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Revista Lusófona de Educação

versão impressa ISSN 1645-7250

Rev. Lusófona de Educação  n.14 Lisboa  2009

 

Análise descritiva da afetividade nos professores em formação na faculdade de ciências da educação da universidade de Granada

José Álvarez Rodríguez & Manuel Fernández Cruz*

Este artigo centra-se na análise descritiva dos valores afetivos dos estudantes de Ensino e Pedagogia da Faculdade de Ciências da Educação da Universidade de Granada, no ano lectivo de 2004/2005. Começamos por apresentar um breve quadro referencial sobre o conceito de afetividade, assinalando algumas particularidades relativas aos sentimentos e às emoções para, em seguida, passarmos a expor com mais pormenor as características da nossa investigação e alguns resultados gerais; finalmente, concluímos o nosso estudo com uma análise detalhada sobre o sentimento, o amor, a felicidade e a emoção na formação de professores.

Palavras-chave: Afetividade, formação de professores, sentimentos, emoções, felicidade.

 

Descriptive analysis of affectivity in teachers on training in the Faculty of Education Sciences at the University of Granada

This articles deals with a descriptive analysis of the affective of the pedagogy and teaching profession students’ values of the faculty of Education Sciences at the University of Granada in the course 2004- 2006. First we present a brief referential frame on the concept of affectivity, pointing out some characteristics about feelings and emotions, then we go deeply on the characteristics of our research and some general results so as to finally focus in the specific analysis of feeling, love , happiness and emotion in the teachers’ formation processes

Keywords: affectivity; teachers’ training; feelings; emotions, happiness.

 

Introdução

O tema da afetividade tem sido um dos aspetos mais estudados no campo da psicologia e da psiquiatria. Entre as duas dimensões básicas da pessoa destacamos a inteligência e a afetividade.

No campo da filosofia, o termo afetividade tem sido tratado nalguns encontros científicos (Honorio, 2003; UNED, 2004). Entre os clássicos, Aristóteles referiu-se a conceitos como o desejo; Descartes à paixão; Brentano e Scheler aos sentimentos, que são termos relacionados.

É ao tentar definir o termo afetividade que nos apercebemos da dificuldade em fazê-lo (López-Barajas, 2000), já que o seu conteúdo se encontra em todas as experiências do sujeito e, por isso, contém múltiplas formas de expressão, necessitando da ajuda de uma linguagem tanto verbal, como não verbal. Recolhemos algumas das definições que alguns autores fazem do termo, procurando ilustrar a dificuldade da sua definição.

A palavra afetividade provém de “afetivo”, do latim affectatio, que significa a impressão interior que se produz devido a um fator interno ou externo.

Vallejo-Nágera (1997) entende a afetividade como o modo através do qual o nosso ser interior é afetado por tudo aquilo que ocorre à nossa volta, o que provoca sensações que oscilam entre dois pólos opostos: amor-desamor, alegria-tristeza, recusa-aceitação.

Nas palavras de Rojas (1993: 12), a afetividade é constituída por “um conjunto de fenómenos de natureza subjetiva, diferentes do que é o puro conhecimento, que podem ser difíceis de verbalizar e provocam uma transformação interior que se move entre dois pólos extremos: agrado-desagrado, inclinação-recusa, atração-repulsa”.

O dicionário filosófico-pedagógico (1997) assinala, entre outros aspetos, que é uma das dimensões da pessoa, caraterizada por uma série de processos psíquicos, entre os quais emoções, sentimentos e paixões, unidos pelas manifestações sentimentais do homem e que se apresentam entre dois pólos: agrado-desagrado, ódio-amor.

Das definições que aparecem anteriormente, poderíamos assinalar algumas das caraterísticas essenciais que nos permitirão definir o conceito:

1ª. a afetividade é um estado subjetivo, pessoal e interior, em que o sujeito é o protagonista da sua própria experiência.

2ª. a afetividade é uma vivência sentida de forma individual e experimental por cada um em cada momento.

3ª. a afetividade é um estado de alma que se manifesta através das emoções, sentimentos e paixões que a pessoa tem.

4ª. a vivência e o impacto da afetividade persistem e são marcantes em função da sua intensidade e duração ao longo da vida emocional do indivíduo.

