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Revista Lusófona de Educação

versão impressa ISSN 1645-7250

Rev. Lusófona de Educação  n.9 Lisboa  2007

 

Editorial

 

 

1. No final de 2006, por iniciativa do Observatório de Políticas de Educação e de Contextos Educativos, Unidade de Investigação & Desenvolvimento que edita a Revista Lusófona de Educação, foi constituída a Rede Ibero-americana de Investigação em Políticas Educacionais (RIAIPE), que inclui equipas de investigação de Portugal, Espanha, Brasil, Argentina, Paraguai e México (ver notícia neste número e consultar http://cyted.riaipe.net/). A Rede agora criada conta com o financiamento, até 2010, do Programa CYTED da Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI).

Articulada com um outro projecto de investigação, Educating the Global Citizen. Globalization, Educational Reform and Politics of Equity and Inclusion in 16 Countries (ver em http://eduglobalcitizen.net/), coordenado a nível internacional por Carlos Alberto Torres, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA), a Rede Ibero-americana pretende construir um quadro teórico e analítico que permita cartografar e analisar as políticas públicas de educação das últimas décadas – tanto as conduzidas pelos governos como as propostas e projectos das mais influentes agências globalizadoras ou dos movimentos sociais e administrações locais. Tomando como referência essa cartografia, pretende também trabalhar um conjunto de indicadores que privilegiem as dimensões da inclusão e da equidade, que possam ser apresentados em contraposição a indicadores hegemónicos construídos no âmbito de organizações como o Banco Mundial ou a OCDE, usados até à exaustão em relatórios, exames e inquéritos estatísticos comparados, e que hoje se tornaram um influente instrumento de regulação das políticas públicas.

A influência que essas organizações supranacionais vêm exercendo sobre as políticas educativas nacionais provocaram já mudanças significativas no governo da educação e nos processos de regulação que, por força da convergência consequente, adquirem carácter transnacional.

Assumindo a preponderância da economia nas análises e interpretações dos sistemas educativos, as recomendações, critérios, indicadores, benchmarks e modelos propostos decorrem da integração económica supranacional caracterizada pela liberalização de um processo de trocas e de fluxos de capital e de trabalho, em que o mais forte procura ditar as regras ao mais fraco, sem mais lugar para fronteiras nacionais.

Os sistemas educativos, entendidos como contribuindo para a agenda da Economia do Conhecimento (produção do conhecimento útil para o desenvolvimento económico), devem, neste contexto, assumir como objectivo a eficácia produtiva, a competitividade e a empregabilidade.

Acompanhando este processo de mundialização, a ambição de um modelo hegemónico para a educação toma como dado adquirido a obsolescência dos sistemas educativos e da “gramática da escola”, que asseguraram e acompanharam o desenvolvimento dos Estados-nação, e atribui aos Estados nacionais a função de garantes da integração na nova ordem mundial assegurando os mecanismos de controlo baseado na comparabilidade interpretada pela construção e análise de indicadores comuns.

Entretanto, é dever ético dos cientistas sociais, não apenas compreender esses processos, mas igualmente mobilizar investigação em torno de experiências alternativas, que procurem entender as suas origens, aplicação e resultados. Para estes estudos é importante considerar a pertinência de indicadores alternativos e novas abordagens às políticas de inclusão e equidade.

O conhecimento é uma prática política, pelo que não há justiça social global sem justiça cognitiva global. A Rede agora criada assume, deste modo, o objectivo de dar uma maior visibilidade à comunidade académica e científica dos países ibero-americanos neste campo específico das políticas de educação e contribuir para a construção de uma outra agenda pública que, na educação como em outros campos sociais, privilegie as políticas de equidade e inclusão. Como temos insistentemente afirmado, o nível de desenvolvimento de um país não se mede pelo seu PIB, mas pelo modo como, em cada situação, os cidadãos mais fracos e desprotegidos, com menos poder, são tratados pelos poderes públicos e a sociedade

 

2. Sendo a problemática dos novos modo de regulação das políticas de educação nestes tempos comumente designados de globalização(ões) uma questão central para toda a investigação que se faz em Educação, não é, portanto, de estranhar a constante atenção que a Revista Lusófona de Educação lhe tem dado desde o seu nº 1, e que continua neste primeiro número de 2007.

O primeiro artigo, “Reconstruir o Mundo”: Neoliberalismo, a Transformação da Educação e da profissão (do) professor, de Susan Robertson, constitui uma documentada e sistemática desocultação dos propósitos da chamada globalização neo-liberal: (i) a redistribuição da riqueza pelas elites dirigentes através de novas formas de governação; ii) a transformação dos sistemas educativos de modo a que a produção de trabalhadores para a economia seja o seu mandato primeiro; iii) o colapso da educação como monopólio do sector público, permitindo a abertura do investimento estratégico às empresas lucrativas. Mas, para que isso aconteça, Susan Robertson lembra que se torna necessário desenvolver processos de ruptura com os interesses institucionalizados dos professores, dos sindicatos dos professores e dos sectores da sociedade civil que defendem a educação como um bem público. Uma lúcida análise, de leitura obrigatória para todos aqueles que se interrogam sobre os rumos actuais das políticas de educação.

