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Revista de Gestão dos Países de Língua Portuguesa

versão impressa ISSN 1645-4464

Rev. Portuguesa e Brasileira de Gestão v.9 n.3 Lisboa set. 2010

 

Além do made in...: Uma análise exploratória das teorias acerca do comportamento de compra de produtos importados

Marlon Dalmoro* e Carlos Rossi**

 

* Doutorando em Administração (Univ. Federal do Rio Grande do Sul, Brasil). mdalmoro@ea.ufrgs.br

PhD Candidate in Business (Federal Univ. of Rio Grande do Sul, Brazil).

Doctorando en Administración (Universidad Federal do Rio Grande do Sul, Brasil).

** Doutor em Administração (Univ. Federal do Rio Grande do Sul, Brasil). cavrossi@ea.ufrgs.br

PhD in Business (Federal Univ. of Rio Grande do Sul, Brazil).

Doctorado en Administración (Universidad Federal do Rio Grande do Sul, Brasil).

 

RESUMO

Este artigo tem como objetivo analisar as teorias de marketing que versam sobre o comportamento de compra de produtos importados e propor uma ampliação do escopo teórico por meio de uma integração das correntes teóricas existentes. Para isto, utilizou-se uma abordagem qualitativa mediante pesquisa bibliográfica. Observa-se que as teorias acerca do comportamento do comprador de produtos importados apresentam lóci distintos, dado que alguns construtos teóricos versam sobre o país de origem e outros sobre o país receptor. O primeiro congrega a Teoria do Efeito País de Origem e o Tipo de Produto e destaca que os consumidores avaliam os produtos importados com base no país de origem destes. O segundo consiste na Teoria do Viés para o Mercado Doméstico e Consumo Etnocêntrico e expressa uma pré-disposição dos consumidores por produtos do mercado domésticos. Apresenta-se uma análise integrada, na qual a dualidade entre o país de origem e o país receptor é moderada pela distância cultural.

Palavras-chave: Comportamento de Compra de Produtos Importados, Distância Cultural, Marketing Internacional, Integração Teórica

 

Beyond the made in…: an exploratory analysis of the theories about buyer behavior of imported products

ABSTRACT

This article aims to analyze marketing theories that turn on buyer behavior of imported products and to propose a theoretical scope extension through an integration of existing theories. For this, a qualitative approach through bibliographic research was adopted. It is observed that theories about buyer behavior of imported products have different locus, while some theoretical constructs are related with the country of origin, others are linked with the receiving country. The first one is formed by Country-of-Origin Theory and Type of Product and highlight that consumers evaluate imported products according to their country of origin. Another is formed by the Domestic Country Bias and Consumer Ethnocentrism and delineates a consumer predisposition for national products. An integrated analysis is presented, and duality between country of origin and receiving country is moderated by cultural distance.

Key words: Buyer Behavior of Import Products, Cultural Distance, International Marketing, Theory Integration

 

Además del Made in...: Un análisis exploratorio de las teorías sobre comportamiento de compra de los productos importados

RESUMEN

Este trabajo pretende analizar las teorías de marketing que tratan con el comportamiento de compra de productos importados y de proponer una ampliación del ámbito teórico a través de una integración de perspectivas teóricas existentes. Para ello, se utilizó un enfoque cualitativo a través de búsqueda bibliográfica. Se observa que las teorías sobre el comportamiento de los consumidores de productos importados presentan lóci distintos, ya que algunos modelos teóricos están readicionados con el país de origen y otros en el país receptor. La primera abarca la teoría de efecto país de origen y el tipo de producto, y destaca que los consumidores evalúan los productos importados en base al país de origen. La segunda teoría es la tendencia para el mercado interno y consumo etnocéntrico y expresa una predisposición de los consumidores por productos del mercado interno. Un análisis integrado se presenta, en la cual la dualidad entre el país de origen y país receptor es moderada por la distancia cultural.

Palabras-clave: Comportamiento de Compra Productos Importados, La Distancia Cultural, Marketing Internacional, Integración Teórica

 

 

Ao mesmo tempo que elementos da globalização estão refletidos nas orientações gerenciais de marketing (Kustin, 2004), as investigações acerca do comportamento do consumidor precisam entender o papel de cada agente no âmbito local, ou seja, compreender cada mercado consumidor em específico (Cornel e Drennan, 2004; Mari, 2008).

