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Revista Lusófona de Educação

Print version ISSN 1645-7250

Rev. Lusófona de Educação  no.23 Lisboa  2013

 

Conceção e implementação de um projeto de educação sexual na turma: legislação vs literatura

Conception and implementation of a sex education program: legislation vs literature

Conception et mise en œuvre d’un programme d’éducation sexuelle dans la classe - littérature vs législation

Concepción e implementación de un proyecto de educación sexual en el aula: literatura vs legislación

 

Jorge Ribeiro *, Angela Pontes ** & Luísa Santos ***

* Professor no Agrupamento de Escolas de Arga e Lima. Mestre em Ciências do Desporto – Treino de Alto Rendimento Desportivo pela FCDEF – UP e em Educação e Promoção da Saúde pela ESE e ESS do IPVC
jorgemanuelpereiraribeiro@gmail.com

** Psicóloga (Consulta de Psicologia Pediátrica) da Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE. Doutoramento em Saúde Mental no Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar da Universidade do Porto.
pontes_angela@hotmail.com

*** Doutorada em Psicologia, área de especialidade de Psicologia da Saúde. Professora Coordenadora, Escola Superior de Saúde IPVC Coordenadora do Mestrado de Promoção e Educação para a Saúde
luisasantos@ess.ipvc.pt

 

Resumo

A educação sexual é um processo que acompanha o indivíduo durante toda a sua vida. As alterações socioculturais das últimas décadas revelaram a necessidade de uma educação sexual formal que capacite os jovens para se relacionarem, com a sua sexualidade, de uma forma responsável e satisfatória. Foi produzida, em Portugal, legislação que decretou a educação sexual obrigatória nas escolas. É objetivo deste artigo analisar a legislação relativa à conceção e implementação de um projeto de educação sexual na turma e comparar as suas indicações com as propostas pela literatura. Constatamos que, na generalidade, a legislação está de acordo com as orientações da literatura: as finalidades propostas consideram uma perspetiva abrangente da sexualidade, o projeto educativo da escola parece corresponder à necessidade de participação da comunidade envolvente, o projeto de educação sexual na turma pode ir de encontro às necessidades dos alunos, é considerada a participação de toda a comunidade escolar e de parceiros externos e a carga horária enquadra-se na exigida para este tipo de projeto. Contudo, as características individuais dos docentes e a sua disponibilidade para integrarem este tipo de projetos não é considerada pela legislação, contrariamente ao recomendado pela literatura. Podemos assim afirmar que, de forma global, a legislação portuguesa parece corresponder às exigências inerentes à implementação de projetos de educação sexual.

Palavras-chave: educação para a saúde; educação sexual; docentes.

 

Abstract

Sex education is a process that accompanies individuals throughout their lives. The sociocultural changes of recent decades have revealed the need for a formal sex education that allows young people to relate with each other in a responsible and satisfactory way. In this context, the law in Portugal indicates that an approach to sex education in schools is mandatory. The goal of this article is to analyze the legislation related to the design and implementation of a project on sex education in class, and to compare the results of this analysis with those proposed by the scientific literature and from international organizations that develop projects in this area. We found out that, in general, legislation is in accordance with these directions: the purposes take into account a comprehensive perspective of sexuality, which seems to be in accordance with the most recommended approach, and it also seems to meet the general interests expressed by the students; fitting these projects to the educational project of the school can meet the need for participation of the community where the school is involved; the development of a project on sex education in class provides the possibility to adjust content and activities to the characteristics of the students for whom it is intended; the involvement of the family is also considered, attempting to ensure a consistency between the students’ formal and informal sex education, allowing them to take part in the implementation of projects, and still external partners, providing cooperation with experts outside the school, and the workload is appropriate, as well as its distribution throughout the school year, as required for this type of project. However, the individual characteristics of teachers and their willingness to integrate this type of project is not taken into account by the law, contrarily to what is recommended by the literature. We can thus say that, globally, the Portuguese law seems to meet the requirements of a sex education project implementation.

Keywords: health education; sex education; teaching.

 

Résumé

L’éducation sexuelle est un processus qui accompagne l’individu tout au long de sa vie. Les changements socioculturels au cours des dernières décennies ont révélé la nécessité d’une éducation sexuelle formelle qui habilite les jeunes à se rapporter à leur sexualité de manière responsable et satisfaisante. Au Portugal, une loi qui décrète que l’éducation sexuelle est obligatoire dans les écoles, a été adoptée. Le but de cet article est d’analyser la législation en ce qui concerne la création et l’implantation d’un projet d’éducation sexuelle dans une classe et comparer leurs déclarations avec les propositions contenues dans la littérature. Nous avons constaté que, en général, la législation est en conformité avec les directives de la littérature: les fins proposées considèrent une perspective globale de la sexualité; le projet éducatif de l’école semble correspondre à la nécessité de la participation de la communauté environnante; le projet de l’éducation sexuelle dans la salle de classe peut répondre aux besoins des étudiants; la participation de toute la communauté scolaire et les partenaires extérieurs est considéré, et la charge horaire est adéquate à celle exigée dans ce genre de projet. Cependant, les caractéristiques individuelles des enseignants et leur volonté d’intégrer ce type de projet ne sont pas considérées par la loi, contrairement à la recommandation dans la littérature. On peut donc affirmer que, globalement, la loi portugaise semble correspondre aux exigences pour la mise en œuvre d’un projet d’éducation sexuelle.

