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Revista Lusófona de Educação

versão impressa ISSN 1645-7250

Rev. Lusófona de Educação  n.16 Lisboa  2010

 

Editorial

 

António Teodoro, Maria Neves Gonçalves & José V. Brás, S. Paulo & Lisboa, Novembro de 2010

 

1. Uma das mais recentes iniciativas do Conselho Nacional de Educação foi a publicação do Relatório Estado da Educação 2010. Percursos Escolares (CNE, 2010). Segundo se explicita na Introdução ao Relatório, pretende o CNE "apresentar um olhar independente sobre a evolução do que se tem verificado no sector educativo e identificar os problemas que temos de vencer para proporcionar a todos uma educação de qualidade que contribua para a realização das pessoas e o desenvolvimento do País" (p.4). É uma intenção meritória mas destinada, seguramente, a ter pouco impacto na sociedade portuguesa, onde o debate sobre a Educação e Formação se encontra monopolizado (e aprisionado) por opinion makers que nada sabem sobre Educação, desconhecem por inteiro a realidade das nossas escolas (e do País) e assumem a "teologia" do mercado como a única verdade sob a qual se podem olhar todos os problemas da sociedade.

Uma primeira leitura do Relatório torna, imediatamente evidente, um dos maiores paradoxos deste tipo de estudos: a sinalização de problemas fortes e a apresentação de respostas fracas. Sinalizemos então três desses problemas fortes apontados pelo Relatório do CNE a partir de um conjunto de dados estatísticos bem trabalhados e de leitura acessível (e compreensível):

(i) A expansão do acesso à educação, no caso português, coexiste com práticas antigas de organização escolar, assentes sobretudo na reprovação como meio de superação dos atrasos na aprendizagem, que tornam os percursos dos nossos jovens fortemente dependentes do estatuto socio-económico das famílias. Menos de 1/3 dos nossos jovens conseguem fazer os 12 anos de escolaridade sem reprovações (p. 143).

(ii) A estagnação, desde meados dos anos 1990, das taxas de escolarização do ensino secundário em valores da ordem dos 60% (valor máximo em 2007-08 com 63,2%), o que denota a extraordinária resistência de muitos jovens, sobretudo do género masculino, a permanecer na escola para além do 9º ano. Uma escolaridade obrigatória de 12 anos só será possível, na prática, se for encontrado o antídoto (nos planos social e escolar) para essa persistente resistência a mais escolarização de importantes camadas juvenis.

(iii) Apesar da evolução reconhecida no campo das qualificações da população portuguesa, o Relatório assinala que o ritmo de progressão de Portugal é inferior ao crescimento médio da OCDE ou da UE a 19 países, o que "não lhe tem permitido recuperar a desvantagem de partida" (p. 14). Ou seja, não será com o ritmo resultante das políticas das últimas duas décadas que Portugal atingirá os níveis de qualificação próximos da de outros países da UE.

Perante alguns dos problemas fortes sinalizados, as respostas apresentadas sob a forma de Recomendações pelo CNE apresentam-se como demasiado fracas e, em geral, aparecendo como "mais do mesmo". Um diagnóstico como o realizado exigia uma outra audácia, que talvez um órgão tão institucional como o CNE não tenha condições para a assumir.

O CNE anuncia a publicação regular deste tipo de Relatórios, pelo que se deixa um desafio para um dos próximos relatórios. Um dos principais meios de regulação transnacional das políticas educativas faz-se hoje através dos indicadores escolhidos para a comparação internacional realizada através de grandes inquéritos estatísticos. Esses indicadores não são neutros; espelham as prioridades no plano educativo daquilo que se pode designar por globalização neoliberal. A procura de uma alternativa a estas formas de globalização, que têm acentuado fortemente as desigualdades, tanto no plano interno dos países como na comparação entre países, implica também uma reflexão sobre o tipo de indicadores que se utilizam. É que, neste Relatório, o CNE passa completamente à margem dessa reflexão.

2. No número, que agora se apresenta, continua-se a apostar na qualidade e rigor científicos e na divulgação dos resultados da pesquisa e investigação realizadas, no âmbito da educação, em diversas áreas temáticas.

Graça Aníbal, em A Teoria Crítica e a Educação, parte do conceito de emancipação para colocar em questão o que alguns teóricos críticos rejeitam como tese - a razão iluminista evoluiu de um ideal transformador da sociedade (Progresso) para uma razão instrumental que quer alcançar o domínio não só da natureza como também o controlo das relações sociais. O potencial emancipatório, quer do indivíduo quer da sociedade, é colocado na competência argumentativa (Habermas) e nos processos de infracção sem coacções. Este é um conceito de autodeterminação que deve corresponder à concepção de um espaço público. À Escola, perspectivada como espaço público gerido por relações dialógicas, compete desenvolver valores como a solidariedade e competências para a participação democrática e a autodeterminação.