No segundo artigo, Construir uma argamassa contra-hegemónica.Reflexões sobre Educação e Desenvolvimento, Emilio Lucio-Villegas, partindo de uma discussão sobre as relações entre educação e desenvolvimento e do conceito de interculturalidade, analisa a experiência da Cooperativa La Verde de Villamartin, uma povoação na Serra de Cádiz, em Espanha. Segundo Villegas, o que nos ensina “a cooperativa La Verde é que existe a possibilidade real de que os modelos de desenvolvimento estejam de acordo com a identidade cultural, as tradições e as formas de vida de uma comunidade e que sejam, simultaneamente, alternativos ao modelo económico vigente, permitindo recuperar a dignidade como trabalhadores e cidadãos. E não deixam, por isso, de ser social e economicamente rentáveis”. A educação pode ser uma prática de liberdade e de esperança, como dizia Paulo Freire. E são essas “as vigas-mestres em que assenta o edifício – utópico, mas viável – a cuja construção estas páginas pretendem ajudar, em forma de argamassa”, conclui o autor.

No terceiro artigo, Pedagogia da Humanidade: Por uma Epistemologia Feminina Freiriana, Verone Lane Rodrigues inspira-se e fundamenta-se em A Pedagogia do Oprimido, para procurar atender à admoestação de Paulo Freire de que suas ideias não deveriam ter discípulos, nem ser repetidas, mas recriadas em cada contexto. Com esse propósito, a autora procura a perspectiva feminina na obra de Freire, considerando que as mulheres, de uma maneira geral, em nossas formações sociais, são silenciadas e oprimidas, até mesmo nos universos de oprimidos. O interesse da autora nesta temática decorre de interrogar “se a produção acadêmica das educadoras brasileiras, no final da década de oitenta, explicitamente inspirada no legado freiriano, conseguiu, a partir de uma outra perspectiva, com a contribuição de outros olhares, de outros lugares de enunciação, dar uma outra dimensão a uma proposta pedagógica considerada das mais revolucionárias da segunda metade do século XX”.

No quarto artigo, A greve académica de 1907. Suas repercussões políticas e edu-Suas repercussões políticas e educacionais, Maria Neves Leal Gonçalves revisita, cem anos depois, a greve académica da Universidade de Coimbra e suas repercursões na vida política e educacional da época. Tendo como reivindicação de partida a reforma dos estudos jurídicos e de todo o sistema pedagógico da Universidade, a autora mostra, através de uma documentada análise de fontes primárias, que “a greve estudantil de 1907 acabou por ser enquadrada na série de factos que prepararam a queda da Monarquia e a implantação da República”. A publicação deste artigo constitui o melhor modo da Revista Lusófona de Educação se associar às comemorações de uma das mais importantes datas nas lutas académicas em Portugal, infelizmente pouco recordada e conhecida.

O quinto artigo, Investigação-acção e construção da cidadania, de Joaquim Marques e Teresa Sarmento, apresenta três projectos com base numa metodologia de investigação-acção, indicando os contextos em que se têm desenvolvido, as suas finalidades, os processos metodológicos seguidos. Como sublinham os autores, uma meta-análise permite “destacar a singularidade de cada um e, ao mesmo tempo, encontrar alguns indicadores comuns, como sejam, a pertinência da colaboração como motor de exercício de cidadania de cada actor social, a (re)construção de novas formas de solidariedade social e educativa, a necessidade de desocultar a participação da criança neste processo relacional, a (re)valorização do professor enquanto profissional do humano e a afirmação da educação como projecto comum”.

No sexto artigo, Aprendendo o perigo e a ser um de nós. Integração profissional na indústria de refinação, Paulo Granjo, partindo da observação participante da laboração na refinaria de Sines, expõe a forma como os trabalhadores aprendem e apropriam o perigo laboral, através de um processo auto-organizado que designa de “participação periférica legítima”. O autor discute as capacidades e as potencialidades que os conhecimentos e as noções nele reproduzidos apresentam para a gestão do perigo tecnológico – no contexto estudado e num âmbito mais geral. Segundo Granjo, “o equacionamento desta questão torna-se legítimo e necessário pelo facto de o processo de aprendizagem e integração profissional que foi observado ter efeitos directos sobre a percepção da ameaça (reproduzindo uma visão não probabilística do perigo conducente a atitudes baseadas no “princípio da precaução”), na limitação dos perigos decorrentes da tecnologia manipulada e na neutralização de factores sociais que os potenciam”.

