém pode aprender por ele. A sua aprendizagem significativa é um processo pessoal e idiossincrático de assimilação dos significados dos assuntos que aprende e é a forma de aprendizagem mais enriquecedora.

Voltando aos manuais, a sua melhoria foi manifestamente uma consequência do fim do manual único de carácter obrigatório para todas as escolas aprovado em segredo no seio do Ministério da Educação. A livre concorrência entre autores e editoras que se seguiu ao 25 de Abril de 1974 veio beneficiar em geral a qualidade global dos manuais, mas nem sempre os manuais de melhor qualidade didáctico-científica foram os mais adoptados a nível nacional, pesando outros factores como o marketing das editoras e outros factores.

No que se refere aos manuais de Física, começou finalmente a fazer-se notar uma grande influência do PSSC logo nos primeiros manuais portugueses pós 25 de Abril, influência essa que se contagiou aos restantes. Em 1975, começou a ser publicada por Luis Silva e Jorge Valadares uma série de 6 volumes de Física, cobrindo praticamente todas as áreas da Física Clássica, num total de mais de 1800 páginas: Vol. I – Mecânica fundamental; Vol. II - Campo gravítico, vibrações e ondas; Vol. III – Introdução à Física das partículas e dos estados sólido, líquido e gasoso; Vol. IV – Termodinâmica; Vol. V – Óptica, Vol. VI – Campo electromagnético.

Este exaustivo trabalho foi cientificamente muito apreciado por professores do ensino secundário e até do ensino superior que foram ao ponto de o recomendaram para consulta aos seus próprios alunos de Física do primeiro ano da universidade. Mas os vários volumes, apesar de se terem esgotado, acabaram por ser considerados pouco adequados à grande maioria dos alunos do ensino secundário, por várias razões de que os autores foram encontrando eco, entre elas o facto de nos programas ter ocorrido uma diminuição da carga horária da disciplina de Física e Química (quando se falava que ela iria aumentar, dada a importância dessa disciplina na sociedade) e o facto de muitos dos conteúdos nos referidos volumes terem um grau de desenvolvimento considerado exagerado para o nível exigível de conhecimentos aos alunos do ensino secundário. Fazendo uma análise actual a esses seis manuais, aceita-se totalmente tais argumentos, assim como se reconhece hoje terem outras deficiências, tais como: uma mancha de texto a duas colunas que confere um aspecto pesado ao conteúdo e dificulta a leitura; nenhuma inovação didáctica (sem um guia para o professor, por ex.); várias figuras com leitura difícil; não recorrerem a situações reais tanto quanto seria desejável; manutenção de alguns resquícios do passado, como, por exemplo, o de ponto material, o de peso aparente e o de espaço, no sentido de deslocamento num claro desrespeito pelas normas internacionais ISO (International Standard Organization) já então existentes.

No entanto, esses livros serviram como uma fonte de consulta importante para muitos professores das escolas secundárias, que ao prepararem-se com base neles, foram corrigindo algumas das deficiências científicas e didácticas do ensino da Física anterior atrás referidas. Ao contrário dos manuais anteriores, estes livros trataram as grandezas vectoriais com recurso ao cálculo vectorial, proporcionaram um apoio explícito na trigonometria e no cálculo vectorial, recorreram exaustivamente aos gráficos, particularmente na cinemática, utilizaram o conceito de taxa de variação (rate) e de limite para definir com rigor as grandezas médias e instantâneas, exploraram o conceito geométrico de integral para a dedução de muitas equações físicas, clarificaram vários conceitos, deduções e interpretações, como por exemplo o conceito de peso, ao considerar não apenas uma mas duas verticais, a geocêntrica e a geográfica e a interpretação dos movimentos através do recurso a duas descrições, nos referenciais inerciais e acelerados, introduziram uma nova forma de abordar e encarar o conceito de energia em que esta surge imediatamente associada aos sistemas e ao trabalho realizado sobre eles, clarificaram o conceito de calor considerando-o uma grandeza de fronteira, função de linha e distinguindo-o claramente de radiação, introduziram a primeira abordagem no ensino secundário à mecânica estatística e, em particular, à teoria cinético-molecular dos gases e a sua exploração para a eliminação da tradicional confusão entre calor, temperatura e energia interna e para a interpretação estatística da entropia, exploraram quatro processos diferentes de determinar o equivalente mecânico da caloria, com materiais existentes em diferentes escolas (um dos aspectos mais convincentes da equivalência térmica entre calor e trabalho é a coincidência de valores em métodos diferentes), efectuaram um estudo bastante completo, rigoroso e actualizado da óptica com as suas duas abordagens geométrica (corpuscular) e física (ondulatória) e do campo electromagnético já sem o velho conceito de massa magnética, exploraram didacticamente a história da ciência, com particular destaque na Termodinâmica em que a abordagem é vincadamente histórica, incluíram súmulas nos finais dos capítulos para sintetizar as ideias essenciais, bem como muitos problemas resolvidos no meio do texto, a título de exemplo, incluíram também muitos problemas finais de capítulo com as resoluções apontadas e não apenas com as soluções e no final ainda incluíram umas 50 páginas de Física do século XX.