Mots-clés: éducation pour la santé; éducation sexuelle; enseignant.

 

Resumen

La educación sexual es un proceso que acompaña al individuo durante toda su vida. Los cambios socioculturales en las últimas décadas han puesto de manifiesto la necesidad de que la educación sexual formal que permite a los jóvenes a relacionarse con su sexualidad de manera responsable y satisfactoria. Fue producido en Portugal, la legislación promulgada la educación sexual obligatoria en las escuelas. Objetivo aquí es analizar la concepción legislación e implementación de un proyecto en la clase de educación sexual y comparar sus declaraciones con las propuestas en la literatura. Hemos encontrado que, en general, la legislación está en conformidad con las directrices de la literatura: considerar los fines propuestos una perspectiva integral de la sexualidad, el proyecto educativo de la escuela parece ser la necesidad de la participación de la comunidad que la rodea, el diseño de la educación sexual en el aula puede satisfacer las necesidades de los estudiantes, se considera la participación de toda la comunidad escolar y los socios externos, y la carga cae dentro de la requerida para este tipo de proyectos. Sin embargo, las características individuales de los maestros y su voluntad de integrar este tipo de proyecto no es considerado por la ley, en contra de la recomendación en la literatura. De este modo podemos decir que, globalmente, la legislación portuguesa parece corresponder a los requisitos para la ejecución del proyecto de educación sexual.

Palabras clave: educación para la salud; educación sexual; la enseñanza.

 

Introdução

Educação sexual é definida como uma abordagem, apropriada à idade e culturalmente relevante, para a aprendizagem da sexualidade e das relações pessoais, através do fornecimento de informação cientificamente correta, realista e imparcial. A Educação sexual proporciona também oportunidades para explorar os seus próprios valores e atitudes, e para desenvolver competências relativas à tomada de decisões, à comunicação e à redução de comportamentos de risco. (UNESCO, 2009, p. 2)

Face aos acontecimentos ocorridos nas últimas décadas, como a globalização, a migração de novos grupos populacionais com diferentes culturas e religiões, a rápida disseminação da internet e da tecnologia associada aos telefones móveis, o surgimento e disseminação do VIH / SIDA, o aumento das preocupações com o abuso sexual de crianças e adolescentes, a alteração das atitudes face à sexualidade, e a alteração dos comportamentos sexuais dos jovens, entendeu a World Health Organization (WHO, 2010) realçar não só a necessidade de implementar estratégias efetivas que capacitem os jovens para se relacionarem com a sua sexualidade de uma forma segura e satisfatória, mas também o importante papel estratégico da educação sexual (ES). Assim, todas as pessoas devem ter acesso a uma ES que aborde as dimensões sociocultural, biológica, e psicológica da sexualidade, através do fornecimento de informação, da exploração dos sentimentos, dos valores e das atitudes, e ainda do desenvolvimento de competências de comunicação, tomada de decisão e pensamento crítico (SIECUS, 2004).

Para a United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization a escola é onde as crianças e os jovens passam a maior parte das suas vidas, e onde o ambiente é apropriado para aprenderem acerca da sexualidade, dos relacionamentos, das Infeções Sexualmente Transmissíveis (IST) e, quando a escola funciona bem, os jovens podem desenvolver valores, competências e conhecimentos para fazerem escolhas informadas e responsáveis, quer na sua vida social, quer na sexual (UNESCO, 2009).

Com a publicação da lei n.º 60 de 2009 e a Portaria n.º 196-A de 2010 a abordagem da ES em meio escolar é, pela primeira vez obrigatória em Portugal. Assim, parece-nos importante verificar se a legislação proposta está de acordo com as orientações da literatura, pelo que nos propomos neste artigo analisar a legislação relativa à conceção e implementação de um projeto de ES na turma, comparando as suas indicações com as propostas pela literatura.

Metodologia

A metodologia que iremos utilizar será a análise comparativa entre as indicações da legislação, lei n.º 60 de 2009 e portaria n.º 196-A de 2010, e as linhas orientadoras das organizações internacionais que desenvolvem projetos nesta área, as revisões da literatura sobre esta temática, e ainda os estudos realizados em Portugal que avaliaram o impacto deste tipo de programas Nesta análise comparativa entre a legislação e a literatura relativa à ES, iremos abordar os seguintes temas: finalidades, projeto educativo de escola, projeto de educação sexual na turma, pessoal docente, comunidade escolar, parcerias, e carga horária. Iniciaremos a abordagem de cada tema com as indicações da literatura, seguidas dos pontos que entendemos mais relevantes na legislação e terminaremos com a análise das duas perspetivas.

Literatura vs legislação na educação sexual

“A presente lei estabelece a aplicação da educação sexual nos estabelecimentos do ensino básico e do ensino secundário” (lei n.º 60 de 2009, Artigo 1º). Parece-nos que a análise comparativa entre a literatura e a legislação deve-se iniciar pela análise da obrigatoriedade da ES, decretada pela lei n.º 60 de 2009.

