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Revista Lusófona de Educação

versão impressa ISSN 1645-7250

Rev. Lusófona de Educação  no.19 Lisboa  2011

 

Diálogos

Isabel Sanches

 

A cultura, as políticas e as práticas da nossa escola, no que à educação inclusiva diz respeito, foi o mote para a conversa entre Isabel Sanches, professora da Universidade Lusófona, e Sofia, mãe de um jovem a quem foi diagnosticada síndrome de Asperger e professora de Educação especial…

 

Isabel Sanches - Para partirmos para a nossa conversa, e para conhecer melhor a pessoa com quem vamos conversar, pedimos que nos trace, resumidamente, o seu perfil pessoal e profissional.

Sofia - Sou professora licenciada em Línguas e Literaturas Modernas – ramo educacional, pela Universidade de Coimbra, tendo exercido funções no ensino regular até 1998/99 e ainda no ano de 2000/2001, como docente de Português/Francês, do 7º ao 12º ano. Fui professora também em escolas profissionais, na mesma área de conhecimento. No ano letivo de 1999/2000, iniciei funções como docente de apoio educativo, ano em que realizei a minha primeira pós-graduação na área das necessidades educativas especiais. Desde 2001/02, a minha atividade profissional tem vindo a desenvolver-se sempre no âmbito do atendimento a alunos considerados com NEE em diversas escolas do 2º/ 3º Ciclos e Secundário e mais recentemente também em escolas de 1º ciclo do Ensino Básico. Trabalhei num Centro de Recuperação Infantil, na área do desenvolvimento de projetos de transição para a vida ativa e fui formadora pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP). Trabalhei numa clínica como técnica de educação especial, no âmbito do diagnóstico e intervenção em Dificuldades Específicas de Aprendizagem. Paralelamente, tenho frequentado cursos de formação especializada em diversas problemáticas relacionadas com a educação especial, nova pós-graduação em educação especial e mestrado na mesma área. Sou também formadora de professores na área da educação especial, tendo vindo a promover formação junto de professores do ensino regular e de educação especial, quer como formadora do Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua (CCPFC) quer no ensino superior. Trabalho atualmente com crianças com perturbações do espectro de autismo numa unidade de ensino estruturado de 2º e 3º Ciclos.

No que se refere ao meu perfil pessoal, considero-me uma pessoa bastante estóica no que diz respeito à defesa dos princípios em que acredito, tentando aplicá-los e transmiti-los no meu quotidiano e em todas as esferas da minha vida. Sou casada e tenho um filho de 13 anos, a quem foi diagnosticada síndrome de asperger aos 8 anos de idade.

Isabel Sanches - Como docente de Educação especial, pertencente ao grupo 910, como vê e analisa o enquadramento legislativo que regulamenta a área da Educação especial, nas escolas?

Sofia - Bom… eu não sou uma pessoa que tenha por hábito fazer leituras exclusivamente negativas das mudanças e, em particular, das que dizem respeito à legislação sobre a Educação em Portugal. Tento sempre fazer uma análise abrangente, integrando aspetos positivos e menos positivos. Assim, considero, em primeiro lugar, que em 2008, decorridos 17 anos de vida do já revogado Decreto-Lei nº 319/91, 23 de agosto, era, de facto, necessário introduzir alterações no quadro legislativo relativo à educação especial, que de alguma forma pudessem espelhar as próprias mudanças ocorridas na escola, não só as decorrentes da sua implementação – que possibilitou, pela primeira vez em Portugal, a “entrada” obrigatória de crianças com necessidades educativas especiais nas salas de aula do ensino regular – mas também com a introdução de outras disposições legais suportadas pelas novas orientações de gestão flexível do currículo da primeira década deste século (por exemplo, o Decreto-Lei nº 6/2001, 18 janeiro, e o Despacho Conjunto nº50/2005, 9 novembro). A diversidade estudantil intensificou-se, sem dúvida, a vaga de imigração no nosso país inundou as salas de aula de múltiplas e “coloridas” diferenças e, no meu entender, era necessário separar um pouco “o trigo do joio”: assumir que todas as crianças, de algum modo e por diversas razões, ao longo do seu percurso escolar experimentam dificuldades e necessidades educativas de diferentes naturezas e que, dessa fatia imensamente vasta – a qual requer, atrever-me-ia a dizer, respostas educativas exclusivamente direcionadas para os diversos contextos em que se insere a criança e, especificamente, no contexto de aprendizagem, ao nível da gestão e implementação de práticas pedagógicas inovadoras - apenas alguns apresentam necessidades educativas especiais de caráter permanente, requerendo, por isso, e para além daquele tipo de respostas, um outro conjunto de apoios mais específicos e especializados. Ainda como docente de apoio educativo, pude experimentar muitos dilemas, dúvidas e incertezas no que se refere à decisão de incluir ou não determinados alunos no regime educativo especial vigente na altura; muitas vezes o que estava em causa eram fatores de âmbito extrínseco ao aluno – dispedagogias ou outros fatores relacionados com os contextos educativos, enquadramentos sócio-familiares menos favoráveis, etc. – ou até mesmo fatores intrínsecos, mas de caráter temporário; e não raro estes alunos acabavam por ser abrangidos por medidas do DL 319, coartando-se, muitas vezes, expectativas por parte dos intervenientes no seu processo educativo e mesmo as próprias potencialidades desses alunos.