Na tangente do consumo de produtos importados, vários estudos procuram entender as percepções dos consumidores locais frente a produtos importados, estimulados pela aceleração das trocas internacionais e presença cada vez maior de produtos estrangeiros nos mercados locais (Verlegh e Steenkamp, 1999; Balabanis e Diamantopoulos, 2004; Evanschitzky et al., 2008). Análises acerca do consumo de produtos importados são relevantes porque produtos oriundos de países estrangeiros são avaliados pelos consumidores de maneira distinta dos produtos nacionais (Knight, 1999).

Neste contexto, uma linha teórica denominada de «efeito país de origem» se desenvolveu com base na idéia de que as pessoas possuem avaliações estereotipadas com relação a outras pessoas e países e, consequentemente, a produtos fabricados nesses países (Balabanis, Mueller e Melewar, 1999). Schweiger, Otter e Strebinger (1997) explicitam que o «efeito país de origem» é indicado para a descrição da influência do país de origem nas atitudes, percepções de produto e comportamento do consumidor. Tal influência, segundo os autores, é determinada por sentimentos relacionados ao país e a estimativas racionais da qualidade do país, associados por intermédio da imagem expressa pela etiqueta made in.

Ao mesmo tempo em que há um entendimento sobre o fato do país de origem exercer um impacto na avaliação dos produtos, existe um debate sobre a magnitude de fatores ambientais e culturais locais, que podem afetar o comportamento de compra de produtos importados. A partir da década de 1990, diversos estudos buscaram analisar o viés existente para a aquisição de produtos nacionais ao invés de produtos importados (Papadopoulos et al., 1990; Ozsomer e Cavusgil, 1991; Verlegh e Steenkamp, 1999).

Nesta visão, denominada de viés para produtos domésticos, os indivíduos procuram exprimir sua identidade através do consumo, dado que os produtos nacionais têm conotações sociais e culturais e podem servir como um símbolo de identidade nacional (Askegaard e Ger, 1998). Em complemento, mercadorias estrangeiras podem estar alimentadas por sentimentos de animosidade, exercendo neste caso um efeito negativo (Klein, 2002). Desta forma, o efeito país de origem, associado à imagem do made in..., não é o único elemento teórico capaz de explicar o comportamento de compra de produtos importados.

Contudo, Balabanis e Diamantopoulos (2004) e Evanschitzky et al. (2008) identificaram fraquezas nas pesquisas iniciais sobre viés por produtos domésticos, uma vez que os estudos se limitavam a determinada categoria de produtos. O viés por produtos domésticos pode apresentar variações em diferentes categorias de produtos. Ampliando o foco, Balabanis e Diamantopoulos (2004) destacam ainda que o consumo etnocêntrico é um elemento que afeta o viés pelo consumo de produtos domésticos.

Frente a estas considerações, destacam-se duas vertentes teóricas acerca do comportamento do comprador de produtos importados: uma que versa sobre o país de origem dos produtos e outra sobre o mercado receptor, tanto no âmbito do consumidor como do produto. Entende-se que, individualmente, as duas vertentes não possuem potência teórica suficiente para explicar a compra ou não-compra de produtos importados.

Frente à dualidade teórica apresentada, este artigo tem como objetivo analisar as teorias que versam sobre o comportamento de compra de produtos importados e propor um modelo de integração das correntes teóricas existentes.

No plano metodológico, realizou-se uma abordagem qualitativa mediante pesquisa bibliográfica, visto que ela tem por finalidade conhecer as diferentes formas de contribuição científica que se realizaram sobre determinado assunto ou fenômeno. Esse método permite explorar não somente problemas já conhecidos, como também explorar novas áreas nas quais os problemas não se cristalizaram suficientemente, proporcionando o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras (Denzin e Lincoln, 2000). Nas partes que seguem esta introdução, são analisadas as principais teorias acerca do comportamento do comprador de produtos importados.

 

Enquadramento teórico

No âmbito do marketing internacional, especificamente no que tange ao comportamento do consumidor de produtos importados, visualizam-se quatro concepções centrais: a) viés por produtos domésticos, b) consumo etnocentrista, c) efeito país de origem e d) viés em diferentes categorias de produtos. A seguir são detalhadas estas concepções, a começar pela teoria do viés para produtos domésticos.

· Viés por produtos domésticos

O aumento da concorrência internacional e a busca constante por mão-de-obra mais barata têm aumentado o fluxo de mercadorias entre os países, tornando o local onde determinado produto é fabricado uma característica que pode influenciar as decisões de compra (Engel, Blackwell e Miniard, 1995). Este fato deriva da preocupação do consumidor que, ao comprar produtos importados, deixa de gerar empregos e apoiar o desenvolvimento do seu próprio país.

