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Revista Lusófona de Educação

versão impressa ISSN 1645-7250

Rev. Lusófona de Educação  no.24 Lisboa  2013

 

Paulo Freire e a Universidade

Paulo Freire and the University

Paulo Freire et l’Université

Paulo Freire y la Universidad

 

José Eustáquio Romão *

*Fundador do Instituto Paulo Freire Professor e Diretor do Programa de Pós Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Nove de Julho (UNINOVE), São Paulo jer@terra.com.br

 

RESUMO

Este trabalho trata de um tema pouco abordado na literatura educacional, que é a reflexão de Paulo Freire sobre a educação superior, uma vez que o educador brasileiro tornou-se conhecido em todo o mundo como pensador e promotor da alfabetização e da educação de adultos. Dado o movimento, recentíssimo, de criação, implantação e implementação de novas matrizes institucionais diferentes dos modelos clássicos de Instituição de Ensino Superior (IES) no mundo, este artigo relaciona o conceito de educação popular – a maior contribuição da América Latina e, certamente de Paulo Freire, ao pensamento pedagógico mundial – à nova concepção de universidade, identificando nichos universitários de produção de ciência pública e democracia cognitiva omnilateral.

Palavras-chave: Paulo Freire; educação superior; educação popular; ciência pública; democracia

 

ABSTRACT

This paper deals with a rarely subject discussed in the educational literature, which is the reflection of Paulo Freire on higher education, since the brazilian educator became worldwide known as a thinker and promoter of literacy and adult education. Assuming the movement, very recent, of the creation, deployment and implementation of new institutional matrices different from classical models of Higher Education Institution (IES) in the world, this paper relates the concept of popular education -the greatest contribution of Latin America and certainly of Paulo Freire, to the pedagogical thinking world - the new conception of the university, identifying college niches of production of the public science and the cognitive omnilateral democracy.

Keywords: Paulo Freire; higher education; popular education; public science; cognitive omnilateral democracy.

 

RÉSUMÉ

Ce texte travaille un thème qui n’est pas beaucoup abordé dans la litérature éducative qui est la refléxion de Paulo Freire sur l’éducation supérieur. Paulo Freire c’est un penseur brésilien qui est devenu connu en tout le monde comme un penseur et promoteur de l’alphabétisation et de l’éducation des adultes. Avant en considération le très récent mouvement de la création, de déploiement et de la mise en oeuvre des nouvelles matrices institutionnelles, des différents modèles classiques d’Institution de l’enseignement supérieur (IES) dans le monde, cet article fait la rélation de la conception de l’éducation populaire – la plus grande contribution d’Amérique Latine et certainement de Paulo Freire à la pensée pédagogique mondiale - à la nouvelle conception d’université, en identifiant des niches universitaires de production de la science publique et de la démocratie cognitive omnilatérale.

Mots-clés: Paulo Freire; éducation supérieur; éducation populaire; science publique; démocratie cognitive

 

RESUMEN

Este texto se concentra en un tema no mucho abordado en la literatura educativa, que es la reflexión de Paulo Freire sobre la educación superior, ya que el educador brasileño se tornó conocido en todo el mundo en cuanto pensador y promotor de la alfabetización y de la educación de los adultos. Teniendo en cuenta el movimiento, muy reciente, de implantación e implantación de las nuevas matrices institucionales, diferentes de los modelos clásicos de Institución de Educación Superior (IES) en el mundo, este artículo relaciona el concepto de educación popular – la más grande contribución de América Latina y, sin duda, de Paulo Freire al pensamiento pedagógico de todo mundo – a la nueva concepción de universidad, identificando los nichos universitários de producción de ciencia pública y de democracia cognitiva omnilateral.

Palabras clave: Paulo Freire; educación superior; educación popular; ciencia pública; democracia cognitiva

 

Introdução

É nas viradas de séculos e com mais ênfase nas de milênios que a crise se torna uma espécie de síndrome que perpassa todos os setores da sociedade e todos os discursos1.

Mas, o que é uma crise? Ela é o motor da transformação e, no limite, da revolução? Ou ela é a anestesia paralisante das possibilidades de sua própria superação?

Quando os problemas adquirem determinada dimensão no imaginário das pessoas, tanto eles podem provocar a reação para a superação da situação crítica, quanto podem gerar uma espécie de perplexidade – matriz do sentimento de impotência e do fatalismo que obstaculiza qualquer reação. Quando a deterioração objetiva das instituições atinge proporções desmesuradas, a patologia pode adquirir foros de normalidade.

Em tais contextos de processos de desestruturação econômica, social, política e ética, os aparatos epistemológicos, políticos e axiológicos tendem a ser envolvidos pela atmosfera da crise, forçando a migração do ser humano para seu próprio interior, gerando uma espécie de individualismo ético. O ser humano passa a enxergar conceitos, princípios, fundamentos e valores como resultados de processos de estruturação psicológica – e, não, como produtos dos processos sociais – e, por isso, busca em seu próprio interior os parâmetros para as formulações de suas teorias e ações, enfim de seu próprio projeto de vida. Este individualismo ético está muito próximo da visão escatológica, apenas a um passo do pessimismo apocalíptico e da aceitação do fim da história. Coincide com a falta de esperança imobilizadora a que se referia Paulo Freire: “Como programa, a desesperança nos imobiliza e nos faz sucumbir no fatalismo onde não é possível juntar as forças necessárias ao embate recriador do mundo” (1992, p. 10).