Contudo, e fazendo um balanço dos primeiros 4 anos de implementação do Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de janeiro, na minha opinião, e sem entrar na questão das motivações economicistas subjacentes, penso que de tal forma se pretendeu “varrer” os excessos estatísticos de alunos apoiados pela educação especial que se acabou por cair no extremo oposto. Não que não concorde com os princípios inerentes ao decreto em causa, mas a minha visão dos aspetos menos positivos deste decreto centra-se muito mais na forma como tem sido conduzida a sua implementação do que na “filosofia” inerente ao decreto. Parafraseando Nóvoa (s/d) e extrapolando para o contexto da pergunta que me coloca, a questão tem muito mais que ver com a “pobreza das práticas” (p. 1), do que com o enquadramento legislativo em causa. Pretendo com isto dizer que os contornos interpretativos assumidos por direções regionais de educação, equipas de apoio às escolas (recentemente extintas) e inúmeras escolas, têm vindo a ser, eles próprios, uma barreira à possibilidade de “pegar” nos aspetos positivos que este decreto possibilita, no que se refere à inclusão socioeducativa de crianças e jovens com dificuldades de caráter permanente. E a verdade é que, apesar do decreto-lei se referir a “alunos com limitações significativas ao nível da atividade e da participação num ou vários domínios de vida, decorrentes de alterações funcionais e estruturais, de carácter permanente ” a interpretação da população-alvo do decreto se tem restringido, cada vez mais, ao já desatualizado termo “deficiência”. Este aspeto tem colocado em situação de sério risco educacional crianças e jovens que apresentam limitações de caráter permanente mas a quem tem sido vedado o direito a usufruírem de respostas educativas adequadas às suas necessidades e a apoios especializados que poderiam ajudá-los a desenvolver o seu percurso com maior sucesso. Falo, concretamente, e a título de exemplo, da questão flagrante dos alunos com dificuldades específicas de aprendizagem, uma problemática amplamente estudada e cujos especialistas integram nas necessidades educativas especiais de caráter permanente. E não existe, no decreto-lei, qualquer orientação clara e objetiva que fundamente a opção tomada por parte da maioria das escolas. Penso que, a este nível, terá sido feito um retrocesso sim, no que se refere aos princípios imanados de toda uma ideologia inclusiva subjacente à Declaração de Salamanca e ao Decreto-Lei nº 319/91, 23 de agosto, ao restringir-se, na prática, a educação especial a alunos que apresentam limitações de alta intensidade e baixa incidência, deixando de fora alunos com dificuldades igualmente intrínsecas e permanentes que, com a devida ajuda especializada, poderiam perspetivar um maior sucesso académico. Friso que, no meu entender, a questão passa sobretudo pela aplicação, na prática, da nova legislação. Um outro risco que considero altamente perigoso relativamente aos princípios inclusivos é a criação de escolas de referência e respetivas unidades de ensino especializado para cada uma das problemáticas a que me referi há pouco (ex: multideficiência, perturbação do espectro de autismo, surdez, cegueira); uma vez mais, não critico propriamente a sua criação, mas a forma como as mesmas estão a ser geridas e “lidas” pelas escolas. Penso que é imperativo organizar esses espaços de aprendizagem de uma forma muito cautelosa, sob pena dessas mesmas unidades se transformarem em pequenos “nichos de deficiências”, forçando uma coexistência paralela entre dois “mundos” que, quando muito, se tocam de forma esporádica, sem nunca se fundirem verdadeiramente um no outro…. No fundo, sem a verdadeira inclusão que se promulga e pretende defender.

E há outros aspetos ainda… penso, por exemplo, que o facto da introdução da CIF como instrumento de classificação e regulador do processo de elegibilidade de alunos para a educação especial ter sido feita sem a devida formação e concertação entre as diversas áreas nela implicadas (saúde, educação e segurança social) trouxe muitas dúvidas e controvérsias, tendo até colocado supostos parceiros de costas voltadas. Tal facto fez com que todo o processo fosse implementado de uma forma bastante difusa, inconsistente, acentuando o caráter subjetivo da elegibilidade, fazendo, por um lado, com que persista uma enorme variação de critérios, de escola para escola, e por outro, se vá contra o que é defendido na própria legislação relativamente aos objetivos da utilização do instrumento em causa. Entre outros aspetos, o processo de avaliação carece também de uma efetiva e produtiva articulação entre os elementos das ditas equipas multidisciplinares, legisladas, mas inexistentes na prática.

Tenho para mim que todos os processos de mudança implicam um certo caos e que, de alguma forma, há que dar tempo para que todo este processo amadureça e se reoriente no sentido da inclusão dos alunos e dos cidadãos com pleno direito, não tanto ao chavão da igualdade, mas a uma diferenciação justa, em função das potencialidades de cada ser humano.

Isabel Sanches - Embora possa ser um bocado repetitivo, porque já aflorou a questão na resposta anterior, e difícil de generalizar, atrevo-me a pedir-lhe que faça a descrição/comentário das práticas educativas desenvolvidas na escola, pelos seus colegas, docentes de educação especial, relativamente aos alunos referenciados pelo 3/2008, de 7 janeiro.

Sofia - Bem… cheguei à minha atual escola há dois anos e desde logo tive a sensação de que era necessário desacelerar um pouco, para não dizer muitíssimo… a minha ânsia de mudança. A quase todos os níveis. Tudo me pareceu estar ainda por fazer… nem os conceitos nem a legislação estavam minimamente assimilados, os procedimentos muito pouco definidos ou uniformizados internamente, parecendo o grupo de educação especial quase como um barco sem leme, onde tudo era muito confuso, cada um trabalhando para si e adotando procedimentos muito diferentes em função do que cada colega entendia ser o mais adequado…. Tentando cingir-me ao máximo à questão central da sua pergunta, posso dizer que, relativamente às práticas educativas desenvolvidas com alunos considerados com necessidades educativas especiais, no âmbito do apoio personalizado, elas são, ainda hoje, muito pouco conhecidas entre colegas pertencentes ao grupo de educação especial, existindo mesmo, em alguns casos, uma grande resistência à partilha de experiências e materiais, discussão de casos e interajuda na procura de estratégias de abordagem, quer aos alunos, quer aos professores do ensino regular. Fui-me apercebendo, aos poucos, que o “estado” da educação especial nesta escola se devia muito menos às controvérsias lançadas com a introdução do Decreto 3/2008, de 7 janeiro, do que à grande disparidade que existe, no seio do grupo, na forma como cada colega assume a sua missão como docente de educação especial, as suas conceções pessoais sobre as questões da inclusão, existindo mesmo uma “corrente”, dentro do próprio grupo, muito consentâneo com os conhecidos e velhos discursos anti-inclusão. Quando cheguei a esta escola, de 2º e 3º Ciclos, a modalidade de trabalho direto com os alunos em sala de aula era inexistente – apenas no 1º Ciclo se tratava de uma prática habitual por parte dos docentes de educação especial… e mesmo essa, feita de uma forma demasiado estigmatizante para a criança com necessidades educativas especiais – sendo o apoio prestado exclusivamente em contexto fora da sala de aula, individualmente ou com grupos de dois/três alunos. Foi necessário desconstruir muitos conceitos e procedimentos, através da sensibilização, quer dos elementos da Direção e do Conselho Pedagógico, coordenadores de diretores de turma e professores do ensino regular e de educação especial… Começo agora, finalmente, a sentir os primeiros sinais de mudança… o desmoronar de uma forma de trabalhar isolada e escondida, uma interação mais frequente entre os elementos do grupo de educação especial e um maior envolvimento dos professores de ensino regular, não só pela maior solicitação de informação sobre a legislação e os procedimentos a acionar (referenciação, avaliação, elaboração de adequações curriculares individuais e de currículos específicos, etc.), como também pela maior frequência de pedidos de ajuda na implementação de estratégias de diferenciação pedagógica / inclusão na sala de aula, já que os docentes de educação especial passaram a ter “entrada” nas salas de aulas do 5º ao 9º ano. Considero que estamos numa fase, ainda que embrionária, de evolução positiva em termos da coesão do grupo de educação especial e da uniformidade de critérios. E este passo é fundamental para poderem ser asseguradas as condições necessárias a uma maior abertura para cruzar experiências e práticas de sucesso com os nossos alunos. Só assim poderemos evoluir como grupo e fazer evoluir esta escola na sua própria identidade, no sentido da construção de um Agrupamento mais inclusivo.