Para WHO (2010) a tendência na Europa, como um todo e nas décadas mais recentes, tem sido a imposição da obrigatoriedade da ES. Esta imposição não contempla a existência de cláusulas de exceção, que permitam aos pais ou encarregados de educação retirarem os educandos das aulas se apresentarem sérias objeções aos conteúdos do currículo. Ainda para a WHO (2010) esta obrigatoriedade é importante porque, em experiências ocorridas em alguns países, a atenção dispensada a esta temática diminuiu quando a obrigatoriedade é interrompida.

A primeira lei aprovada em Portugal sobre ES foi em 1984 (lei n.º 3/1984 sobre «Educação sexual e Planeamento familiar») mas, até à data da legislação que referimos, “a educação sexual continua a não ser implementada de forma generalizada, intencional e continuada” (Pontes, 2010, p. 108)

Assim, a pertinência desta legislação, relativamente à obrigatoriedade da ES, parece-nos inegável, e consideramos lançado o desafio da sua implementação em “todos os estabelecimentos da rede pública, bem como aos estabelecimentos da rede privada e cooperativa com contrato de associação, de todo o território nacional.” (lei n.º 60 de 2009, Artigo 1º).

Finalidades

Os programas de ES podem ser agrupados, numa perspetiva histórica, em 3 categorias (WHO, 2010): a categoria Tipo 1 em que os programas têm como objetivo central, ou exclusivo, a abstinência de relação sexuais antes do casamento (conhecidos como how to say no ou abstinence only programs); a categoria Tipo 2 em que os programas incluem a abstinência como uma opção, e consideram a contraceção e a prática de sexo seguro (estes programas são muitas vezes referidos como comprehensive sexuality education); a categoria Tipo 3 em que os programas incluem elementos da categoria tipo 2, mas que colocam estes elementos numa perspetiva mais abrangente, de crescimento e desenvolvimento pessoal e sexual (estes programas são referidos, neste documento, como holistic sexuality education).

Para a WHO (2010), a filosofia dos programas tipo 3 é diferente da do tipo 1 e tipo 2, porque estes últimos parecem ser muito mais orientados para resultados tangíveis, estando, por isso, mais orientados para resultados comportamentais, i.e. adiamento do início da atividade sexual, diminuição do número de parceiros, etc. Assim, os programas tipo 3 estão orientados, em primeiro lugar, para o crescimento pessoal e, para este tipo de programas, a sexualidade que emerge e se desenvolve na adolescência é encarada como uma valiosa fonte de enriquecimento pessoal. Este é um contraponto à posição dos programas promotores da abstinência que encaram a sexualidade como um perigo. Esta posição é adotada pela International Planned Parenthood Federation (IPPF) cuja abordagem “inclui uma ênfase na expressão sexual, satisfação sexual e prazer. Isto representa um afastamento em relação a metodologias que se centram exclusivamente nos aspetos reprodutivos da sexualidade adolescente” (IPPF, 2010, p. 4).

A abordagem da ES também pode ser perspetivada, se considerarmos os seus intervenientes, de forma diferenciada. Assim, os docentes e profissionais de saúde tendem a atribuir diferentes ênfases aos objetivos a que se propõem, como, p.e.. na transmissão de conhecimentos: para os docentes, a ES tende a ser uma atividade mais ampla, em que o aumento do conhecimento é valorizado porque vale a pena por si próprio, mas também por ser o primeiro passo para a adoção de comportamentos seguros; para os profissionais de saúde pública, a focagem é na redução dos comportamentos de risco (UNESCO, 2009).

Também em concordância com as perspetivas mais abrangentes para a ES já descritas, para a Sexuality Information and Education Council of the United States (SIECUS) a “ES está orientada para a abordagem de um vasto leque de questões no contexto da promoção da saúde, da equidade social e de género, e da prevenção de doenças” (2004, p. 21).

Nos estudos realizados em Portugal, para Sousa, Soares, e Vilar (2007) verifica-se a necessidade de uma informação objetiva durante o Ensino Secundário, de uma grande abertura na discussão da sexualidade e do tema da contraceção, e de “uma abordagem mais intensa nos temas afetivos, possivelmente associados com aspetos mais intra-pessoais do desenvolvimento humano” (p. 42). No estudo de Santos (2009) vinte e um alunos do terceiro ciclo do ensino básico revelaram os temas que gostariam de abordar: sexualidade, mudanças da adolescência, aspetos psicológicos da adolescência, o amor e os afetos, a cooperação e a competição, os perigos e os cuidados a ter numa relação sexual, as doenças sexualmente transmissíveis e os contracetivos. No estudo realizado por Pontes (2010), os temas que os vinte e cinco alunos, do terceiro ciclo do ensino básico, gostariam de abordar eram: a adolescência e as mudanças da puberdade, os órgãos sexuais, a gravidez, as doenças sexualmente transmissíveis, os métodos contracetivos e a primeira vez. Assim e para a mesma autora, os programas de ES têm que ser tão diversificados e abrangentes quanto possível, tal como o exigem as características das questões sexuais, devendo para tal ser abordadas as temáticas relativas às diferentes dimensões da sexualidade. Também no estudo de Ribeiro (2011) com cinquenta e oito alunos do terceiro ciclo do ensino básico, se constatou que face aos temas propostos pelo ministério da educação (ME), a escolha dos alunos não recaiu somente sobre a contraceção e a prevenção das IST. No estudo implementado por Vieira (2009) foram questionados noventa e um alunos, também do ensino secundário, sobre os assuntos que gostariam de tratar na ES, e as respostas variaram consoante o sexo, com 52% dos rapazes a responderam “todos os temas”, e 58% das raparigas a responderam as ISTs e métodos contracetivos. Parece-nos assim que, na realidade portuguesa, se destacam os vários interesses e necessidades manifestadas pelos jovens.