A cada momento do estado afetivo existe uma trajetória em que é possível analisar, em primeiro lugar, a origem; em segundo lugar, como se produz e porque se sente de maneira interna; em terceiro, que reações provoca no âmbito corporal em cada um de nós; em quarto lugar, de que maneira se manifesta; e em quinto lugar, a nível cognitivo, de juízos, pensamentos, de que forma ela é percebida.

Em consequência do exposto, parece que a afetividade funciona nos planos centrais e mais profundos do organismo vivo: lá onde o psíquico se funde com o orgânico; lá onde nascem as energias que são utilizadas para satisfazer as necessidades de todo o ser humano.

Por tudo isto, há que considerar a afetividade como o motor que impulsiona o comportamento humano, já que condiciona a imensa maioria das nossas formas de conduta quando vamos realizar uma ação.

Os sentimentos são, antes de tudo, cristalizações que aparecem vinculadas aos significados sócio-históricos; constituem parte integrante do organismo social; são conotativos; integram tanto valores em si, como para si; contribuem para a seletividade do sentido pessoal; interiorizam-se no processo de apropriação; difundem-se através do processo de aprendizagem, centram-se no outro; apoiam-se externamente; vinculam-se à atividade objetivada dominante; ligam-se com os verbos procurar, atuar, poder, fazer, conseguir, alguma coisa; relacionam-se com o mundo e com o eu através da dimensão do sentido pessoal, exprimem sentimentos intelectuais, estéticos e morais; constituem sinais do que ocorre no mundo, manifestam-se na conduta humana; exprimem-se por meio da linguagem verbal e não verbal; revelam o conteúdo dos objetos assimilados; são vivenciados pelo sentido pessoal; expressam-se como resultado da consciência social; surgem pelo funcionamento dos centros subcorticais; são temporais; são voluntários; regulam os estados emocionais; vinculam-se às necessidades humanas em general; asseguram a homeostasia do organismo; detêm uma função reguladora de preservação e extensão da espécie; regulam as relações entre os indivíduos e a sociedade; são relativamente estáveis; asseguram a estrutura social; estão contidos nas objetivações humanas; são signos portadores de significado; possuem carácter, exigem concetualização, ligam-se às motivações humanas; são o resultado dos processos de subjetivação e objetivação humanas.

Os sentimentos desempenham um importante papel na vida das pessoas. O indivíduo pode apropriar-se ou não, assimilar ou não, e em diferentes graus, com papel preponderante ou não, de matizes emocionais, com um determinado significado sentido.

Quanto às emoções, podemos observar que parte dos pressupostos teóricos do seu estudo assenta na relação com a atividade. Nesse sentido estimamos que as emoções se formam na atividade, tanto interior como exterior, e que a sua força vai depender do nível de desenvolvimento desta atividade prática.

No entanto, são as necessidades que impulsionam as mais variadas formas de atividade do homem, garantindo a sua formação, existência e desenvolvimento como organismo, indivíduo e pessoalidade no sistema das relações sociais. Assim, o desenvolvimento das necessidades e o nascimento dos motivos específicos humanos apenas podem ser descritos em termos da relação com os seus objetos.

Como todos os processos psíquicos, os emocionais são o resultado da atividade do cérebro. O reflexo, no cérebro do ser humano, das suas relações sociais reais, experimenta as necessidades com objetos que têm significado para ele. A origem do comportamento emocional é inicialmente orgânica, regulada pela função postural. Daí o seu caráter filogenético. No entanto, não se pode, nem reduzir o psíquico ao orgânico, nem separá-los por um abismo impossível de franquear.

Por tudo isto, as emoções fazem parte integrante da esfera motivacional da afetividade; relacionam a função de signos internos; são mediadoras do processo de apropriação; refletem as relações entre os motivos e as necessidades; dirigem a atividade; aparecem como consequência da ação, do motivo, antes da valoração racional; são paradoxais; exteriorizam-se tonicamente, de maneira difusa, por todo o organismo; são desconcertantes, estimuladas pelo meio e possuem conotação valorativa; estabelecem uma relação entre os pronomes eu, me, mi, migo, e o verbo ser; relacionam-se com os verbos sentir, recordar, olhar, estar com diferentes tipos de fenómenos; expressam oposição; são transmissíveis; relacionam o que sente o eu com a atividade dominante; explicitam o como sentem; exprimem vivências de sentido pessoal, são reprimidas pela educação e ganham objetividade através das operações intelectuais; são utilizadas pela consciência como meio mágico de adulteração do real; convertem-se no ponto de partida da consciência especulativa, são o suporte da consciência individual; regulam as relações sociais, são instrumentos da comunicação humana, asseguram a adaptação do indivíduo que se inscreve nas representações; articulam as condições orgânicas e sociais; experimentam sentimentos; incorporam a tríade humana bio-psico-social.