No segundo artigo, Paulo Drummond Braga tenta caracterizar os Ministros da Educação Nacional, que desempenharam funções no período compreendido entre 1936 e 1974, abordando a sua formação académica e os seus cursus honorum, bem como certos traços caracterizadores das gerações a que esses titulares da Educação pertenceram.

O Desafio da Lusofonia: diversos falares, uma só escrita foi o título do artigo escolhido por Óscar de Sousa para clarificar a natureza do código oral e do código escrito das línguas em geral. A temática é tanto mais pertinente quanto estamos num momento em que o acordo ortográfico está em fase de implementação. Ambos os códigos representam duas competências bem distintas, na sua essência e nas suas funções, daí que nada obste a que a diversos falares possa corresponder um único código escrito.

Sara Bahia aborda, no quarto artigo, intitulado Considerações sobre a Educação para a Arte e para a Cultura, ou "como levar Clio à Escola", a arte e a cultura como procura do conhecimento. Nesta perspectiva, a autora considera que nem todos os intervenientes do processo educativo acedem a este patamar artístico e cultural pela via do prazer. E levanta a questão da arte e da cultura não serem utilizados, na Escola, para implementar nos alunos uma transformação pessoal e uma vivência autêntica. Segundo a autora, a escola deve fomentar a educação artística despoletando a fruição da arte e da cultura.

No quinto artigo, que Cristina Tavares intitulou Formação em avaliação como um caminho para a profissionalização docente, é problematizada a hegemonia da "avaliação como medida" nas práticas e concepções docentes. A reflexão e prática em avaliação são utilizadas como estratégia de formação, por meio da investigação-acção. Procura-se uma educação mais libertária e política e um ensino mais diversificado em sintonia com as necessidades e interesses dos alunos. O resultado aponta para o facto de os docentes ampliarem constructos teórico-práticos e despoletarem atitudes mais críticas para as suas acções. O estudo vem chamar a atenção para uma concepção de profissional mais abrangente - que intervenha para além do contexto da sala de aula - e mais empenhado na transformação da cultura escolar, tendo em vista a realização de um projecto pedagógico mais emancipatório.

O sexto artigo, Educação do aluno sobredotado no Brasil e em Portugal: uma análise comparativa, de Denise de Souza Fleith, Leandro S. Almeida, Eunice M. L. Soriano de Alencar e Lúcia Miranda, tem como objectivo comparar a educação do aluno com estas características nos dos países em causa. Para levar a cabo este desiderato, os autores contemplaram a trajectória histórica, a legislação e a terminologia adoptada, os programas e serviços de atendimento a este tipo de alunos, a formação dos profissionais, tal como a produção científica brasileira e portuguesa realizada neste âmbito. E salientaram a existência, no Brasil, de uma maior consistência de leis e de medidas educativas direccionadas aos alunos sobredotados. O artigo em análise chama a atenção para a necessidade da realização, no espaço lusófono, de estudos conjuntos e de intercâmbios entre investigadores que se interessem por esta temática.

Imagens do quotidiano escolar: uma análise das fotografias de práticas escolares publicadas no Relatório Intendencial de 1928, do governo de Augusto Simões Lopes (1924-1298), da autoria de Maria Augusta Martiarena de Oliveira, Elomar Tambara e Giana Lange do Amaral, constitui o sétimo artigo. As autoras procederam à análise de um conjunto de fotografias, produzidas pelo então intendente municipal de Pelotas, Augusto Simões Lopes, pertencente ao Partido Republicano. Partindo do pressuposto de que a imagem tem uma natureza polissémica e é uma forma simbólica que revela e produz discursos e significados, o grupo de fotografias seleccionadas bem como os textos escritos e legendas que as acompanhavam configuram-nos as práticas escolares e a forma de assistência aos alunos na década de 1920 em Pelotas (Brasil).