O ME estabeleceu as seguintes finalidades para a ES nas escolas portuguesas (Lei 60/2009, Artigo 2º):

a) A valorização da sexualidade e afetividade entre as pessoas no desenvolvimento individual, respeitando o pluralismo das conceções existentes na sociedade portuguesa;

b) O desenvolvimento de competências nos jovens que permitam escolhas informadas e seguras no campo da sexualidade;

c) A melhoria dos relacionamentos afetivo – sexuais dos jovens;

d) A redução de consequências negativas dos comportamentos sexuais de risco, tais como a gravidez não desejada e as infeções sexualmente transmissíveis;

e) A capacidade de proteção face a todas as formas de exploração e de abuso sexuais;

f) O respeito pela diferença entre as pessoas e pelas diferentes orientações sexuais;

g) A valorização de uma sexualidade responsável e informada;

h) A promoção da igualdade entre os sexos;

i) O reconhecimento da importância de participação no processo educativo de encarregados de educação, alunos, professores e técnicos de saúde;

j) A compreensão científica do funcionamento dos mecanismos biológicos reprodutivos;

l) A eliminação de comportamentos baseados na discriminação sexual ou na violência em função do sexo ou orientação sexual.

Como podemos constatar, as indicações na legislação parecem ir de encontro às mais recentes orientações da literatura, uma vez que as finalidades propostas abrangem múltiplas temáticas, não se centrando apenas na prevenção da gravidez não desejada e da transmissão de IST.

Projeto educativo de escola

O projeto educativo de escola é um “Documento pedagógico que, elaborado com a participação da comunidade educativa, estabelece a identidade própria de cada escola através da adequação do quadro legal em vigor à sua situação concreta, apresenta o modelo geral de organização e os objetivos pretendidos pela instituição e, enquanto instrumento de gestão, é ponto de referência orientador na coerência e unidade da ação educativa.” (Costa, 1991, cit., por Dias, s/d, p. 1).

Os projetos de ES devem estar de acordo com os valores da comunidade (Kirby, Laris, & Rolleri, 2006; UNESCO, 2008). Para isso, a comunidade deve ser envolvida no desenvolvimento e implementação de programas de ES, de forma a respeitar a diversidade de valores e crenças da mesma, e a envolver pais e membros da família, docentes, administradores, líderes comunitários e religiosos, bem como os estudantes (SIECUS, 2004). Contudo, o grau de envolvimento da comunidade no programa pode ser, para a IPPF (2010), variável: quer no desenvolvimento das políticas e dos programas, quer no desenvolvimento de partes do programa de ES, quer ainda no apoiar as atividades do mesmo. No que diz respeito à elaboração do projeto educativo de escola, está definido que (Portaria n.º 196-A/2010, Artigo 4º):

1 — Os termos em que se concretiza a inclusão da educação sexual nos projetos educativos dos agrupamentos de escolas e das escolas não agrupadas são definidos pelo respetivo conselho pedagógico e dependem de parecer do conselho geral, no qual têm assento os professores da escola, representantes dos pais e, nos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas onde seja lecionado o ensino secundário, representantes dos estudantes.

2 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, o conselho pedagógico deve assegurar que os pais e encarregados de educação sejam ouvidos em todas as fases de organização da educação sexual no respetivo agrupamento de escolas ou escola não agrupada.

Em Portugal, o Conselho Geral da escola não agrupada ou do agrupamento de escolas é o órgão de direção que é estrategicamente responsável pela definição das linhas orientadoras da atividade da escola (Lei n.º75 / 2008). Este órgão é constituído pelos representantes do pessoal docente e não docente, dos pais e encarregados de educação, dos alunos, do município e da comunidade local” (Lei n.º75 / 2008). Assim, a constituição deste órgão parece assegurar o respeito pelos valores dos diferentes elementos da comunidade, na inclusão da ES nos projetos educativos das escolas não agrupadas ou dos agrupamentos de escolas. Considera-se também importante que os pais ou encarregados de educação sejam efetivamente ouvidos pelo órgão que define essa mesma inclusão, e que essa audição deveria ser estendida aos alunos e aos assistentes operacionais. Contudo, é importante salientar que a participação dos pais ou encarregados de educação, nesta fase do processo, parece restringida à emissão de opinião.

Podemos assim concluir que a legislação vai de encontro às orientações da literatura relativamente à integração dos valores e crenças da comunidade no projeto de ES, embora essa integração seja muito restrita.

