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Revista Lusófona de Educação

versão impressa ISSN 1645-7250

Rev. Lusófona de Educação  n.7 Lisboa  2006

 

Editorial

1. No princípio dos anos 60 do século XX, perante a miríade de transformações que se adivinhavam ou estavam em curso, Georges Gusdorf interrogava Pourquoi des Professeurs? (1963).

Hoje, neste início do século XXI, perante o agudizar das dificuldades da escola, os professores voltam a ser os grandes protagonistas dos debates sobre essa instituição que todos desejam e todos criticam. Um protagonismo que assenta numa relação simultânea de presença/ausência: (i) presença obsessiva na responsabilização pelo status quo; (ii) ausência evidente na consideração do seu papel de actores e autores de novas narrativas e soluções para a escola.

O discurso dos media ora apresenta a educação e a formação como a salvação da Pátria ora responsabiliza a escola e os professores de serem os principais responsáveis pelo laxismo nacional, os baixos índices de aprendizagem dos jovens e a crise de valores e de saberes da sociedade. As Ciências da Educação são responsabilizadas pelo fornecimento da base teórica que propiciou esse descalabro do sistema educativo português – nas palavras desses sábios colunistas de opinião que sobre tudo opinam – e desqualificadas, nomeadamente pela sua identificação com o termo eduquês, nos seus saberes científicos próprios e contributos específicos para a compreensão e transformação da escola.

Importa, nomeadamente no plano das revistas científicas, equacionar esta ofensiva que traz para o plano nacional a postura e os ditames ideológicos do discurso neoconservador que, tomando como exemplo os EUA, tão bem tem sido analisado por um sociólogo como Michael Apple. Levantar a pedra, na bela metáfora de Steve Stoer e Luiza Cortesão, ver para além do discurso mediático e de um senso comum preguiçoso e comprometido, deve ser uma prioridade, não apenas para aqueles que se filiam no campo das Ciências da Educação, mas para todos quantos defendem que a escola continua a ser um espaço público democrático fundamental para a construção de um mundo, no simbolismo da expressão de Paulo Freire (esse educador maldito para os críticos do eduquês),“mais redondo, menos arestoso, mais humano”, onde se materialize essa grande utopia da unidade na diversidade do ser humano.

2. O número que agora se publica, mesmo sem possuir um dossier específico, apresenta um tema dominante, que abre o conjunto dos artigos: a reforma do ensino (ou, talvez, mais apropriadamente, da educação) superior, impulsionada por esse mandato que une todos os países europeus designado por Processo de Bolonha.

O primeiro artigo, A Identidade do Ensino Superior: a Educação Superior e a universidade, de António M. Magalhães, seguramente um dos nossos mais sólidos inᆳvestigadores sobre as políticas de educação superior, começa por sublinhar os principais traços da matriz moderna do ensino superior, para logo se centrar na análise da questão da sua dissolução narrativa, apresentada como indício da sua crise de identidade, ou de uma “identidade esquizóide”, presente nas designações de educação terciária, pós-secundária, educação fundada na investigação, educação vocacional, entre outras. Mas o essencial da posição do autor situa-se na defesa de que esta situação “requer um esforço de reflexividade que, ao mesmo tempo que recusa a procura essencialista de uma ‘ideia’ de ensino superior, enfatiza a necessidade de promover uma perspectiva de educação que não soçobre ao pobre paradigma da adaptabilidade, segundo o qual o critério de utilidade de uma dada instituição é directamente proporcional à sua capacidade de sobreviver às mudanᆳças operadas no seu ambiente organizacional”.

O segundo artigo, Rede das Instituições de Ensino Superior da União Europeia, de Vítor P. Crespo, constitui uma fundamentada análise comparada da rede de IES nos países da União Europeia. Explicitando (e superando) o conjunto de dificulᆳdades conceptuais que tal empresa implica, o autor conclui que, nos países com uma dimensão demográfica do mesmo porte, o quociente do número de estabeᆳlecimentos por milhão de habitantes é essencialmente idêntico, exceptuando o caso português, onde os correspondentes valores são significativamente maiores, especialmente no subsistema não universitário. Vítor P. Crespo, aliando a análise efectuada à sua multifacetada e rica experiência académica, administrativa e polítiᆳca, apresenta, no final, um conjunto de cinco sugestões/propostas de acção política dirigidas a todos os principais responsáveis do sistema de ensino superior (goverᆳno, universidades e institutos politécnicos, públicos e privados), visando permitir que o Processo de Bolonha seja uma oportunidade de racionalização de uma rede desequilibrada, tendo sempre “em mente a criação de um sistema abrangente, difeᆳrenciado e de grande qualidade, assim como a criação de áreas de excelência”.