No último quartel do século XX, a globalização da acumulação capitalista – com a mundialização dos mercados – e a pulverização da bipolaridade política anteriormente vigente, por causa da derrocada do “Socialismo Real”, gerou-se um desequilíbrio sem precedentes nas instituições das formações sociais do Planeta, provocando a atmosfera da crise.

Em contextos congêneres de outras épocas da história2, a humanidade assumiu concepções e posturas semelhantes às que assume hoje, como ficou expresso, por exemplo, na transição crítica do mundo grego para o mundo helenístico. O epicurismo, o estoicismo e o cinismo – correntes de pensamento nascidas naquela época –, defendiam a “ataraxia” (absenteísmo político), a busca da realização individualista e o niilismo crítico. Cada uma dessas doutrinas enfatizou um desses princípios: o epicurismo teve como eixo a busca do prazer ético (hedonismo); o cinismo sublinhou a negação de todas as convenções (niilismo), inclusive o uso de roupas, e o estoicismo desenvolveu o ideal da perfeição enclausurada na intimidade do indivíduo. Apenas ele, o estoicismo, iria sobreviver e oferecer fundamentos para o Império Romano cristianizado por causa de sua flexibilidade axiológica: o ser humano deve seguir apenas as orientações públicas que coincidem com os princípios pessoais e com a escala de valores íntima. Desse modo, esta espécie de “intimismo à sombra do poder”3, permitia o engajamento dependente exclusivamente do juízo pessoal, na maioria das vezes tendente ao atendimento das meras conveniências individuais4. Não foram poucos os estóicos que se tornaram intelectuais orgânicos da República Romana em expansão militar, da mesma forma que se adaptaram e forneceram, mais tarde, os princípios que legitimaram o Império cristianizado.

Do mesmo modo, neste início de século XXI, não somos bombardeados todo o tempo pelo niilismo da mídia, que diz exprimir a descrença absoluta da opinião pública em relação às instituições e às possibilidades da ação política? Não estamos assistindo à reiteração da descrença absoluta nas possibilidades do conhecimento, o que é uma contradição in limine? Finalmente, não nos deparamos, cotidianamente, com o individualismo hedônico estampado na idolatria do corpo e no usufruto desenfreado e imediatista do prazer concupiscente?

Todas estes traços típicos de formações sociais em crise se exacerbam na crise da sociedade que os tinha como eixos fundamentais. Ou seja, o individualismo e o materialismo típico das sociedades burguesas quando entraram em crise, exacerbaram aqueles elementos típicos das sociedades em crise de transição: absenteísmo político, individualismo ético (e hedônico) e niilismo crítico.

É também curioso observar que as sociedades hegemônicas em crise tentam socializar seu sentimento de crise, tentam universalizar a crise, continuando sua empreitada colonizadora, afirmando que todo o mundo está em crise. Não! O que está em crise é um modo de produção específico, uma formação social histórica e uma teoria singular que lhes dá sustentação ideológica. Não é a ciência que está em crise, mas um tipo de ciência, formulada pelos intelectuais orgânicos de uma formação social que entrou em uma fase crítica, ou de transição para outro tipo de sociedade.

Como instituição social, desde sua criação no chamado “Mundo Ocidental”5, a Universidade tampouco ficou imune às crises dos diversos contextos. Foi, em geral, o espaço onde se fizeram ouvir os primeiros ecos das “situações-problema” e onde se manifestaram sempre os primeiros “inéditos viáveis” para a superação das primeiras, como gostava de se manifestar Paulo Freire (1997), ao analisar as crises e as possibilidades de sua superação. Foi aí também que ocorreram, quase sempre, as primeiras tentativas de superação das crises, qualquer que fosse a natureza delas.

A esta altura, caberia indagar por que a Universidade é essa instituição tão permeável às situações críticas e por que é tão sensível às novidades gnosiológicas e políticas, proclamando-se como pioneira na assunção da responsabilidade para superação dos problemas a que a humanidade se expõe (ou se propõe). A esta indagação é fácil responder com a tradicional afirmação de que a Universidade é uma instituição social, mantida pelos recursos da formação social a que pertence e que, portanto, em contextos de crise, sofre imediatamente as repercussões das depressões econômicas e políticas, porque a produção e a transmissão do saber para as novas gerações podem ser submetidas a adiamentos diante das emergências da luta pela sobrevivência. Este tipo de retração é também uma contradição in limine, porque é exatamente nas crises que a produção e a disseminação da ciência deveriam ser estimuladas para o descobrimento das soluções.

Nos dias de hoje, a Universidade se tornou mais permeável e mais sensível ainda aos abalos que ocorrem na sociedade e no Estado, porque, no atual estágio da acumulação capitalista, o conhecimento tornou-se a matéria-prima básica.

No penúltimo ano do século XX, assim se manifestou o então Diretor-Geral da UNESCO, Federico Mayor, confirmando a presença da crise que também medrava no ensino superior:

Agora, quando estamos chegando ao final deste século e nos preparamos para ingressar num novo milênio, estamos verificando um desenvolvimento do ensino superior e uma crescente conscientização de seu papel vital para o desenvolvimento econômico e social. No entanto, o ensino superior está num estado de crise em praticamente todos os países do mundo (Mayor, 1999, p. 7).