Isabel Sanches - Como mãe de um jovem de 13 anos a quem foi diagnosticada síndrome de Asperger, como caracteriza o seu filho, em termos pessoais, sócio-educativos e de ensino/aprendizagem, e quais são os grandes desafios que ele coloca à escola e aos seus professores?

Sofia - Bom… felizmente, caracterizar o meu filho hoje, não é o mesmo que caracterizá-lo na altura em que surgiu o diagnóstico, uma vez que tem vindo a desenvolver de uma forma bastante positiva a sua autonomia e socialização, duas das suas áreas mais fracas ao nível do comportamento adaptativo. Contudo, muitos dos seus traços de personalidade são bastante condizentes com a descrição que é feita nos casos de crianças diagnosticadas com a mesma problemática: continua a revelar e, por tudo o que tenho aprendido acerca da síndrome de asperger, sei que revelará sempre, uma certa rigidez de pensamento, alguns maneirismos típicos, agora mais dissipados, reações extemporâneas a situações imprevisíveis, e dificuldades em fazer uma leitura adequada das emoções do outro e das “pistas” de conduta social; apresenta também uma determinação/obsessão muito grandes no que diz respeito à concretização dos seus projetos relacionados com os seus interesses restritos e específicos, contrastando com o seu quase total alheamento relativamente aos interesses dos outros e a questões de ordem mais prática, apesar das minhas investidas constantes no sentido de o “inteirar” de toda a multiplicidade de situações que compõem o mundo que o rodeia. Em termos de socialização com os seus pares, embora tenha feito progressos, continua a tentar, de algum modo, impor os “seus” temas na interação com os outros, mesmo que estes não se mostrem muito interessados no assunto… em termos sociais, esta e outras características específicas da sua maneira de ser causaram-lhe grandes problemas com os pares, chegando a ser chamado de “deficiente”, “estranho”, “chato” e tendo vivenciado diversos episódios de bulling, sobretudo no 2º Ciclo. A sua inclusão não foi fácil e aquilo que designa de “desafios” colocados aos professores, nessa altura, foram assumidos, pelos mesmos, como um “caso muito difícil de lidar”, sem tentativas de compreensão do problema de caráter permanente que estava em causa. Os professores não compreendiam, apesar das minhas explicações, sobretudo pelo facto do Pedro ser um aluno com excelentes capacidades cognitivas e bons resultados escolares, o que os deixava de algum modo, desconcertados, perante a sua insólita incompreensão de questões tão triviais do dia-a-dia escolar, aos olhos da sociedade em geral.

Aquando da sua entrada no 7º ano, numa nova escola, de ensino básico e ensino secundário, os problemas de integração reemergiram com bastante intensidade e foi necessário trabalhar muito em parceria com os professores, sobretudo com a diretora de turma, no sentido de desmontar as situações mais difíceis e apontar estratégias para contornar, de uma forma positiva, todas as questões relacionais e comportamentais que se colocavam. À medida que o tempo foi avançando, as reuniões com a diretora de turma foram surtindo algum efeito, e o Pedro foi conseguindo ocupar, por ele próprio também, o “seu” lugar no seio do grupo, mostrando não só as suas peculiaridades e fragilidades, mas sobretudo as suas potencialidades cognitivas e outros traços de personalidade muito positivos, como o ser extremamente honesto com os outros, meigo e muito leal aos seus, inicialmente, pouquíssimos amigos.

Atualmente no 9º ano, o Pedro já é perfeitamente aceite no seio da sua turma, já sai com os colegas e já se integra muito melhor nas brincadeiras/assuntos dos seus pares. É capaz de fazer leituras muito menos literais das situações e consegue, maioritariamente, manter posturas adequadas na sala de aula. Sei que este trabalho foi muito fomentado, quer por mim, quer pela diretora de turma, junto dos professores e Direção da escola, pois nunca quis que o Pedro ficasse confinado a qualquer tipo de rótulo, sentindo sempre que o que havia a fazer era mesmo trabalhar os professores e os seus colegas, no sentido de o aceitarem como ele é, diferente, mas também brilhante, e não pela condescendência motivada por um diagnóstico, dos mais difíceis de compreender no contexto escolar. Começo agora a colher os primeiros frutos de um percurso extremamente conturbado e difícil, não só na escola como também em casa, evidentemente. Contudo, e apesar de se terem ido limando algumas arestas, de forma muito diplomática, com os professores do meu filho, penso que os mesmos, de uma forma geral, não se sentiram verdadeiramente “desafiados” no bom sentido do termo, pela criança especial que é o Pedro e pelo que poderiam ter evoluído, enquanto profissionais da educação, no sentido em que as práticas e formas de agir não se alteraram muito em função das suas necessidades e de todo o potencial que o Pedro revela em determinadas áreas do saber. E penso que tal se deve, sobretudo, à dificuldade que os professores têm em compreender tudo o que se desvia daquela norma idílica, apaziguadora e reconfortante, que não os inquieta ou exige, de si próprios, tanto autoquestionamento sobre a sua prática docente. Posso dizer que, fruto de também o conhecerem já há dois anos e meio, o aceitam, neste momento, na sua diferença, mas nada é feito no sentido de lhe proporcionar o atendimento pedagógico que seria mais adequado ao seu perfil. Por detrás de todo o processo, estou eu, como mãe, a orientá-lo na tomada de decisões, na assunção de responsabilidades e sobretudo no redirecionar do seu olhar para uma análise mais sensata e realista das situações com que se depara, para que possa crescer de forma sadia e sentir-se bem consigo próprio.