A atenção aos valores afetivos, dentro da formação inicial do professorado, é necessária por estes serem determinantes do comportamento do ser humano; os sentimentos e as emoções acabam por fazer parte dos elementos curriculares e, como tal, devem receber um tratamento específico dentro do processo de ensino-aprendizagem.

Os estabelecimentos de ensino não podem esquecer a realidade dos jovens que estão a formar, nem desconhecer a emergência dos valores afetivos que estes alunos apresentam e o papel tão fundamental que desempenham os sentimentos e as emoções para lhes encontrar soluções. Sabemos que esta tarefa não é fácil, mas nem por isso deixa de ser urgente. A necessidade e as bases para formar alunos educados na afetividade foram já expostas neste e noutros trabalhos. Apenas apontamos que tal solução deve ser um compromisso a adotar, não só pela administração educativa, mas também pelos professores e, evidentemente, pelos alunos que formamos nas nossas universidades.

 

Objetivos

O estudo da afetividade nos futuros educadores, a sua força e evolução são elementos de suma importância para os professores dos estabelecimentos de ensino, pois permitem melhorar a relação educativa, decidir a metodologia mais idónea, assim como a seleção dos conteúdos do ensino, oferecendo um lugar de primazia a valores como as emoções e os sentimentos – com interesse, além do mais, para os alunos que vivem, às vezes inconscientemente, um conjunto de valores emergentes, alheios à reflexão e à crítica, e também para as instituições relacionadas com a formação de futuros educadores e cidadãos, que devem organizar com maior frequência as atividades previamente planificadas a partir de um conhecimento mais exato de quais são os interesses e prioridades dos seus destinatários.

Considerámos os seguintes objetivos:

1. Identificar os valores dos alunos da Faculdade de Ciências de Educação;

2. Determinar a hierarquia axiológica dos mesmos;

3. Analisar os valores afetivos nos futuros docentes.

 

Método

Participantes

Realizámos um estudo de carácter longitudinal em três cursos académicos nas diversas formações em Educação (Ensino Básico – 1º ciclo, Educação de Infância, Educação Física, Educação Musical, Audição e Linguagem, Língua Estrangeira - Inglês e Francês, e Educação Especial) e em Pedagogia. O trabalho foi realizado ao longo de três anos consecutivos, de forma a conhecer a evolução que, na hierarquia dos seus valores, apresentavam os estudantes de Ciências da Educação incluídos na investigação, de tal maneira que os mesmos estudantes foram inquiridos no primeiro ano do seu percurso estudantil, no segundo, e no terceiro ano. O estudo realizou-se na Faculdade de Ciências da Educação de Granada, na Faculdade de Humanidades de Ceuta e na Faculdade de Humanidades de Melilla. Neste artigo apresentam-se detalhadamente os dados produzidos pelos estudantes durante o primeiro ano da sua carreira, e comparam-se com as pontuações gerais obtidas durante o segundo e o terceiro anos. Trata-se, sempre, dos mesmos estudantes.

Os sujeitos que responderam às nossas perguntas, no seu primeiro ano, ascendem a um total de 945 alunos. Destes, 19.6% são do sexo masculino, e 80.4% são mulheres.

Instrumento de recolha de informação

A resposta ao primeiro interrogante está condicionada pelo modelo axiológico de educação integral que serviu de base a outras investigações (Peñafiel, 1996, Casares, 1997, Álvarez, 2001, Cámara, 2003, Riol, 2006).