No terceiro artigo,“O Processo de Bolonha e o Sistema Checo de Educação”, Milan Pol apresenta-nos as rápidas e intensas transformações que as universidades da República Checa vive(ra)m após o processo de democratização iniciado em 1990 e, agora, da adequação ao Processo de Bolonha. Os dados coligidos e as opiniões expendidas por este sociólogo da Universidade de Masaryk, em Brno, constituem uma importante fonte de comparação com a realidade portuguesa, tanto mais que este país do centro da Europa tem uma dimensão populacional e um rendimento per capita (ainda) próximo do de Portugal.

O quarto artigo, “Ideias eTendências Educativas no Cenário Escolar.Onde estamos, para onde Vamos?”, de Ernesto Candeias Martins, constitui uma interessante refleᆳxão sobre as tendências educativas no cenário escolar actual, realizada a partir da seguinte pergunta: para onde caminha a educação/formação? O autor responde a essa pergunta, centrando-se em três vectores: o primeiro constitui a conexão dos professores dinâmicos e preocupados com as necessidades e problemáticas das novas gerações, o que supõe a recuperação e o debate dialógico das “velhas e novas ideias’ e das propostas educativas; o segundo, refere-se aos discursos e à sensibilidade em relação ao educar, ao ensino, à formação ou aprendizagem, isto é, às mudanças, contributos e investigações; e, o último, abrange a inovação e o desenvolvimento, a renovação dos movimentos pedagógicos, com expressões organizativas que geram debates à volta das alternativas democráticas no que diz respeito ao ensino, à missão e função social da escola, à gestão curricular e aos conteúdos pedagógicos, modos de ensinar e aprender nos novos públicos e novas profissões, novos cenários de aprendizagem, novos saberes e culturas.

O quinto artigo, “Uma aproximação à Pedagogia-Educação Social”, é de Andrés Soriano Díaz. Partindo da definição de Pedagogia Social como “uma ciência pedagógica de carácter teórico-prático, que se refere à socialização do sujeito, tanto a partir de uma perspectiva normalizada como de situações especiais (inadaptação social), assim como aos aspectos educativos do trabalho social”, o autor analisa diferentes conceitos e perspectivas desta disciplina de intervenção social, defendendo, no final, que “só uma estratégia criativa e inovadora de protecção e educação social poderá evitar o risco de conviver com situações injustas e conducentes a atitudes violentas, já que a violência social, em múltiplas ocasiões, é a expressão da insatisfação sentida por um sector da população que se vê privado da possibilidade de fazer parte dessa sociedade do bem-estar a que tem direito”.

No sexto artigo, “Sociologia da Educação: Uma Análise de Suas Origens e Desenvolvimento a partir de Um Enfoque da Sociologia do Conhecimento”, Rosilda Arruda Ferreira analisa os aspectos relacionados com as origens e o desenvolvimento do campo científico da Sociologia da Educação, tomando como enfoque a Sociologia do Conhecimento, sob uma dupla perspectiva: como um processo intelectual e como um fenómeno histórico-social. Tendo o Brasil como ponto de referência, a autora identifica as tendências teórico-metodológicas de prestígio do campo da Sociologia da Educação para concluir que, no interior do seu campo científico, convivem teorias voltadas para a acção quotidiana, em que predominam, por um lado, temas relacionados com a representação social, a acção do sujeito no quotidiano, e, por outro, teorias voltadas para o sistema social mais amplo, em que predominam as abordagens dos nexos entre a estrutura social e as interacções que formam os sujeitos individuais e colectivos e as desigualdades existentes no sistema educacional.

O sétimo artigo, “Ensino Profissional de Jovens. Um Percurso Escolar Diferente para a (Re)construção de Projectos de Vida”, de Maria Helena Madeira, constitui mais um contributo da linha de pesquisa “Estado, Políticas Educativas e Mudança Social” do Observatório de Políticas de Educação e de Contextos Educativos da Universidade Lusófona. Tendo como base uma dissertação de mestrado, a autora analisa os motivos e os condicionalismos presentes nas opções dos jovens por duas modaᆳlidades de ensino profissional: o Sistema de Aprendizagem e as Escolas Profissionais. No artigo são apontadas as razões que os jovens apresentam como determinantes da sua opção pelo ensino profissional, onde se destaca a preocupação em obter uma qualificação que facilite a sua inserção no mercado de trabalho, aliando uma formação qualificada a uma experiência concreta de trabalho através do estágio. A satisfação demonstrada pelos jovens pareceu estar relacionada com o sucesso obtido, com a aquisição de conhecimentos necessários para o desempenho da proᆳfissão e com a experiência adquirida, permitindo a alguns alunos uma reconciliação com a escola e a (re)construção de projectos de vida.