Isabel Sanches - Embora assumamos que “cada caso é um caso” e que cada um deve ser tratado como tal, não havendo lugar a generalizações, não há dúvidas que há regras gerais de atuação que devem ser seguidas, tendo em conta cada problemática. Sendo assim, como agiria, como professora de educação especial que tivesse na lista dos alunos a apoiar um aluno diagnosticado com síndrome de asperger, num 1º ano de escolaridade?

Sofia - Obviamente que, para cada caso, é necessário conhecer muito bem a criança e todos os contornos da situação para se poder traçar um plano de intervenção o mais adequado possível às suas necessidades individuais. Mas tentando corresponder então ao desafio, algo perigoso, da generalização, devo dizer que, numa primeira fase, a minha forma de atuação é um pouco extensível não só a todas as crianças com síndrome de asperger (SA), como também a crianças com qualquer outro tipo de problemática. Assim, em primeiro lugar, tentaria compreender duas vertentes que me parecem ser as essenciais, como ponto de partida: 1) compreender a criança – documentando-me sobre ela, mas sobretudo, através da observação direta da sua pessoa “em ação”, isto é, dos aspetos que compusessem a sua personalidade, formas de sentir, agir e reagir em contextos diversos; inteirando-me do seu nível de competências - potencialidades (áreas fortes e áreas específicas de interesses) e fragilidades (áreas em que revelasse menor desenvoltura e áreas do comportamento passíveis de serem “lidas” pelos outros como “estranhas”, como por exemplo determinados maneirismos ou estereotipias pessoais) - relacionadas com aspetos cognitivos/académicos mas também com as áreas do comportamento adaptativo – autonomia e independência pessoal, comportamento social, comunicação, etc.; 2) compreender os fatores ambientais relacionados com o contexto escolar em que se inseria a criança, sobretudo o contexto de aprendizagem e contextos informais de interação com os pares (momentos de recreio, por exemplo). Nos fatores ambientais, incluo também, naturalmente, a necessidade de compreender a dinâmica de sala de aula, a forma como a professora titular de turma lidava com as diferenças em contexto de sala de aula, bem como o próprio perfil da turma em que estaria inserida. Tratando-se de uma turma de 1º ano, em que os alunos se encontram num nível de desenvolvimento ainda precoce, o facto de serem suficientemente novos para não terem ainda perceções muito definidas sobre o sucesso académico, seria, quanto a mim, uma grande vantagem para o trabalho a desenvolver. Na posse deste tipo de dados, o passo a seguir seria “trabalhar” a professora, em função das suas próprias necessidades, personalidade e estilo de ensino, ajudando-a a compreender o meu olhar sobre o assunto, as estratégias que me pareceriam adequadas implementar de acordo com a situação e, sobretudo, fomentar nela o sentimento de crença nas potencialidades da criança, diluindo um pouco a parte do diagnóstico/rótulo e focalizando mais nas possibilidades de intervenção educativa com a criança e com os seus pares, em contexto de sala de aula. Assim, e avançando para um passo seguinte, de implementação de estratégias pedagógicas concretas, um dos desafios que lançaria à professora seria que, nos dias/períodos letivos em que eu estivesse a trabalhar com a turma e durante algum tempo (no mínimo, todo o primeiro período letivo) fossem realizadas sessões de dinâmicas de grupo com a turma, isto é, pequenos jogos de cooperação, de auto e heteroconhecimento (desenvolvimento pessoal e social), introduzindo já alguns conteúdos programáticos do ano em causa e que poderiam ser do domínio de qualquer área curricular (por exemplo, jogos relacionados com a consciencialização fonológica, uma área tão necessária à aprendizagem da leitura e da escrita e já contemplada nos novos programas de Língua Portuguesa do 1º Ciclo/1º ano; ou jogos relacionados com matemática, associação de números a quantidades, conceitos espaciais, etc., conceitos de estudo do meio, como o conhecimento do corpo, as cinco sensações, etc.). O mais importante seria, nesta primeira fase de intervenção, formar um grupo coeso em termos de relacionamentos interpessoais para dissipar qualquer hipótese de desencadeamento de um processo de exclusão da criança, possibilitando, ao mesmo tempo, o início da aquisição de competências académicas por parte dos alunos. A gestão dos jogos de cooperação e das formas de agir das crianças neste tipo de jogos (que trabalham uma série de competências sociais, de aceitação do outro, do querer ajudar e ser ajudado, do saber elogiar o outro, saber não concordar sem se zangar, negociar interesses, recompensas, etc., etc.) teria de ser feita em parceria pedagógica e eventualmente depois, proporia à professora que desse continuidade em outros momentos da semana, assim que a mesma se sentisse à vontade para o fazer e com vista a tornar a intervenção mais sistemática. Uma outra situação que me parece importante e que poderia ser implementada com esta criança, mas também com todas as outras, de forma a diluir o caráter diferenciador visível aos olhos dos outros, seria dar-lhes algum tempo, diariamente, após um período de realização de tarefas escolares, para se dedicarem aos seus interesses pessoais. Não seria como forma de reforço de bons ou maus comportamentos, mas sim um momento estruturado e integrado na rotina diária das atividades letivas. Cada criança tem as suas áreas de eleição em função das suas maiores capacidades (é sabido que, adultos ou crianças, todos retiramos muito mais prazer daquilo em que nos consideramos mais competentes a fazer…) e, no caso da criança com síndrome de asperger, esse seria o “seu” momento para poder desenvolver trabalho na(s) sua(s) área(s) de interesse mais restritas e poder tornar mais visíveis aos olhos dos outros, as suas potencialidades. Existe uma multiplicidade de interesses específicos destas crianças que podem ser perfeitamente enquadráveis nos contextos de aprendizagem, até porque muitas das crianças com a problemática em causa apresentam excelentes capacidades de memorização e de trabalho autónomo na concretização de pequenos projetos pessoais, mesmo nestas idades mais precoces. Sempre com