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Revista Lusófona de Educação

versão impressa ISSN 1645-7250

Rev. Lusófona de Educação  n.14 Lisboa  2009

 

Mídia e intervenção psicossocial nas comunidades: em busca de novas possibilidades

Maria Aparecida Craveiro Costa, Ana Paula Távora da Silva & Carina Pessoa Santos*

O objetivo deste artigo é refletir acerca das possibilidades de utilização da mídia como instrumento de uma intervenção psicossocial, voltada para o desenvolvimento do senso crítico e autonomia nas comunidades. Parte-se do pressuposto de que a mídia pode ser utilizada a favor das transformações sociais. Sendo assim, mídia má é aquela que aliena e paralisa os sujeitos, ao apresentar a realidade como algo dado e que, portanto, não pode ser transformado. É proposta do artigo pensar a mídia de uma outra maneira, com base na cosmovisão social-comunitária, que permite encará-la enquanto fator de libertação social, possibilitando aos grupos serem autores de sua história e, portanto, modificá-la. A construção de espaços midiáticos alternativos é uma boa maneira para se alcançar estes objetivos dentro das comunidades.

Palavras-chave: Intervenção psicossocial; mídia; comunidades; sofrimento psicossocial.

 

Mass media and psychosocial intervention in communities: searching new possibilities

The objective of this article is to reflect concerning the possibilities of use of the media as instrument of a psychosocial intervention, come back toward the development of the critical sense and autonomy in the communities. It has been broken of the estimated one of that the media can be used in the favor of the social transformations. For in such a way, the concept of psychosocial suffering and the characteristics of the world visions liberal, totalitarian and social-communitarian. Being thus, the bad media is that one that alienates and paralyzes the citizens, when presenting the reality as something given and that, therefore, it cannot be transformed. However, it is proposal of this article to think the media in one another way, on the basis of the social-communitarian world vision, that allows to face it while factor of social release, making possible to the groups to be authors of its history and, therefore, to modify it. The construction of intervention through alternative media spaces is a good way to inside reach these objectives of the communities.

Keywords: psychosocial intervention; media; communities; psychosocial suffering.

Introdução

Este artigo tem por objetivo refletir acerca das possibilidades de utilização da mídia como instrumento de uma intervenção psicossocial, voltada para o desenvolvimento do senso crítico e autonomia nas comunidades. Trata-se de uma revisão bibliográfica, que buscou articular conceitos da Psicologia Social, com experiências e opiniões de diversos autores acerca do assunto. Para tanto, tomaremos como base alguns princípios da perspetiva sócio-histórica e a cosmovisão social-comunitária, tal como definida por Guareschi (2005).

Um dos aspetos mais importantes com o qual o psicólogo social precisa lidar, em seu trabalho com comunidades, é a presença do sofrimento psicossocial, que paralisa o potencial criativo dos grupos, a partir do momento em que os faz aceitarem a realidade como algo dado e que, portanto, não é passível de mudanças.

Ao intervir, este psicólogo, necessariamente, irá se fundamentar numa cosmovisão, ou visão de mundo, que permite compreender e atuar no sofrimento psicossocial de diferentes formas. A função da mídia, enquanto poderoso veículo de produção de subjetividade, também pode ser analisada através das diferentes cosmovisões: liberal, totalitária e social-comunitária.

Este artigo encontra-se dividido em quatro partes: a intervenção psicossocial, que trata das características desde tipo de intervenção, a partir do conceito de sofrimento psicossocial e das diferentes cosmovisões, apresentando o ideal de comunidade, enquanto local onde todos têm voz e vez; a mídia má, que trata da utilização deste meio de comunicação de forma alienante e reificadora; mídia, senso crítico e libertação: espaços midiáticos alternativos, que busca maneiras de pensar a mídia enquanto veículo de comunicação que permite a integração dos grupos e a transformação social; e considerações finais.

A intervenção psicossocial

De acordo com Sarriera, o termo intervenção deriva do latim interventione, significando “um procedimento jurídico em que uma instância governamental superior se intromete em outra instância e se apropria de sua gestão”. (como citado por Souza, 2005, § 6).