Como a Universidade poderá, com seus próprios referenciais, superar a crise que, presente na chamada Sociedade Ocidental, acabou por se espalhar por todo o Planeta por meio dos mecanismos de acumulação do sistema econômico que criou?

Parece-me que a saída não está nela própria, mas na possibilidade de sua própria superação institucional, curricular, científica etc. E “superar-se” não significa negar-se e negar sua história, mas descobrir-se em um novo contexto, a partir da síntese de suas próprias contradições internas, o que significa encarar a superação dialética como autotransformação, como substituição do imediato pelo mediato, em suma, enquanto “mediatização”, como gostava de dizer Paulo Freire.

Por isso, é necessário retomar, nem que seja sumariamente, a trajetória histórica dessa instituição criada também pela chamada “Civilização Ocidental Cristã”. Uma breve reconstituição de suas origens e trajetória pode esclarecer o fato de ter sido ela, ao longo dos anos, a caixa de ressonância críticas aos problemas sociais, bem como das tentativas de formulação das soluções inovadoras.

Trajetória da Instituição Universitária

Esta velha senhora chamada “Universidade” e que já tem quase um milênio de existência – considerando-se sua criação, no “Ocidente”, em 1088, em Bologna, Itália –, nasceu sob a dupla inspiração da universalidade e da corporação. Embora ela tenha dado grandes contribuições à humanidade, lamentavelmente, salvo raras exceções que confirmam a regra geral, o espírito corporativo acabou por predominar em sua estrutura e em seu funcionamento e ela passou, ao longo dos séculos, a produzir muito mais para suas próprias finalidades e para a realização de seus membros do que para a sociedade como um todo. Por isso, desenvolveu uma série de vícios, dentre os quais se destacam: o elitismo, o credencialismo, a fragmentação dos saberes, o cientificismo e a miopia em relação aos conhecimentos produzidos fora de seus muros, sem falar que, por isso mesmo, passou a ser uma prerrogativa das elites e de uma minoria de vanguardistas. O ensino superior mantido pelo Estado no “Mundo Ocidental” destinou-se às minorias e delas permaneceu prisioneiro, na medida em que formulou “poderosas” teorias sobre a inconveniência de sua socialização e, muito menos, de sua universalização, devendo ele ficar adstrito às elites. Foi criado o mito da incompatibilidade absoluta entre massificação e qualificação na Educação Superior da maioria dos países do mundo capitalista. Este ainda é o argumento que sustenta o elitismo da universidade, como se toda formação humana não fosse adequadamente desenvolvida em nível superior.

Diante deste mito, cabe indagar: (i) Por que somente uma minoria pode ter acesso aos processos e aos produtos do que há de melhor no “banquete civilizatório”? (ii) Por que a maioria da humanidade deverá ser condenada ao trabalho pesado, às atividades manuais, mecânicas, repetitivas, em suma, às tarefas mais desumanizantes? Somente uma sociedade dominada por uma visão de mundo que tem como ponto de partida e que exibe em seu frontspício o individualismo pode defender a superioridade gnosiológica (vanguardismo) e política (elitismo) de um grupo minoritário.

Apesar de suas ambiguidades e instabilidades posteriores, a Universidade constituiu, em seu nascimento, uma das contraprovas da historiografia modernocêntrica, que considerou a Idade Média como a “Longa Noite de Mil Anos”. Desde sua criação no século XI, ela deu provas de uma vitalidade crítica e de resistência a todas as formas de ignorância, obscurantismo, intolerância e violência física e/ou simbólica.

Contudo, a partir da “Modernidade Ocidental”, a instituição universitária, apesar de suas contribuições, foi sendo dominada, progressivamente, pelo corporativismo que já se insinuara em suas origens, comprometendo-se, cada vez mais com a “sombra do poder”.

Mais recentemente, desde o último quartel do século XX, a educação, de um modo geral, acabou caindo nos braços do projeto pedagógico neoliberal e a Universidade, ainda que se mantendo no seu “intimismo” – no mínimo reticente e, no limite, crítica a esse projeto –, muito pouco fez para apresentar alternativas contra-hegemônicas ou pós-neoliberais aos sistemas nacionais de educação que haviam sido seduzidos pelo canto da sereia da globalização e de seus arautos neoliberais.

Na última década do século XX e na primeira do século XXI, o Neoliberalismo imperou soberanamente nos sistemas nacionais de educação da América Latina, apesar das poucas vozes da resistência que se faziam ainda ouvir em alguns poucos nichos das universidades nacionais. De posse de dados estatísticos, indicadores, rankings e de toda uma parafernália empírica que lhe conferia credibilidade científica, os chamados “empresários da educação”6 pontificaram nas reformas educacionais que foram perpetradas no subcontinente latino-americano e no Brasil, implantando a lógica do mercado no universo da educação, cujo imperativo mais impactante foi (e continua sendo) a vinculação da remuneração e da progressão funcional docente à produtividade. Esta relação foi implantada em todos os graus de ensino, gerando o que poderíamos denominar “furor avaliativo: quase todos os países do subcontinente – o mesmo ocorreu em outros países do mundo, ainda que variassem as razões – formularam, implantaram e implementaram “sistemas nacionais de exames” e a avaliação processual, diagnóstica e formativa ficou aí relegada, ou até mesmo eclipsada, por avaliações estruturais, classificatórias e meritocráticas. Esta é uma das mais diabólicas estratégias de qualquer processo hegemônico: universalizar a convicção de que os benefícios do processo civilizatório só são acessíveis a poucos e que somente pela competência individual se podem alcançá-los, convencendo ainda os “fracassados” da “justiça” do débito do fracasso em sua própria conta.