a supervisão e mediação da professora da turma, naturalmente, e até promover a partilha entre os alunos, dos seus “trabalhos”, “projetos” “descobertas” que tivessem realizado nesse tempo de atividade mais livre. Rapidamente se poderiam até descobrir outros alunos que não saberiam como ocupar esse tempo e, nesse caso, teriam de ser ensinados a “descobrir-se” no que lhes dá prazer fazer num contexto de aprendizagem. Ainda como forma de atuação concreta com uma criança com síndrome de asperger, seria necessário elaborar uma espécie de “inventário” das situações que, de acordo com o seu perfil específico, poderiam despoletar comportamentos desajustados / birras na sala de aula, para poder agir, não no momento das manifestações da criança, mas antes delas se verificarem, numa vertente de atuação mais preventiva. Na eventualidade de emergirem disrupções no seu comportamento, a minha atuação e aconselhamento à professora seria sempre no sentido de não reforçar de todo o comportamento que estivesse a ser evidenciado (reação por ausência de reação) facultando à criança e ao grupo um tempo de silêncio absoluto durante a ocorrência (o que por si, iria diminuir o tempo de manifestação do comportamento desajustado) e só então, fora da situação, analisar, com a criança em separado e com todo o grupo depois (criança com SA incluída), todos os antecedentes que teriam motivado o episódio, dando a possibilidade a todos de refletirem sobre os factos e apontarem estratégias de resolução de problemas análogos, a implementar por todos, em situações futuras, nomeadamente: 1- identificar o problema ocorrido; 2- analisar as emoções da criança, no momento da “explosão” e as suas causas; 3- analisar as emoções e reações dos colegas; 4- sugerir alternativas comportamentais à criança – a que outras formas poderia recorrer para exprimir o seu desagrado, angústia, incompreensão, etc.) - e alternativas comportamentais no que se refere a eventuais reações negativas manifestadas pelos seus pares. A meu ver, e pelos estudos de teor comportamental de que tenho conhecimento, discursos unilaterais por parte do professor não surtem qualquer efeito nestas crianças e a utilização de expressões como “portar-se bem ou mal” são demasiado ambíguas para a identificação / obtenção dos comportamentos desejáveis. Este tipo de intervenção não implica muito tempo, desde que seja ensinada de forma explícita às crianças e treinada com alguma regularidade, mesmo a propósito de pequenos “conflitos” do seu dia-a-dia escolar. Se a atuação for feita de uma forma consistente, rapidamente as mesmas aprendem o que se espera delas nesses momentos, quer naquele em que se desencadeia o comportamento disruptivo, quer no momento de reflexão sobre o mesmo. Outras estratégias que considero importante implementar de uma forma sistemática (e jamais apenas na presença do docente de educação especial) em contexto de sala de aula, quando se tem uma criança considerada com SA são, necessariamente, as que remetem para a forma como são dadas instruções para a realização de tarefas e a forma como é reforçado o trabalho realizado pelo aluno, a saber: fazer uso de uma linguagem totalmente isenta de segundos sentidos, com uma única instrução de cada vez, devendo a mesma ser precisa, objetiva e concreta, para que a criança entenda claramente o que se espera dela em termos de trabalho. Há que ter em atenção que este tipo de crianças tem, geralmente, uma interpretação muito literal, restrita e idiossincrática da linguagem (por exemplo, apresentam grandes dificuldades em compreender metáforas, ironias e expressões idiomáticas e por isso são também muito pouco hábeis na mentira e no contorno de situações que surjam a seu desfavor), aliada a uma característica que lhes é também inerente e que se prende com a rigidez/inflexibilidade de pensamento (por exemplo, no caso de crianças que já saibam ler as horas, se o professor disser que o lanche é às 10.00h e se o mesmo tiver início às 10.10h, a criança com SA ficará confusa, não entendendo a insignificância deste tipo de distância temporal). Tudo tem que lhes ser explicado, mesmo o que nos parece a nós muito óbvio e passa despercebido à maioria das crianças, que entendem estas pequenas situações como perfeitamente naturais. Do mesmo modo, relativamente ao reforço, este deve ser sempre feito de forma a apontar primeiro e muito claramente os aspetos positivos do trabalho e só depois apresentar alternativas concretas para o melhorar, dando sempre mais visibilidade, no seio do grupo, aos aspetos do trabalho em que obteve maior sucesso. Esta questão, podendo parecer de somenos importância, pelo contrário, irá gerar ou aumentar, nesta e nas outras crianças, a tão desejada motivação intrínseca para fazer melhor numa próxima vez, retirando mais prazer nas aprendizagens em que não se revelam tão aptos. Sendo crianças com interesses muito restritos, os quais assumem, na grande maioria das vezes, um caráter obsessivo, é com facilidade que se alheiam por completo de conteúdos ou atividades escolares que não são significativas para si, sendo da maior relevância que, sempre que possível, se parta dos seus temas prediletos, através de exemplos relacionados com os interesses específicos, para os “chamar” a ter uma participação mais ativa na abordagem aos conteúdos programáticos, o que é perfeitamente possível desde que se detenha o tal conhecimento sobre a criança, a este nível.

Outra questão que por vezes interfere com a sua funcionalidade em contexto de sala de aula são as suas rotinas muito peculiares e extremamente rígidas. Atuar sobre este aspeto, implicará, por exemplo, estabelecer contratos com o aluno em que seja muito bem delimitado e esclarecido à criança o que lhe é permitido fazer (e deverá existir mesmo uma flexibilidade por parte do professor, neste âmbito), quando e durante quanto tempo. Estas rotinas que uma criança considerada com SA evidencia são para ela como um “tranquilizante”, minimizando-lhe a ansiedade e provocando nela uma sensação de segurança, pelo que devem ser respeitadas em contexto educativo. Apenas é necessário estabelecer as regras que permitem a manifestação dessas “rotinas pessoais” e, no caso de alunos mais velhos, negociá-las com eles.