Neste cenário, pesquisas no âmbito do marketing internacional têm detectado uma pré-disposição dos consumidores por produtos domésticos, em oposto a produtos estrangeiros, ou seja, a existência de um viés positivo por produtos oriundos do mercado doméstico (Verlegh e Steenkamp, 1999; Balabanis e Diamantopoulos, 2004; Evanschitzky et al., 2008). O viés existente é considerado uma forma de protecionismo no nível do consumo (Papadopoulos et al., 1990).

Na concepção de Verlegh (2007), o viés por produtos domésticos é impulsionado por (pelo menos) duas motivações distintas. O primeiro motivo é de natureza econômica e reflete nos consumidores o desejo de proteger a economia doméstica. O segundo motivo, de identificação nacional, remete à natureza sócio-psicológica. Este fenômeno é o reflexo de uma identidade nacional positiva, criada por uma necessidade de auto-valorização dos produtos nacionais no momento da compra. Estes motivos estão ligados ao conceito de consumo etnocêntrico e estão positivamente relacionados com a qualidade percebida dos produtos nacionais e estrangeiros (Balabanis et al., 2001; Evanchitzky et al., 2008).

Ressalta-se que os estudos no âmbito do viés para o mercado doméstico têm privilegiado países centrais; contudo, análises em países periféricos têm demonstrado que a existência de um viés favorável por produtos domésticos pode não ser tão universal (Verlegh, 2007). Em seus estudos, Okechuku e Onyemah (1999) verificaram que consumidores de países periféricos tendem a possuir um viés negativo em relação aos produtos oriundos do mercado doméstico.

Shimp e Sharma (1987) relatam que nas culturas mais etnocêntricas, o viés por produtos domésticos é mais forte e, consequentemente, existe uma predisposição por produtos nacionais em detrimento de produtos estrangeiros. Para Balabanis e Diamantopoulos (2004), o consumo etnocêntrico permeia o viés para produtos domésticos, mas a escolha por produtos nacionais ou importados se altera em cada tipo de produto. Mais recentemente, Chryssochoidis, Krystallis e Perreas (2007) também detectaram que o viés para produtos domésticos está ligado diretamente ao consumo etnocêntrico.

· Consumo etnocêntrico

O termo «consumo etnocêntrico» se origina no conceito de etnocentrismo, introduzido por Sumner (1906). Em geral, o etnocentrismo universal representa apropensão das pessoas em ver seu próprio grupo como o centro do universo, interpretar outras unidades sociais a partir da perspectiva de seu próprio grupo e rejeitar as pessoas que são culturalmente desiguais, aceitando apenas aquelas que são culturalmente próximas (Booth, 1979).

Consumo etnocêntrico, portanto, é uma aplicação do conceito geral de etnocentrismo no contexto do comportamento do consumidor (Balabanis e Diamantopoulos, 2004). O conceito é definido como um traço na personalidade do indivíduo que engloba as crenças detidas pelos consumidores sobre a conveniência de adquirir produtos nacionais como uma verdade moral (Shimp e Sharma, 1987). Na mente dos consumidores etnocêntricos, a compra de produtos estrangeiros é imoral, porque fere a economia interna, provoca perda de postos de trabalho e é pouco patriótica (Evanchitzky et al., 2008).

O consumo etnocêntrico é um preditor consistente para analisar as preferências dos consumidores em relação aos produtos nacionais. No entanto, o consumo etnocêntrico leva os consumidores a preferir produtos nacionais, mas não necessariamente rejeitando os produtos estrangeiros. Por essa razão, Chryssochoidis, Krystallis e Perreas (2007) sugerem que as empresas não devem depender exclusivamente dos níveis de consumo etnocêntrico nos mercados-alvo para prever as potencialidades de sucesso ou fracasso dos seus produtos.

Balabanis et al. (2001) destacam que em alguns países o consumo etnocêntrico é fruto de puro amor e apego ao seu país (patriotismo), enquanto em outros países é fruto de sentimentos de superioridade econômica e dominância nacional (nacionalismo). Estas ideologias dos consumidores, como etnocentrismo, nacionalismo e patriotismo derivam da preocupação dos consumidores com suas identidades culturais, étnicas e nacionais, que posteriormente afetam as suas motivações para o consumo (Quellet, 2007).