Entretanto nessa década de 70 saíram mais alguns livros para o Curso Geral e Complementar do ensino secundário. Analisei o conteúdo dos seguintes, todos para o 1º e 2º ano do Curso Complementar do Ensino Secundário:

I) Física – Força e Movimento (1º ano), de Maria Helena Côncio Sousa (1976)

II) Física – Movimento e Energia (2º ano), de Maria Helena Côncio Sousa (1977)

III) Física (1º ano), de Alcina do Aido et al. (4ª ed., 1977)

IV) Física (2º ano), de Alcina do Aido et al. (3ª ed., 1978)

V) Lições de Física (1º ano), de José A. Teixeira (1977)

VI) Lições de Física (2º ano), de José A. Teixeira (1977)

Um dos problemas desde logo detectado em todos os livros dessa década e que infelizmente ainda hoje se mantém, que só serve para confundir professores e alunos que, numa atitude louvável, consultam vários livros, é o facto de surgirem os mais diversos símbolos para as mesmas grandezas, num preocupante desrespeito pelas convenções internacionais emanadas de organismos que têm autoridade para tal e ainda para mais aprovadas pela Sociedade Portuguesa de Física (Almeida, 1988; Valadares e Almeida, 1988). Foram também detectadas algumas deficiências específicas de cada livro aqui não referidas, pois irei ter apenas em atenção a permanência de antigas deficiências que atrás foram explanadas. Assim, temos:

deficiências epistemológicas, tais como uma visão causal da Física, ou princípios que surgem como teoremas, e vice-versa, etc. - livro I (p. 23 e 40); livro III (p. 42 e 69); livro V (p. 101); Livro VI (p. 33);

igualdade de grandezas dimensionalmente diferentes - livro V (p. 16, 284, 291 e 302);

introdução de grandezas designadas por escalar de um vector, que não é característica alguma dos vectores, tais como escalar do deslocamento, escalar da velocidade, etc. – livro I (p. 28); livro III (p. 22); livro V (p. 28);

noções incorrectas, incompletas ou clássicas, como a de calor, pressão, velocidade, massa gravítica, aceleração, movimento de rotação, energia de combustão, etc. – livro I (p. 42, 115 e 133); livro III (p. 238); livro IV (p. 67); livro V (p. 293, 333 e 334);

noções particulares que são generalizadas, como p. ex. afirmar que nos movimentos uniformes a velocidade é constante, ou que a velocidade instantânea é igual à velocidade média , ou que numa mudança de estado a temperatura é constante, ou que no movimento uniformemente acelerado os espaços são directamente proporcionais aos quadrados dos tempos – livro I (p. 37); livro II (p. 21); livro V (p. 30);

força de inércia como força fictícia ou artificial, quando todas as forças físicas não passam de constructos iguais a uma taxa de variação de um momento – livro I (p. 161);

a ideia de pesos aparentes, reais e pseudo-pesos, acelerações aparentes, etc. – livro I (p. 170); livro III (p. 86); livro V (p. 127);