Na secção “Diálogos”, Manuel Tavares conversa com Júlio Machado Vaz, conheᆳcido psiquiatra e sexólogo, autor de uma vasta bibliografia e presença habitual nos grandes meios de comunicação social portugueses, co-director do mestrado de Sexologia da Universidade Lusófona, sobre sexologia e educação sexual. Seguᆳramente, uma problemática a desenvolver posteriormente na Revista Lusófona de Educação.

A secção “Em Debate” retorna com um texto de José B. Duarte, significativaᆳmente intitulado “A Crítica de Alguns Cientistas à Pedagogia Actual e a Minha Contestação,Algo Compreensiva...”. O cerne do texto é a desconstrução da crítica que alguns paladinos do combate às Ciências da Educação (Filomena Mónica, Carlos Fiolhais, António M. Baptista, entre outros) fazem a Jean-Jacques Rousseau (e à interpretaᆳção que Boaventura de Sousa Santos apresenta de alguns dos seus textos). Embora manifestando “alguma compreensão para com as diatribes” desses autores, José B. Duarte defende que, “em termos actuais, se o método de descoberta ou de pesᆳquisa, no rasto de Rousseau, mas também de Dewey e Freinet, é hoje apresentado como método interessante para desenvolver a autonomia do estudante, a pedagoᆳgia não o julga exclusivo”. Um texto que lembra a necessidade de ampliar o debate sobre o papel da Pedagogia na escola de hoje.

Em “In Memoriam” é apresentada uma breve mas sentida homenagem a Stephen R. Stoer, desaparecido do nosso convívio no último dia de 2005. Stephen Ronald Stoer era professor catedrático da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, onde desempenhava(ra) as mais marcantes responsabiliᆳdades académicas e científicas:coordenador do Centro de Investigação e Intervenᆳção Educativas, director da revista Educação Sociedade & Culturas, coordenador do Gabinete de Pós-Graduações e coordenador de Grupo de Ciências da Educação, que criou e expandiu de modo a torná-lo uma referência nos planos nacional e internacional.Acompanhou e apoiou a criação e desenvolvimento do Observatóᆳrio de Políticas de Educação e de Contextos Educativos da Universidade Lusófona, tendo pertencido, entre 1998 e 2002, à sua Comissão de Acompanhamento Cienᆳtífico. Era membro, desde o primeiro número, do Conselho Editorial da Revista Lusófona de Educação. Os textos de António Teodoro e de José Eustáquio Romão recordam esse companheiro, amigo e solidário.

Na secção “Testemunhos” publica-se uma interessante reflexão de Leonardo Rocha sobre os caminhos possíveis da formação de professores no quadro do processo de Bolonha. Escrito em 2005, o autor levanta um conjunto de desafios que se colocam à formação de professores no contexto global de um processo voltado para a melhoria das aprendizagens dos nossos jovens, terminando por apelar a “quem nos governa” para que “não sacuda outra vez a água do capote” e assuma, com convicção, coragem e determinação, medidas que normalizem o funcionamento do sistema de ensino num conjunto de aspecto que elenca no final.

Em “Recensão Temática”, Maria José Remédios volta à questão dos estudos sobre as mulheres, recenseando três livros recentemente publicados no mercado editorial português: Dicionário no Feminino, séculos XIX-XX (Livros Horizonte, 2005), Mutilação Genital Feminina (APF, 2005) e As Mulheres na União Europeia. História, trabalho e emprego (Ela por Ela, 2005). Em “Recensão Crítica”, Filomena Lopes apresenta um dos mais estimulantes livros sobre os professores e o ofício docente publicados nos últimos anos em Portugal (e no Brasil): o livro de Luiza Cortesão, Ser Professor: um ofício em vias de extinção? (Afrontamento, 2000; Cortez, 2001).

Por último, duas das já habituais secções da revista. Em “Notícias” apresentam-se breves referências à participação de investigadores do Observatório de Políticas de Educação e de Contextos Educativos em projectos científicos e em congressos e seminários. Em “Dissertações” apresentam-se os resumos das dissertações defendidas entre Setembro e Dezembro de 2006 no âmbito do mestrado em Ciências da Educação da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.

Aroeira, Março de 2006

António Teodoro