Terminando… ainda que pudesse apontar muitas outras estratégias de fácil implementação, no que diz respeito a possíveis atuações do foro mais curricular, uma vez que estas crianças apresentam, muitas vezes, um perfil intraindividual heterogéneo, com grande discrepância de capacidades nas diversas áreas do conhecimento, falando de uma forma geral, a minha proposta de intervenção seria no sentido da diferenciação de objetivos e formas de avaliação em função dessa mesma discrepância (mesmo que a criança não estivesse abrangida pelo Decreto-Lei nº3/2008, de 7 de janeiro, dado que nem sempre é necessário enveredar por esse caminho), ou seja: nas áreas mais fortes da criança, deveriam ser estipulados objetivos mais ambiciosos do que os definidos para o ano de escolaridade em causa (à semelhança dos planos de desenvolvimento previstos no despacho conjunto nº 50/2005, de 9 de novembro, e que podem ser implementados por área curricular/disciplina) e realizar uma avaliação complementar à tradicional, isto é, com recurso a outras modalidades avaliativas, como a construção de portfólio nessas áreas e/ou projetos apresentados à turma/comunidade escolar; nas áreas mais fracas, prever a introdução de objetivos intermédios, mais acessíveis e faseados no tempo e percorridos ao ritmo da criança, com a decorrente diferenciação ao nível da avaliação também, adequando não só através da diversificação dos instrumentos de avaliação, mas também nos próprios instrumentos tradicionalmente mais utilizados na avaliação formativa/sumativa.

Isabel Sanches - Todos sabemos que a cultura, a política e as práticas de uma escola têm tudo a ver com quem as implementa ou as faz implementar, donde a importância de lideranças fortes, formadas e informadas. Se fosse nomeada Diretora da sua escola, o que faria para fazer dela uma verdadeira comunidade educativa?

Sofia - Bem, não deixa de ser uma coincidência curiosa o facto de focar, na sua pergunta, os três pontos-chave que me parecem ser os mais importantes e os quais identifico como sendo os mais fracos da liderança na minha escola em particular…

Para mim, liderança é firmeza, consistência e flexibilidade, ingredientes que se integram num estilo de atuação assertivo. É ter um papel ativo e muito interventivo na mudança de mentalidades na escola, criando uma identidade própria da mesma; é ter uma visão de longo prazo da resolução de problemas, uma perspetiva de auto-formação/reflexão sobre as suas práticas de liderança e estar sempre atualizado sobre os estudos científicos que se vão produzindo sobre a educação – questões sociológicas, questões científicas e pedagógicas, inclusão, mas também sobre questões de gestão escolar e especificamente de gestão de recursos humanos.

Li há tempos um texto de Luiz Ortega Freire, precisamente sobre as lideranças na escola e o papel do diretor na construção da escola desejável e enquadrável nas sociedades do século XXI, do qual me ficou uma frase da autoria de Bill Bethel e que vai muito ao encontro das minhas conceções sobre o assunto. Bethel refere que “uma equipe bem sucedida é um grupo de muitas mãos, mas de uma mente” e este seria o mote da primeira vertente da minha atuação, caso me fosse lançado o desafio de liderar a minha escola. Tendo em conta o estado atual da liderança do meu Agrupamento começaria, justamente, por criar uma consistência sólida entre os elementos da direcção, por forma a obter uma equipa de trabalho coesa, reflexiva e cooperativa, onde as diversas ideias e diretrizes que fossem debatidas confluíssem numa única postura, sem ambiguidades e securizante para toda a comunidade educativa. Sendo necessário, como em qualquer equipa de trabalho, conciliar ideias diferentes, é fundamental que cada elemento da direção se reveja nas decisões tomadas no seio da equipa a que pertence para que possa tornar-se um agente eficiente na concretização das mesmas, na comunidade escolar. É quase como educar uma criança com base nos princípios da coerência e da firmeza, da consistência e coesão entre os educadores e alguma flexibilidade mental para intervir em situações específicas inesperadas… para que os professores possam evoluir não só nas suas práticas de teor mais pedagógico, mas também na construção de relações profissionais mais produtivas e pró-ativas, é fundamental que sintam que a voz que os lidera é, ao mesmo tempo, uma voz estável, firme e sustentada por reflexões bem trabalhadas, previamente, ao nível interno da direcção e uma voz que lhes soe também a flexibilidade e positivismo, mostrando-se facilitadora dos processos de mudança e de resolução de problemas. Faria com que existissem linhas orientadoras precisas, estáveis e conhecidas de todos, construídas a partir da minha conceção sobre o papel da escola na formação dos professores e dos jovens de hoje e sobre o caminho que eu iria querer traçar para a “minha escola”. Esta questão implicaria adotar uma postura de “estratega”, definindo muito bem os passos a seguir para alcançar este e outros objetivos. Por exemplo, como primeira estratégia, iria, naturalmente, “trabalhar” as próprias conceções pessoais dos vários elementos da direcção com vista a “negociar” macro-objetivos para a escola e alcançar consensos no seio da direção. A partir daqui, a segunda estratégia seria definir melhor as funções de cada um dos elementos da direção, distribuindo, com clareza, papéis e tarefas, orientando as “muitas mãos” de que nos fala Bethel, para que cada elemento pudesse dedicar-se ao seu “pelouro”, através da reflexão individual, do autoquestionando-se e da autoformação e assim contribuir, na parte de gestão que lhe coube, para o núcleo diretivo a que pertenceria. Operacionalizar esta estratégia, passaria por implementar reuniões semanalmente para fazer balanços, refletir em conjunto, avaliar aspetos positivos e aspetos a melhorar e definir estratégias de atuação face a os problemas de fundo identificados. O “sumo” destas reuniões deveria ser, de quando em vez, comunicado à comunidade docente, por exemplo num balanço de final de período ou de final de ano (não esquecendo também a comunidade não docente, sempre que se revelasse necessário, dada a importância também elevada destes agentes educativos, na concretização da “cultura” da escola).