A Universidade Freiriana

Pode parecer estranho falar de Paulo Freire e a Educação Superior, porque ele ficou mundialmente conhecido, seja por sua obra escrita seja por suas intervenções no Brasil e em outros países, como um “educador de adultos”, como um “educador dos movimentos sociais”, como um educador da educação não-formal”. Além disso, Paulo Freire não entrou, a não ser como epígrafe, como título de instalações (escolas, bibliotecas, centros acadêmicos etc.), na Academia, no sentido de sua ideias serem referência para a produção do conhecimento. É que, embora muito reconhecido como educador pelas universidades, os nichos mais avançados da pesquisa e os campos do conhecimento de maior prestígio não incorporaram seus fundamentos como científicos. “Paulo Freire é um grande intuitivo”, dizem os scholars, mas, além de não ser portador de diplomas, é um autodidata e, como tal, apresenta limites, quando não “está superado”, dizem, sem, na verdade, o terem aplicado7.

Portanto, uma primeira abordagem da relação de Paulo Freire com a Educação Superior, mesmo que ele não tenha escrito qualquer coisa sobre este grau de ensino, o ethos freiriano perpassa toda a educação, seja em que grau for, até porque, no caso brasileiro, a recente lei n.° 12.612, de 13 de abril de 2012, estabeleceu que Paulo Freire, é Patrono da Educação Brasileira e não apenas da Alfabetização e da Educação de Adultos.

E não é verdade que Paulo Freire não tenha refletido sobre a educação superior e sobre o papel dos intelectuais. Mais ainda, ele teceu profundas e instigantes considerações sobre o papel das universidades e dos intelectuais. De modo específico, em 1994, ele participou de um seminário, promovido pela Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM), no qual, discutiu com o expressivo e qualificado grupo de pesquisadores e pensadores que o “sabatinaram” sobre sua teoria a respeito da Universidade, da Educação Superior e do papel dos intelectuais8.

É impossível resgatar a riqueza das discussões que aí se travaram. Por isso e porque para estas nossas reflexões são suficientes apenas dois aspectos que afloraram na discussão na cidade do México, é que nos limitaremos a comentar duas questões que foram recorrentes na discussão:

a. Qual é o papel das universidades na o processo de conscientização e emancipação dos oprimidos?

b. Qual é o papel dos intelectuais nesse mesmo processo?

As duas questões nos conduzem a uma dúvida curiosa que emergiu no mesmo seminário: o abandono, ou não, por Paulo Freire, do conceito de “conscientização”.

Conscientização

Começo pela curiosidade. Paulo Freire respondeu a uma indagação sobre o termo e o conceito de conscientização. Segundo o próprio Paulo Freire, o conceito designado pelo “estranho vocábulo”, conscientização foi criado pelos membros do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), na primeira metade do século XX, mais precisamente nas proximidades do ano de 1964. Ainda segundo ele, foi o arcebispo de Recife, D. Helder Câmara, quem traduziu o termo para o inglês e o francês, difundindo-o pelo mundo. Vale a pena dar a palavra ao próprio Freire para se perceber a importância que ele conferia ao termo e ao conceito por ele designado:

Ao ouvir pela primeira vez a palavra conscientização, percebi imediatamente a profundidade de seu significado, porque estou absolutamente convencido de que a educação, como prática da liberdade, é um ato de conhecimento, uma apropriação crítica da realidade (Freire, 1979, p. 25).

Para Freire, a “tomada de consciência” não pode ser confundida com conscientização, porque a expressão corresponderia ao primeiro momento de aproximação dos seres humanos à realidade objetivada, mas não analisada criticamente. Esta aproximação inicial da realidade permite ao ser humano apenas experimentá-la superficialmente. É uma aproximação espontânea que o conduz a uma apreensão ingênua da realidade.

A tomada de consciência não é ainda conscientização, porque esta consiste no desenvolvimento crítico da tomada de consciência. A conscientização implica, pois, que ultrapassemos a esfera da realidade, para chegarmos a uma esfera crítica na qual o homem assume uma posição epistemológica (Freire, 1979, p. 26).

Por época do IV Encontro Internacional do Fórum Paulo Freire, na cidade do Porto (setembro de 2004), a Professora Luíza Cortesão propôs-me uma questão que, à primeira vista, causou-me relativa estranheza. Respondi apressadamente, para não dizer displicentemente, o que pensava, porque não atinara com a importância da indagação. Posteriormente, com base na convicção de que esta amiga tão competente e tão rigorosa com a investigação em educação jamais levantaria problemas em vão, especialmente os relacionados ao pensamento de Paulo Freire, com o qual ela assumira um compromisso de rigorosidade, desde que se tornara co-fundadora e, depois, coordenadora do Instituto Paulo Freire de Portugal, resolvi investigar a questão proposta com a atenção que ela merecia.

Mas, afinal, qual era a questão? Luíza indagara-me se Paulo Freire, a partir da década de 1980, abandonara o conceito de conscientização e quais seriam as razões do abandono. Não sei se ela formulara a mesma questão a outros estudiosos do pensamento freiriano, mas, de qualquer modo, o endereçamento a mim era uma deferência – a que eu não correspondera com a devida atenção – na medida em que me qualificava como entendedor da obra de Paulo Freire. Se a lisonja foi a causa de forte sentimento de vergonha e de culpa, teve o mérito de me mobilizar para uma investigação mais séria e minuciosa da questão.