No entanto, as autoras defendem que a intervenção psicossocial deve se afastar ao máximo deste senso, referindo-se a uma prática multidisciplinar, em que diversos profissionais assumem uma postura de construção conjunta e igualitária de saberes com os membros da comunidade, de forma que possam interferir nesta realidade, no sentido de ajudar a promover o bem-estar de seus moradores.

Dentre as questões marcantes na dinâmica das comunidades, com as quais os interventores precisam lidar, está a presença do que Sawaia (1995, p. 50) denomina de sofrimento psicossocial: “(...) a fixação do modo rígido de estado físico e mental que diminui a potência de agir em prol do bem comum, mesmo que motivado por necessidades do eu, gerando, por efeito perverso, ações contra as necessidades coletivas e, consequentemente individuais”.

O sofrimento psicossocial é a chave para a acomodação, para o estrangulamento do coletivo, em prol do bem individual. Ele corrói o sistema de resistência social, quebrando o nexo entre o agir, o pensar e o sentir. As condições favorecedoras de sua disseminação são a miséria, a heteronomia e o medo; deixando sequelas como a passividade, o alcoolismo e o fatalismo. É a sensação de não pertença ao grupo, de passividade e impotência diante das injustiças sociais; o sentimento de solidão coletiva, que diminui a auto-estima dos marginalizados pela sociedade. O indivíduo não se sente protagonista de sua própria história, aceitando tudo o que lhe é imposto, como se fosse natural.

Em nossa sociedade, a vivência diária da desigualdade social, a dor de ser tratado como inferior, incapaz e, muitas vezes, como perigoso, a experiência diária de ser ignorado pelas pessoas, de não receber um sorriso, nem mesmo um olhar; além da impossibilidade de desfrutar dos bens de consumo instigados pela mídia, favorecem a vivência desse sofrimento.

Assim, a autora aponta para a importância de um novo paradigma ético-social, que incorpore ao seu objeto de estudo o sofrimento psicossocial. Uma intervenção pautada neste modelo permite que o sujeito se aproprie de sua história e de seu potencial para transformar a sociedade, ao invés de submeter-se ao que não lhe agrada: colocar o sofrimento psicossocial como objeto de estudo é introduzir, na reflexão e ação da Psicologia Social, um apelo à democracia e ao socialismo do ponto de vista ético, sem cair em modelos moralizantes ou teorias fetichizadas (Sawaia, 1995, p. 52).

A fim de traçar reflexões acerca da importância de que o psicólogo assuma um paradigma de intervenção focado na superação do sofrimento psicossocial, tomaremos como base as idéias de Guareschi (2005) em relação às cosmovisões: formas de perceber o mundo, que são compostas por valores, uma visão de homem e uma conceção de social. Assim, cada cosmovisão gera comportamentos, modos diferentes de relacionar-se com o outro e, consequentemente, diferentes modos de intervir no sofrimento.

O liberalismo individualista é a mais presente e difundida cosmovisão da contemporaneidade. Ele tem sua raiz no século XVI, com as idéias de Descartes, e retornou com o neoliberalismo, compreendendo o homem como indivíduo que nada tem a ver com os outros. Esta perspetiva leva ao psicologismo, negando o social, que é resumido a uma soma de indivíduos. Existe um incentivo à competitividade, que garantiria o progresso, através da exclusão social.

Uma prática psicológica que desconsidera o contexto sócio-histórico de cada indivíduo, buscando enquadrá-lo nos padrões sociais, é característica dessa cosmovisão. Qualquer mudança, nesse caso, é abominada, posto que põe fim ao equilíbrio do sistema que, por si só, caminharia para o progresso. O sofrimento é colocado em segundo plano, caracterizando um tipo de intervenção paliativa, que se detém em doar alimentos, alfabetizar, ensinar regras sociais etc., sem se preocupar em conhecer a demanda e os saberes do grupo. O psicólogo, neste caso, leva o seu conhecimento técnico e tenta aplicá-lo naquela comunidade.

Bock (2001), citando sua tese de doutorado, cujo objetivo foi refletir sobre o significado atribuído, pelos psicólogos, ao fenômeno psicológico, constatou que a grande maioria das respostas dos profissionais ao questionário que ela enviou, se situava na visão liberal. Este dado é bastante alarmante, posto que esta cosmovisão está na base do sofrimento psicossocial, reforçando a sensação de passividade, ao afirmar que a realidade é o que está aí e que, portanto, não pode ser transformada.

