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Revista Lusófona de Educação

versão impressa ISSN 1645-7250

Rev. Lusófona de Educação  n.12 Lisboa  2008

 

António Teodoro (2003). Globalização e Educação. Políticas Educacionais e Novos Modos de Governação.

Porto: Edições Afrontamento, 111 páginas.

Esta obra de António Teodoro, intitulada Globalização e Educação. Políticas Educacionais e Novos Modos de Governação, centra-se na abordagem das questões educativas, nomeadamente dos debates políticos, a nível nacional e internacional. O livro faz-nos pensar quem somos, quando integrados no sistema mundial. E as questões que de imediato se colocam são as seguintes: seremos nós os verdadeiros construtores das políticas educativas ou elas resultam de processos de contaminação, fazendo de cada uma meras peças de um puzzle global? A quem se devem as mudanças educativas? Quem contamina quem? Quais são as forças dominantes neste jogo global? Quais os contextos históricos que esclarecem os posicionamentos/relacionamentos globais e locais?

Este livro representa um contributo significativo para repensar as funções da Escola e dos seus actores e o papel do Estado e das organizações internacionais. É importante relacionar o que se faz na sala de aula, as capacidades que são desenvolvidas com as forças dos poderes dominantes. Neste mundo em que vivemos, nada, precisamente nada do que se ensina na sala de aula é um dado puramente neutro. Importa pois tentar perceber as forças do poder que nos afectam, como nos limitam ou potencializam certas capacidades, como nos fazem pensar como pensamos, dando a ilusão que pensamos com a nossa própria cabeça.

Como diz o autor, a passagem da educação da esfera doméstica para tema central nos debates políticos (nacional e internacional) coloca problemas ao estudo das políticas educacionais. Por outro lado, a progressiva massificação que temos vindo a assistir no último século, veio também colocar novos problemas, veio abanar os valores que tinham presidido à construção da escola. Isto representa uma realidade qualitativamente diferente, com a qual todos os intervenientes têm uma enorme dificuldade em lidar. A escola entrou numa dupla crise: de regulação (não integra eficazmente) e de emancipação (não produz a mobilidade social esperada).

António Teodoro sublinha a necessidade de procurar uma outra racionalidade que responda aos novos desafios da escola para todos, com outros valores, outras metas, outros procedimentos. É que a gramática da escola - que desde o século XIX, foi um elemento que consolidou o Estado-Nação (pela primeira vez as pessoas foram trabalhadas para ter uma identidade colectiva), homogeneizou a língua e a cultura, formou o cidadão (novo conceito) e construiu a cidadania nacional – não está a responder às necessidades das novas formas de cidadania, aos novos contornos do mercado de trabalho e à nova importância do conhecimento / informação nas sociedades modernas.

Muito embora os discursos sobre a crise da educação escolar sejam tão antigos como a própria Escola, os factores supostamente geradores da actual crise são hoje mais amplos e heterogéneos (expansão e internacionalização da economia capitalista, centralidade dos meios de comunicação de massa que se constituem como fortes agentes de socialização, diversificação e complexificação dos problemas sociais, …), e, portanto, há que reconfigurar a expansão da escola para todos com a assunção de lógicas de desenvolvimento que não sejam restritas somente à lógica da cidadania atribuída pelo Estado-Nação.

É com base nesta linha de pensamento, que o autor, reiterando uma visão sistémica das políticas educacionais, apresenta, no Capítulo I, os pressupostos metodológicos para a abordagem das políticas educacionais que pressupõe a mobilização de saberes oriundos de campos disciplinares das Ciências Sociais (História, Economia, Antropologia, Sociologia e Ciência Política) para uma sua melhor apreensão e interpretação.

Elegendo como pólo central do livro, As novas formas de regulação transnacional das políticas de educação, ou uma globalização de baixa intensidade – temática que constituio Capítulo II - o autor, baseando-se numa pesquisa empírica realizada em Portugal num arco cronológico situado entre 1955 e 1986, sinaliza as relações entre as organizações internacionais – OCDE (19551974), UNESCO (1974-1975), Banco Mundial (1976-1978) e OCDE (1979-1986) - e a formulação de políticas educativas nacionais (veja-se Quadro na p. 35). As referidas organizações internacionais funcionam como um elemento de legitimação e desempenham “um decisivo papel na normalização das políticas educativas nacionais, estabelecendo uma agenda que fixa não apenas prioridades mas igualmente as formas como os problemas se colocam e equacionam”, constituindo “uma forma de fixação de um mandato, mais ou menos explícito conforme a centralização dos países” (p. 33).

O autor sustenta que os efeitos da globalização nas políticas educacionais são indirectos, agindo por mediação dos Estados nacionais o que vai propiciar que novas e distintas regras possam ter interpretações diferenciadas, devido à localização de cada país no sistema mundial. E socorre-se do conceito de globalização de baixa intensidade, proposto por Boaventura de Sousa Santos, para designar este modo de regulação nas políticas educacionais. Trata-se de uma globalização de baixa intensidade porque, na educação, verifica-se grosso modo “a mediação obrigatória dos Estados nacionais na formulação das respectivas políticas, condicionada em geral por fortes movimentos sociais internos” (p. 61).

No Capítulo III, o autor apresenta - ancorado na teoria de Immanuel Wallerstein - a perspectiva teórica do sistema mundial moderno e retoma o conceito de semiperiferia, baseado sobretudo nos trabalhos de Boaventura de Sousa Santos e da vasta equipa de investigadores do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (que têm procedido a um aprofundado estudo de reconstrução teórica deste conceito). A esta luz, António Teodoro considera que a “caracterização das sociedades periféricas contém um importante conjunto de hipóteses de trabalho que podem, designadamente, ajudar a compreender as razões do atraso na construção da escola para todos em Portugal” (p. 88).

No IV (e último) capítulo, Ética e Educação. A acção do professor e da escola como tempo e espaço de possibilidade, o autor desenvolve uma reflexão em torno (i) da centralidade do sistema escolar na construção da modernidade; (ii) das funções básicas da escola (socialização dos jovens e credenciação da população para o exercício de funções sociais); (iii) da necessidade de se repensar a gramática de escola, desenvolvida desde o século XIX de ensinar a muitos como se fosse um só, e construir evolutivamente uma outra gramática da escola; e (iv) do alargamento progressivo das funções dos professores “tendendo a configurar a profissão de professor como a de um trabalhador social”(p. 96).

Neste sentido, o autor defende que as políticas públicas devem equacionar os professores mediante dois vectores complementares: o professor, como militante de justiça social, e o professor como pesquisador de sala de aula, capaz de conhecer os alunos e interagir com a comunidade, de cooperar com os seus pares, e de construir estratégias de diferenciação pedagógica e produzir quotidianamente inovação. E, deste modo, admitir que a escola tendo algumas características de lugar estrutural possa ser um “espaço público no qual se podem dotar as futuras (e actuais) gerações com novos mo-dos de pensar a construção de um mundo mais justo” (p.100).

Em síntese: o livro que recenseámos de António Teodoro procura desocultar e dar inteligibilidade a diferentes aspectos do processo de construção das políticas de educação no mundo contemporâneo, não deixando, porém, de apelar à necessidade de reencantamento do mundo - expressão recuperada pelo autor de Ilya Prigogine e Isabelle Stengers – como uma das prioridades dos cientistas sociais.

Este livro recomenda-se a todos os que querem pensar a educação em termos de regulação social. Quem quiser ter uma perspectiva mais alargada da educação tem aqui uma boa fonte de inspiração.

José Brás e Maria Neves

zebras@netcabo.pt

maria.neves@netcabo.pt