incoerências acerca das mesmas grandezas, o que sucede com o peso que oraéforça gravítica ora força igual ao produto da massa pela aceleração da gravidade, a energia térmica, que ora é energia interna ora é calor, o designado trabalho interno que contraria a ideia de trabalho como grandeza de fronteira, uma grandeza escalar referente a um vector, por exemplo v para a velocidade, que ora é uma componente positiva ou negativa ora um módulo positivo, etc. – livro II (p. 21 e 67), livro IV (p. 17, 20 e 22); livro V (p. 19 e 37); Livro V (p. 103, 104, 217, 218 e 220);

utilização de designações confusas por terem outros significados em Física ou indutoras dos alunos em erro, como chamar deslocamentos a escalares algébricos que correspondem a porções de trajectórias curvilíneas ou velocidades angulares às velocidades que não têm a mesma direcção, ou falar em acumulação de trabalho produzido por forças, ou energia potencial de um ponto material, quando tal energia diz respeito ao sistema ponto material-Terra – Livro III (p. 22); Livro V (p. 43, 164 e 171);

deduções pouco correctas, tais como a referida dedução da energia potencial dos condutores esféricos em equilíbrio electrostático – livro IV (p. 100) ; Livro VI (p. 113);

Desta análise de conteúdo foi possível concluir que muitas deficiências antigas se arrastaram também aos anos 70. Isto fez com que muitos professores continuassem a possuir e a transmitir aos seus alunos, alguns deles futuros professores de Física, uma visão desta epistemologicamente desactualizada, académica, vivendo de entes abstractos como pontos materiais, forças fictícias, etc., desgarrada do mundo actual e da realidade do dia-a-dia, e ainda por cima com várias deficiências de índole científica e didáctica.

A análise que fiz de manuais das décadas posteriores, que por falta de espaço aqui não posso descrever e que é coerente com a experiência que vivi nos múltiplos cursos de formação de professores que dei, permite-me afirmar que os manuais continuaram a conter erros e imprecisões que se repercutiram nos professores e seu ensino.

Todavia, a qualidade global dos recursos de ensino foi melhorando, não só pela exploração do computador quer no progresso das artes gráficas quer para a utilização de programas de simulação e modelação, applets, etc., mas também porque as editoras passaram a produzir projectos com manuais para os alunos, guias para os professores, livros de actividades, etc., à imagem dos grandes projectos dos países desenvolvidos dos anos 60 e 70. Por outro lado, a investigação em educação e em didáctica das ciências arrancou no nosso país e com ela um número cada vez maior de docentes do ensino secundário passaram a fazer cursos de pós-graduação, mestrados e doutoramentos em várias áreas do mundo da educação.

Os sucessivos modelos de ensino que têm sido testados e nem sempre bem aplicados desde o velho ensino transmissivo acrítico não têm produzido os resultados que deles se esperava. É o caso do ensino por descoberta defendido nos anos 60 e 70 (Valadares, 2007, p. 214 a 217) e posteriormente o ensino para a mudança conceptual (Valadares, 2007, p. 218 a 228). Defendem-se actualmente modelos construtivistas e investigativos (Valadares, 2007, p. 228 a 233). De uma forma necessariamente sintética, direi que a sua finalidade transcende o ensino da Física para tentar alcançar uma verdadeira educação científica em Física e através da Física. Assenta numa perspectiva epistemológica construtivista da Física superadora das velhas antíteses empirismo-racionalismo, realismo-idealismo e cepticismo-dogmatismo, que valoriza uma perspectiva global e interdisciplinar da ciência, com ligação desta à tecnologia, à sociedade e ao ambiente, e que valoriza também a história da ciência e os contextos sócio-culturais de produção do conhecimento. Deve além disso ser encarada como um conhecimento não só para a compreensão mas também para a acção. Estes modelos defendem um pluralismo metodológico e multirepresentações dos mesmos fenómenos, baseadas nos mais diversos recursos didácticos hoje disponíveis. As estratégias deverão tanto quanto possível assentar em problemas motivadores para resolver, com o professor como dinamizador e mediador de processos de partilha, interacção e reflexão crítica. Os alunos devem ser motivados para a actividade de pesquisa bem orientada e apoiada e para o diálogo e a reflexão crítica sobre as suas maneiras de pensar, de agir e de sentir. Defendem estes modelos, tal como eu os encaro, o trabalho de grupo colaborativo intra e inter-grupos sem prejuízo das reflexões individuais necessárias, bem como a metacognição com recurso a organizadores gráficos baseados na teoria da aprendizagem significativa. A avaliação é parte integrante do processo de ensino em que os frequentes momentos de avaliação deverão ser encarados como momentos excelentes para aprendizagem, mediante um feedback adequado.