Por isso, aqui, resgato uma dívida com essa querida amiga Luiza Cortesão, livrando-me dos sentimentos que, de alguma maneira, me incomodaram por qua-se uma década. Devo lhe agradecer pela oportunidade que me criou, ao provocar-me e mobilizar-me para a pesquisa de um ponto extremamente fundamental do legado de Paulo Freire, ao qual eu não prestava muita atenção.

Sobre o abandono do termo “conscientização”, o próprio Paulo Freire assim se manifestou:

... nos anos ’70 tentei preocupar-me intensamente com esta questão9; naquela época estava muito associada ao uso da palavra “conscientização” é era uma coisa incrível: onde quer que chegava encontrava esta palavra [associada] a projetos que eram, em grande parte, objetivamente reacionários, não importa que, às vezes, subjetivamente ingênuo ou astuto. O que quero dizer é que, às vezes, se é objetivamente reacionário e, ingênua ou astutamente, se sabe que, objetivamente, se é reacionário. Então, naquela época, dizia a mim mesmo que há somente duas maneiras de enfrentar isso: a primeira é que para usar a palavra conscientização (e vocês não encontram, a partir de 1974 (1984?), a palavra conscientização e isto porque participei de um seminário com Ivan Illich em Genebra, no qual ele retomava o conceito de desescolarização e eu tomava o conceito de conscientização. Aí, portanto, falei pela última vez desta palavra. Entretanto, é claro, não abandonei a compreensão do processo que eu chamava conscientização, mas abandonei a palavra (Escobar-Guerrero et al., 1994, p. 14).

No caso brasileiro, com uma universidade ainda muito jovem – as primeiras foram criadas no país somente na primeira metade do século XX –, os resquícios do descaso de uma sociedade escravocrata (dominante por cerca de 400 anos) com a educação, ainda que fosse somente com a educação básica de seu povo, estendeu-se por muito tempo após a Abolição da Escravatura (13 de maio de 1888) e alcançou, em certo sentido, os limiares do século XXI.

Esforços como os de Paulo Freire, na década de 60 do século XX, pela alfabetização, e de Florestan Fernandes, na mesma época, por uma universidade que trabalhasse em benefício do povo, foram vozes isoladas. Paulo Freire foi preso, logo após o golpe militar de 1964 e foi exilado por quase duas décadas; Florestan Fernandes sofreu, também, os impactos maléficos da repressão. Este, já nos anos de 1960, indagava, no título de um livro seminal para a transformação da universidade brasileira: “Universidade: reforma ou revolução?”10 Os militares responderam com uma reforma que, na verdade, fragmentou o frágil Sistema Nacional de Educação, apenas esboçado na reforma nacional-desenvolvimentista implantada em 1961, após a sanção da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Com a reforma militar do ensino superior (Lei 6.540/1968), os governos dos generais reestruturam a adolescente universidade brasileira, alinhando-a ao modelo norte-americano, esboçado no chamado “Relatório Atcon”11, traduzido pelo “Relatório Meira Matos”12 e implantado pelos técnicos e intelectuais orgânicos da Universidade de Houston, com base nos acordos MEC-USAID13.

Herdeira da universidade corporativa europeia, em primeiro lugar, e vassala da universidade tecnicista norte-americana, em segundo, a Universidade Brasileira exacerbou os vícios da primeira e aprofundou o competitivismo da segunda. É que, no Novo Mundo colonizado, a universidade europeia passara a ser, simultaneamente, um dos mais importantes canais de distinção social da minoria colonizadora e de seus aliados locais e um dos mais odiosos critérios de discriminação da maioria da população colonizada, ou melhor, escravizada. Com a satelização do país pelos Estados Unidos no contexto da Guerra Fria, a educação brasileira teve, na sua “despolitização” competitiva, a politização liberal que passou a orientar seus caminhos para o privatismo e para o corporativismo. O privatismo se manifesta na significativa rede privada de IES, com algumas exceções; o corporativismo emergiu e dominou as IES públicas – e não sabemos qual dos dois fenômenos é o pior, porque ambos buscam atender apenas os interesses de seus membros internos, sem darem qualquer atenção aos direitos sociais. Em ambos impera o individualismo, a competição e a meritocracia personalista, fenômenos naturalmente decorrentes do privatismo e do corporativismo.

Embora dividido entre dois projetos de sociedade antagônicos – corporificados nos Estados socialistas e nos burgueses e, consequentemente, entre duas racionalidades (a marxista, nas suas diversas tendências, e a liberal, também nas suas diversas correntes) – o mundo contemporâneo vinha vivendo um período de relativa estabilidade, quando, de uma hora para outra, o equilíbrio bipolar se desfez, pegando de surpresa tanto os defensores de um lado, quanto os advogados ex-officio do outro14. Os que haviam optado pela “Cortina de Dólar”, como era o caso do Brasil, se viram de uma hora para outra sob a pressão da “Pax Americana”, como única alternativa (vitoriosa) da Guerra Fria.

Da mesma forma, rompeu-se o equilíbrio de um período de relativa “normalidade científica” – para usar a terminologia de Thomas Kuhn (1995)15 – e iniciou-se uma era em que os modelos teóricos explicativos parecem não dar conta da complexidade do real. Para desespero da maioria, essa verdadeira crise dos paradigmas tirou o chão da racionalidade, gerando, por um lado, certa orfandade epistemológica e, por outro, uma espécie de empirismo-espontaneísta.