Projeto de educação sexual na turma

Na elaboração de um projeto de ES é necessário ter em consideração as necessidades do grupo ao qual ele se destina (Kirby, et al., 2006; UNESCO, 2008). Como tal, a ES é orientada para um contexto, que depende da idade, do género, do meio social, da orientação sexual, do estádio de desenvolvimento e da capacidade individual dos seus destinatários (WHO, 2010). Desta forma, as atividades, os métodos de instrução e as mensagens comportamentais devem ser apropriadas à cultura dos jovens, à sua fase de desenvolvimento, e à sua experiência sexual (Kirby, et al., 2006; UNESCO, 2008).

É definido que, para a elaboração do projeto de educação sexual na turma (Lei 60/2009, Artigo 7º):

1 — O diretor de turma, o professor responsável pela educação para a saúde e educação sexual, bem como todos os demais professores da turma envolvidos na educação sexual no âmbito da transversalidade, devem elaborar, no início do ano escolar, o projeto de educação sexual da turma.

2 — Do projeto referido no número anterior, devem constar os conteúdos e temas que, em concreto, serão abordados, as iniciativas e visitas a realizar, as entidades, técnicos e especialistas externos à escola, a convidar.

A participação de vários docentes que acompanham a turma, e que juntos são responsáveis pela elaboração do projeto curricular de turma ou do plano de trabalho de turma, parece reunir as condições necessárias para que o projeto de educação sexual na turma esteja ajustado às necessidades da mesma. De salientar que a continuidade dos docentes da turma ao longo do ciclo de ensino, prática que parece generalizada em várias escolas, pode também favorecer a necessária coerência, quer nos conteúdos abordados quer nas metodologias utilizadas, e pode ainda significar uma importante vantagem na (re) orientação de todo o projeto para as necessidades e interesses dos alunos.

Contudo, é relevante realçar a necessidade de uma avaliação diagnóstica específica para estas questões. Esta necessidade surge, em nosso entender, associada às características especificas da temática, que implica “uma abordagem facilitadora da expressão de interrogações e opiniões, que conduza à resolução de dúvidas,…, à superação de dificuldades” (ME, MS, APF, & CAN, 2000, p. 34). Em estudos realizados em Portugal sobre o impacto de projetos de ES (Pontes, 2010; Ribeiro, 2011; Santos, 2009), os autores utilizaram metodologias específicas como a discussão focalizada, com questões orientadas (Pontes, 2010; Santos, 2009), ou caixa de perguntas (Ribeiro, 2011), para determinação dos interesses e necessidades dos alunos.

A elaboração antecipada de conteúdos, temas e iniciativas poderá ser positiva porque define uma linha orientadora para toda a intervenção, mas poderá ainda ser condicionadora do colmatar de necessidades e interesses descortinados ao longo da implementação do projeto. Nos estudos de Piscalho e Leal (2002), Santos (2009), Pontes (2010) e Ribeiro (2011), os autores procuraram criar uma estrutura e um planeamento prévio das sessões, em que o mesmo “caracterizava-se pela flexibilidade e preocupação de ir de encontro às necessidades dos seus destinatários” (Pontes, 2010, p. 73).

Uma condição repetidamente referida pela literatura é a necessidade do estabelecimento de um ambiente social seguro, para os que os jovens sintam a confiança para poderem participar (A. M. Dias, Ramalheira, Marques, Seabra, & Cabral, 2002; Kirby, et al., 2006; Pontes, 2010; Santos, 2009; UNESCO, 2008, 2009). Esta preocupação parece estar presente em programas desenvolvidos em Portugal, e em contexto escolar, enquadrados na legislação já referida (Pontes, 2010; Ribeiro, 2011; Santos, 2009; Silva, 2006).

Podemos assim concluir que a legislação vai de encontro às orientações da literatura relativas à elaboração de um projeto para um dado grupo alvo, embora nos pareça importante refletir sobre a metodologia a utilizar.

Pessoal docente

At the very heart of sexuality education is the competence of the educators.” (WHO, 2010, p. 31).

A qualidade dos educadores tem um profundo impacto na eficácia do programa. Contudo, o seu enquadramento pode ser diverso (UNESCO, 2009): pode ser um docente do quadro da escola, mas com formação em educação para a saúde, ou um docente especialmente formado para abordar a ES. Assim, o primeiro apresenta como vantagens o pertencer à estrutura da escola, o poder já usufruir da confiança da comunidade, e a relação já estabelecida com os alunos, e o segundo a possibilidade de ser especialmente treinado para abordar tópicos mais sensíveis e para implementar atividade mais participativas, e o poder estar agregado ao sistema de saúde (UNESCO, 2009). Ambas as abordagens parecem ser eficazes (Kirby, et al., 2006; Kirby, Rolleri, & Wilson, 2007).