Mas o problema é que subsiste um hiato entre a investigação educativa e a prática educativa e muitos professores que leccionam Física continuam a não possuir a formação multifacetada que se exige a quem pretender conseguir aprendizagens altamente significativas nos seus alunos. De facto muitos não tiveram a possibilidade de acumular conhecimentos científicos sólidos, teóricos e práticos, epistemológicos, de psicologia educacional, metodológicodidácticos e de avaliação numa perspectiva actual. Todos eles são fundamentais para um ensino da Física valioso, o que faz com que uma sólida formação dos professores seja um dos aspectos vitais para a melhoria do ensino da Física. Outro aspecto vital é o que tem a ver com os ambientes nas escolas, os quais estão longe de ser os ideais, o que se repercute nos ambientes de aprendizagem que são muito importantes, e isso deve-se em grande parte à deficiente «governança» no sentido de Gowin (1981) que se tem verificado. Nesta «governança» estão incluídos factores sociológicos importantes para que os alunos se motivem suficientemente para aprender de forma altamente significativa a Física e para ligarem a Física ao seu futuro. Termino este trabalho manifestando preocupação pelo facto de os estudantes do ensino secundário procurarem cada vez menos ingressar em cursos superiores de Física, pois esta ciência é estruturante e tem uma importância enorme em várias áreas e em particular no mundo da tecnologia.

 

4. Conclusão

O ensino da Física desde o início do século passado e até aos anos 70 nada evoluiu. Os conteúdos e forma de os abordar, o modo como as aulas decorriam e a enorme influência dos manuais únicos contribuíram para tal. Os manuais continham uma série de deficiências que neste trabalho foram referidas, as quais foram sendo transmitidas de autores para autores e se mantiveram quase na sua totalidade ao longo dessas décadas. Nos anos 60 surgiram os chamados “programas do alfabeto”, cuja influência em Portugal foi enorme no ensino da Biologia, mas consideravelmente menor no ensino da Física, não se fazendo sentir antes da década de 70.

A experiência da sua aplicação nos países onde foram produzidos mostrou que eles não conduziram nem de perto nem de longe ao sucesso educativo que se lhes vaticinava. Tal ficou a dever-se ao tipo de ensino preconizado e seguido pelos professore, o ensino por descoberta, que exigia que os alunos redescobrissem por eles próprios o conhecimento a aprender com base num método chamado método científico, de índole empírico-indutivista (Mellado e Carracedo, 1993). Tal ensino revelou-se profundamente consumidor de tempo. Por outro lado, assentavam na ideia errada que apenas a aprendizagem por descoberta orientada ou autónoma é significativa. Ora tal não é verdade. A aprendizagem por recepção activa, em que a mente atenta ouve explicações oportunas dos assuntos por parte dos professores, «com conta peso e medida», também pode ser significativa caso se verifiquem as condições para que ela ocorra referidas neste trabalho.

Mas ainda que o PSSC tenha assentado em pressupostos psicológicos e epistemológicos incorrectos, os seus materiais de qualidade (livro do aluno, guia do professor, manual de práticas de laboratório, filmes, publicações de especialistas) não só implicaram uma mudança para melhor no ensino da Física a partir dos anos 70 e 80, como ainda hoje poderão constituir óptimas fontes de inspiração para o planeamento das aulas por parte dos professores.

Apesar de os professores e autores de manuais poderem dispor de materiais de qualidade, não haver imposição às escolas de um manual único e estas poderem escolher o manual que bem entendiam, e terem surgido vários manuais nas escolas para essa escolha, estes continuaram a ter algumas das antigas deficiências e não só e o ensino continuou a não conduzir a aprendizagens muito significativas na maioria dos alunos, o que veio a resultar em taxas elevadas de insucesso nos exames de Física, quando o nível de exigência destes subiu claramente, insucesso esse que ainda hoje se mantém.

 

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Data de recepção: Novembro de 2012
Data da avaliação: Dezembro de 2012
Data de publicação: Dezembro de 2013