Contudo, eis que surge, na primeira década do século XXI, no cenário da educação superior brasileira, uma tentativa de resposta às críticas tanto ao ensino superior tradicional, referenciado nas universidades europeias, quanto ao neoliberal pautado nas orientações norte-americanas: as universidades populares. Elas constituem uma tentativa de superação, seja ao corporativismo da “Universidade do Brasão”, seja ao mercantilismo da “Universidade do Logotipo”16. Este novo modelo de instituição de ensino superior (IES) tenta, por um lado, fazer eco à chamada de atenção de um líder de um dos movimentos sociais que integrou uma rede de lutas pela construção da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS): “Não queremos mais uma universidade que diplome profissionais para a produção, mas que os forme para a igualdade”17. Por outro lado, ela reconhece a fragilidade das soluções nacionais e tenta construir uma matriz institucional que responda, ao mesmo tempo, à necessidade de configuração de institucionalidades supranacionais. Tanto a universidade mencionada quanto as demais, que constituem objeto atual de nossa pesquisa na Rede Ibero-Americana de Investigação em Políticas Educativas (RIAIPE III)18 fazem este movimento, nos dois sentidos: superação da lógica do mercado e contraposição de uma matriz institucional supranacional de ensino superior ao modelo transnacional neoliberal.

Algumas Considerações Finais sobre a Universidade Brasileira no Contexto do Neoliberalismo

Como os finais de milênio têm sido emblemáticos no imaginário das pessoas a ideia de fim do mundo, em geral com crises apocalípticas, no milésimo aniversário, a ser completado no mundo ocidental em 2088, a Universidade deveria ser substituída por uma outra instituição que respondesse aos reclamos contemporâneos do processo civilizatório. A humanidade deveria decretar o fim dessa milenar instituição, transformando-a radicalmente, ou, no limite, substituindo-a por outra organização social. Esta nova organização seria o novo “instrumento civilizatório”, não corporativizado, que apenas atende aos interesses de seus membros internos, mas que fosse inclusivo para todos os segmentos sociais, isto é que buscasse atender, em suas missões institucionais (pesquisa, formação e extensão) respostas para os desafios e problemas a serem superados por todos, em suma, produtora de uma verdadeira Ciência Pública; que formasse profissionais e intelectuais, não para o lucro, mas para a igualdade social; em que o credencialismo fosse substituído pela mútua confiança e pela evidência das soluções encontradas; em que a categoria de totalidade fosse restaurada nos conhecimentos produzidos; em que a arte e as demais formas de representação da realidade fossem incorporadas nos currículos; em que todos os saberes, independentemente dos lugares de sua elaboração e enunciação, fossem levados em conta, ou seja, que promovesse a Democracia Cognitiva Omnilateral.

A experiência histórica tem demonstrado que uma instituição como a Universidade não pode ser construída, nem substituída, da noite para o dia. Felizmente ainda temos mais de meio século para reconstruí-la antes que ela complete um milênio de idade. Sabe-se, também, que não é possível transformar estruturalmente uma instituição dessa natureza a partir do nada, como Minerva que nasceu da cabeça de Zeus, mas, a partir de sua própria realidade, de sua concretude, da universidade que existe. Desse modo, é preciso partir da universidade concreta, existente no Brasil e na América Latina, para a construção da nova organização que ocupará seu lugar e cuja legitimidade se assente nos interesses da humanidade.

Nos últimos anos, o movimento de reconfiguração da educação superior, que é mundial, ocorre no contexto dos fenômenos contemporâneos denominados “globalização econômica” e “mundialização cultural”, sob o entendimento de que está a emergir uma “Sociedade do Conhecimento”. Nesse processo, duas direções mais gerais podem ser percebidas na Educação Superior, cada uma delas representando uma distinta face política e, portanto, com diferentes filosofias, estratégias e formatos de implantação.

World Class Universities

São as instituições de ensino superior (IES) contemporâneas pautadas em programas unificados, em avaliações comparativas voltadas para classificações (rankings) e credencialismo transfronteiriço; em plataformas de trabalho e de intercâmbio virtuais previamente formatadas, na suposta constituição de uma desejada cultura global, a ser reproduzida universalmente. Em uma palavra, essas universidades são conducentes a uma homogeneização cultural baseada na racionalidade derivada do centro difusor do capitalismo neoliberal. Exemplos desse tipo de universidade sem fronteiras e dirigidas à reprodução da racionalidade e dos interesses do mercado são as universidades transnacionais e as corporativas.