As características dos docentes são também evidenciadas pela literatura. Para a UNESCO (2008), nem a idade, nem o género, nem a raça do educador parecem ser importantes porque, e para este contexto, o que estabelece a diferença é a capacidade do educador de se relacionar com os jovens. São realçadas ainda outras características que os docentes deverão revelar: compromisso com a ES e com as necessidades e os direitos do jovens (IPPF, 2010; Silva, 2006; WHO, 2010), respeito pelos valores das outras pessoas (Dias et al.,2002; Pontes, 2010; Silva, 2006), determinação para auto-refletirem sobre a sua atitude face à sexualidade (ME, MS, APF & CAN, 2000; Pontes, 2010; Silva, 2006; WHO, 2010) e sobre as normas e valores da sociedade sobre a sexualidade (WHO, 2010), interesse em ensinar o currículo (UNESCO, 2009), sentir-se confortável a discutir a sexualidade (UNESCO, 2009), competência para comunicar com os alunos (Dias et al.,2002; Pontes, 2010; UNESCO, 2009), e competência para utilizar metodologias de aprendizagem participativas (Dias et al.,2002; Silva, 2006; UNESCO, 2009). Assim, os docentes precisam de acreditar firmemente nos princípios da ES, o que implica que as autoridades escolares não devem pressionar alguém, que não pretende abordar estes temas (Dias et al.,2002; WHO, 2010).

É também salientado pela literatura que os educadores sexuais necessitam de estruturas de apoio e devem ter acesso a supervisão (UNESCO, 2009; WHO, 2010). Contudo, a maior parte dos estudos que procuraram avaliar a eficácia dos programas de ES forneceram o mínimo de monitorização, supervisão e apoio aos seus educadores, o que não permite comprovar a sua influência (Kirby, et al., 2006). Na legislação em vigor em Portugal, está estabelecido que a participação dos docentes neste projeto obedece às seguintes orientações (Lei 60/2009, Artigo 8º):

1 — Cada agrupamento de escolas e escola não agrupada deve designar um professor-coordenador da educação para a saúde e educação sexual.

2 — Cada agrupamento de escolas e escola não agrupada deverá ter uma equipa interdisciplinar de educação para a saúde e educação sexual.

5 — Cada turma tem um professor responsável pela educação para a saúde e educação sexual.

A legislação portuguesa apenas prevê possibilidade do docente regular, ou seja, de um docente não especializado nesta área. Está também definida a estrutura de coordenação entre os vários intervenientes. Os critérios de escolha dos docentes para o desempenho destes cargos estão definidos na Portaria n.º 196-A/2010, Artigo 7º, mas não correspondem aos referidos pela literatura pois, para a designação do docente coordenador da educação para a saúde, considera-se a formação, experiência e desempenho do cargo de diretor de turma, e para a constituição da equipa de educação para a saúde, o critério de desempenho de cargo de diretor de turma ou de docentes de escolas do 1.º ciclo.

O estabelecimento de uma equipa interdisciplinar de educação para a saúde, incluindo a ES, poderá representar a estrutura de apoio e proporcionar também alguma supervisão, que a literatura sugere, mas que não é evidente nem na legislação nem na realidade das escolas.

Um ponto que é realçado pela literatura é o cumprimento, por parte dos docentes, dos requisitos para ensinar determinado nível de ensino (WHO, 2010), o que, na realidade do nosso país está sempre assegurado, uma vez que os docentes têm preparação específica para os ciclos de ensino em que lecionam.

Podemos assim concluir que a legislação não parece ir ao encontro das orientações da literatura na importância atribuída às características individuais dos docentes, à disponibilidade dos mesmos para a abordagem desta temática, e à presença de estruturas de apoio à ação dos mesmos.

Participação da comunidade escolar

“É inquestionável a importância da família na educação sexual das crianças e dos jovens; a vivência da sexualidade é um dos elementos do processo de desenvolvimento global da pessoa, no qual a família, como se sabe, é o primeiro e um dos principais agentes” (ME, MS, APF & CAN, 2000, p. 49)

No que respeita à abordagem da ES, a família não deverá ser mantida em estado de dúvida ou desconfiança em relação às iniciativas tomadas pelos docentes ou pela escola no seu todo (ME, MS, APF & CAN, 2000). Todavia, o grau de envolvimento de pais ou encarregados de educação é enquadrado de forma diferente na literatura. Assim, para a WHO (2010) e para o desenvolvimento do currículo, será útil organizar alguma forma de cooperação com os pais ou encarregados de educação, não só para lhes assegurar o apoio necessário, mas também para garantir a necessária coerência entre a educação informal dos pais e a formal da escola. Portanto, os pais deverão ser envolvidos na ES na escola, o que significa que serão informados antes do projeto ser implementado, e que terão a oportunidade de expressar os seus desejos e as suas reservas. Assim, a escola e os pais apoiam-se mutuamente num processo contínuo de ES (WHO, 2010). Já para a UNESCO (2009), a ES deverá reconhecer o papel basilar dos pais e da família, como a fonte de informação, apoio e proteção, para a elaboração de uma abordagem saudável para a sexualidade e as relações pessoais. Ainda para esta organização, o papel dos governos, ME, escola e docentes é apoiar e complementar o papel dos pais, proporcionando um ambiente seguro para a aprendizagem, bem como as ferramentas e os materiais necessários para proporcionar uma ES de boa qualidade. Também na revisão de Walcott, Meyers, e Landau (2008) é realçada a importância dos docentes desenvolverem esforços no sentido de envolver os pais ou encarregados de educação no processo de prevenção, considerando as evidências de que os comportamentos dos pais, como o acompanhamento e a comunicação, são importantes preditores dos comportamentos sexuais de risco nos adolescentes.