O oitavo artigo, intitulado Análise de um projeto pedagógico em uma perspectiva semiótica e dialógica, é da autoria de Alba Cristhiane Santana e Maria Claudia Santos Lopes de Oliveira. O roteiro de análise de documentos apresentados tem uma perspectiva semiótica e dialógica. Trata-se de uma metodologia em construção que visa compreender as possibilidades de um Programa Alternativo de Licenciatura para o desenvolvimento pessoal e profissional dos professores em exercício na educação básica. Neste estudo, procede-se a uma discussão sobre o procedimento de análise documental, com o fim de investigar os significados presentes num documento e mostrar as várias vozes sociais que o permeiam. O documento é entendido como um mediador semiótico que participa na construção de significados que orientam as práticas sociais e também os processos de desenvolvimento humano.

José Duarte é o autor do nono artigo que tem como título Manual escolar: companheiro do jovem na aquisição de competências e na curiosidade pelo saber. O manual escolar é, assim, metaforizado como "um companheiro de viagem" do aluno na aquisição de competências e na curiosidade pelo saber. Neste artigo, parte-se de um confronto entre as diversas orientações curriculares recentes sobre esta problemática, abordada por diversos investigadores. O autor, que evoca trabalhos de um projecto sobre análise de manuais, inclui neste estudo sugestões de actividades capazes de desenvolver competências e desafiadoras da curiosidade do aluno.

Em Diálogos, Manuel Tavares, em conversa com Ana Benavente, mostra o papel de Ana Benavente nas lutas sociais e o seu posicionamento face à realidade actual. Entre o encanto da juventude e algum desencanto do presente, encontramos um vasto currículo, quer como investigadora, quer como interveniente no palco político. O seu pensamento continua vivo, consciente e crítico em relação aos "novos ventos" da sociedade contemporânea. O seu alvo continua certeiro e apontado para os designados "novos monstros". Apesar de tudo, continua optimista, acreditando que ainda é possível a construção de um bem comum, sendo necessário, para isso, uma outra participação cívica. Diz-nos Ana Benavente que "falta debate, falta reflexão participada, falta intervenção critica". Aqui está um desafio para a reflexão de todos nós, que, como a entrevistada refere, "estamos mais «despolitizados», com dirigentes padronizados e muito aquém do nível que os tempos pedem". Lutemos contra esta epidemia... E aceitemos o desafio de reflectir sobre o que Ana Benavente chama os sete pecados capitais!

Na secção Recensões, Tânia Rodrigues procede a uma análise detalhada da obra A Importância da Língua Portuguesa na Aprendizagem da Matemática, de Anabela Mâncio Costa (2007), cuja finalidade é mostrar como, da estreita relação da Língua Portuguesa com a Matemática, dependem as aprendizagens significativas dos alunos na resolução e formulação de problemas e tarefas de investigação matemática.

Ana Sofia António recenseia a obra intitulada Educação, Globalização e Neoliberalismo. Os novos modos de regulação transnacional das políticas de educação, da autoria de António Teodoro (2010). Trata-se de um livro de leitura obrigatória para entender as políticas educativas no quadro da globalização e do neoliberalismo pondo a tónica na importância da Escola como espaço central de integração social e de formação para o trabalho. De salientar os inúmeros estudos compulsados pelo autor bem como a explanação (e descodificação) de conceitos como, entre outros, o de globalização e o de governação (governance).

José Brás, Maria Neves e Rosa Serradas Duarte analisam com detalhe a obra O Despertar do associativismo docente em Portugal, de Rogério Fernandes. (Re)publicada em 2010, é, sem dúvida, uma obra imprescindível para compreender os primórdios do associativismo docente no nosso país. No corpo da recensão, é realçado, entre outros aspectos, o rigor científico, a pesquisa e o tratamento meticuloso e apurado das fontes pelo seu autor. O livro abre com uma Nota de Apresentação, de António Teodoro, para quem esta (re)publicação é "uma pequena, mas sentida homenagem" a Rogério Fernandes "exemplo de investigador rigoroso, professor atento e dedicado aos seus estudantes e militante de causas que considerava essenciais" (p.7).

A secção Sítios Digitais, a cargo de Vasco Graça, disponibiliza um conjunto variado de sítios de que destacamos, entre outros, École Démocratique, Global Policy Forum, Conference of Socialists Economists e Eu Facts.

Na secção Notícias são divulgadas actividades organizadas, por investigadores do Centro de Estudos e Investigação em Educação e Formação (CeiEF) do Instituto da Educação, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, no âmbito das suas linhas e grupos de investigação, bem como a sua participação, através da apresentação de comunicações e conferências, em eventos científicos nacionais e internacionais.

No cumprimento de uma das rubricas da política editorial da Revista Lusófona da Educação, divulgam-se alguns dos resumos de dissertações de Mestrado defendidas na Universidade Lusófona, na área das Ciências da Educação.