Por outro lado, a cosmovisão totalitária esmaga o individual, desconsiderando as singularidades e supervalorizando, ou até reificando, o coletivo. Ela surgiu no século XVIII como reação ao liberalismo, colocando-se como seu oposto. No entanto, as duas visões de mundo têm em comum o facto de serem reducionistas e de abominarem mudanças sociais. Assim, o sociologismo é característico desta cosmovisão, que, ao contrário do psicologismo liberalista, desconsidera as diferenças individuais, enfatizando o grupo, as organizações e o Estado.

Uma saída interessante para as limitações dessas duas visões seria assumir a cosmovisão social-comunitária, que compreende o ser humano enquanto pessoa, ou seja, em relação com o outro. Dessa forma, não se enfatiza nem o psicológico nem o social, mas a interação de ambos. É na relação com o outro e, portanto, no social, que o homem tece sua subjetividade, influenciando e sendo influenciado pelos modos de subjetivação de sua cultura.

Bock (2001) defende a necessidade de se assumir uma visão sócio-histórica na Psicologia e demais ciências, já que esta se baseia na concepção de condição humana. A autora a apresenta como alternativa para superação da cosmovisão liberal, a partir de uma postura que abandona a visão abstrata de fenômeno psicológico, assumindo uma perspectiva que defende que ele “não pertence à natureza humana, não é pré-existente no homem e sim, reflete a condição social, econômica e cultural em que vivem os homens” (p.22). Os fenômenos sociais passam a ser, portanto, encarados como históricos, ou seja, algo que tem início e fim, o que dá abertura para mudanças.

Dessa forma, cabe ao psicólogo conhecer a realidade na qual está intervindo, sua história e modos de subjetivação. Adequar às normas não é o ideal, mas sim, desenvolver uma consciência crítica, que permita ao homem ser autor de sua história. A origem do sofrimento psicossocial se torna a base da intervenção, a partir do saber do grupo, que interage com o saber técnico do psicólogo. Como afirma Freire (1981, p.29):

Todo saber traz consigo sua própria superação. Portanto, não há saber nem ignorância absoluta: há somente uma relativização do saber ou da ignorância. Por isso, não podemos nos colocar na posição do ser superior que ensina um grupo de ignorantes, mas sim na posição humilde daquele que comunica um saber relativo a outros que possuem outro saber relativo.

Lança-se, então, o ideal de comunidade, local onde todos se conhecem pelo nome, tem voz e vez. Como afirma Guareschi (2001, p.74), “o retorno à comunidade, ao tipo de vida onde há participação de todos, seria uma maneira de resgatar o ser humano e a vida social”. Na comunidade, pode-se lutar pela liberdade, autonomia e igualdade de direitos, fugindo-se do individualismo e particularismo ético. Assim, pode-se dizer que, para que um indivíduo se torne cidadão, ele precisa desenvolver um sentimento de pertença à uma comunidade.

É na comunidade que o psicólogo poderá intervir, pautado por um paradigma que relativize seu saber, visando o desenvolvimento da consciência social do grupo e a superação do sofrimento psicossocial. O psicólogo deve buscar estratégias coletivas, no sentido de aumentar a auto-estima da comunidade, propiciando um espaço público de expressão.

Assim, Vidal (como citado por Brito & Figueiredo, 1997, p. 4) afirma que o principal papel do psicólogo comunitário é o de mediador:

O psicólogo comunitário é aquele que pode entrar em uma comunidade e colocar-se em contato com as várias partes existentes nela, sem ter que julgar ou posicionar-se a favor de alguma. Podendo, com isso, ocupar uma posição neutra que o possibilite exercer um papel de facilitador da comunicação entre essas partes.

Por fim, defendemos que é assumindo uma cosmovisão sócio-comunitária que o psicólogo poderá melhor intervir nas comunidades, resgatando sua razão de existir, através da superação do sofrimento psicossocial de seus membros. No entanto, a cosmovisão liberal ainda é a mais presente na nossa sociedade, tendo como principal meio de comunicação legitimador, a mídia.

Passaremos, neste momento, a refletir sobre o potencial alienador da mídia e, posteriormente, buscaremos alternativas que permitam a utilização deste meio de comunicação tão poderoso, para uma intervenção pautada na cosmovisão comunitária.

A mídia má...