A mensuração do consumo etnocêntrico difundiu-se com o desenvolvimento da CETSCALE (Consumer Ethnocentric Tendencies Scale) por Shimp e Sharma (1987). Utilizando a CETSCALE, Watson e Wright (2000) detectaram na Nova Zelândia que os consumidores etnocêntricos estão mais propensos a comprar produtos provenientes de países culturalmente semelhantes, quando uma alternativa doméstica não está disponível. Nesta linha, destacam-se duas características que podem afetar a capacidade do consumo etnocêntrico: a competitividade econômica e a similaridade cultural.

A competitividade econômica representa a capacidade que um país tem para produzir produtos competitivos a nível mundial (Sternquist e Lin, 1994). Um baixo nível de competitividade pode reduzir a pré-disposição negativa de consumidores etnocêntricos em relação a produtos importados (Balabanis e Diamantopoulos, 2004).

A similaridade cultural tem-se destacado na observação que consumidores tendem a preferir produtos originários de países culturalmente similares em detrimento daqueles originários de países culturalmente distantes (Sharma et al., 1995). Consumidores etnocêntricos apresentam como primeira opção de escolha produtos de países culturalmente similares quando alternativas nacionais não estão disponíveis (Watson e Wright, 2000).

Para Watson e Wright (2000), os níveis de consumo etnocêntrico possuem relação direta com o viés para o mercado doméstico. Já Herche (1992), Sharma et al. (1995) e Balabanis e Diamantopoulos (2004) destacam que o consumo etnocêntrico está ligado com o viés para o mercado doméstico e depende em particular do efeito país de origem e da categoria de produto.

· Efeito país de origem

As investigações do efeito do país de origem no comportamento de compra têm uma longa tradição em estudos sobre o consumo mundial (Dinnie, 2004). O primeiro teste empírico sobre a influência que o país de origem exerce na aceitação e no sucesso de um produto foi conduzido por Schooler (1965). O autor encontrou diferenças significativas nas avaliações de produtos que eram idênticos com relação a todos os atributos, com exceção do país (made in...) especificado no rótulo.

Uma definição sucinta do termo «efeito país de origem»’ é proporcionada por Schweiger, Otter e Strebinger (1997, p. 9) como «a descrição da influência do país de origem nas atitudes, percepções de produto ou comportamento do consumidor». Tal influência é determinada por associações psicológicas como sentimento relacionado ao país (avaliação afetiva), estimativas racionais da qualidade do país (avaliação cognitiva), associação de imagem relacionada à etiqueta made in e avaliação dos produtos feitos no país.

Verlegh e Steenkamp (1999) indicam que a imagem de um país refere-se às representações mentais sobre as pessoas, produtos, cultura e símbolos nacionais do país. Segundo estes autores, as imagens de um país sofrem estereótipos culturais que persistem mesmo quando os consumidores experimentam os produtos deste país, fruto de crenças idiossincráticas. Assim, o país de origem pode funcionar como um indicador para inferir a qualidade de um produto, tornando-se um atributo do produto (Balabanis, Mueller e Melewar, 2003).

A influência das crenças que os consumidores possuem sobre o país de origem no comportamento dos consumidores é descrita por Balabanis, Mueller e Melewar (2003) como «efeito halo». Este efeito desenvolve-se quando os consumidores sabem pouco sobre os produtos de um determinado país. Assim, suas percepções sobre os atributos dos produtos feitos nesse país são baseadas em qualquer conhecimento que possam ter sobre o país, incluindo o seu nível de desenvolvimento político, econômico e social. Se a imagem de um país for positiva, ela cria um efeito halo para os produtos fabricados neste país. Por outro lado, se a imagem do país for negativa, ocorre um efeito denominado de «nuvem negra». Observa-se, assim, que a proximidade cultural pode resultar na concepção de uma imagem mais real do país de origem, dado que os consumidores possuem uma imagem ampliada acerca de países culturalmente próximos.

Na concepção de Heslop e Papadopoulos (1993), o efeito país de origem está relacionado com o tipo de produto. Para os autores, associação histórica entre o país de origem e certos produtos afeta o uso do país de origem como critério de compras.