O modelo axiológico de educação integral do Prof. Gervilla (2000) inclui o conceito de totalidade, uma educação do ser humano completo, um desenvolvimento harmonioso de todas e cada uma das suas faculdades e dimensões, assim como dos valores que delas derivam. O problema radica em determinar quais são essas potencialidades e valores, o que dependerá do conceito de pessoa que se tome como ponto de partida. Neste sentido, a sua conceção de pessoa como “ser corpóreo dotado de inteligência emocional, singular e livre nas suas decisões, relacionado com as pessoas e as coisas no tempo e no espaço” (Gervilla, 2000, 43), comporta uma série de categorias ou dimensões e valores derivados de cada uma delas, e que vamos analisar em seguida. Ainda assim, para cada tipo de valores estabelece uma série de anti-valores que consistem basicamente na negação, oposição ou carência dos valores com que se relacionam.

Tal modelo sintetiza e relaciona o conceito de pessoa com o conjunto de valores e anti-valores gerados por cada uma das suas dimensões, suscetíveis de serem realizados ou recusados através da ação educativa.

A partir deste modelo, o grupo de Investigação “Valores Emergentes e Educação Social” (MUM.580), re-elaborou um instrumento que contemplava os dez valores indicados: corporais, intelectuais, afetivos, individuais, estéticos, morais, sociais, ecológicos, instrumentais e religiosos (Casares, 1995, 513-337).

O questionário de valores elaborado é o instrumento que utilizámos, uma vez que se adequava aos nossos objetivos. Neste instrumento manifesta-se o grau de reação favorável (muito agradável, agradável, indiferente, desagradável, e muito desagradável) a um conjunto de 25 palavras que configuram cada categoria de valor, já que as palavras, tal como o valor, possuem uma componente dupla: informativa e afetiva.

No questionário foi utilizada a técnica de qualificação de palavras, com base na definição de cada uma em cada categoria e, a partir daí, foi confecionado um banco de conceitos, na sequência do qual se selecionaram os 25 termos ou expressões que obtiveram as médias mais altas; estes passaram a formar o questionário definitivo. Em seguida apresentamos as dez categorias de valor:

Para determinar a fiabilidade do instrumento, selecionámos aleatoriamente um grupo de alunos a quem passámos o questionário. Mediante o programa SPSS Windows 11.0 aplicou-se a escala de Cronbach, tendo sido obtido este resultado:

Relibility Analysis-Scale (Alpha)

Realiability Coefficients

N of case = 945

Alpha = ,9141

N of Items = 250

O índice de fiabilidade que oferecemos é o realizado a todo o instrumento de recolha de dados. Consideramos importante apresentar os resultados obtidos em cada uma das categorias nas quais está estruturado o questionário. A seguir apontam-se as pontuações obtidas.

 

Resultados

Uma vez codificados os dados numa matriz, e antes de passar à análise propriamente dita, procedemos àquilo que se conhece como depuração da matriz de dados. Esta depuração consiste em corrigir os possíveis erros, e é efetuada tanto mediante a impressão de toda a matriz em papel, visualizando os resultados, como mediante a função de pesquisa automática do programa estatístico SPSS.13.

Em primeiro lugar, optámos por expor os dados globais para constatar a hierarquia axiológica dos futuros docentes. De acordo com a pontuação obtida, seria a seguinte:

À medida que vamos realizando os comentários pertinentes, iremos apresentando alguns dados desta tabela, de maneira a facilitar a sua visão e análise.

Como realçámos antes, os valores afetivos ocupam um primeiro lugar, existindo grande correlação com outros estudos axiológicos realizados com jovens (Elzo et al, 1999; Cruz, et al, 1999; Injuve, 2005). Este dado parece-nos lógico, já que a afetividade é uma dimensão importante na pessoa, trazendo-lhe um maior grau de felicidade. Todos os termos que aparecem nesta categoria obtiveram uma pontuação superior a +1 (intervalo entre +2 e –2), excetuando conceitos como: casar-se ou esposos (+0.65 e +0.58), pela sua possível relação com aspetos institucionais e de compromisso.

Análise descritiva

O nosso trabalho estuda a categoria de valores afetivos, centrando-se nos vocábulos “afetividade”, “amar”, “felicidade”, “sentimento” e “emoção”, e identificando o número de sujeitos que responderam a cada um dos valores que compõem este grupo, mínimo e máximo das pontuações obtidas, a média de cada valor, assim como o seu desvio típico.