Guareschi (2005), tratando da relação entre comunicação e Psicologia Social, destaca quatro pontos em relação à mídia: a comunicação constrói a realidade, posto que só o que é falado pode ser pensado; além de dizer o que existe e o que não existe (o que não é veiculado), a mídia dá uma dimensão valorativa positiva às informações que transmite, formando opiniões; a mídia propõe o que deve ser discutido pela sociedade, através da seleção de informações; e a televisão está dentro das casas, de forma que é com ela que as pessoas passam grande parte do seu tempo, recebendo informações prontas, que não permitem nem a crítica nem a criatividade.

Coelho (2003) aproxima-se das idéias de Guareschi, ao refletir sobre o que ele denomina de indústria cultural, referindo-se a uma cultura produzida em série e voltada para o consumo, que tem como função legitimar os princípios capitalistas. A mídia é o principal veículo de disseminação desse tipo de cultura, contribuindo para a alienação das pessoas e reificação dos afetos. O autor traz, então, reflexões da semiótica, no intuito de tentar compreender como os veículos da indústria cultural agem.

Segundo a semiótica, todo processo de significação tem como fundo a operação do signo. Sendo signo tudo o que representa ou está no lugar de alguma coisa, entende-se por processo de significação a relação signo-referente-interpretante. Existem três tipos de signo: ícone (ex: fotos, estátuas), índice (ex: nuvem indicando chuva; catavento, indicando vento) e símbolo (palavras); e cada signo dá origem a um tipo de consciência. Tem-se, portanto, a consciência icônica, que está baseada nos órgãos do sentido e nos sentimentos – é a consciência da contemplação; a consciência indicial, que está baseada na constatação e na formação de juízos que levem a uma ação; e a consciência simbólica, baseada em argumentos lógicos, que procura estabelecer leis e normas para compreender o porquê das coisas.

Assim, a indústria cultural tem como base de funcionamento a consciência indicial: ela procura mostrar o maior número de informações, que não estão ligadas entre si através de uma relação causa-efeito, mas transmitem ao espectador a sensação de conhecer profundamente o assunto abordado, criando uma consciência-mosaico: cheia de informações que não podem se relacionar de forma lógica – o que leva à alienação.

É dessa maneira que a mídia aliena, fragmentando a consciência das pessoas, ao mesmo tempo em que as enche de informações, cessando seu espírito de pesquisa. Pode-se perceber uma estreita relação entre esse processo e a cosmovisão liberal, que está baseada no individualismo e serialização da cultura. A mídia tem-se tornado uma mediadora das relações interpessoais, determinando o que pode e deve ser discutido, de acordo com os interesses de uma pequena parcela da população, que domina esses meios.

Spink (2006), através de uma pesquisa acerca do poder das imagens midiáticas no processo de naturalização das diferenças sociais, apresenta uma análise do jornal Folha de São Paulo, durante a semana de 8 a 14 de dezembro de 2003, trabalhando a associação entre imagens e conteúdo a partir de uma perspectiva multimodal, que compreende as imagens enquanto formas discursivas. A autora afirma que a mídia contribui para a naturalização da violência, a partir do momento em que torna natural, transforma em dado, portanto em real, algo que é socialmente construído, produto de nossas práticas cotidianas.

Dessa forma, os processos de naturalização ocorrem através de meios diversos, sendo destacados pela autora (Spink, 2006, p.25-26) a conversacionalização: que gera a banalização própria do senso comum – “é assim porque é assim”; a marquetização: que atua pela construção do receptor como consumidor, transformando a mídia em lazer e o lazer em mídia; e os tropos de linguagem: que se referem ao uso de figuras de linguagem: como a metáfora, sinédoque e metonímia.

Atualmente, podemos observar, também, a crescente utilização da internet como meio de comunicação, principalmente através dos sites de relacionamento. Esses meios criam uma falsa sensação de proximidade entre as pessoas, dificultando a utilização de alternativas não verbais para transmitir informações. Nas comunidades, em que o acesso ao computador e à internet são limitados, tem-se, ainda, a produção da necessidade de consumo desses bens, gerando um sentimento de impotência, que está estritamente relacionado ao sofrimento psicossocial.