O sétimo artigo, Políticas Públicas de Educação ao sul do continente sul-americano: um estudo de caso no município de Porto Alegre, Brasil, de Salete Campos de Moraes, Maria Inês Côrte Vitória e Helena Sporleder Côrtes apresenta uma investigação sobre as políticas educacionais implementadas entre1993 e 2004 pela Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre, Brasil, a capital do Rio Grande do Sul, primeira hóspede do Fórum Social Mundial e do Fórum Mundial de Educação. Segundo as autoras, as políticas educacionais implementadas podem ser percebidas como espaços possíveis de empoderamento dos novos actores sociais, pois “ao valorizar a diversidade de saberes e dar voz e vez às diferentes subjetividades sociais, constitui-se numa iniciativa que, se é ímpar – por servir àquela específica realidade – é também plural, por apontar novas possibilidades de ação política a serem perseguidas”.

O oitavo artigo, Educação, globalização e educação a distância. Uma reflexão sobre as políticas educacionais adotadas no Brasil, de Jane Mary de Medeiros Guimarães, apresenta os resultados de uma pesquisa realizada no âmbito do Mestrado em Ciências da Educação da Universidade Lusófona. A autora procura refletir sobre as Políticas Educacionais adoptadas no Brasil no que se refere à Educação a Distância, bem como a inserção das Tecnologias da Informação e Comunicação neste campo. O artigo discute, ainda, o uso pedagógico da Internet, que proporciona mudanças significativas na educação, sobretudo pela velocidade da produção do conhecimento, que exige do professor uma constante atualização.

O nono, e último, artigo, Relações entre Professores, Alunos, Computador e Sociedade em Ambiente Digital, de Maria Cristina Paniago Lopes, tem como objetivo descrever e interpretar as inter-relações no ambiente digital, estabelecidas entre professores, alunos, computador e sociedade. Com base em um curso de Formação Tecnológica, oferecido aos alunos de licenciaturas em uma universidade particular de Mato Grosso do Sul, Brasil, a autora analisa as inter-relações dos participantes do curso sob uma perspectiva socio-interacionista, “a qual focaliza o aprendiz como parte de um grupo social e que, a partir de interações consigo mesmo, com os demais sujeitos do contexto sócio-histórico no qual está inserido e com o meio, pode desenvolver-se, questionar, descobrir, compreender e transformar o mundo”.

Na secção Documentos, sob a forma de CD’rom, publica-se o espólio documental de Manuel Maria Calvet de Magalhães, Director da Escola Francisco de Arruda de 1956 a 1974. Trata-se de um conjunto de documentos de grande valor histórico, centrados na organização e projecto pedagógico de uma escola emblemática, vivendo nas margens de uma autonomia consentida pelo Estado Novo. A sua publicação tem o propósito de tornar acessíveis um conjunto de fontes para o estudo da gestão e organização escolar de um período-chave da expansão do sistema escolar português, prestando, deste modo, homenagem a um pedagogo que dedicou toda a sua vida à causa da educação e que esteve no centro de algumas das mais significativas inovações pedagógicas então experimentadas num país amordaçado, tudo fazendo para que Portugal não ficasse fora dos grandes debates educativos que fervilhavam na Europa do pós-guerra.

Em Recensão Temática, Arlinda Cabral procede a uma reflexão sobre a construção da escola democrática a partir de três livros: o Relatório elaborado para a UNESCO por uma Comissão presidida por Jacques Delors, que, em Português, teve o título Educação, um Tesouro a Descobrir; um livro de Licínio Lima publicado no Brasil, Organização escolar e democracia radical: Paulo Freire e a governação democrática da escola pública; e, a tradução portuguesa de um livro de autor espanhol, Jaume Carbonell Sebarroja, intitulado A aventura de inovar. A mudança na escola.

Em Recensão Crítica, José B. Duarte apresenta e discute o conhecido ensaio da filósofa Isabelle Stengers, L’invention des sciences modernes. Por sua vez, Luísa Fernandes Esteves apresenta o livro O Movimento da Escola Moderna – Um percurso cooperativo na construção da profissão docente e no desenvolvimento da pedagogia escolar, que, no essencial, constitui a tese de doutoramento de Pedro Francisco Gonzaléz.

Com o intuito de constituir um instrumento útil para todos quantos investigam no campo das Ciências da Educação, a Revista Lusófona de Educação inicia neste número uma nova secção, Sítios Digitais, da responsabilidade de Vasco B. Graça, com o objectivo manifesto de disponibilizar endereços que possam ajudar no estudo e pesquisa nos campos da Educação e das Ciências Sociais.

Por último, duas das habituais secções da Revista. Em Notícias, apresentam-se breves referências à actividade científica da área de Ciências da Educação (futuro Instituto) da Universidade Lusófona. Em Dissertações, apresentam-se os resumos das dissertações defendidas entre Setembro de 2006 e Março de 2007, no âmbito do Mestrado em Ciências da Educação da Universidade Lusófona, valorizando, deste modo, o trabalho científico desenvolvido pelos nossos estudantes, hoje mestres.

 

Lisboa, Maio 2007

António Teodoro