 

Categorias

 

Tabela 1. Hierarquia de valores

Os valores afetivos são os que atingem as pontuações mais altas, sempre muito próximas a +2, excetuando os termos esposos e casar-se, com um desvio típico entre 1.09 e 1.10, respetivamente. As palavras que obtiveram as médias mais altas são: felicidade (1.91), ser amado (1.89), amar (1.88), carinho (1.86).

Avançando na nossa investigação, aprofundámos alguns vocábulos dentro desta categoria (valores afetivos), bem como a forma como são entendidos pelos alunos inquiridos. Os valores que vamos referir são: afetividade, amar, felicidade, emoção e sentimento.

Tabela: 2. Categoria: Valores afectivos

 

A afetividade no processo de ensino-aprendizagem serve como catalizador e intensificador dos interesses dos alunos por qualquer processo educativo de conhecimento. Como se pode observar nos dados da tabela que mostramos, a afetividade desempenha um papel essencial na vida dos sujeitos inquiridos, uma vez que 78,8% a considera como o motor que impulsiona o seu comportamento na vida.

Tabela 3. Afectividade

Ao definir o termo amar, faz-se referência a um estado emocional caraterizado pela atração por uma pessoa ou coisa e que vai gerar outros estados afetivos, entre eles a compreensão, a generosidade, o afeto (Fromm, 2003). É, além disso, aquela emoção que sentimos por outra pessoa, é sentir que essa pessoa pertence ao meu mundo, à minha vida (Segura & Arcas, 2003), cuja manifestação é o desejo da sua companhia, alegrar-se, possui-lo. Dos alunos que participaram na investigação (945), 89,5% considera que amar é uma questão de suma importância nas suas relações com os outros.

Tabela: 4. Amar

Os seres humanos desejam sempre o bem. A esse bem último, chama-se felicidade. Já Aristóteles na sua obra Ética a Nicómaco, assinalava que o que “de um modo absoluto faz de fim é o que sempre se escolhe pelo seu próprio valor e nunca pelo valor que outra coisa possui. Pois bem, a felicidade é o que concebemos como o que mais vale por si e em maior medida”. Kant sustenta que a felicidade é um bem perseguido por todas as pessoas, em virtude de uma necessidade natural. Por tudo isto, podemos afirmar que a felicidade é o fim último que procuram alcançar todos os indivíduos da sociedade.

Como se observa na tabela n.º 5, as percentagens obtidas superam em pontuação os restantes valores analisados, já que 6,2% consideram a felicidade como agradável e 92,4% como muito agradável.

Tabela: 5. felicidade

Embora os conceitos de emoção e sentimento sejam difíceis de explicar, é possível fazer uma descrição dos mesmos em determinados contextos sociais e educativos (Mártinez-Otero, 2005, 38-39), concretizados nos lugares de ócio, na arte (Segura & Arcas, 2003), nas aulas e nas relações interpessoais professor-aluno. Podem afetar uma ou todas as funções de forma facilitadora ou bloqueadora. Sobre a importância que concedem às emoções e aos sentimentos – que costumam ser persistentes – os 945 sujeitos que participaram nesta investigação, podemos assinalar que 96,9% manifesta que as emoções são muito agradáveis nas suas vidas, juntamente com 97%, que manifesta idêntica posição relativamente aos sentimentos.

Tabela 6: Emoção

 

Tabela 7: Sentimento

 

Análise de contingência

Após o estudo dos dados obtidos na sequência da análise descritiva da nossa investigação, percorremos as variáveis das tabelas de contingência elaboradas, para assim poder identificar detalhadamente outras questões sobre o estudo dos valores na formação do professorado. Concentrar-nos-emos apenas nos seguintes valores: item (54) afetividade; item (55) amar; item (62) emoção; item (73) sentimento; e item (66) felicidade, relacionados com algumas das variáveis estudadas (sexo, opção política e especialidade seguida):

Relativamente aos termos analisados (afetividade, amar, emoção, sentimento e felicidade) e cruzados com a variável sexo, tanto homens como mulheres, existe um posicionamento claro no sentido do agradável e muito agradável, ainda que, devido à percentagem mais elevada de mulheres, sejam elas as que obtêm maiores pontuações.