Universidades Populares

Tendo como principais referências as concepções da Educação Popular e os debates críticos sobre a elitização da Educação Superior e seu papel na “Sociedade do Conhecimento”, a proposta que fundamenta as Universidades Populares – porque dele podem derivar formatos institucionais diferentes – está ancorada nas demandas de formação superior dos países considerados de baixo ou de emergente desenvolvimento. Situam-se, ainda tentativamente, no campo da inovação institucional e curricular, no universo da diversidade e da valorização do pensamento e dos interesses das maiorias, da construção de uma sociedade baseada na justiça social e na equidade. Já emergindo, constroem, processualmente e por meio da socialização do processo decisório, formatos institucionais adequados a políticas alternativas de “planetarização”19 contra-hegemônicas aos processos de globalização. Alguns exemplos de IES brasileiras são representativas desses tipos institucionais20: a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), com 5 (cinco) campi (Chapecó, em Santa Catarina; Erechim e Laranjeiras do Sul, no Rio Grande do Sul e Cerro Largo e Realeza, no Paraná) que propõe, em seus documentos de constituição, a construção de uma universidade popular; a Universidade da Integração Latino-Americana (UNILA), que pretende ser um locus de formação multilíngue e multicultural de quadros de pessoal de alto nível para os países do Mercosul; a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), cuja diretiva está na constituição de uma instituição também multicultural e focada nas questões multilaterais de Brasil, Portugal e dos países luso-falantes da África; a Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), cuja estrutura multicampi (5 campi: 2 em Pernambuco, 2 na Bahia e 1 no Piauí) está voltada para a busca de soluções para problemas históricos das populações do semiárido nordestino; a Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), com seus 10 campi localizados no estado do Rio Grande do Sul (Alegrete, Bagé, Caçapava do Sul, Dom Pedrito, Itaqui, Jaguarão, Santana do Livramento, São Borja, São Gabriel), que também está focada na solução de questões históricas de desenvolvimento regional e fronteiriço. A essas universidades pode ser acrescentada a Escola Florestan Fernandes, localizada em Guararema (SP), que, há mais tempo, vem realizando a formação de lideranças para o Movimento dos Sem-Terra (MST) e outros movimentos sociais do campo, numa outra estratégia curricular e ao arrepio da perspectiva oficial de acreditação. Ainda que não se insira no universo das universidades regulares, é uma instituição que pode ser considerada de Educação Superior em várias das formações que desenvolve. Mesmo que não se defina como popular, a Universidade Nove de Julho tem a maioria de seus mais de 100.000 estudantes egressos das classes populares e de trabalhadores. Sua inclusão no universo deste texto justifica-se, portanto, pelo perfil socioeconômico de seu alunado. Além disso, ela constitui um fenômeno único no conjunto das IES mantidas pela iniciativa particular no país, por causa do uso, cada vez mais frequente, do “fator público” em seus processos seletivos para a pós-graduação stricto sensu. Por fim, a Universidade Aberta do Brasil (UAB) que, pelo fato de se utilizar dos meios virtuais de comunicação, está acessível a estudantes de camadas sociais de baixa renda e de outros países, atuando numa perspectiva de universalização do ensino superior.

As propostas e os modelos não são únicos, mas considerando a constituição recente dessas instituições e que os desafios teóricos e práticos que estão enfrentando são imensos – especialmente por força inércia histórica, tanto da dinâmica interna das universidades quanto pela correlação de forças conservadoras hegemônicas –, a relevância social do estudo dessas instituições é importantíssimo, especialmente por sua disposição inicial para construir matrizes alternativas de Educação Superior ao modelo Neoliberal que tenta se transformar em consenso.

 

Referências Bibliográficas

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Data de Submissão: Julho de 2013
Data de Avaliação: Setembro de 2013
Data de Publicação: Outubro de 2013

 

Notas

1Partes deste texto foram a base de um trabalho a ser publicado como capítulo de uma coletânea nos Estados Unidos e de outra publicada no Brasil. Ele foi apresentado, na sua versão original, no Seminário Políticas de Ações Afirmativas na Educação Superior, realizado em Salvador, Bahia, nos dias 26 e 27 de novembro de 2012, e organizado pela Rede RIAIPE, em colaboração com a Universidade Federal da Bahia. Para este artigo, ele foi bastante modificado, atualizado e expandido.

2Reproduzo, aqui, parte da tese que defendi no concurso público que disputei no início dos anos 70 do século XX, concorrendo a uma cadeira de docente em História das Ideias Políticas, na Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil.

3Embora seja uma questão que ultrapassa os limites deste trabalho, não posso deixar de fazer uma sumaríssima consideração sobre este conceito que, em última instância, parece ser um problema das relações dos intelectuais de todos os tempos com o poder. A expressão foi aplicada por Thomas Mann a intelectuais alemães no ensaio Grandeza e Sofrimento de Richard Wagner (cit. por COUTINHO, 1974).

4Não foram poucos os estoicos que se tornaram intelectuais orgânicos da República Romana em expansão militar, da mesma forma que se adaptaram e forneceram, mais tarde, os princípios que legitimaram o Império cristianizado.

5Grafo-o entre aspas e com maiúsculas porque se trata de uma criação dos pensadores europeus, para distinguir-se do “Orientalismo”. Edward Said (1995) demonstrou à exaustão como esta é uma formulação ideológica, criada pelos cientistas europeus do século XIX e que serviu de álibi aos mais duros processos de colonização de determinados países do antigo Levante. Afinal, se a Terra é redonda, estaremos a ocidente (à esquerda) ou a oriente (à direita), dependendo do lugar do globo que tomemos como ponto de referência. Os chineses não estão no Extremo Oriente, se tomamos como ponto de referência a própria China.

6Como gosta de lhes denominar Luis Carlos de Freitas, Diretor da Faculdade de Educação e pesquisador da Universidade de Campinas (UNICAMP).