Outro aspecto interessante, discutido por Champagne (1998), é a influência que a mídia vem exercendo na política. Devido a seu poder de formar opiniões, este veículo tem chamado a atenção dos cientistas políticos e dos próprios candidatos. O autor denomina este movimento de midiatização da política, a partir do momento em que as sondagens de opinião sobre os candidatos podem ser alteradas através de uma boa exibição na televisão ou rádio. Assim, os jornalistas e produtores de emissões políticas buscam formas de agradar a maior parte da população, sendo avaliados, não o potencial político e crítico dos candidatos, mas a sua capacidade de “sedução midiática”. A luta tem deixado de ser política, entrando no âmbito da competição entre agências de publicidade. Nas palavras do autor:

A televisão coloca os líderes políticos em uma nova situação; com efeito, a lógica da mídia de dimensão nacional e a busca de audiência máxima levou-os a se apresentarem diante de públicos muito heterogêneos, sendo que uma grande parte dessa população, pouco interessada pela política, limita-se a assistir às suas ‘exibições’ no que têm precisamente de menos ‘político’ (no sentido tradicional) e somente irá julga-los, quando lhes é feita tal demanda, em função de critérios rigorosamente não políticos. (Champanhe, 1998, p. 142)

A mídia tem exercido grande influência, até mesmo, nos movimentos de manifestação popular, que têm como base a denúncia e a transformação social. De acordo com Champanhe (1998), ela tem contribuído para a formação de grupos que apenas têm uma existência midiática. Assim, as manifestações tendem a ser programadas pelos seus organizadores e patrocinadas pela mídia, servindo mais aos dominadores do que aos dominados. É preciso saber “se vender”, apresentar idéias que chamem a atenção do público, podendo ser facilmente consumidas.

Dentro das comunidades, movimentos sociais vêm perdendo sua razão de existir, a partir do momento em que se enquadram nos preceitos necessários para serem veiculados e patrocinados pela mídia. A lógica capitalista tem sido aplicada neste modelo, criando movimentos “rivais”, que precisam competir por um “momento de fama”. Assim, o próprio ideal de comunidade fica perdido. No entanto, seria possível pensar a influência da mídia nas comunidades de uma outra maneira?

Mídia, senso crítico e libertação: espaços midiáticos alternativos

Coelho (2003) trata da importância de se colocar os veículos da indústria cultural para trabalhar em favor da massa, preparando-a para que possa entrar em contato com os fenômenos da mídia e saber extrair deles o que têm de melhor, sem se deixar coisificar pelo sistema. A solução apresentada pelo autor é a de por em prática uma ação política e/ou cultural, que permita aos indivíduos desenvolverem sua personalidade e constituir um coletivo que não os esmague em uma massa.

Dessa forma, as pessoas poderiam participar do debate sobre a produção dos meios de comunicação de massa, para evitar que se chegue a uma “sociedade sem oposição”, na qual toda a reflexão crítica estaria paralisada. Passaríamos, portanto, da produção de uma consciência indicial, com informações rápidas e descontextualizadas, para a produção de uma consciência simbólica, crítica e criativa.

O papel do psicólogo é fundamental neste processo, a partir do momento em que ele pode contribuir, através de um diagnóstico da realidade da comunidade - reconhecendo as facilidades e as dificuldades a serem enfrentadas - para um trabalho que deve ter como base a demanda desta. É preciso compreender as necessidades do grupo, como também, buscar lá dentro as possibilidades de intervir. O desafio é fazer com que a comunidade se aproprie dos recursos ali existentes, tornando os seus membros mais conscientes e participativos. Uma dessas possibilidades pode ser a mídia alternativa.

Neumann (como citado por Brito e Figueiredo, 1997) afirma que a comunicação alternativa caracteriza-se por ser um projeto de participação popular, que permite a re-constituição do elo de ligação entre as pessoas de um mesmo grupo, com a intenção de transformar o contexto social. A grande diferença entre este tipo de comunicação e o tipo formal é que o segundo é feito para a comunidade, enquanto o primeiro é feito com a comunidade, propiciando engajamento social e autonomia.

Com base nesta perspectiva, Brito & Figueiredo (1997) relatam uma experiência que vem sendo vivida numa comunidade carente de Porto Alegre (RS). Nesta experiência, que tem como objetivo incentivar a participação comunitária no planejamento das ações, definindo e aplicando recursos da comunidade, optou-se pela comunicação alternativa, através da criação do jornal O grito da comunidade, que era escrito pelos próprios moradores, com a finalidade de desenvolver nos mesmos autonomia, senso crítico e identidade social.