Tabela: 8.
Variável sexo: afectividade, amar, emoção, sentimento e felicidade

 

Tabela: 9

Variável opção política: afectividade, amar, emoção, sentimento e felicidade

Em linhas gerais, poderíamos assinalar que aqueles que se manifestam politicamente de Esquerda, em conjunto com os indiferentes, apresentam uma valorização mais alta, posicionando-se entre o agradável e muito agradável. Parece que a opção política influi de maneira notória na relação com as ideias de afetividade, amar, emoção, sentimento e felicidade. É ainda assim necessário destacar que os que se consideram de Esquerda (161 sujeitos) ou centro Esquerda (61 sujeitos), optam pelo valor emoção mais do que os que são de centro Direita (42 sujeitos) e Direita (77 sujeitos). Existe uma tendência mais numerosa para o valor sentimento nos sujeitos de Esquerda (161) ou centro Esquerda (71) do que nos alunos que se manifestam de centro Direita (42 sujeitos) e Direita (67 sujeitos).

Tabela: 10

Variável especialidade seguida: afectividade, amar, emoção, sentimento e felicidade

 

Relativamente à “especialidade seguida”, os resultados obtidos mostram que existe, em todas as especialidades inquiridas, a tendência a posicionar-se com pontuações mais próximas do + 2.

É importante salientar que não existem diferenças apreciáveis nos dados obtidos referentes ao componente afetivo das carreiras educativas entre os estudantes das diferentes especialidades.

Percorrendo cada uma delas, observamos que as médias são muito semelhantes: na variante de Audição e Linguagem, a média do vocábulo afetividade é de 1,85; em Educação de Infância, 1,84; em Língua Estrangeira, 1,76; em Educação Física, 1,74; em Pedagogia, 1,71; em Educação Especial, 1,73; em Educação Musical, 1,65. A média obtida no primeiro ano da investigação é de 1,76; no segundo, 1,74; e no terceiro, 1,80.

O mesmo ocorre quando estudamos as médias obtidas no termo amar. Observamos que as pontuações não diferem: na variante de Audição e Linguagem, a média do vocábulo amar é de 1,85; em Educação de Infância, 1,84; em Língua Estrangeira, 1,76; em Educação Física, 1,74; em Pedagogia, 1,71; em Educação Especial, 1,73; em Educação Musical, 1,65. A média obtida no primeiro ano da investigação é de 1,88; no segundo, 1,85; e no terceiro, 1,86.

De acordo com as diferentes especialidades, os futuros educadores consideram a emoção como: na especialidade de Educação Especial a média das emoções é de 1,69; em Educação Musical, 1,69; em Educação Física, 1,67, em Audição e Linguagem, 1,67; em Educação de Infância, 1,64; em Língua Estrangeira, 1,63; em Ensino Básico 1.º Ciclo, 1,62; e na licenciatura de Pedagogia, 1,61.

São os futuros docentes de Educação Musical e Educação Especial os que mostram uma valorização mais alta dos sentimentos. É lógico pensar na relação com o fazer profissional do docente dedicado a educar.

A média obtida no primeiro ano da investigação é de 1,67; no segundo, 1,64; e no terceiro, 1,68. Não se observa tendência alguma na evolução das valorações que estes estudantes fazem ao longo do tempo, pois ainda que no segundo ano a média geral baixe, para 1,64, no terceiro ano volta a subir, pontuando 1,68.

O mesmo acontece com as pontuações obtidas pelos sentimentos: na titulação de Audição e Linguagem a média do vocábulo sentimento é de 1,85; em Educação de Infância, 1,84; em Língua Estrangeira 1,75, em Educação Física, 1,74; em Educação Especial, 1,73; na licenciatura em Pedagogia, 1,71; em Educação Musical, 1,65; e em Ensino Básico 1.º Ciclo, 1,63. A média obtida no primeiro ano da investigação é de 1,71; no segundo, 1,71; e no terceiro, 1,78. Parece observar-se que, à medida que avança a formação inicial destes futuros docentes, a componente de sentimentos atinge um peso maior nas suas preocupações profissionais, seguramente depois de comprovar, durante os estágios nas escolas, que não são os conteúdos a ferramenta fundamental da educação, mas o sentimento que se coloca na base das relações humanas.