· Viés em diferentes categorias de produtos

O efeito do país de origem se altera entre categorias de produto. Este fenômeno ocorre porque os produtos diferem na medida em que estão conectados ao mercado local (Papadopoulos et al., 1990; Balabanis e Diamantopoulos, 2004). Produtos alimentares, por exemplo, têm conotações culturais e sociais e podem estar associados a uma origem específica (França: vinho; México: tortilhas). Mesmo que produtos de alta tecnologia estejam menos ligados a culturas locais, Ger (1999) observa que qualquer categoria de produto pode incorporar a cultura local. Observa-se, assim, que diferentes categorias de produtos carregam a identidade cultural de seu país de origem, interpretada pelos compradores no momento da aquisição.

Na concepção de Usunier e Cestre (2007), os consumidores tendem a ter um estímulo maior por produtos do seu próprio país, visto que eles estão mais expostos a marcas locais. Esta exposição resulta em consumidores informados e familiarizados com os produtos oriundos do mercado doméstico.

Para Balabanis e Diamantopoulous (2004), o viés para o consumo de produtos domésticos não é uniforme, possuindo uma variação que depende do produto em específico. Desta forma, o viés para o mercado doméstico ocorre no âmbito de cada produto específico, estando sob influência de especificidades de cada país, tanto ao nível dos produtos locais como dos produtos importados.

 

Modelo conceptual

Na análise de cada fato individual, observa-se um conjunto de argumentos teóricos que visam explicar o processo de compra de produtos importados. No entanto, cada fato apresentado possui limitações de escopo e se baseia em outros argumentos teóricos para ganhar poder de explicação. Assim, uma análise integrada permite um entendimento mais amplo do comportamento de compra de produtos importados. Numa visão geral, observa-se que as teorias analisadas apresentam duas bases distintas.

De um lado, as teorias de efeito país de origem e os tipos de produtos possuem como lócus de análise o país origem. Estas teorias centram-se na análise do país em que determinado produto é produzido e não apresentam elementos do país do comprador.

Por outro lado, as teorias de viés para mercado doméstico e consumo etnocentrista centram-se na análise do consumidor e de características do país receptor. Estas teorias apóiam-se na análise do comportamento e cultura do consumidor, não considerando, isoladamente, elementos do país de origem dos produtos importados.

Frente a esta dualidade de lócus de análise, propõe-se uma visão integrada no entendimento do comportamento de compra de produtos importados, conforme a Figura.

 

FIGURA

 

No modelo integrado proposto, o comportamento de compra de produtos importados deve ser observado tanto pelo lado do país de origem, por intermédio da análise do efeito país de origem em diferentes tipos de produtos, bem como pelo lado do país receptor, por meio da análise do viés para o mercado doméstico e do consumo etnocentrista.

Como variável moderadora, a distância cultural entre o país receptor e o país de origem aflora como elemento de aproximação. No caso de trocas internacionais, a distância cultural refere-se à percepção subjetiva da diferença entre o país de origem e o país importador (Lee, 1998). Essa distância é definida como as diferenças na língua, na cultura, no sistema político e nos níveis educacionais que podem prejudicar o fluxo de informação entre a empresa e o mercado (Lee, 1998). Na literatura de negócios internacionais, o conceito dominante é aquele sugerido por Hofstede (2001, p. 12), que vê a cultura como «a programação coletiva da mente que distingue os membros de um grupo ou categoria de pessoas dos de outro».

No entanto, o conceito de distância cultural pode ser expandido para o nível do consumo. Segundo Schiffman e Kanuk (2006), os consumidores possuem um número de imagens, que são particularmente importantes para o estudo do seu comportamento. Os produtos e as marcas possuem valores simbólicos, que são avaliados com base na consistência em relação às próprias auto-imagens dos indivíduos. Produtos oriundos do mercado externo são avaliados pelos consumidores a partir da imagem que cada consumidor possui sobre países específicos, podendo ser negativa ou positiva (Knight, 1999).

Em face disto, produtos oriundos de países com menor distância cultural seriam mais congruentes com as auto-imagens dos consumidores. A distância cultural pode auxiliar na construção de estereótipos positivos acerca de países e pessoas, que podem transcender as avaliações de marcas ou produtos específicos e determinar, até certo ponto, as intenções de compra e o comportamento dos indivíduos.

Desta forma, a distância cultural estaria ligada ao «efeito país de origem» por meio de um sentimento positivo ou negativo em relação ao país de origem. No caso de existência de uma proximidade cultural, a avaliação afetiva em relação ao país diminuiria o sentimento de animosidade. Ao passo em que esta proximidade permite a concepção de uma imagem mais real do país de origem, favorece a diminuição do «efeito halo» e uma melhor avaliação dos produtos feitos no país estrangeiro.