Segundo os autores, este trabalho está sendo bastante proveitoso. Conseguiu-se, depois de O grito da comunidade, uma maior participação dos moradores nas reuniões para estabelecimento de prioridades da comunidade, como também, abriu-se espaço para que novas discussões surgissem. Além do jornal, foi criado um grupo de adolescentes infratores, com o objetivo de preparação para o trabalho; a participação nas reuniões do Fórum da Comunidade aumentou; organizou-se uma cooperativa de moradores e a participação nas reuniões do Conselho Local de Saúde tornou-se mais significativa.

Dessa forma, a mídia alternativa pode ser pensada como possibilidade de inclusão social, a partir do momento em que promove a democratização da informação, permitindo que a comunidade expresse seus interesses, medos, ansiedades, etc. Os meios de comunicação midiáticos exercem, indiscutivelmente, um poder na vida das pessoas, prendendo sua atenção e norteando seus comportamentos e opiniões. Portanto, deve-se pensar a possibilidade de utilizá-los para a educação e desenvolvimento crítico da comunidade, permitindo um resgate de identidades.

Outra experiência interessante foi apresentada por Oliveira et al. (n.d), através da criação do jornal comunitário Folha Martin Pilger, do qual participaram os jovens da comunidade da vila Martin Pilger, em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. O objetivo das autoras foi buscar novas alternativas metodológicas de intervenção, de forma que, neste trabalho, foi possível ensinar aos jovens da comunidade - através de oficinas de texto, de diagramação e da proposta de um Diário de Campo - técnicas de Jornalismo.

Relatam as autoras que a criação do jornal foi produtiva, a partir do momento em que possibilitou uma via de acesso às necessidades da comunidade. Dessa forma, foi possível estender o trabalho, que, inicialmente, abrangia crianças e adolescentes, para a família desses jovens. A Folha Martin Pilger permitiu uma troca de experiências entre os membros da comunidade, valorizando todos os tipos de saber.

Pode-se pensar, portanto, na mídia como alternativa de superação do sofrimento psicossocial, tornando-a uma aliada do trabalho nas comunidades. Para tanto, é preciso valorizar o contexto, saberes, experiências, necessidades e particularidades de cada local de intervenção, o que só é possível através de uma cosmovisão que permita compreender o homem enquanto autor de sua história. A mídia passaria de um instrumento de dominação, para uma possibilidade de expressão e crítica da realidade, permitindo o resgate da dignidade e cidadania.

Considerações finais

Pode-se dizer que influência da mídia nas comunidades é marcante, ocorrendo, na maioria das vezes, de forma alienante e paralisadora das ações de transformação. No entanto, este poderoso veículo de comunicação, devido a seu poder de prender a atenção e fazer parte da vida das pessoas, não pode, com base nestes aspetos negativos, ser descartado enquanto instrumento de intervenção social.

Assim, não se deve ignorar ou evitar a mídia, mas sim, pensá-la dentro de uma perspectiva que permita compreendê-la como fator de libertação social: a mídia precisa ser constituída com a comunidade e não para a comunidade. É a realidade dos grupos, e não fragmentos de conteúdos desconexos, que precisam ser abordados neste veículo.

Acreditamos que a cosmovisão social-comunitária abre possibilidades para pensar a mídia desta maneira e que ela deve ser levada em consideração no momento de intervir, destacando a intervenção psicossocial enquanto ação política que pode gerar transformação ou estagnação. O sofrimento psicossocial, se pensado dentro desta perspectiva, é algo a ser superado, através da transformação da consciência dos grupos, fugindo-se de todo tipo de naturalização.

 

Referências bibliográficas

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        [ Links ]

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Champagne, P. (1998) Formar opinião: o novo jogo político. (G. J. de F. Teixeira, Trad.) Rio de Janeiro: Vozes.

Coelho, T. (2003) O que é indústria cultural. São Paulo: Brasiliense.

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Souza, L.G.S. (2005). Os trabalhadores sociais e a intervenção psicossocial. Consultado em 10 de agosto 2007 em http://www.coopemult.com.br

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*Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Brasil. cidacraveiro@uol.com.br