Por último, na variante de Audição e Linguagem, a média da palavra felicidade é de 1,85; em Educação de Infância, 1,84; em Língua Estrangeira, 1,75; em Educação Física, 1,74; em Educação Especial, 1,73; na licenciatura em Pedagogia, 1,71; em Educação Musical, 1,65; e em Ensino Básico 1.º Ciclo, 1,63. A média obtida no primeiro ano da investigação é de 1,91; no segundo, 1,88; e no terceiro, 1,89. É curioso detetar que o termo felicidade, é precisamente entre os estudantes da variante de Audição e Linguagem, o que adquire um maior nível em toda a escala aplicada. Podemos relacionar este dado, possivelmente, com o facto de ser entre os alunos desta área que encontramos a maior proporção daqueles que escolheram esta carreira como primeira opção para aceder à Universidade. Não é pois lógico pensar que se sentem felizes com a opção tomada?

Para finalizar, mostramos a evolução que tiveram todos estes conceitos ao longo dos três anos que durou a investigação.

Tabela: 11. Hierarquia

Conclusões

A leitura cruzada dos dados obtidos leva-nos a extrair as seguintes conclusões:

1. As mulheres valorizam mais o âmbito afetivo do que os homens. A capacidade de manifestar sentimentos e emoções é maior nas mulheres do que nos homens.

A análise de contingências referente ao cruzamento das variáveis sexo e afetividade permite-nos concluir que são precisamente as estudantes mulheres que atingem pontuações sensivelmente mais altas (localizadas no nível mais alto da escala) relativamente aos valores afetividade, amar, felicidade, etc. Ou seja, parece que as mulheres encaram a carreira docente a partir de uma visão da profissão em que o emotivo e o sensitivo desempenham um papel de maior peso face ao cognitivo do que os seus companheiros do sexo masculino. Os dados alcançados na tabela de contingência permitem-nos, ainda, concluir que a diferença do sensitivo a favor das mulheres é estatisticamente significativa.

2. Aqueles que se manifestam politicamente de Esquerda, em conjunto com os indiferentes, valorizam mais os sentimentos, a felicidade, amar, a afetividade e as emoções que os de Direita.

Apesar da simplificação, provocada conscientemente, de estabelecer a ideologia do estudantes em construções tão débeis como Direita e Esquerda, o cruzamento de dados desta dicotomia com o resto das categorias submetidas a estudo permite-nos afirmar que os estudantes que se veem a si mesmos como de Esquerda, em conjunto com os indiferentes, são os que pontuam no nível mais alto da escala, isto é, valorizam como muito agradáveis os conceitos e palavras que se referem aos sentimentos, à afetividade, ao amor e às emoções. Pelo contrário, são os estudantes que se auto-definem como de “Direita” os que pontuam mais baixo nos valores referentes ao afetivo e ao emotivo.

3. Quanto à variável “especialidade seguida”, não se observam diferenças nos dados recolhidos.

É importante concluir que não existem diferenças apreciáveis nos dados obtidos referidos ao componente afetivo das carreiras educativas entre os estudantes das diferentes licenciaturas. São as diferenças ligadas ao sexo e à orientação ideológica as que marcam divergências evidentes, mas da leitura da análise de contingência realizada entre a variável “especialidade seguida” e a afetividade, depreende-se que todas as pontuações de todos os estudantes se agrupam no nível mais elevado da escala, independentemente da Variante profissional escolhida. Não podemos portanto falar de uma predisposição para a valorização da componente afetiva da Educação mais ligada aos educadores de determinada área do que a outros, uma vez que todos, de maneira indistinta, o fazem por igual. Concluímos assim que os conteúdos que estão na base das diferentes licenciaturas não geram diferenças formativas relativamente aos futuros educadores no âmbito da afetividade.

Insistimos, em conclusão, na necessidade de conseguir que se reconheça a importância da formação afetiva, não só no âmbito familiar, mas também no curricular, com vista a conseguir que se supere a proliferação do intelectual e se consolide a formação da afetividade com um sentido verdadeiramente humanístico.

Concluímos que os futuros profissionais da Educação, em termos gerais, consideram que a felicidade, o amor, a afetividade, a emoção e os sentimentos devem impregnar todos os processos relacionados com a aprendizagem e a formação daqueles que vão educar no futuro.

 

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*Faculdade de Ciências da Educação, Universidade de Granada. alvarez@ugr.es

Tradução do original em castelhano de Manuela Barreto Nunes