Outro aspeto que tentaria melhorar são as formas de fazer chegar a informação a todos os intervenientes educativos, através da criação de “redes” eficazes de comunicação, para que todos estivessem não só devidamente, como também atempadamente informados sobre as formas de atuação a adotar nas múltiplas situações da vida escolar. Uma forma de o fazer, seria, tomando o exemplo da educação especial, a pessoa responsável por esta área na direcção, teria de disponibilizar a todos os professores do Agrupamento (e no caso de professores novos na escola, fazê-lo logo na reunião geral de início de ano letivo) um documento-guião (elaborado, obviamente, pelos Serviços de Educação Especial mas com a participação desse elemento da direção) onde estivessem bem explícitas as ideologias da escola neste âmbito, os procedimentos a desenvolver no que se refere a legislação, implementação de medidas educativas especiais, processos de referenciação e, ainda, em anexo, todos os instrumentos de trabalho oficiais da escola, nesta área. Esta seria, quanto a mim, uma forma eficaz de resolver os imensos problemas, ruídos e falta de informação que existe entre os docentes em relação à educação especial no meu Agrupamento, por falha na tal “rede” coesa e clara de comunicação de informação. Outro exemplo relacionado com esta questão do “estar bem informado”… é inadmissível que, em plena era das tecnologias, nem todos os professores tenham acesso imediato às constantes disposições legais que chegam à escola… alguém da direção (penso até que deveria ser a própria diretora) teria de ser responsável por ler toda a legislação que surge, analisá-la, debatê-la com os outros elementos da direção e finalmente fazê-la chegar a todos, sem exceção, e o mais breve possível, ultrapassando calendários de reuniões departamentais e outras e viabilizando que as pessoas já estivessem na posse da informação, aquando dessas reuniões de departamento, para poderem ter uma participação até mais ativa no debate e compreensão da legislação. Já estive numa escola onde, inclusivamente, era entregue uma cópia a cada professor e o mesmo tinha de assinar uma folha onde constavam todos os nomes de professores, assumindo que tinha tido conhecimento da mesma e pude constatar a eficácia desta estratégia. No meu Agrupamento, e sobretudo nos conselhos de turma, é notória a falta de informação sobre tantos procedimentos internos da escola e sobre o que emana do ministério… é claro que aí surgem tantas dúvidas que tornam até as reuniões extremamente ineficazes, sob vários aspetos.

Por fim, duas questões me surgem ainda: a primeira, tem a ver com a forma como são conduzidas as questões comportamentais / relacionais na escola, as quais, a meu ver, deveriam ser objeto de uma atuação mais formativa, preventiva e com efeitos mais duradouros, articulando devidamente com estruturas como os serviços de educação especial, os S.P.O. e o gabinete de apoio ao aluno. Criaria, para concretizar os meus objetivos, um gabinete de mediação, do qual eu faria parte e que permitisse colocar em prática a gestão construtiva de conflitos na escola, em todas as suas vertentes (aluno -aluno / aluno- professor / professor- professor / encarregado de educação- professor). E, por último, através de uma supervisão atenta do trabalho dos docentes, iria, com toda a convicção, dar uma maior visibilidade às boas práticas, não como forma de distinção dos melhores, mas como forma de envolver outros professores na implementação de experiências pedagógicas ou relacionais em que se obtiveram bons resultados. “Copiar” alguém que faz melhor do que nós, não é sinal de inferioridade, mas sim de sabedoria. É sentir-se desafiado para ir mais longe… E esta minha ideia também se aplica ao papel de diretor, o qual deve, necessariamente, ter um desejo permanente de autossuperação…

Isabel Sanches - A escola, como comunidade educativa, chama a si os pais para parceiros, não só para acompanhar o percurso do seu filho, mas para participar ativamente na dinâmica da escola. Como é que as escolas/os professores estão a lidar com os pais/encarregados de educação e como lhe parece que deveriam lidar?

Sofia - Apesar de se ter avançado já, na minha opinião, em termos do reconhecimento da importância do envolvimento dos pais / encarregados de educação na participação ativa na escola, inclusivamente por parte dos próprios pais que estão, sem dúvida alguma, muito mais presentes na escola do que há umas décadas atrás, parece-me a mim que escola e família continuam ainda muito de costas voltadas… e agora coloco a tónica mais em termos da qualidade da interação do que propriamente da frequência dessa interação. E atribuo muito mais a responsabilidade desta situação à escola do que propriamente aos encarregados de educação, pois considero que a mesma ainda não compreendeu, com o realismo necessário, o “poder” que tem “em mãos” para aumentar a qualidade dessa parceria e dos benefícios que pode ela própria colher, quer em termos do sucesso educativo, social e emocional dos alunos, quer no que se refere ao sucesso profissional e bem-estar dos docentes. Primeiro, porque penso que se continua a colocar o enfoque muito mais no que os pais deveriam fazer, enquanto educadores, do que naquilo que os professores podem fazer enquanto educadores também. Ambos contribuem para a formação das crianças / jovens, mas não há que confundir os papéis e os deveres de cada uma das partes, nesse processo. Há responsabilidades e problemas que, por pouca coragem que tenhamos em dizê-lo, só cabem à escola assumir e resolver, assim como existem competências que são exclusivas das famílias… e estes papéis diferenciados continuam demasiado “misturados”, dando origem ainda a muitas interferências negativas no diálogo entre pais e professores… Em segundo lugar, entendo que se continua a enfocar demasiado no que é negativo, mais do que no que se faz de positivo, quer por parte dos pais em relação aos professores, quer por parte destes em relação a alunos e respetivos encarregados de educação. Por exemplo, uma das atuações que sempre me pareceu errada na escola é o facto de os professores contactarem os encarregados de educação, quer através de caderneta, quer chamando-os à escola, apenas na sequência de situações problemáticas, sejam elas relacionadas com assiduidade, desempenhos académicos ou questões comportamentais… por que não chamar à escola os pais em momentos em que existe algo de positivo a comunicar sobre os seus educandos, mesmo os mais problemáticos e sobretudo os pais desses? Voltamos à questão da criação de sinergias, geradoras de motivações e mudanças positivas…

Uma outra mudança que penso que poderia contribuir para criar boas parcerias entre a escola e a família seria alterar as dinâmicas que se implementam para a articulação entre pais e professores. Dando um exemplo concreto, os pais são chamados, periodicamente, através dos seus representantes por turma, a participar em reuniões de conselho de turma. Ora, se existe um encarregado de educação que é eleito pelos restantes pais de alunos de uma mesma turma para ser o representante das vozes de todos os outros, seria lógico, a meu ver, que antes e após os conselhos de turma, se realizassem reuniões entre todos os pais da mesma turma, quer fosse para levar sugestões ao referido conselho, relacionadas com diversas questões do grupo-turma em que se inserem os seus educandos, quer fosse para terem um conhecimento objetivo sobre as informações oriundas das reuniões com os professores, a meu ver, muito subaproveitadas no aspeto em análise. Em nenhuma escola por onde tenha passado até ao momento e noutras onde tenho contacto com colegas, estas reuniões são efetuadas, sendo, muitas vezes, os contactos feitos em função do grau de proximidade existente entre alguns pais, acabando por não se concretizarem os objetivos inerentes à função de representante de pais. Na minha opinião, esta é uma das razões pelas quais não existe um verdadeiro envolvimento de todos os pais na vida da turma, encontrando-se estes ainda muito centrados na vida do seu próprio educando, como se esta fosse dissociável das suas vivências no contexto da turma em que está inserido.