Relativamente ao envolvimento dos estudantes, tem sido público o apoio dos jovens à implementação da ES nas escolas, numa movimentação extensiva (algumas manifestações estudantis contaram com mais de três mil alunos) a todo o país e que se prolongou durante vários anos (desde dois mil e até ao momento atual). Segundo a literatura, a qualidade da ES é aumentada pela sistemática participação dos jovens na organização, fornecimento e avaliação da mesma (IPPF, 2010; WHO, 2010). O ME, ministério da saúde (MS), associação para o planeamento da família (APF) e centro de apoio nacional (CAN) publicaram em conjunto a “Educação sexual em meio escolar – linhas orientadoras” (2000) onde é reforçado o papel predominantemente ativo e participativo dos alunos, que se deve manifestar desde a planificação das atividades, passando pelos processos de pesquisa e recolha de informação, pela condução dos debates e momentos de síntese, até à avaliação de todo este percurso e dos resultados alcançados. Desta forma, assegura-se que a ES é orientada para as necessidades dos mesmos, e não segue, simplesmente, uma agenda previamente determinada pelos educadores (WHO, 2010).

Surge neste contexto a educação por pares, como uma forma especial para a participação dos jovens, porque “… enquanto a juventude é unicamente compreendida como o mais importante grupo-alvo, o facto de que é também um importante parceiro, como a experiência da educação pelos pares demonstrou, é muitas vezes negligenciado” (WHO, 2010, p. 28). Desde os anos 80 que a educação por pares tem vindo a ser utilizada como estratégia de promoção e educação para a saúde, nomeadamente em atividades de ES e de prevenção da SIDA, isto porque os líderes de pares, dada a sua capacidade de induzir formas de pensar e de comportamentos dos outros, podem contribuir para o processo educativo (ME, et al., 2000). Embora não pareça existir uma forte evidência de que os programas de ES liderados por adultos sejam mais ou menos eficazes do que os liderados pelos pares (UNESCO, 2009), estes últimos parecem ser eficazes, principalmente em grupos de difícil acesso (WHO, 2010). Todavia, é necessário considerar o treino dos pares para os envolver na ES (WHO, 2010). Parece importante salientar que os pares não substituem os profissionais e técnicos adultos, são sim um recurso importante, desde que formados e supervisionados de modo adequado (ME, et al., 2000).

Parece-nos também de realçar a importância de garantir e promover a articulação entre os vários agentes educativos, respeitando e valorizando a especificidade do trabalho de cada um e, em concreto, entre os docentes, os psicólogos e os assistentes operacionais (ME, et al., 2000).

No que respeita à participação da comunidade escolar, está determinado que (Lei 60/2009, Artigo 11º):

1 — Os encarregados de educação, os estudantes e as respetivas estruturas representativas devem ter um papel ativo na prossecução e concretização das finalidades da presente lei.

2 — Os encarregados de educação e respetivas estruturas representativas são informados de todas as atividades curriculares e não curriculares desenvolvidas no âmbito da educação sexual.

3 — Sem prejuízo das finalidades da educação sexual, as respetivas comunidades escolares, em especial os conselhos pedagógicos, podem desenvolver todas as ações de complemento curricular que considerem adequadas para uma melhor formação na área da educação sexual.

Na análise da legislação verificamos que o envolvimento dos pais, ou dos encarregados de educação, e dos alunos parece estar mais orientado para a implementação do projeto do que para a sua elaboração. Constatamos também o cuidado na procura da coerência entre a abordagem familiar e a escolar, através da informação aos pais. Notamos ainda que o ensino liderado por adultos, relativamente ao de pares, parece ser a opção metodológica predominante. Foram contudo desenvolvidos alguns projetos, apoiados pelo ME, que utilizaram a metodologia da educação pelos pares, como, p.e., as intervenções levadas a cabo pela Fundação Portuguesa “A Comunidade contra a SIDA”. Constatamos desta forma que, embora a comunidade escolar seja envolvida, esse envolvimento é restringido ao conhecimento do projeto e ao apoio na implementação das atividades. De salientar ainda que a comunidade escolar parece limitada aos pais e encarregados de educação e aos alunos.

Podemos assim concluir que a legislação vai de encontro às orientações da literatura relativas ao envolvimento da comunidade escolar, embora pareça restringir os seus representantes, bem como a influência da mesma nas várias fases do projeto.

Parcerias

A ES “entendida como uma vertente do processo global da educação, bem como uma das componentes da promoção da saúde, representa uma das áreas em que a colaboração entre os sectores da educação e da saúde se torna indispensável” (ME, MS, APF & CAN, 2000, p. 15)

A bibliografia revela a necessidade do envolvimento de uma equipa pluridisciplinar, através da inclusão de pessoas com diferentes especialidades, para potenciar o desenho de currículo e as atividades a desenvolver (Kirby, et al., 2006). A WHO (2010) sugere uma participação ainda mais alargada, com a participação de cientistas, políticos, educadores e representantes dos grupos-alvo, para conceber e implementar estratégias ótimas numa sociedade diversa. Nesse sentido, também a IPPF (2010) refere a necessidade de promover a colaboração e desenvolvimento de parcerias, criando um grupo de trabalho de programas de ES, estabelecendo ligações com os serviços de saúde e de aconselhamento, e instituindo um sistema eficaz de encaminhamento, para que os jovens tenham fácil acesso a recursos e serviços.