Em conseqüência, a distância cultural estaria presente também na envolvente do «viés em diferentes categorias de produtos», uma vez que o consumidor reconheceria melhor a identidade cultural que os produtos de países próximos culturalmente carregam. A proximidade cultural permite uma exposição maior aos elementos culturais do país de origem, e assim facilita uma melhor familiarização com os produtos oriundos desta cultura.

Por outro lado, os consumidores demonstrariam maior flexibilidade em termos do «viés para o mercado doméstico» em relação a países com maior proximidade cultural, em detrimento daqueles originários de países culturalmente distantes (Sharma et al., 1995). Este fato deriva do entendimento de que as pessoas interpretam outras unidades sociais a partir da perspectiva de seu próprio grupo, e assim, possuem uma facilidade maior em aceitar aqueles que são culturalmente próximos e rejeitar as pessoas (e produtos) que são culturalmente desiguais (Booth, 1979).

Quanto aos «consumidores etnocêntricos», estes escolheriam como primeira opção produtos de países culturalmente similares quando alternativas nacionais não estão disponíveis (Watson e Wright, 2000). Desta forma, uma identificação positiva com países culturalmente próximos, se reflete numa auto-valorização dos produtos destes países. Tanto devido a empatia em termos de identidade, quanto a percepção de apoio a competitividade econômica destes países, recusando apoiar países dos quais o consumidor não possui envolvimento cultural.

A distância cultural tem recebido atenção pela literatura de negócios internacionais e tem sido identificada como um fator-chave na explicação de relações de trocas internacionais (Evans, Treadgold e Mavondo, 2000). No âmbito dos elementos apontados por este estudo, a proximidade cultural tem sido destacada não só como influenciador de relações comerciais internacionais, mas também como aquisição de produtos importados. No caso luso-brasileiro, a proximidade cultural entre Brasil e Portugal pode se destacar como um elemento estimulador de relações de troca entre estes países. Para Costa (2006), a proximidade cultural entre Brasil e Portugal tem auxiliado o ingresso de empresas portuguesas no mercado brasileiro, especialmente no caso de empresas de menor dimensão.

O Brasil é o principal destino do investimento externo de origem portuguesa, acolhendo mais de 40% dos fluxos totais de IDE com origem em Portugal (Silva, 2005). A proximidade cultural entre os dois países tem assumido a função de alavanca para este investimento. Por outro lado, uma análise que merece atenção é a receptividade dos consumidores brasileiros aos produtos portugueses, dada a proximidade cultural.

Em suma, considera-se que o entendimento do comportamento de compra de produtos importados deve ser analisado de maneira integrada: por um lado uma análise no âmbito do país receptor, e por outro uma análise do país de origem. A distância cultural deve ser incluída na análise como variável moderadora, servindo como elemento de aproximação entre o país receptor e o país de origem.

 

Conclusão

O presente estudo teve como objetivo analisar as teorias de marketing que versam sobre o comportamento de compra de produtos importados e propor uma ampliação do escopo teórico por meio de um modelo integrado. Considera-se que as trocas internacionais devem ser observadas nos dois extremos: de um lado o país de origem e do outro lado o país receptor. Em complemento, a distância cultural pode atuar como moderador das relações de troca internacional, dado seu poder de influência na decisão de compra de produtos importados.

Por fim, destaca-se a importância de analisar a proximidade cultural e elementos do consumo de produtos importados. Estudos na área de negócios internacionais focam primordialmente o lado do vendedor, deixando uma lacuna teórica no entendimento das relações de trocas internacionais por não englobar o lado do comprador. A construção de elementos teóricos que permitem analisar a compra de produtos importados contribui com a redução da lacuna teórica.

Entende-se que este artigo consiste num ensaio teórico, e as visões aqui apresentadas limitam-se a formulações teóricas passíveis de contestação e validação empírica. Ressalta-se que as considerações apresentadas não devem ser vistas como conclusivas. Outras abordagens teóricas acerca do comportamento de compra de produtos importados podem ser incorporadas ao modelo.

A visão integrada das teorias de marketing acerca do comportamento de compra de produtos importados proporciona uma ampliação do escopo da área, estimulando assim a realização de estudos que considerem tanto o país de origem como o mercado receptor no entendimento das relações de trocas num mercado global.

 

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Recebido em Janeiro de 2010 e aceite em Julho de 2010.

Received in January 2010 and accepted in July 2010.

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