7Em outras oportunidades já demonstrei que Paulo Freire não entrou na Universidade como pensador, por uma outra razão muito mais profunda, em geral ocultada nas benevolentes e paternalistas, para não dizer hipócritas, referências a ele como um “grande educador”. Seu pensamento e sua obra política representam uma dupla ameaça aos intelectuais “intimistas à sombra do poder”: em primeiro lugar ele apresenta uma vantagem epistemológica no conhecimento dos oprimidos e oprimidas e, em segundo lugar, ele defende, radicalmente, que o conhecimento só ganha legitimidade concreta no interior de uma prática, seja na sua origem (legitimidade epistemológica) seja na sua destinação (legitimidade política).

8Estamos preparando a edição de uma obra sobre Paulo Freire e a Educação Superior, resgatando as transcrições do mencionado seminário que, em parte, já foi publicado em inglês, pela Universidade do Estado de Nova York, em 1994.

9Paulo Freire está se referindo ao uso indevido de termos que, nas suas concepções, tem um sentido politico específico e comprometido com a educação emancipadora.

10Embora tivesse publicado o livro Universidade brasileira: Reforma ou revolução? em 1975, Florestan Fernandes já concluíra o texto em novembro de 1968 (data em que assina o prefácio). E escreveu-o sobre a pressão dos “anos de chumbo” da ditadura brasileira, na qual os jovens, especialmente os universitários, resistíamos ao governo militar e eram, naquela época, poucas as vozes corajosas encontrávamos para nos inspirar e animar. Naquela conjuntura, Florestan se arriscava a escrever: “Além disso, é minha convicção que largamos aos jovens, estudantes, operários ou intelectuais, uma sobrecarga desumana. Eles se arriscam sozinhos na primeira linha de combate, como se a sociedade nacional não possuísse outros agentes válidos de defesa de seus interesses centrais e dos seus valores coletivos. Caem vitimados pela incompreensão, pela difamação ou por castigos que chegam à eliminação física. Só con-tam com o apoio direto e com a solidariedade ativa, mas ‘extrapolítica’, dos familiares: uma solidariedade humana débil, que não interage com as emoções, as motivações e os ideais de vida, que animam os jovens em luta por ‘uma sociedade melhor’ ” (p. 14).

11O “Relatório Atcon”, como ficou conhecido, foi elaborado por Rudolf Atcon, intelectual norte-americano que fora convidado e contratado como especialista para orientar a reforma universitária empreendida pelo governo militar recentemente instalado. Ele trabalhou de junho a setembro de 1965, elaborando os princípios da reforma universitária, dentre os quais se destacam: flexibilização e diversificação docente; criação de cursos básicos de estudos fundamentais; criação do Departamento e extinção da cátedra; ampliação e diversificação dos cursos profissionais; formação do Conselho de Reitores das Universidades Brasileira (CRUB); estruturação da gestão universitária com a criação do Conselho Universitário e do Conselho de Curadores, com responsabilidade financeira.

12Nome atribuído ao relatório resultantes dos trabalhos da comissão que funcionou de 11 de janeiro a 8 de abril de 1968, presidida pelo General Carlos de Meira Mattos, que adotou as orientações do Relatório Atcon para a reestruturação da Universidade Brasileira que tinha, dentre outros objetivos, desmobilizar e fragilizar o movimento estudantil.

13A expressão “MEC-USAID” é a fusão das siglas do então Ministério da Educação e Cultura (MEC) e da United States Agency for International Development (USAID). Os acordos tinham por objetivo precípuo a reforma do ensino superior, introduzindo, no Brasil, o modelo estadunidense.

14A bibliografia que tem tentado analisar a derrocada do “Socialismo Real” não previu o fenômeno. Nem mesmo Habermas antecipara a percepção da queda do muro de Berlim, conforme entrevista que concedeu a Bárbara Freitag e Sérgio Paulo Rouanet. Ele confessou, à época, sua própria perplexidade: “Eu fiquei tão surpreendido como todos os outros, não vou negar isto. Mas, sobretudo aqui na Alemanha, surgiu em consequência disso uma estranha mistura de dois estados de espírito: uma sensação de partida para um mundo novo e a sensação de um mundo que tinha acabado” (Folha de São Paulo, 30/04/95, Caderno “Mais”, fls. 5-7).

15Este autor considera como paradigma uma espécie de conjuntos de padrões e técnicas epistemológicos, aceitos e empregados, com relativo sucesso, durante certo tempo, por um grupo de cientistas. No nosso caso, apenas por analogia poderíamos aplicar seus conceitos, inclusive o de “normalidade científica”, porque estamos tratando de totalidades mais abrangentes, que são as Weltanschauugen burguesa e socialista.

16Aproveito, aqui, a bela metáfora que intitulou a tese de Cleide Rita Silvério de Almeida (2001).

17Em uma reunião dos movimentos sociais realizada na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), em 2011.

18Referidas neste texto mais adiante.

19O Manifesto da Planetarização, proclamado pelos freirianos no Seminário Binacional, realizado em São Paulo, em 2005, no contexto da Rede Iberoamericana de Investigação em Políticas Educacionais (RIAIPE I explica por si mesmo sua precedência, oportunidade histórica e legitimidade em relação ao fenômeno da globalização. O referido manifesto poderá ser consultado no site seguinte: http://unipazsp.org.br/tratados/manifesto%20da%20planetarizacao.pdf

20No Brasil as Instituições de Ensino Superior (IES) apresentam-se, legalmente, sob diferentes matrizes institucionais: Faculdades, Institutos Superiores, Centros Universitários e Universidades. A diferença entre elas é determinada, dentre outros fatores, pelo grau de autonomia.