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Revista Lusófona de Educação

versão impressa ISSN 1645-7250

Rev. Lusófona de Educação  n.7 Lisboa  2006

 

A Formação Inicial de Professores no Quadrodo Processo de Bolonha. Modelos e Desafios

Leonardo Rocha*

 

Nos dias de hoje, formar professores coloca desafios cada vez mais exigentes a quem o idealiza,organiza e implementa.A progressiva complexidade do processo de aprender e a correspondente dificuldade em ensinar são aspectos recorrentes e determinantes do que se queira equacionar e realizar. Por outro lado, também não é possível perspectivar qualquer formação, sem antes se equacionarem as condições em que a profissão é exercida actualmente.

Deste modo, mesmo com riscos, a aplicação das determinações de Bolonha tem de ser encarada como mais numa oportunidade para ultrapassar divergências, corrigir erros e, sobretudo, dignificar a formação que é oferecida aos candidatos a professor.

O aumento de funções que actualmente são atribuídas aos professores obriga a um redimensionamento da sua preparação e a uma alteração ao modo como deverá ocorrer a sua integração profissional. Como outras, a actividade docente exige um processo de formação alargado, ao longo da vida, que deve ser perspectivado nesta complementaridade, desde o seu início. É neste contexto de etapa intermédia que a formação inicial deve ser vista e, naturalmente, que as posições decorrentes do chamado “Processo de Bolonha” devem estar olhadas.

Em Portugal, a formação de professores tem-se caracterizado pela diversidade de modelos e práticas. Grosso modo, distinguem-se dois. Um, que valoriza a aquisição de competências pedagógicas para ensinar, outro, que aposta no domínio dos conhecimentos científicos que vão ser ensinados. O primeiro, tem colocado na escola professores com graves lacunas científicas. O segundo, tem conferido estatuto profissional a formações que não preparam para o exercício da actividade docente.

Lembremo-nos, ainda, que na actividade profissional dos professores não existem mecanismos fiáveis de regulação e controlo de entrada e de continuidade. Contrariamente a outras, nela não existem instrumentos que qualifiquem e regulem o exercício profissional. Ou seja, não se certificam diplomas, não existe uma indução profissional, não existe um acompanhamento e uma avaliação credível do desempenho.

Portugal é, dos países da OCDE, o que tem menos responsáveis de escolas a declarar que monitorizam as aulas dos professores que nelas leccionam. No nosso país, apenas 5 por cento dos alunos da amostra frequentam estabelecimentos de ensino em que tal acontece, enquanto que na OCDE, essa percentagem é em média de 61por cento1 .

É na combinação e de exercício profissional, que as determinações aprovadas em Bolonha podem ter um papel importante na obtenção de consensos. A abertura e a convergência com os nossos parceiros europeus obrigam-nos a analisar os modelos que temos utilizado, numa perspectiva de complementaridade e diversidade na obtenção de diplomas e estatutos profissionais. A integração teoria/ prática que ocorre durante formação inicial de professores é uma das questões que têm originado divergências e discriminações (ex. estágios remunerados nas faculdades, versus a prática pedagógica não remunerada nas escolas superiores de educação). Conseguir internamente uniformidade pode ser um primeiro passo para nos aproximarmos da competitividade, da mobilidade e da empregabilidade, apontadas como palavras-chave na construção do Espaço Europeu do Ensino Superior.

É, também por isso, indispensável articular as instituições de ensino superior com as escolas básicas e secundárias onde se realiza a prática pedagógica dos candidatos a professor. Dar estatuto, credibilidade e condições a estes estabelecimentos de ensino, aproveitar o conhecimento e a experiência que transportam, pode ser um aspecto importante para a revalorização da escola e do que lá se faz e ensina. Só assim será possível preparar e instituir modelos de acompanhamento de jovens professores com base em competências desejáveis e culturas de ensino responsabilizadoras.

Os desafios que o Processo de Bolonha coloca ao ensino superior em geral e à formação de professores em particular não são exclusivamente dirigidos às instituições que os formam. Como referimos antes, é indispensável ter em conta as condições de exercício profissional onde a actividade docente se irá realizar. Existem, no nosso sistema de ensino, ruídos que dificultam a formação e a acção docente e, consequentemente, o modo como se ensina e aprende nas escolas. São indispensáveis, entre outras, medidas que regularizem o funcionamento do sistema: (i) estabilizando o corpo docente nas escolas; (ii) adequando os níveis de escolaridade ao modo como as crianças aprendem; (iii) apetrechando as escolas com recursos adequados e de qualidade; (iv) abolindo em definitivo escolas e professores em part-time.

É essencial que quem nos goverba não sacuda outra vez a água do capote, e assuma, com convicção, coragem e determinação, medidas que normalizem o funcionamento do sistema de ensino naqueles e noutros aspectos.

Uma delas será, seguramente, iniciar um processo de conciliação-conjugação dos dois sistemas existentes no ensino superior, universitário e politécnico, que, inexplicavelmente, continuam a querer adaptar o espírito da declaração de Bolonha aos seus interesse e mais-valias.

 

Notas

* Professor da Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico de Lisboa.

1 Resumo do Relatório PISA 2005 http://www.portugal.gov.pt/portal/pt