Uma das estratégias possíveis para implementar o estabelecimento de parcerias é a visita de especialistas externos à escola (WHO, 2010), como, p.e., os profissionais da saúde abordarem o “núcleo duro informativo” (Vaz, 2006, p. 145). Em alguns países, como a Estónia e a Suécia, os alunos recebem parte da sua ES em Centros de Saúde próximos, o que, no entender das autoridades, aumenta o acesso a esses centros e encoraja um acompanhamento futuro (WHO, 2010). Outra estratégia seria a existência de momentos conjuntos de formação entre profissionais da educação e da saúde porque, para além de enriquecedores, eles permitiriam não só aferir conceitos e linguagens, mas também planear a articulação de estratégias de intervenção (ME, et al., 2000).

A WHO (2010) realça também a necessidade de formar os parceiros antes de eles poderem contribuir efetivamente para uma ES de alta qualidade.

Para o estabelecimento de parcerias está definido que (Lei 60/2009, Artigo 9º):

1 — … a educação para a saúde e a educação sexual deve ter o acompanhamento dos profissionais de saúde das unidades de saúde e da respetiva comunidade local.

2 — O Ministério da Saúde assegura as condições de cooperação das unidades de saúde com os agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas.

3 — O Ministério da Educação e os agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas podem ainda estabelecer protocolos de parceria com organizações não governamentais, devidamente reconhecidas e especializadas na área, para desenvolvimento de projetos específicos, em moldes a regulamentar pelo Governo.

Neste contexto, a legislação utiliza uma terminologia vaga, como acompanhamento, cooperação, desenvolvimento de projetos específicos. Esta terminologia permite, por um lado, liberdade para ajustar a parceria às necessidades específicas de cada contexto, mas pode também, por outro lado, criar um vazio de responsabilidades e de funções.

O tipo de equipa pluridisciplinar descrito anteriormente só é possível de concretizar através do estabelecimento de parcerias. Contudo, na escola em geral, e no conselho de turma em particular, estão profissionais com conhecimentos científicos provenientes de diferentes áreas de conhecimento, e também com competências pedagógicas devidamente certificadas na sua formação inicial. Assim, eles também poderão contribuir não só para a definição do currículo, mas também para a elaboração e a adequação das atividades.

Podemos portanto concluir que a legislação vai de encontro às orientações da literatura relativas à possibilidade do estabelecimento de parcerias e, não definindo as características dessas mesmas parcerias, permite uma abordagem muito irrestrita da mesma!

Carga horária

A duração dos programas parece ter impacto na eficácia dos mesmos, uma vez que os programas mais curtos (até seis horas) não parecem induzir qualquer efeito (Robin et al., 2004; Walcott, et al., 2008). Para Rotheram-Borus et al. (1998, como citado em Robin et al., 2004) a distribuição das sessões ao longo do ano parece influenciar a eficácia dos programas, pois sessões mais curtas e espaçadas permitem aos adolescentes melhor aprender e melhor praticar as competências para a redução de comportamentos sexuais de risco. Na revisão da literatura da UNESCO (2009, p. 23) “… quase todos os programas aplicados em escolas que provocaram um efeito positivo no comportamento a longo prazo incluíram 12 ou mais sessões, ..., que duravam, pelo menos, 30 minutos”.

Na legislação é estabelecido um limite mínimo de horas para a ES escolar (Portaria n.º 196-A/2010, Artigo 5º):

1 — A carga horária dedicada à educação sexual é adaptada a cada nível de ensino e a cada turma.

2 — De acordo com os limites definidos no artigo 5.º da Lei n.º 60/2009, de 6 de Agosto, a carga horária não pode ser inferior a seis horas para os 1.º e 2.º ciclos do ensino básico, nem inferior a doze horas para o 3.º ciclo do ensino básico e secundário, distribuídas de forma equilibrada pelos diversos períodos do ano letivo.

3 — São ainda imputados à educação sexual tempos letivos de disciplinas e de iniciativas e ações extracurriculares que se relacionem com esta área.

A duração e a distribuição das sessões do projeto parecem estar de acordo com as recomendações da literatura.

Conclusão

A análise da legislação proposta para a conceção e implementação de um projeto de educação sexual na turma permitiu-nos concluir que existem pontos que estão de acordo com as indicações da literatura, como as finalidades e a carga horária. Nos restantes pontos, parece existir alguma indefinição nas indicações da legislação, nomeadamente no projeto de educação sexual na turma, na participação da comunidade escolar e nas parcerias. Por outro lado, e no que respeita ao projeto educativo de escola, a abordagem é muito mais restrita face ao que é proposto pela literatura. Em desacordo com a literatura parecem estar as indicações relativas ao pessoal docente, cujas características individuais e disponibilidade deviam ser mais consideradas na sua integração neste tipo de projetos. Ainda assim, consideramos que esta legislação permite a efetiva implementação da ES nas escolas portugueses, sendo agora necessário e urgente transpor as suas orientações para a prática.

 

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Legislação

Lei n.º 75/2008

Lei 60/2009

Portaria n.º 196-A/2010

 

Data de Submissão: Julho de 2012

Data de Avaliação: Outubro de 2012

Data de Publicação: Abril de 2013