Outra questão prende-se com o chamar os pais a participar em atividades, integradas ou não no plano anual de atividades, em projetos existentes e comemoração de efemérides, que muitas vezes são realizados sem o seu conhecimento, assistência e muito menos participação ativa (falo, por exemplo de festividades, jantares de natal, espectáculos realizados por professores e alunos, integração dos pais nos clubes de música, teatro, etc.). Penso, de facto que o caminho seria “tocar” nas diversas questões que aflorei e noutras ainda que não cheguei a abordar, mas mais uma vez, considero que a questão da qualidade da parceria escola/ pais só é alterável de uma forma estrutural, se for essa a cultura da escola e se esta for bem fomentada nos professores por parte de quem os lidera, por exemplo, através da sua explicitação clara em documentos oficiais como o projeto educativo e o regulamento interno do agrupamento.

Isabel Sanches - A sua escola assume-se como elemento ativo da comunidade em que se insere? Como o faz ou como poderia fazê-lo?

Sofia - Na verdade, querendo focar-me apenas no presente e no futuro, é com bastante agrado que verifico que a minha escola começa agora a dar passos mais alargados nesse sentido. Em setembro deste ano letivo, realizámos a segunda edição de uma atividade que teve o envolvimento total da comunidade local, tendo trazido às ruas da cidade por volta de cinco mil pessoas, oriundas da cidade e de outras cidades/distritos; pela primeira vez este ano, foi assinalado o dia nacional da deficiência na cidade, atividade promovida pelo meu agrupamento e que envolveu toda a comunidade local, imprensa e segurança pública e apelou à participação ativa das pessoas em diversas atividades, pelas ruas da cidade. Obviamente que muito há ainda para fazer, nomeadamente no que se refere a trazer para fora da escola todos os bons projetos que ali existem e que podem tornar-se bastante mais ambiciosos se alargados à comunidade, contribuindo para o seu enriquecimento cultural, artístico e humano, por exemplo, com exposições em locais da cidade, realizadas pelos alunos sobre variadíssimos temas abordados nas diferentes disciplinas, montagem de espetáculos musicais e teatrais nos espaços da comunidade existentes para o efeito, realização de saraus culturais, jantares temáticos, etc. Penso que um agrupamento de escolas reúne, potencialmente, fatores bastante facilitadores da evolução da comunidade em que se insere. É apenas uma questão de otimização de todo esse potencial e de operacionalização de objetivos…

Isabel Sanches - Para finalizar esta nossa conversa, agradecendo este seu contributo, para esta reflexão sobre a escola e as suas práticas, principalmente no que à inclusão diz respeito, dou-lhe agora a oportunidade de completar e ou complementar algo que não tenha sido dito ou perguntado e que, na sua perspetiva, seja importante acrescentar.

Sofia - É claro que sinto que muito fica ainda por dizer… mas gostaria de destacar apenas, neste momento em que se vive um desânimo generalizado nas escolas, que nós, professores, não podemos estar à espera, muito menos na conjuntura económica atual em que se encontra o país, de ser recompensados pelo que damos de nós à escola, já que escolhemos como profissão educar crianças e jovens… sobretudo, penso que não podemos deixar que as razões que têm provocado tanto descontentamento - mais do que válido - na nossa classe, influenciem negativamente a nossa postura uns para com os outros e também perante o grupo de alunos que é alheio a todas essas questões… não só por eles, mas também por nós, pois acredito que quando lutamos pelo sucesso e bem-estar dos alunos, é pelo nosso próprio bem-estar que estamos a lutar, pela nossa realização pessoal e motivação no que fazemos todos os dias… e estou convicta que podemos, entre nós, ao nível da escola e das relações profissionais que estabelecemos quotidianamente uns com os outros, gerar “recompensas” e reforços a outros níveis, para que nos sintamos valorizados na nossa missão. Deixarmo-nos contagiar pelo entusiasmo de alguns, partilhar com os colegas, não tanto as angústias da profissão que muitas vezes acabam por ser pouco produtivas e impeditivas da mudança, mas sobretudo os aspetos positivos e a vontade de fazer melhor… Sei que o sucesso (académico e pessoal) do aluno tem um forte impacto no sentimento de sucesso do professor e, por este motivo, há que canalizar as nossas energias para isso mesmo já que todos beneficiaremos, sob o ponto de vista emocional (entre outros), desta forma de “sentir” a profissão. E a propósito de inclusão… a mesma é tão necessária entre os alunos, quanto entre os professores; diria mesmo que aquela depende, em grande parte, desta… se criarmos formas de estar mais “próximos” uns dos outros, se cooperarmos mais entre nós, refletindo em conjunto, estabelecendo objetivos comuns e trabalhando para eles, poderemos desenvolver um outro sentimento de pertença ao nosso grupo profissional, não aquele que está demasiado marcado por um discurso de palavras amargas, mas um sentimento mais positivo e mais produtivo naquilo que nenhuma outra classe alguma vez poderá fazer melhor do que nós: formar cidadãos assertivos, ativos e criativos e mudar as mentalidades de uma sociedade.

Isabel Sanches – Mais uma vez o meu muito obrigada pelo modo como conseguiu dar visibilidade ao que realmente é ou poderá ser a nossa escola e, assim, podermos refletir sobre os nossos próprios contextos institucionais, de modo a dar continuidade às práticas existentes ou a apostar numa mudança, no sentido da construção de ambientes educativos mais participados e mais equitativo,